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H. Moysés Nussenzveig. Fluidos en Os acoes e Ondas Calor A Lei de Direito Autoral (Lei n° 9.610 de 19/2/98) no Titulo VII, Capitulo II diz — Das Sangoes Civis: Art. 102 Art, 103 O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, podera requerer a apreensao dos exemplares reproduzidos ou a suspensao da divulgacao, sem prejuizo da indenizagao cabivel. Quem editar obra literdria, artistica ou cientifica, sem autorizagao do titular, perdera para este os exemplares que se apreenderem pagar-lhe-a 0 prego dos que tiver vendido. Pardgrafo unico. Nao se conhecendo 0 nimero de exemplares que constituem a edico fraudulenta, pagar o transgressor 0 valor de trés mil exemplares, além dos apreendidos. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depdsito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, pro- veito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, sera so- lidariamente responsavel com 0 contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador ¢ 0 distribuidor em caso de reprodugao no exterior. iii H, MOYSES NUSSENZVEIG Professor Emérito do Instituto de Fisica da Universidade Federal do Rio de Janeiro Curso de FISICA BASICA L FLUIDOS OSCILACOES E ONDAS CALOR 42 edicao, revista C EDITORA BLUCHER www. blucher.com.br Contetido CAPITULO 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS 445 dr2s 1.3: 1.4. H1: 1.6. oT Problemas do Capitulo 1 Propricdades|dosiiUidas/t.sseseaee sessment 8.13.1, Remsen ee enet "ol Se gy 1 Pressao num fluido Equilibrio num campo de for¢as Fluido incompressivel no campo gravilavional Aplicagdes (a) Principio de Pasca (b) Vasos comunicantes (c) Pressao atmosférica. Manometro: Principio de Arquimedes........ Equilibrio dos corpos flutuantes Variagao da pressao atmosférica com a altitude CAPITULO 2 — NOCOES DE HIDRODINAMICA 24, i Se 2.4, 2.5. 2.6. 2:1. Problemas do Capitulo 2 Métodos de descricdo € regimes de CSCOAMENO ...sssssssss+ssssssssssvesesessssssveessvseeeeeeeee AT Conservacao da massa. Equagao de continuidade Forgas num fluido em movimento ... Equacao de Bernoulli Aplicagdes (a) Formula de Torricelli (b) Tubo de Pitot . (c) Fenémeno de Venturi Circulagao. Aplicagées . (a) Circulagao .......... (b) Escoamentos rotacionais e irrotacionais (c) Efeito Magnus .............. (d) Conservacao da circulacao. Vértices . (e) Critica da hidrodinamica classica VisCOSIdAdE ........sseesseeeees (a) Definicdo da viscosidade . (b) Lei de Hagen-Poiseuille..... (c) Discussao qualitativa dos efeitos da viscosidade vi CAPITULO 3 — O OSCILADOR HARMONICO 3.1. Introdugao........ 3.2. Oscilagdes harmonicas . (a) Solugées .. (b) Linearidade e principio de superposigaéo (c) Interpretaco fisica dos parametros (d) Ajuste das condig6es iniciais....... (e) Energia do oscilador 3.3. Exemplos e aplicagdes (a) O péndulo de torgao (b) O péndulo simples (c) O péndulo fisico ... (d) Oscilagdes de um liquido num tubo em U (e) Oscilagdes de duas particulas 3.4. Movimento harménico simples e movimento circular heiraeme Notagao complexa . Numeros complexos . A formula de Euler... Aplicacao ao oscilador harménico 3.5. Superposicdo de movimentos harménicos simples (a) Mesma diregao e freqiiéncia... iN (b) Mesma diregao e freqiiéncias diferentes. Batimento (c) Mesma freqiiéncia e direcdes perpendiculares ..... (d) Freqiiéncias diferentes e diregdes perpendiculares . Problemas do Capitulo 3 .......cccssseceseeeseeseeeeseereesesseey CAPiTULO 4 — OSCILACOES AMORTECIDAS E FORCADAS 4.1. Oscilagdes:amortecidas 4.2. Discussao dos resultados. (a) Amortecimento subcritico (y/2 < ao (b) Amortecimento supercritico (y/2 > @p) . (c) Amortecimento critico (7/2 = 9) 4.3. Oscilacdes forcadas. Ressonancia .... (a) Solucao estacionaria (b) Interpretacao fisica . (c) Efeito das condigées iniciais 4.4. Oscilacdes forgadas amortecidas . (a) Solucao estacionaria .. (b) Efeitos de ressonancia 4.5. O balango de energia Regime estacionario. 4.6. Oscilagdes acopladas Interpretacao fisica Ajuste das condigdes inciais . Outros exemplos de osciladores acoplados . Oscilagdes transversais Problemas do Capitulo 4. Vil CAPITULO 5 — ONDAS 5.1. O conceito de onda 5 5.2. Ondas em uma dimensao (a) Ondas progressivas (b) Ondas harmonicas. (c) A equagao de ondas unidimensional 5.3. A equacao das cordas vibrantes............. (a) Equagao de movimento (b) Solugao geral........0... (c) O principio de superposigaéo 5.4. Intensidade de uma onda 5.5. Interferéncia de ondas (a) Ondas no mesmo sentido. (b) Sentidos opostos; ondas estaciondrias (c) Batimentos; velocidade de grupo 5.6. Reflexdo de Ondas......esecceeseeee 5.7. Modos normais de vibracao... Rene eth 5.8. Movimento geral da corda e andlise a aes Problemas do Capitulo 5 ...c.csccssessssesssseesssesssseecses CAPITULO 6 — SOM 6.1. Natureza do som 6.2. Ondas sonoras (a) Relacao densidade — pressao 23) (b) Relagaéo deslocamento — densidade 25 (c) Relacao pressao — deslocamento 26 (d) A velocidade do Som .....essse 27 Velocidade do som em gases 28 Velocidade do som na agua 129 6.3. Ondas sonoras harménicas. Intensidade Intensidade . 6.4. Sons musicais. Altura e timbre. Fontes sonoras Fontes sonoras Colunas de ar.. 35 Membranas e placas vibrantes . 37 Ultrassons 37 6.5. Ondas em mais dimensde 38 Ondas esféricas . Ondas bidimensionais . 6.6. 0 principio de Huygens. 6.7. Reflexdo e refragao.... viii 6.8. Interferéncia em mais dimensoes . 6.9. Efeito Doppler. Cone de Mach.. (a) Efeito Doppler ........... Fonte em repouso Fonte em movimentt Fonte e observador em movimento Movimento numa direcao qualquer (b) Cone de Mach Problemas do Capitulo 6 .......sssssssssessssessssecsssssesessnescessneccssncecsunscessnsecesnstecssssesssnscsasanecsesaesessans CAPITULO 7 — TEMPERATURA 7.1, Introdugao 7.2. Equilibrio térmico e a lei zero da termodinamica 7.3. Temperatura Termdmetros 7.4. O termémetro de gas a volume constante . 