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4, Aansiedade em didlogo ee aliberdade ea obediéncia “56 podemos escapar & ansiedade se néo nos aventurarmos - ou seja, renunciando 4 liberdade.” (May, 1987, P. 231) AANSIEDADE SO aparece quando existem alternativas, quando hé possibilidade de escolha - quem no pode escolher nao vive ansiedade, tampouco liberdade, a ponto de May (1987, p. 112) afirmar que “a ansiedade acompanha a liberdade como uma sombra”. Trata-se de irms insepardveis, porque, sempre que ha a possibilidade ou a necessidade de escolha, ha conflito interior e/ou com o ambiente. Para May (1988, p. 124), quanto mais esse conflito se aproxima do confronto “entre o que chamamos ser e nio ser”, mais ansiedade tende a gerar. Isso porque esta é vivida “no momento do aparecimento de alguma potencialidade ou possibilidade diante do indivfduo, alguma probabilidade de preencher a existéncia; mas essa possibilidade implica a des- truigao da seguranca atual, o que por sua vez provoca a tendén- ciaa rejeitar a nova potencialidade”. Em outros termos, a possi- bilidade de realizagio de determinado potencial provoca ansiedade, pois atualizar potenciais implica perda escolhida, escolha que se d4 tanto melhor quanto maior forema liberdade, a consciéncia e o desapego. Dessa forma, o elemento primor- dial para que a ansiedade ante a liberdade seja vivida de manei- Ta sauddvel, ou nao, é a qualidade da conscientizagéo no 7 Scanned with CamScanner enro BRITO PINTO na al i além da confianca na autonomia Vividg ito importante. <9 muitos OS exemplos de pessoas que renunciam 3 liber Sao mi e mitigar a ansiedade, escondendo-ce : m Jistas, pouco auténticas, q, Aticas ou moral : » danos, posturas dogmaticas te. Essa fuga 4 liberdade como fom, le veniente da escolha é, também e¢ Parady, xalmente, uma escolha, ue acaba por oa . —o da ansie. dade patoldgica. Essa tentativa de aia ansiedade, uma atitude ansiosa, pode se dar em mena ativamente simples ¢ nos mais complexos, em situagocs oe PONEM CORN para outros € naquelas que podem repercutir em toda uma cp. munidade. Como exemplo de vivéncia aparentemente simples, lembro-me de um padre que ce auxilio terapéutico porque vivia intensa ansiedade motivada por seu desejo de deixar de ser religioso e tornar-se diocesano’. Ele almejava voltar a sua regiao de origem e conviver mais com seus pais idosos. Havia na raiz de sua ansiedade o desejo de autono- mia e de poder escolher a maneira de viver a vida consagrada, paralelamente a uma culpa forte e moralista que o impedia de revelar tal desejo a seu provincial e a seus coirmios, pois ele exercicio questo que reputo me dade na expectativa d para si fugir da ansiedade pro’ rta vez me procurou solicitando 1. Hi, basicamente, duas maneiras de o individuo ser padre: ele pode estar ligado a uma congregacao oua uma diocese. O primeiro ¢ chamado de religioso, © segundo, de diocesano, As dioceses sio bem delimitadas territorialment® 0 Passo que as congregacdes tém um espaco mais amplo. Outra diferent entre eles é que o padre religioso faz voto de pobreza, ou seja, tudo 0 que t™ toma-se da congregacZo, ao passo que o diocesano nido faz esse voto, pode tt Promredade ¢ salétio, além de nio viver em comunidade. De resto, ambos ibs ein ane doer apn ea 0s superiores da congregacéo. Com autorizacio do bi ‘um religi ‘eligioso pode se tornar diocesano, e vice-versa. 