7.5. Dilatacdo térmica. Problemas do Capitulo 7 CAPITULO 8 — CALOR. PRIMEIRA LEI DA TERMODINAMICA 8.1. A natureza do CalOF ........ssecsssecreenees 8.2. Quantidade de calor ... Capacidade térmica Capacidade térmica molar Reservatdrio térmico . 8.3. Conducao de calor 8.4. O equivalente mecanico da caloria. 8.5. A primeira lei da termodinamica Galoty 2-225 8.6. Processos reversiveis . Representacéo grafica Calor num processo reversivel 8.7. Exemplos de processos..... (a)iGiclov Res... (b) Processo isobarico (c) Processo adiabatico . Problemas do Capitulo 8 CAPITULO 9 — PROPRIEDADES DOS GASES 9.1. Equagao de estado dos gases ideas .....ssescssescssesecssscsssnecssneccsnceennnecsnnnieceanssssaneceets 188 (a) A lei de Boyle... . 188 (b) A lei de Charles 89 (c) A lei dos gases perfeitos. 90 (d) Trabalho na expansdo isotérmica de um gas ideal .......ssseccsseesssseceesessssneeseeneeeeee 91 9.2. Energia interna de um gas ideal .. (a) A experiéncia de Joule .. . (b) A experiéncia de Joule- ET Ronse) (c) Entalpia 9.3. Capacidades térmicas molares de um gas idea Energia interna de um gas ideal ...............0 9.4. Processos adiabaticos num gas ideal . Trabalho numa expansao adiabatic Aplicacao a velocidade do som Problemas do Capitulo 9... escsesseessecsessssessecsuesssssssuecssscssscsssesssscasscsseesssessssscsecsssesssvessnsssnessee CAPITULO 10 — A SEGUNDA LEI DA TERMODINAMICA 0.1. Introdugao ... = ees ae 10.2. Enunciados ae Clausius e e Kelvin da Bee sale let, Conseqiiéncias imediatas do enunciado de Kelvin 0.3. Motor térmico. Refrigerador. Equivaléncia dos dois enunciados . (a) Motor térmico (b) Refrigerador ... (c) Equivaléncia entre os enunciados (K) e 0.4. O ciclo de Carnot... Teorema de Carno: 0.5. A escala termodinamica de temperatura. Zero AbSOltO}...s--scrs--e.sratereervercercaets 0.6. O teorema de Clausius......... 0.7. Entropia. Processos reversiveis . Casos particulares «00... 0.8. Variacao de entropia em processos irreversiveis 0.9. O principio do aumento da entropia ......seeeen es Problemas do Capitulo 10.0.0... csessessessssesssesecvecsessussnessecsucsneesecsusansssecsecssessessseasssssesssssesssesees (Go CAPITULO 11 — TEORIA CINETICA DOS GASES 1.1. A teoria atomica da matéria (a) A hipotese atémica na antiguidade (b) O conceito de elementos .. (c) A lei das propor¢oes definidas e a lei das proporgées miltiplas (d) A lei das combinagées volumétricas (e) A hipdtese de Avogadro (f) Massa atémica e molecular; mol. 11.2. A teoria cinética dos gases Hipoteses basicas .... 11.3. Teoria cinética da pressao Lei de Dalton . Velocidade quadratica média 11.4. A lei dos gases perfeitos....... (a) A equiparticao da energia de translacao 246 (b) Conseqiiéncias ...... (c) Temperatura e energia cinética m| 11.5. Calores especificos e equiparticao da energia 11.6. Livre percurso médio 11.7. Gases reais. A equacao de Van der Waals (a) Efeito do tamanho finito das moléculas . (b) Efeito da interagao atrativa ... (c) Isotermas de Van der Waals (d) Discussao Proplemmasid oO GaprtlOvle er scssceercccostecdescessssastevwsvssersseeseteceetasoveeetaterets xtsTedson ane sve eeesacte cbeoesese 266 256 259 260 261 CAPITULO 12 — NOGOES DE MECANICA ESTATISTICA ifort OA CAO! eee ec-sccasorecenssanacensscascesmte estas tssscvstietpsestcatroreraceaectsosesenl vrvancsuerogessuetenertttadurye #9 268 12.2. A distribuigaéo de Maxwell (a) O método de Boltzmann .. (b) A distribuigdo da componente v,. (c) Discussao (d) A distribuigéo de Maxwell . (e) Velocidades caracteristicas (f) Distribuigdo de Boltzmann .. 12.3. Verificagao experimental da distrib ietette en 12.4. Movimento browniano Passeio ao acaso unidimensional A relacdo de Einstein ...........0.... 12.5. Interpretacao estatistica da entropia (a) Macroestados e microestados (b) Entropia e probabilidade 12.6. A seta do tempo (a) A seta do tempo termodi: (b) A seta do tempo cosmoldgica .. Problemas do Capitulo 12 RESPOSTAS DOS PROBLEMAS PROPOSTOS BIBLIOGRAFIA. {NDICE ALFABETICO, Capitulo ESTATICA DOS FLUIDOS 1.1 — Propriedades dos fluidos Na parte anterior deste curso, discutimos propriedades dos corpos rigidos, que representam uma idealizacao de corpos sdlidos. Neste capitulo e no préximo, vamos discutir a mecAnica dos fluidos, que compreendem tanto liquidos como gases. Um corpo sdlido tem geralmente volume e forma bem definidos, que s6 se alteram (usualmente pouco) em resposta a forgas externas. Um liquido tem volume bem definido, mas nao a forma: mantendo seu volume, amolda-se ao recipiente que o contém. Um gas nao tem nem forma nem volume bem definidos, expandindo-se até ocupar todo o volume do recipiente que 0 contém. Liquidos e gases tém em comum, gragas a facilidade de deformacao, a pro- priedade de poderem se escoar ou fluir facilmente, donde o nome de fluidos. Para uma definicdo mais precisa, é necessério classificar os diferentes tipos de forgas que atuam num meio material. Se considerarmos um elemento de superficie situado no meio (externo ou interno), as forcas que atuam sobre esse elemento sao geralmente proporcionais a sua area. A forga por unidade de area chama-se tens4o, e é preciso distinguir entre tensdes normais e tangenciais as superficies sobre as quais atuam. Os diferentes tipos de tensdes normais e tan- genciais estao ilustrados na Fig. 1.1. Em (a), 0 bloco ole B, suspenso por um fio do teto, exerce sobre um B va A elemento de superficie do teto uma tensao T nor- a mal de tra¢ao. Em (b), 0 bloco, apoiado no chao, i exerce sobre um elemento de superficie do mesmo a TY uma tensao T’ também normal, de compressao, ou, T, T, simplesmente, uma pressdo. Em (c) 0 bloco esta (a) (b) (c) colado entre duas paredes. Em elementos da superficie de contato do bloco com a cola, ele _ Figura 1.1 — Tensoes normais e tangenciais exerce sobre a mesma tens6es tangenciais Ty, To, também chamadas de tens6es de cisalhamento. Estas tensdes tenderiam a produzir um deslizamento de camadas adjacentes da cola umas sobre outras. As reacGes iguais e contrarias a esse deslizamento, opostas pela cola solidificada, equilibram o peso do bloco, sustentando- o entre as paredes. . A diferenga fundamental entre sdlidos e fluidos esta na forma de responder as tensdes tangenciais. Um s6lido submetido a uma forga externa tangencial a sua superficie deforma-se até que sejam produzidas tensdes tangenciais internas que equilibrem a for¢a externa; depois, permanece em equilfbrio, ou seja, em repouso. Se a forca externa nao for excessivamente 2 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS. grande, a deformacao é eldstica, ou seja, 0 sdlido volta a situac4o inicial quando é retirada a forga externa. As deformagées elasticas, tipicamente, sao muito pequenas em confronto com as dimensGes do corpo solido. Um fluido, ao contrario de um s6lido, nao pode equilibrar uma forga tangencial, por menor que ela seja. Quando submetido a uma for¢a tangencial, 0 fluido se escoa, e permanece em movimento enquanto a forca estiver sendo aplicada. No exemplo (c) da Fig. 1.1, enquanto a cola ainda esta fluida, ela escorre ao longo das paredes sob a acao do peso; é sé quando se solidifica que pode equilibrar as forgas tangenciais exercidas pelo bloco. Uma for¢a arbitrariamente pequena pode produzir num fluido uma deformagao arbitraria- mente grande, desde que atue durante um tempo suficiente. Um fluido real opée resisténcia ao deslizamento relativo de camadas adjacentes: esta resisténcia mede a viscosidade do fluido, e depende da taxa de variagao espacial da velocidade relativa de deslizamento. Assim, enquanto num s6lido a resisténcia a esforgos tangenciais depende da deformagao, num fluido ela depende da velocidade de deformacao, e é por isto que forcas pequenas atuando durante tempos grandes podem produzir grandes deformagoes. Por conseguinte, num fluido em equilibrio (velocidade nula), nao pode haver tensdes tangenciais. Existe toda uma gama de substancias com propriedades intermediarias entre sdlidos e fluidos, dependendo da natureza e da magnitude das forgas, bem como da escala de tempo em que 0 escoamento sob a acao de esforgos tangenciais se torna visivel: massa de pao, gelatina, piche, etc. O piche se fratura como um sdlido sob a acgao de um impacto brusco, mas também se escoa como um fluido, embora com extrema lentidao. No presente capitulo vamos tratar de propriedades dos fluidos em equilibrio, ou seja, da estatica dos fluidos. 1.2 — Pressao num fluido Na escala macroscopica, um fluido se comporta como um meio continuo, ou seja, suas proprie- dades variam com continuidade num entorno de cada ponto do fluido. Isto deixaria de valer na escala microscépica: em dimensoes correspondentes as distancias interatomicas, as propriedades sofrem flutuagdes, que refletem a estrutura atémica da matéria e que serao estudadas mais tarde. Em condig6es usuais, as distancias interat6micas sao tao pequenas em confronto com dimensGes macroscépicas que as flutuagdes se tornam imperceptiveis, levando ao modelo do meio continuo (isto poderia deixar de valer para um gas extremamente rarefeito). Vamo-nos referir com freqiiéncia a "elementos de volume infinitésimos" de um fluido. Se AV = Ax Ay Az é um tal elemento, ele deve ser entendido como um "infinitésimo fisico". Isto significa que as dimensées Ax, Ay, Az devem ser muito menores que distancias macroscopicas, mas, ao mesmo tempo, muito maiores que distancias interatomicas, para que AV contenha um grande numero de atomos e as flutuacdes sejam despreziveis. Como as distancias interatomicas tipicas sao da ordem de 10° cm, é facil satisfazer simultaneamente a ambas as condigées. Assim, por exemplo, para 0 ar, em condigdes normais de temperatura e pressao, um cubo de 10° cm de aresta contém ainda da ordem de 3 x 10"° moléculas, e o numero é ainda maior para um liquido, como a agua. Consideragoes analogas se aplicam a um “elemento de superficie infinitésimo” AS = Ax Ay. Assim, podemos definir a densidade p num ponto P do fluido por = lim (2) _am (1.2.1) AV30\ AV av 1.2 — PRESSAO NUM FLUIDO 3 onde Am é a massa de um volume AV do fluido em torno do ponto P. O limite “AV > 0” nesta expressao deve ser interpretado como significando que AV é um infinitésimo fisico. A densidade assim definida tera entao variacao continua na escala macrosc6pica. A unidade SI de densidade é0 kg/m’, Um fluido esta em equilibrio quando cada porcao do fluido esté em equilibrio. Para isto, énecessério que a resultante das forcas que atuam sobre cada por¢ao do fluido se anule. Podemos classificar as forgas atuantes sobre uma por¢ao de um meio continuo em forgas volumétricas e forcas superficiais. As forgas volumétricas sao forcas de longo alcance, como a gravidade, que atuam em todos os pontos do meio, de tal forma que a forga resultante sobre um elemento de volume é proporcional ao volume. Assim, no caso da gravidade, a forga sobre um elemento de volume AV em torno de um ponto do meio onde a densidade é p é AF = Amg = pgAV (1.2.2) onde g é a aceleragao da gravidade. Outros exemplos de forcas volumétricas seriam forgas elétricas sobre um fluido carregado ou for¢as centrifugas sobre um fluido em rotacao, num referencial nao inercial, que acompanha a rotaco do fluido (Seco 1.4). As forcas superficiais sao forcas de interacao en- tre uma dada porcao do meio, limitada por uma <7 superficie S, e