78 Scanned with CamScanner I DIALOGAR COM A ANSiEDADE temia ser visto como um traidor. Assim, cado pela ansiedade de condenaciio, Tillich. Depois de algumas sessées, 0 Pi coragem para enfrentar o dilema, e e vivia um impasse Provo- Nos parametros de Paul adre Conseguiu suficiente ‘Uu anotei em meus aponta- mentos: “Obteve muito rapidamente uma nova compreensio e uma nova esperanga com relacdo a seus confrades (€ suas poss{- veis reagdes), reviu sua situacio e Procurou novas estratégias para conseguir seu objetivo. Propée-se a buscar com maior fran- queza e clareza seus objetivos quanto & mudanga de situacio e confia em que conseguird alcangé-los”, Na avaliagao final do tra- balho, escrevi que, “em funcdo do dogmatismo ao qual se sentia subjugado, e da carga de projecées que fazia, nao me pareceu exatamente disponivel para fazer terapia, antes pelo contrério: queria um aliado para conseguir convencer seus superiores e confrades da possibilidade de tornar-se diocesano, Convencido de que nao obteria tal intuito, dado que no € esse 0 papel do psicoterapeuta, aceitou analisar sua situacio de outro ponto de vista e foi muito rapido na percepgao da necessidade de mudan- ga de estratégia e na apropriacio da coragem necesséria para Tevelar-se em sua congregacdo. Parece muito firme na decisio de ir para a diocese”. Nesse caso, 0 papel do atendimento psicologi- co foi facilitar 0 contato como potencial que emergia como de- Sejo e a confirmacao da pertinéncia e da exequibilidade dese desejo, o que possibilitou a integrago do que estava introjetado, além da confrontac4o com o que projetava, com a consequente transformagao do dever em compromisso e o didlogo com 0 am- biente em busca de novos limites. Esse tipo de vivéncia fundada em introjegdes e em projegdes € bastante comum e geradora de ansiedades, as vezes de evita- Ses importantes. E uma vivéncia de didlogos com o ambiente, 79 Scanned with CamScanner de limites diante dele. Por isso, essa ‘ i e atengao ao m a quando saudavel, pede nae et pee Pata ous descubra o melhor mm alerta para a tentativa de 9 teas ria; quando ee didlogo - a pessoa proj, I *o liberdade e a negagdo do ° 089" 3 P bile ou, resp qu teem sienfo se resposabiia peso Sa por suas consequéncias. Evita ipa intis Necessitia, Tepe, u bilizando os outros quando, no minimo, deveria divigiy ce te ponsabilidades com eles. ; / Esse didlogo com o ambiente fica muito Prejudicadg andy a pessoa vive o que poderfamos chamar de uma liberdade ey siva, quando nao consegue reconhecer e validar front contato, quando nfo sente que tem suficiente suporte ambien, tal. Essa vivéncia pode levar a uma ansiedade Patol6gica, cg de gerar condutas invasivas, isolamento, agressées ¢ até depres. ses. Essa falta de continéncia ambiental é bastante Comum nos casos de alcoolismo ou de drogadicao, de uso indevido e exage- radamente continuado de medicacio Psiquidtrica (além de se um dos fatores que podem levar a ou facilitar assédios e abusos sexuais) ~ patologias que, nesses casos, podem ser pedidos deso- tientados de socorro. de testagem eitas te A obediéncia, a ansiedade ea liberdade Uma Das INTERFACES als interessantes no que diz respeito a berdade ea ansiedade é a possibilidade de didlogo entre aobediét- cia ea liberdade, Embora o tema da obediéncia nao seja com” nos livros de Psicologia, ela é, sim, um valor muito importa has entrelinhas das sessdes de psicoterapia, de forma que pres despertar mais atengo dos psicoterapeutas a fim de que P™* 80 ) Scanned with CamScanner DIALOGAR COM A ANSIEDADE trabalhar com cuidado as obediéncias implicitas ¢ suas conse- guéncias para © modo de viver. Obedecemos a Tegras culturais nem sempre explicitadas, obedecemos a antigas licdes tomadas na infancia e aparentemente esquecidas, obedecemos amas in- terpretagdes da tealidade pouco questionadas, obedecemos a sagrados pouco dialogais, obedecemos a uma imensa variedade de introjegbes nao apropriadas. A liberdade é a matriz da desobe- diéncia, e esta, por sua vez, a matriz da boa obediéncia. Dizendo de outro modo, trata-se de um paradoxo muito interessante: a obediéncia precisa ser um ato de liberdade para que seja integra- dae livre da ansiedade patoldgica. A obediéncia sadia precisa da possibilidade da desobediéncia. Etimologicamente, obedecer