porgdes adjacentes; sao forgas inte- | ratomicas, de curto alcance, transmitidas através da superficie S. A reagao de contato entre dois corpos Figura 1.2 — Forcas superficiais atuam na s6lidos, estudada no curso anterior, éum exemplo de _ interface (seta) entre porgées adjacentes ‘orga superficial. Num recipiente contendo um liquido, a forga com que a por¢ao do liquido situada acima de uma dada seccao horizontal atua sobre a porgao situada abaixo (Fig. 1.2) é uma forca superficial, aplicada na superficie de separacao. A forga superficial sobre um elemento de super- icie AS é proporcional a area AS, e a forca por unidade de area corresponde a tensao (Secao 1.1). Em geral ela pode depender da inclinagao do elemento de AS superficie: no exemplo acima, poderfamos tomar uma seccao vertical ou obliqua, em lugar de horizontal. Podemos especificar a inclinagdo dando o vetor Figura 1.3 — Normal externa unitaério A da normal a AS, convencionando uma orientacdo para fh. Vamos adotar a convencao (Fig. 1.3) de que fi é a normal externa, dirigida ara fora da por¢ao do meio que estamos considerando. Assim, fi aponta para fora do meio sobre a superficie do qual esta sendo exercida a forga superficial, e para dentro da porcao contigua do meio, que esta exercendo essa forga. Uma componente positiva de tensao ao longo de fi representa um esforgo de tragdo, uma componente negativa, uma pressao (Secao 1). Consideremos agora 0 caso de um fluido em equilibrio. Neste caso, como vimos na Seco -1, nao pode haver tensées tangenciais: a forca superficial sobre um elemento de superficie dS corresponde a uma pressao p: dF =-pfidS (4.2.3) dF AF == et <2 quae q ds | asn0 AS Gey 4 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS é sempre positiva, e o sinal (—) na (1.2.3) indica tratar-se de uma pressao. Note que a pressao é uma grandeza escalar. A presséo p num ponto P do fluido sobre um ii elemento de superficie dS poderia depender, como a vimos, nfo s6 de P mas também da orientacao (Fig. Je 1.4) da normal fi ao elemento dS: p = p (P, fi). Vamos ver agora que, num ponto qualquer de um fluido em equilibrio, p nao depende de fi: a presséo num ponto de um fluido em equilibrio 6 a mesma em todas as diregées. Para demonstrar este resultado, consideremos 0 equilibrio de um cilindro infinitésimo do fluido de bases dS e dS’ com normais fi e fi’ respectivamente, e geratriz dz, onde tomamos 0 eixo z paralelo a fi (Fig. AN5)3 A condicao de equilibrio é que a resultante de todas as forcas (volumétricas e superficiais) sobre o cilindro se anule. Vamos escrever as contribui¢gdes para a componente z da resultante. As presses sobre a superficie lateral do cilindro Figura 1.5 — Equilibrio de um cilindro de sAo normais ao eixo z, de modo que nao contribuem. fluido Pela (1.2.3), a forca na base superior contribui com (k = versor de Oz) —p(P’,n’)dS'f’-k =—p(P’,A’)dS’cos 0 onde P’ é 0 centro da base superior (Fig. 1.5). A forga na base inferior contribui com —p(P,-n)dS(-n :k) = p(P,n)dS pois h=ke pe, —fi)=p(P, fi) pela definigao de p e pelo principio de agao e reagao. Como dS’cosd=dS (1.2.5) a contribuigao total das forcas superficiais é [-p(P’,n’)+ p(P, n)IdS (1.2.6) A contribuigao das forgas volumétricas pode ser desprezada, porque é proporcional a dS dz, que é infinitésimo de ordem superior. Analogamente, podemos tomar, na (1.2.6), p(P’,n’) = p(P, A’) (1.2.7) porque a diferenga entre as pressdes em P e P’ é infinitésima. Logo, a condigao de equilibrio da [-p(P, 1’) + p(P,H)ldS =0 ou seja p(P, a’) = p(P,n) (1.2.8) quaisquer que sejam fi’ e A, como queriamos demonstrar: a pressdo no interior do fluido sé depende da posi¢ao P: p =p (P). A unidade SI de pressao é 1 N/m? = 1 pascal = 1 Pa. Também sao utilizados 0 bar = 10° N/ m?=10N/cm? = 10° milibars, a atmosfera = 1 atm = 1,013 x 10° N/m?, eo milfmetro de mercurio = 1mm -Hg = 1,316 x 10° atm. 1.3 — EQUILIBRIO NUM CAMPO DE FORCAS > 1.3 — Equilibrio num campo de forgas Consideremos um fluido em equilibrio num campo de forgas. Seja AF =f AV (1.3.1) a forca volumétrica que atua sobre um volume AV do fluido. A densidade de forca f (forca por unidade de volume), pela (1.2.2), seria f=pg (1.3.2) no caso do campo gravitacional. Para obter 0 efeito das forcgas volumétricas sobre 0 equilibrio de um elemento de volume cilindrico do tipo ilustrado na Fig. 1.6, é preciso, conforme vimos na Secao anterior, incluir no calculo infinitésimos da P'(x,y,z+d2) ordem de dS dz. Com efeito, a forca volumétrica na direcao z que atua sobre o cilindro é, pelas (1.3.1) e (1.3.2); L,dS dz (1.3.3) As coordenadas dos pontos Pe P’na Fig. 1.6 sa0, Figura 1.6 — Equilibrio de um cilindro respectivamente, (x, y, z) e (x, y, z + dz). Logo, pela (1.2.6), a contribuicao das forcas superficiais 6 L-plx, y,z+dz)+ plx,y,z)ldS (1.3.4) e nao podemos mais empregar a aproximagao (1.2.7). Temos agora, a menos de infinitésimos de ordem superior, P(x, y,2+dz)— p(x, y,z)= Pix, y,zide de modo que, somando as (1.3.3) e (1.3.4), a condi¢do de equilibrio fica — | ae has dz=0 a o que da a PB (1.3.5) oz ou seja, a componente z da densidade de forca volumétrica é igual a taxa de variacao da pressao com Zz, Da mesma forma que tomamos fi paralelo ao eixo z, poderiamos ter escolhido um cilindro com fi paralelo aos eixos x ou y, levando a resultados andlogos para as componentes f, e fy. Portanto, wep ieee epi riop! Ai ax" ie ay’ lea (1.3.6) que sao as equacées basicas da estatica dos fluidos. Lembrando a definicdo do gradiente™ de uma fungao escalar (1*, Sec. 7.4), podemos escrever as (1.3.6) como f= grad p (1.3.7) ou seja, a densidade de forca volumétrica é igual ao gradiente da pressdo. * Areferéncia a 1 indica sempre o vol. 1 deste Curso. 6 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS Pelas propriedades gerais do gradiente, o vetor grad p é normal as superficies isobaricas, definidas como superficies sobre as quais a pressao é constante, e aponta no sentido em que p cresce mais rapidamente. Pela (1.3.7), estes sao o sentido e a direcao da forga volumétrica no ponto correspondente do fluido. Uma forca volumétrica que sempre atua sobre o fluido é a forga gravitacional, cuja densidade, pela (1.3.2), € f=pg =-pgk (1.3.8) tomando 0 eixo z orientado verticalmente para cima. Neste caso, f= f,=0,e as (1.3.6) mos- tram que p 86 depende da altitude z, p = p (2), e @ pg 4.3.9) VA Logo, no campo gravitacional, a pressdéo num fluido decresce com a altitude e cresce com a profundidade, como seria de esperar. A sua taxa de variacdo com a altitude é igual ao peso especffico pg do fluido (peso por unidade de volume). Para o elemento de volume cilindrico da Fig. 1.6, a forga de pressao sobre a base inferior excede aquela exercida sobre a base superior pelo peso do fluido contido no cilindro, o que leva a (1.3.9). 1.4 — Hluido incompressivel no campo gravitacional A densidade de um liquido varia geralmente muito pouco, mesmo quando submetido a pressoes considerdveis. Por exemplo: a densidade da agua s6 aumenta de ~ 0,5% quando a pressao varia de 1 atm a 100 atm, a temperatura ambiente. Podemos portanto, com muito boa aproximagao, tratar um lfquido, na estatica dos fluidos, como um fluido incompressivel, definido por: p = constante. Em muitos casos, a forca volumétrica F é conservativa. Conforme foi visto em 1, Secdo 7.4, isto implica que F=- grad U (1.4.1) onde U éa energia potencial no campo de forgas F. Se u é a densidade de energia potencial correspondente (energia potencial por unidade de volume), temos entao, pelas (1.3.1) e (1.3.7), f=- gradu= gradp (1.4.2) Como as derivadas parciais de (- u) e p em relagao a x, y ez (componentes do gradiente) tém de ser iguais, essas duas fun¢des da posi¢ao sé podem diferir por uma constante: p= -u-+ constante (1.4.3) Em particular, as superficies isobaricas sao também superticies equipotenciais. A superficie livre de um liquido, em contato com a atmosfera, é uma superficie isobarica, pois todos os seus pontos estéo submetidos a pressao atmosférica. Logo, a superficie livre de um lfquido em equilibrio no campo gravitacional é uma superficie equipotencial desse campo. Assim, a superficie livre dos oceanos é uma superficie esférica, com centro no centro da Terra. Se nos limitarmos 4 escala de laboratdrio, na vizinhanga da superficie da Terra, a energia potencial de uma massa m é m gz (z= altitude), de forma que a densidade de energia potencial de um fluido de densidade p é u=pgz (1.4.4) ea superficie livre de um liquido em equilibrio é uma superficie horizontal (z = constante). A (1.4.3) fica, neste caso, 1.4 — FLUIDO INCOMPRESSIVEL NO CAMPO GRAVITACIONAL 7 p(z)=—pgz+ constante (1.4.5) © que também decorre diretamente da (1.3.9), integrando-a em relaco a z. A variacdo de pressao entre as altitudes z, € zy é P(Z2)— plz) =—pglZy - 4) (1.4.6) Se z; corresponde a superficie livre do liquido, em contato com a atmosfera, D(z) = Po = pressao atmosférica € % ~ Z, = h € a profundidade abaixo da superficie livre. A (1.4.6) dé entao a variacao da pressdo com a profundidade: P=Py+pgh (1.4.7) que € a lei de Stevin: a pressao no interior do fluido aumenta linearmente com a profundidade (Fig. 1.7). Liquido em rotacao: Consideremos um recipiente contendo liquido, em rotacao uniforme com velocida- de angular em relacao ao eixo vertical z (Fig. 1.8). Como foi mencionado quando discutimos a "experién- cia do balde girante" de Newton (1, Secao 13. 7), apés algum tempo, o liquido gira rigidamente junto com o recipiente. Nestas condicdes, num referencial nao inercial S’ que gira com 0 recipiente, o liquido esta em equilibrio. Em S’, além da forca da gravidade, de densidade de energia potencial (1.4.4), atuam sobre o fluido as forcas centrifugas, dadas por (1, Sec&o 13.3) AF, = Am-o° rt (1.4.8) para uma massa Am = pAV do fluido situada a dis- Figura 1.8 — Perfil parabélico tancia r do eixo (Fig. 1.8); o vetorf aponta radialmente para AV a partir do eixo. Temos portanto para a densidade de forc¢a centrifuga due (1.4.9) ir {, = port =- grad u, =— onde a densidade de "energia potencial centrifuga" u, (r) 6 dada por u,(r) --4 parr? (1.4.10) que devemos somar 4 (1.4.4) para obter a densidade total. Substituindo na (1.4.3), obtemos p= 5 por? —pgz+ constante Tomando a origem O no ponto da superficie livre situado no eixo, vemos, fazendo r=Z=0, quea constante é p = po (pressao atmosférica). Logo, a distribuicao de pressdo no liquido é dada por 8 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS al P= +5 pa*r - pgz (1.4.11) A equacao da superficie livre (p = po) € a. zoo? (4.4.12) 2g que é um paraboldide de revolucao (Fig. 1.8). Esta propriedade ja foi utilizada para construir um espelho parabélico de eixo vertical, pela rotacao de um recipiente com merctrio. A rotacao da Terra também modifica a forma da superficie livre dos oceanos: em lugar de uma esfera, tem-se um esferdide oblato. 