quer dizer dar ouvidos, estar atento ao que 0 outro diz. Esse entendimento me encanta sobre- maneira, sobretudo porque permite que a gente possa sair do lugar comum e - quem sabe? - encontrar o lugar da obediéncia saudavel, fruto de apropriagées criticas de valores e nao de intro- jegdes. Permite também compreender como e por que a boa obe- diéncia precisa conviver com a possibilidade da desobediéncia. Diz 0 senso comum que obediéncia significa acatar aquilo que 0 outro com autoridade nos diz, de preferéncia ao pé da le- tra. Por exemplo, se ha um preceito que perdura ha séculos, te- mos de continuar a obedecé-lo, pouco importando se h4 ou nio Novos conhecimentos ou outras possibilidades hermenéuticas. 6 © lugar do tradicionalismo - mas nio da tradigao, pois esta se Tenova ao longo das geragdes. Vemos bastante esse tipo de obe- diéncia tradicionalista e introjetiva no Brasil de hoje. A obediéncia acritica tem muito espago em nosso mundo Ocidental (e em outras plagas também, talvez até mais), alimen- tando religiées e autoritarismos que buscam primordialmente 0 Scanned with CamScanner ossibilidade de manter as outras pessoas sub; ee p Esses detentores do poder sobre eNcontray tidas € nan si, aqueles que preferem abdicar do Proprio, ome aa 4 outro, além daqueles que, por imaturig der e Gian geralmente de suporte ambiental Pou fo on no infcio do desenvolvimento, n&o conseguer Vergy. talece ed ho. Essas escolhas se fazem por diversos Motivos, da ree como a falta de anmoesimns - a0s mais comple, como a falta de oportunidade de educagéo critica a1 possibile a libertagao ante sutis manipulagdes e adulagées. A ang; patologica é sempre companheira dessas escolhas pela aparente 14 emoci nao escolha. ; a Por fortuna nossa, sempre hé a possibilidade da desobe. diéncia, haja vista que a necessidade de crescimento é inetente ao ser humano e nao ha crescimento sem a possibilidade da desobediéncia. Ou, como diz Erich Fromm (2013, p. 18), “aliber- dade e a capacidade de desobediéncia sdo insepardveis”. A pos. sibilidade da desobediéncia é mae da autonomia. E ela que fa- culta o transito entre a introjecao e a integracdo, num trajeto que pode ser sintetizado assim: sempre que recebemos uma ordem ou um conjunto de regras que devemos obedecer, 0 pri- meiro contato ¢ através da introjecdo, a qual gera um dever, 0 dever de obedecer; num movimento saudavel, essa introjegio Precisa ser seguida por uma integracdo, uma critica & ordem tecebida que possibilitard a aceitacio ou a rejei¢ao dela ou de Parte dela, e a partir dat, finalizando 0 processo de integracé®, a obediéncia auténoma derivada da compreensio da ordem® da concordancia com seus aspectos centrais, ou a desobedié" Cia discutida, dialogada, se nao ha a concordancia. Em amb °S casos, 0 final desse proceso ditado pela confluéncis * 4 Scanned with CamScanner DIALOGAR COM A ANSIEDADE asilidade da formagio da vivéncia do nds (eu mais outra ou yossibl assoas) que ttaz a chance do compromisso e da lida eiedade saudavel, existencial. Assim, 2 desobediéncia mais madura parte da obediéncia, sa pessoa ouve 0 que se lhe pede, a ouvidos Aquele que traz order. E questiona. Pergunta e, mais que isso, pergunta-se. Considera 0 que 0 outro lhe ordena, mas se orienta pelo que lhe diz seu COtPO, base de sua sabedoria. Nas palavras de Fromm ae 19), ‘a obediéncia que s6 nasce do medo da forga deve transformar-se em outra que surja do coragao do homem”. A pessoa suficientemente auténoma argumenta para encontrar a prépria posigao, e néo descansa enquanto ndo a encontra. Tal outras coma posi¢ao, no mais das vezes, consistird em aceitar parte e reformar parte do que lhe foi ordenado. Com isso, por partir da obediéncia consideradora, transforma. A pessoa de obediéncia critica aqui € revolucionaria: transforma-se e ajuda o outro a também se trans- formar. Se esse outro tiver ouvidos, é claro. Quando a pessoa nao vive com clareza a possibilidade da deso- bediéncia nesse sentido que trato aqui, quando abdica da autono- mia, tende a desenvolver uma de trés possibilidades de reac4o aquilo que deve ser motivo de obediéncia, todas potencialmente geradoras de ansiedade patoldgica: o cdlculo de riscos, a confor- tmidade cega ou a revolta. Nos casos mais extremados e graves essas alternativas levam ao radicalismo, até mesmo ao fanatis- Mo, mas nos casos mais comuns ~ e como sio comuns! ~ condu- zem ao ressentimento, a infelicidade moralista ou a vida dupla. 'sso porque se baseiam no dever em vez de no compromisso. Vou comentar cada uma dessas possibilidades de abdicagio da autonomia, exemplificando, quando possivel, com situagées vi- Vidas em terapia. Scanned with CamScanner a ‘ guro oat PINTO sans aquela atitude que desobedece ie confiante na possibilidade da 4 Ma, gumit 2 4080 idade. Nao ha quem id tenha Passadg Por j cima do limite permitido confiando erm % geja ao contar uma mentira com}, Nig haverd poli aventuras sexuais que Provavelmente Nig ‘es Jo conjuges seja na atitude ee bisbilhotar ot ao dein daesposa. S40 escolhas por nio confrontary, ly mari eet oout ansiedade dite ma sntemente ® sobretu' daauel . da, quase perenes como no caso daqueles que preferem vida duplaa assumir uma posi¢&o ante o mundo, a embtotte de um cliente que me procurou porque xa, cansado de esconder sua homossexualidade. Tinha cerca de * anos, era bem-sucedido profissionalmente, casado, pai de dus meninas que amava, gostava muito da esposa, mas nio via mais suportar a conten¢ao do desejo homoafetivo. Tampoucy conseguia se contentar com a expresso esporadica, em sauna, de sua sexualidade mais prazerosa, 0 que constitufa sua formade vida dupla, além da eventual procura de videos homoerétices Ele sempre soubera de sua orientac4o sexual predominantemen- te homoafetiva, mas até ent&o no tinha sentido a coragem & ro OU determinado dever, escolhas que titans *. vente daquela do enfrentamento - ansiedady is facil de lidar, mas igualmente mais yg” Iha do célculo de ri & do se a esco! ode tiscos én assumi-la, pois, para ele, isso significava desobedecer as expec tivas do pai. Procurou a terapia como apoio para fazer avira em direcdo a escolhas mais livres e auténomas. Uma das qe toes interessantes desse trabalho em psicoterapia breve foi que Com 0 correr das sessdes, percebemos com clareza qué assi col rT :. 4a, . 'mo ele no conseguia decidir-se pela vivencia clarae Pet 84 Scanned with CamScanner | — DIALOGAR COM A ANSIEDADE homoafetividade, tinha o mesmo tipo de atitude em diversas Areas da vida, sobretudo nas mais importantes, Ele Precisava pra- ticamente reaprender a se posicionar nas bifurcacées da vida. O foco de nosso trabalho foi, entao, a agressividade como valor, o desenvolvimento da capacidade agressiva, entendendo aqui, como Perls (2002), agressividade como capacidade de se mover em direcdo a satisfaco de necessidades ou de desejos, nio como violéncia ou base para a violéncia. Nesse atendimento, o desen- volvimento da agressividade foi o antidoto para o cdlculo de ris- cos ea abertura para uma vida mais plena e atualizada - abertura que, para o cliente, acabou sendo apoiada, depois de uma série de dificuldades, pelas filhas e pela agora ex-esposa. A conformidade cega é uma atitude que costuma aparecer em uma ou algumas areas da vida, raramente tomando 0 todo da pessoa. Trata-se de uma atitude de submissio, quase sempre ba- seada na introjegdo, que muitas vezes sé tem saida através de uma depressao. Por um tempo considervel, a pessoa abdica de sua possibilidade de escolher e a delega a outro, evitando a ansie- dade saudavel proveniente da escolha e abrindo caminho para a ansiedade patolégica e suas evitagdes. Um dos atendimentos mais