1.5 — Aplicacoes (a) Principio de Pascal Pela lei de Stevin (1.4.6), a diferenca de pressao entre dois pontos de um liquido homogéneo em equilfbrio é constante, dependendo apenas do desnivel entre esses pontos. Logo, se produzirmos uma variagao de pressao num ponto de um liquido em equilibrio, essa variacao se transmite a todo o liquido, ou seja, todos os pontos do liquido sofrem a mesma varia¢ao de pressao. Este princfpio foi enunciado por Pascal, que, em seu "Tratado sobre o Equilibrio dos Li- quidos" (1663), também o aplicou a prensa hidrdulica, dizendo: "Se um recipiente cheio de agua (Fig. 1.9), fecha- do, tem duas aberturas, uma cem vezes maior que a outra: colocando um pistéo bem justo em cada uma, um homem empurrando 0 pistao pequeno igualara a > forcga de cem homens empurrando 0 pistao cem vezes maior... E qualquer que seja a proporcao das abertu- ras, estarao em equilibrio". Ou seja, se F; e F, sao as magnitudes das forcas sobre os pistes de areas A; e A, respectivamente, temos Fy/A, = Fo/Ap. (b) Vasos comunicantes Se um recipiente é formado de diversos ramos que se comunicam entre si (Fig. 1.10), continua valendo que a superficie livre de um liquido que ocupa as diferentes partes do recipiente é horizontal, ou seja, o liquido sobe 4 mesma altura h em todos os ramos (principio dos vasos comunicantes). Isto também resulta imedia- tamente da lei de Stevin (1.4.7) e da igualdade da pressdo p em qualquer ponto do fundo do recipiente. Note que a pressao no fluido também tem o mesmo valor em quaisquer pontos dos diferentes ramos que estejam 4 mesma altura z. Se, em dois ramos de um tubo em U, temos dois liquidos de densidades diferentes, p; # p2, que nao se misturam, eles subirdo a alturas diferentes em relagdo Figura 1.11 — Tubo em U aum plano AB (Fig. 1.11) que passa todo pelo mesmo 1.5 — APLICACOES 9 fluido. Sep 6a pressdo sobre AB, a (1.4.7) da: p = pg + px g hy = Po + P2 J hg, de modo que hy/h» = palpi. (c) Pressdo atmosférica. Manémetros O principio da bomba aspirante, o mesmo que produz a succao de um lfquido por uma seringa cujo émbolo é levantado, era conhecido desde a Antigiidade. Para explicar este e outros efeitos andlogos, dizia-se que "a Natureza tem horror ao vacuo": o liquido sobe na bomba quando o pistao sobe para nao permitir a formagao de um espaco vazio, onde existiria 0 vacuo. Na época de Galileu, um construtor projetou, para os jardins do duque de Toscana, uma bomba aspirante muito elevada, mas verificou-se que a 4gua nao podia ser aspirada a uma altura superior a 10 m. A explicacao foi dada por um estudante de Galileu, Evangelista Torricelli, que foi seu-sucessor na Academia de Florenga. Torricelli afirmou: “Vivemos no fundo de um oceano de ar, que, conforme mostra a experiéncia, sem dtivida tem peso”, devendo, portanto exercer sobre um corpo uma pressao atmosférica. Se esta pressao era justamente suficiente para elevar uma coluna de agua a uma altura de ~ 10 m, Torricelli previu que elevaria uma coluna de merciirio (13,6 vezes mais denso de que a Agua) a uma altura de ~10 m/13,6 ~ 76 cm. A experiéncia conhecida hoje Polfll|Po como “experiéncia de Torricelli” foi realizada em 1643 por seu colega Vicenzo Viviani: um tubo de vidro de aproximadamente 1 m de comprimento, fechado numa extremidade e cheio de merctrio, foi invertido numa cuba de mercurio, tampando antes com o dedo a extremidade aberta (Fig. 1.12). A coluna de mercurio baixa até uma altura ~ 76 cm. Como no “espago de Torricelli” acima da coluna forma-se um bom vacuo (a pressao de vapor do merctirio 6 muito pequena), a (1.4.7 mostra que a pressao atmosférica pp é dada por po = p gh, onde p éa densidade do merctrio. O instrumento constitui um barémetro de mercirio: a altura da coluna de mercurio permite obter diretamente a pressao atmosfeérica. Figura 1.12 — Barémetro de merctirio Tomando conhecimento desta experiéncia, Pascal concluiu que a altura da coluna barométrica devia diminuir no topo de uma montanha, onde a pressao atmosférica deveria ser menor. Pediu a seu cunhado Périer que fizesse a experiéncia no topo de uma montanha chamada Puy de Dome, ¢ o resultado foi que, para uma diferenca de altitude da ordem de 1.000 m, a coluna de merctrio baixava aproximadamente 8 cm (1648). Em 1654, Otto von Guericke, burgomestre de Magdeburgo, realizou uma demonstracao espetacular da pressao atmosférica. Conseguiu produzir um bom vacuo numa esfera de cobre formada juntando dois hemisférios, e duas parelhas, de oito cavalos cada, nao conseguiram separé-los. Estas experiéncias tiveram um papel importante, eliminan- do o preconceito do “horror ao vacuo". O manémetro de tubo aberto (Fig. 1.13) é um tubo em U contendo um liquido, com uma extremidade aberta para a atmosfera e a outra ligada ao recipiente onde se quer medir a pressao p. Pela (1.4.7), a pressao num ponto C do fundo do tubo se escreve, sendo pa densidade do liquido, Po=P + pgz= Po + pglh +z) o que da Figura 1.13 — Manémetro de tubo aberto 10 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS P-Py =pgh (4.5.1) Este resultado também exprime a igualdade das pressdes em pontos A e B do liquido situados a mesma altura z (Fig. 1.13). O instrumento mede a pressdo manométrica p — po; conhecendo a pressao atmosférica pg, obtém-se a pressao absoluta p. 1.6 — Principio de Arquimedes Consideremos um corpo sélido cilindrico circular de area da base A e altura h totalmente imerso num fluido em equilibrio, cuja densidade é p (Fig. 1.14). Por simetria, vemos que as forgas sobre a superficie lateral do cilindro se equilibram duas a duas [presses (p, p) ou (p’, p’) na figura]. Entretanto, a pressao p» exercida pelo fluido sobre a base inferior é maior do que a pressao p, sobre a base superior. Pela (1.4.7), Pe-Pi=pgh Logo, a resultante das for¢as superficiais exerci- das pelo fluido sobre o cilindro sera uma forc¢a verti- cal E = Ek dirigida para cima, com E=p,A—p,A=pghA = pVg = mg (1.6.1) onde V=hA é0 volume do cilindro e m= pV é a massa de fluido deslocada pelo cilindro. Por conseguinte, a forga E, que se chama empuxo, é dada por E=mgk =-P; (1.6.2) onde P;€ 0 peso da por¢ao de fluido deslocada. Figura 1.14 — Principio de Arquimedes Chega-se ao mesmo resultado aplicando o principio de solidificagao, enunciado por Stevin em 1586. Suponhamos que 0 corpo sélido imerso fosse totalmente substitufdo pelo fluido. O