tocantes que jd realizei foi o de dona Alice (nome ficticio), que aos 83 anos de idade me procurou por sugestiio de seu médi- Co para que eu a ajudasse a lidar com suas muitas doengas - de hipertensio a diabetes, de artrites limitadoras de movimentos a Catarata limitadora do olhar. Na época eu devia estar na casa dos 30 © poucos anos e me questionei como poderia ser titil para aquela mulher com idade para ser minha avé, Bem apoiado pela Supervisdo, esperei, esperei para ver de fato de que ela precisava €m terapia. Até que, ld pela terceira ou quarta sesso, ela me con- tou um segredo, algo que nunca revelara a ninguém em sua 85 Scanned with CamScanner ame, quase sussurrando, como Se yu-me, ida. Conto or i eco ga ae que muito menina tivera uma visio gue aac tte 0, um segre bastante tempo € que s6 mais Situs ela cont muito © Por havia uma mulher majestosa, imponens dev. Nessa manto, uma coroa de louros e olhar egy, ‘dy one ait direita na qual havia uma toch ilo que iene squerda um livro, ou algo semelhante, Do, e Cnenaice “ me contou que ficou chocada i Alice chorou a0 recor i” al primetta.vee urna fee _ ase adolescente, Vi" _ ow i York, e reconheceu ali a ima, 1 de Nova York, g ’ Liberdade, ' ao podia contar isso a ningué, . quando crianga. Leni ca ainda possivel que oben hin. guém acreditaria nela, 7 4 {Ue es, tava enlouquecendo. Manteve isso como segre 0 por dé, em abafada ansiedade, até que revelou Corajosamente em sessio de terapia. Acolhi muito honrado e agradecido Aquele se. gredo, que agora era vivido por ela com um delicado e importan. te tom mistico, e lhe propus que pensdssemos que Sentido pode. ria ter aquela lembranga naquele momento que viviamos, De novo sussurrando, dona Alice contou que nunca fora livre, mas gue achava que ainda era tempo, no que concordei com grande confianga. A partir dali trabalhamos Por mais uns poucos meses, nos quais ela foi ampliando sua liberdade através da desobeditn. cia a regras que a acompanharam e limitaram Por muitos anos. Dois efeitos de sua liberdade foram mais marcantes, ambos com relacto 4 familia. Primeiro, ela libertou os filhos, que mesmo adultos ainda eram tratados como criangas por ela. Essa liberta- $40 foi notada e comemorada por eles, 0 que a incentivou ater ai outra libertacao, mais dificil, Ay no almogo, encheu-se de co: Ur de hoje eu nig faco mais se imensa, oie Estatua & ™ Que yi mas que ela levou a cabo. Um tagem e disse ao marido: “Ap 'U prato! Vocé é capaz de escolhet Scanned with CamScanner DIALOGAR COM A ANSiEDADE sozinho 0 que € quanto quer comer!” Ele se Tevoltou, saiu da mesa sem almogar, brigou com ela, mas ela manteve sua escolha até que ele, também jd bem entrado na velhice, teve de aprender a fazer o proprio prato. Dona Alice faleceu alguns anos depois, certamente com a alegria de ter conhecido aliberdade na prities, Arevolta como rea¢do ao que deve ser motivo de obediéncia éalgo que todo terapeuta de adolescente conhece, embora nao se trate de uma atitude exclusiva de adolescentes, Essa tevolta pode ser voltada para o mundo ou, Pior, ser retrofletida em autoagres- ses abstratas ou concretas. E um tipo de comportamento bastan- te comum em pessoas de estilo profletor de personalidade, geral- mente fruto de uma incapacidade ou dificuldade de se identificar, se afirmar e se comprometer, algo que tende a ser acompanhado por ansiedades patoldgicas intensas e sofridas. Em geral sao aten- dimentos dificeis, carregados de ansiedades, seja pelo lado do cliente, seja pelo lado do terapeuta, pois pessoas revoltadas - so- bretudo as repetidamente revoltadas - tendem a ter dificuldade com movimentos revoluciondrios como a terapia, por mais que ptecisem exatamente disso, uma oportunidade de transformar sua revolta em revolugdo, algo gerador de mudancas em si e no ambiente e também ampliador da possibilidade de compromissos. Tendem a ser atendimentos densos, complexos e delicados, prati- camente impossiveis de ser sintetizados em uma vinheta aqui, como fiz com as outras duas formas de abdicacio da autonomia. Quando a pessoa consegue nio se utilizar com frequéncia dessas tras abdicagdes da autonomia, quando reduz em sua vida 0s deveres e os “deverias”, amplia a probabilidade de se abrir paraa Possibilidade da desobediéncia, abrindo-se também para a possi- bilidade de se comprometer, de assumir compromissos responsd- eis derivados de suas escolhas. Compromissos geradores de 87 Scanned with CamScanner contd jo do deve quase sempre associa wel ue 0 COMPTOMIsso & jedade sad stotogicas: ooitas el ras deme pot, ine aS vi “pedotia em busca do melhor tain, da or ag fruto d2 obediéncia acritica ou da fy, ° ue 0 ii consciente. Quando alguém faz as sc o faz com ressentimento © COM poucg ppaseado nos “ evel a nfo passou por situaoes assim, quaandy 40 - quer } coisa € 120 percebe em si disponibilidads faet determi widade profissional intermindvel que é feit, esas gerado em meio a protes. a al ra tanto? Aque’ pio de desp: : yando a fome ainda nao chegou. Tais situa. 1m fs tos mudos, 0 wel iat é certo que, quanto em menor ntimero, gbes sio inevitavels: catty especialmente se tepetidas, em melhor, pois el nos colo i o ansiedade patologica- Por outro lado, quando con. ; ar tarefas Com compromisso, OU seja, porque en- s da integragao, 2 possibilidade de dar sentido a elas, é notdvel como nos tornamos mais concentrados, mais har- quando muito, ansiedade saudavel, a excita- iodo crescimento criativo, a possibilidade de brincar. Nesses mais de 15 anos em que atendo com regularidade pessoas de vida consagrada, foram muitos os que chegaram ao meu consultério em obediéncia a uma ordem de seu bispo, de seu provincial ou de outro superior hierarquico, assim como ménicos, vivendo, inmeros ligos chegam obedecendo sem discutir uma presct Gam mine ema 8 veis bons efeitos leave luitos superiores reconhecem 0s poss nados, 0 colocam chicane psicoterdpico e, bem inten” terminada tictatierteinee pa a ordenacdo ou para de a Vida teligiosa, ou ainda como oft Scanned with CamScanner | DIALOGAR COM A ANSIEDADE pu nigdo mais grave. Isso é um erro, pois a psicoterapia nio pode ser uma tarefa - ela tem uma caracteristica bastante propria: s6 6 eficaz quando ha coragem ou sofrimento. E mais: é possivel alguém frequentar a psicoterapia sem fazer psicoterapia. Esse é um problema para 0 qual os psicélogos conscienciosos ainda nao encontramos solugao. Deixar de atender? Nao hd como saber a principio se esse ou aquele paciente ira para além da obediéncia e, como se diz. no jargao da 4rea, “entrar4 em terapia”. Muitos | de uma punicao disciplinar ou mesmo como alternativa a uma | conseguem fazer essa passagem e de fato fazem processos tera- péuticos dignos do nome; mas varios cumprem obrigaga parecem as sessdes, falam do que viveram na semana ou outro com- assunto, as vezes até produzem bons relatérios, mas nao se aven- turam, no se arriscam a se conhecer melhor ao se expor a outro ser humano atento as suas potencialidades e sofrimentos. Em suma, nao se entregam nem a si mesmos. So intimeras, no entanto, as histérias de individuos que vém para a psicoterapia em obediéncia e acabam desobedecen- do, ou seja, fazendo do processo terapéutico nao algo para a fa- milia, a esposa ou 0 esposo, a Igreja ou outro meio justificado por/para algum fim heterénomo. Eles se encorajam para a explo- racio de si necessdria para que esse trabalho verdadeiramente encontre sentido e se entregam aos acontecimentos das sessdes em vez de tentar control-los. Em outros termos, essas pessoas que “entram em terapi aprendem a brincar. Nas palavras de Perls, Hefferline e Good- man (1997, p. 113), especialmente em terapia, a deliberag4o costumeira, a