volume de‘fluido que ele deslocou estaria em equilibrio com 0 resto do fluido. Logo, a resultante das for¢as superficiais que atuam sobre a superficie S desse volume tem de ser igual e contraria a resultante das forcas volumétricas que atuam sobre ele, ou seja, ao peso da porcao de fluido deslocada. As presses superficiais nao se alteram se imaginarmos a superficie S “solidificada”. Logo, a resultante das forcas superficiais sobre 0 sdlido é igual e contraria ao peso da porgao de fluido deslocada. Este raciocinio mostra que o resultado nao de- pende da forma do solido imerso, que haviamos to- mado como sendo um cilindro. Como, para 0 fluido substituido, E e P; que se equilibram, estao aplicados no centro de gravidade C da por¢ao de fluido subs- tituida (Fig. 1.15, (a)), concluimos que 0 empuxo E sobre o s6lido esta aplicado no ponto C (Fig. 1.15 (b)), que se chama centro de empuxo. Além do empuxo (resultante das forgas super- Figura 1.15 — Centro de empuxo ficiais), atua sobre o sdlido, como forca volumétrica, 0 peso P, aplicado no centro de gravidade G do sdlido. Se a densidade média do sdlido é menor que a do liquido, ele nao pode ficar totalmente imerso, porque isto daria |E| > |P|; ele ficard entao flutuando, com o empuxo devido a porcao imersa equilibrando 0 peso do sdlido. Obtivemos assim o enunciado geral do Princfpio de Arquimedes: Um corpo total ou parcial- 1.6 — PRINCIPIO DE ARQUIMEDES VW mente imerso num fluido recebe do fluido um empuxo igual e contrario ao peso da porcio de fluido deslocada e aplicado no centro de gravidade da mesma. Arquimedes enunciou este principio no século III a.C. Segundo a lenda contada pelo historiador Vitrivio, Herao, rei de Siracusa, desconfiava ter sido enganado por um ourives, que teria misturado prata na confecgao de uma coroa de ouro, e pediu a Arquimedes que o verificasse: “Enquanto Arquimedes pensava sobre 0 problema, chegou por acaso ao banho publico, e 14, sentado na banheira, notou que a quantidade de agua que transbordava era igual 4 porgao imersa de seu corpo. Isto Ihe sugeriu um método de resolver 0 problema, e sem demora saltou alegremente da banheira e, correndo nu para casa, gritava bem alto que tinha achado o que procurava. Pois, enquanto corria, gritava repetidamente em grego ‘eu- reka, eureka’ (‘achei, achei’)”. Segundo o historiador, medindo os volumes de Agua deslocados por ouro e prata e pela coroa, Arquimedes teria comprovado a falsificacao. Equilibrio dos corpos flutuantes: Na posic¢ao de equilibrio, ndo sé a resultante de E (empuxo) e P (peso do corpo) tem de ser nula, mas também 0 torque resultante, o que exige (Fig. 1.15) que o centro de empuxo C eo centro de gravidade G do corpo estejam sobre a mesma vertical (1, Secao 12. 8). Entretanto, isto nao garante a estabilidade do equilibrio. Quando o corpo gira, a por¢ao de fluido deslocada muda de forma, e 0 novo centro de empuxo éC’ (Fig. 1.17). A vertical por C’ corta o eixo CG num ponto M que, para pequenas inclinagoes, resulta ser pratica- mente independente do angulo de inclinacao; M cha- ma-se metacentro. Figura 1.16 — Posicdo de equilibrio Se M esta acima de G, 0 torque gerado por E’eP (Fig. 1.17) tende a restabelecer a posigao de equilibrio, M e este 6 estavel; se M estiver abaixo de G, o torque tende a aumentar ainda mais 0 desvio, e 0 equilibrio \ Figura 1.18 — Paradoxo hidrostatico aaa —s—, é instavel. Quando uma ou mais pessoas se erguem Sie num barco, isto eleva G, e se G subir acima de M o barco tende a virar! oo Paradoxo hidrostatico: Conforme ja havia sido ob- Figura 1.17 — Metacentro servado por Stevin e por Pascal, se tivermos recipien- tes de formas muito diferentes, como os da Fig. 1.18, mas de mesma area da base A, e se a altura h do liquido : é a mesma em todos, a forga exercida sobre a base também é, embora 0 peso do liquido seja muito dife- rente (paradoxo hidrostatico). Isto resulta da igual- i dade das pressées exercidas sobre o fundo, que sé A A dependem da altura h. Entretanto, se equilibrarmos uma balanga com um frasco vazio sobre o prato, e depois despejarmos liquido, a diferenca de peso necessaria para reequi- libra-la é igual ao peso do liquido. Para compatibilizar estes resultados, notemos que a forca exercida pelo liquido sobre o prato da balanga é a resultante de todas as forcas exercidas pelo liquido sobre as paredes do frasco (Fig. 1.19). Figura 1.19 — Pesagem de liquido 12 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS Estas forcas, normais as paredes em cada ponto, sao iguais e contrarias as forcas exercidas elas paredes sobre o liquido. Mas a resultante das forgas superficiais sobre o liquido, como vimos na demonstragao do principio de Arquimedes, é igual e contraria ao peso do liquido. Logo, a resultante das pressées exercidas pelo lfquido sobre as paredes, aplicadas ao prato da balanga, é efetivamente igual ao peso do liquido. A explicagéo do paradoxo hidrostdtico resulta imediatamente dessas consideracoes. Assim, no caso da Fig. 1.20 (a), a resultante das pres- s6es sobre as superficies laterais tem uma componente para baixo que é responsavel pela diferenca entre 0 peso do lfquido ea forga sobre a base; no caso da Fig. 1.20 (b), essa componente é para cima e é somente no caso da Fig. 1.20 (c) que a forga sobre a base é igual ao peso do liquido. () Figura 1.20 — Explicacao do paradoxo hidrostatico 1.7 — Variacao da pressao atmosférica com a altitude A expressao (1.3.9), dj 2 = -og az vale para qualquer fluido em equilibrio no campo gravitacional, Para um fluido incompressivel (Kiquido), p é constante, o que levou a (1.4.6). Para um gas, porém, é preciso levar em conta a compressibilidade, ou seja, o fato de que p varia com a pressao. Se o gas esta contido num recipiente de dimensdes comparaveis a escala de laboratério, a variacéio de pressao entre o fundo e 0 topo é desprezivel, porque p é muito pequeno. Entretanto, isto nao vale para a atmosfera na escala de varios km. A densidade de um gas esté relacionada com a press&o e a temperatura através da equacao de estado. Para o ar, nas condigées existentes na atmosfera, vale, com boa aproximacao, a lei dos gases perfeitos (Se¢do 9.1). Para altitudes nao muito elevadas (< 1 km), podemos desprezar a variacao da temperatura com a altitude, supondo a atmosfera isotérmica. A temperatura constante, decorre da lei dos gases perfeitos que a densidade édiretamente proporcional a pressao: plz) _ p(0) _ Po ee (1.7.1) plz) pO) Po onde tomaremos z = 0 como sendo 0 nivel do mar. Substituindo a (1.7.1) na (1.3.9), vem OP __ PD ay = Ade (1.7.2) p Po onde 4 = py g/pp € uma constante. A (1.7.2) é andloga a equagao que encontramos para a va- riag’io da velocidade no movimento de um foguete (1, Seco 8.6) e se integra de forma analoga: fae inp, =Inp-In py =u(2 Je-afer =-lz (1.7.3) Pp Po Po o que leva a lei de Halley p(z)= per az Pod (1.7.4) Po PROBLEMAS DO CAPITULO 1 13 Esta formula barométrica mostra que a pressao, numa atmosfera isotérmica, decresce exponencial- mente com a altitude (Fig. 1.21), caindo a 1/e = 0.37 de seu valor inicial pp para uma altitude z = 1/2 = po/py g. Para o ar a temperatura de 15°C, a densidade ao nivel do mar e a pressdo de 1 atm = 1.013 x 10° N/m? 6 Po = 1.226 kg/m’, o que daria 1/A = 8,4 km. Esta éa ordem de grandeza da altitude da troposfera, a camada mais baixa da atmosfera. A temperatura na troposfera, em lugar de permanecer constante, tende a decrescer para altitudes mais elevadas. A (1.7.4) pode ser empregada se subdividimos a troposfera em camadas de temperatura aproximadamente constante, usando os valores de A adequados 4 temperatura média de cada camada. Na estratosfera, situada logo acima da troposfera, a aproximacao isotérmica é bastante melhor. PROBLEMAS DO CAPITULO 1 1. No sistema da Fig. P.1, a porcéo AC contém merctrio, BC contem éleo e o tanque aberto contém agua. As alturas indicadas sao: hp = 10 cm, hy =5 cm, ho = 20 cm eas densidades relativas a da agua sao: 13,6 (merctrio) e 0,8 (dleo). Deter- mine a pressao p, no ponto A (em atm). No manémetro de reservatorio (Fig. P.2), calcule a diferenga de pressao p, — p2 entre os dois ramos em fun¢ado da densidade p do fluido, dos diametros d e D, e da altura h de elevagao do fluido no tubo, relativamente ao nivel de equilibrio No que 0 fluido ocupa quando p, = po. O manémetro de tubo inclinado (Fig. P.3), utili- zado para medir pequenas diferencas de pressao, P1- P2, difere do descrito no problema 2 pela inclinagao @ do tubo de didmetro d. Sc 0 fluido empregado é dleo de densidade p = 0,8 g/cm’, com d=0,5 cm, D = 2,5 cm, escolha @para que o deslocamento | seja de 5 cm quando p, -p2=0,001 atm. Pip, 0 V/A Figura 1.22 — Lei de Halley Figura P.1 Figura P.2 Bionra P2 14 Capitulo 1 — ESTATICA DOS FLUIDOS 4. Calcule a magnitude F da forca exercida por um fluido sobre uma area A de parede plana (inclinada de um angulo qualquer em relacdo a vertical), do recipiente que o contém. Para isto, divida a drea A em faixas infinitésimas dA horizontais (uma delas é mostrada hachurada na Fig. P.4); seja z a profundidade de dA, e pa densidade do fluido. (a) Mostre que F = pg ZA, onde Z é a profundidade do centrdide de A, definido como o centro de massa de A, Figura P.4 considerada como uma placa plana homogénea. (b) O torque resultante sobre A, em relacao a um eixo horizontal OO’, 6 0 mesmo que se a forca F estivesse aplicada num ponto Cp da area A (veja Fig. P.4), que se chama centro das press6es. Mostre que a profundidade Zp do centro das pressées é dada por Zp = Ip/(ZA), onde Ip = {z?dA é andlogo a um “momento de inércia” de A em relagao a OO’. Uma comporta vertical de forma retangular tem largura J; a altura da Agua represada € h. (a) Aplicando os resultados do Problema 4, calcule a forca total F exercida pela agua sobre a comporta e localize o centro das pressGes. (b) Se ] = 3 m e o torque maximo suportado pela base da comporta é de 150 kNm, qual € 0 valor maximo de h admissivel? Um reservatério tem a forma de um prisma, cujas faces AB CDeA’B’C’D’ sao trapézios isdsceles com as dimens6es indicadas na Fig. P.5; as demais faces sdo retangulares. O reservatorio esta cheio até o topo de um liquido com densidade p. (a) Cal- cule a forga total F exercida pelo liquido sobre a base do reservatério. (b) Calcule a resultante R das forcas exercidas pelo liquido sobre todas as paredes do reservatério e compare-a com 0 peso total do liquido. Analise o resultado como ilustra- cao do’ paradoxo hidrostatico (Seg.1.6). Um pistao é constituido por um disco ao qual se ajusta um tubo oco cilindrico de diametro d, e esté adaptado a um recipiente cilfndrico de diametro D. A massa do pistao com 0 tubo é Me ele esta inicialmente no fundo do recipiente. Despeja-se entao pelo tubo uma massa m de Iiquido de densidade p; em conseqiiéncia, 0 pist4o se eleva de uma altura H. Calcule H. Figura P.6 Na experiéncia dos hemisférios de Magdeburgo (Se¢.1.5) seja Ap a diferenga entre a pressao atmosférica externa e a pressdo interna, e seja d o diametro dos hemisférios. (a) Calcule a forca que teria de ser exercida por cada parelha de cavalos para separar os hemisférios. (b) Na experiéncia realizada em 1654, tinha-se d ~ 37 cm e pode-se estimar a press&o interna residual em 0,1 atm. Qual era a for¢a necesséria neste caso? Se um cavalo forte consegue exercer uma tracdo de 80 kgf, qual teria sido o nimero minimo de cavalos em cada parelha necessario para a separa¢ao?

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