factua- lidade, a falta de comprometimentos ¢ a responsabilidade 89 Scanned with CamScanner da maori d08 alts, S40 MEU, 6 is da inacd i soe excessvs OF dade, a imaginacdos 2 seriedade,a joy, mnt i ), tragos i: quanto @ ta do sentimento, tracos das Criangas dade e 2¢ ego saudaveis xpressao diret ito proxima, Winnicott (1971, p, 80) ta eira mt man tos de seriedade e co pe nportancia de momen rons, evanta a impo so infantis: ‘lido o principio geral de que a psicoterapia ¢ efe. ev parnoert areas hidicas, a do paciente eg go de duas tuada na se no pode brincar, entao ele nig sp do pene. 0 Se € 0 paciente que nao pode, entio algy ena a An para ajudé-lo a tornar-se capaz de brinca, — apsicoterapia pode somenat. e brineae E essencial porque nele o paciente manifesta sua criatividade. O brincar de que falam os dois autores é um ato de liberda. de, é a possibilidade de entrega ao jogo da vida a cada Sessio, como a crianca se entrega concentradamente as brincadeira que faz sozinha ou com amigos. £ 0 tempo de Aidn, como vere- mos adiante, Brincar aqui, é importante lembrar, é diferente de disputar, na medida em que é entre; 8a, desfrute, no competicio ou jogo. Um dos cuidados mais relevantes do psicoterapeuta no que diz Tespelton obedigncia é 0 de nao deixar que o trabalho se tor wees feita para agradar 0 terapeuta ou alguém do mundo S pessoas desenvolvem uma bemttt: cliente, Muita fletir exageradamente, de viver mai nada Capacidade de Tetrof 'mentadas u &M escripulos que em entregas, mais & 80 Scanned with CamScanner | — DIALOGAR COM A ANSIEDADE conscienciosidade que em Coane Bssas pessoas precisam de moment0Ss as vezes sessoes inteiras, de latssea-aller distantes de amclimma de seriedade que ‘deveria’ caractetizar um tratamento. precisam também da possibi idade de fruico do vivido sem fina- jidade 08 apego a regras. oe momentos de brincar que abrem espago para a surpresa, a seja, para uma nova configuracao de si says da relacao dial6gic, fruto também da vivencia (is vezes até da descoberta) de um tipo de criatividade infantil que é ex- tremamente saudavel, como salientaram os dois dissidentes da psicandlise classica. Tal criatividade surge da retomada da capa- cidade, em geral abandonada na infancia, de espanto e encanta- mento diante da novidade. Esses momentos sao cruciais para a transformacao da ansiedade patoldgica em saudavel. Enfim, para fechar o tema da obediéncia e me voltar para a questio da liberdade sob outro prisma, quero deixar claro que nio estou simplesmente defendendo a desobediéncia, mas sua possibilidade, pois isso abre as portas ¢ as janelas tanto para a obediéncia quanto para a desobediéncia criticas, colaborativas, presentes, fruto da boa confluéncia de valores, de ideais e de compromissos, fruto da liberdade. Provavelmente quem mais se interessou e mais refletiu so- bre oencontro entre ansiedade e liberdade foi Kierkegaard (apud May, 1987, p. 225), para quem a primeira é a “vertigem” da segun- da. De acordo com Kierkegaard, a liberdade € fundamental para 0 desenvolvimento da personalidade, assim como a autonomia ~aqual derivadaliberdade - 0 paraapsicologia fenomenol6gico- -humanista. Entre os autores humanistas da psicologia, talvez 0 ue tenha mais se dedicado ao tema da liberdade tenha sido Rollo May, um estudioso de Kierkegaard. Antes de finalizar este tbpi ‘pico, vou comentar alguns ensinamentos de May sobre 0s 91 Scanned with CamScanner tre aliberdade ea ansiedade, ensinamentos en i ‘We encontros icoterapia. % . a psico' ; reciosos a , 75) explica que Kierkegaard Colac, May I 1 Pe jto de satide emocional rene ae in Tuto . eo quesi aideia de que a satide epers le da alianga 7 Sey, tidas, como répria liberdade como individuo ¢ g * « umm entre @ dee aspecto, pata 0 fil6sofo, a liberg, ade he comunitéra apenas liberdade ante restrigdes ¢ limite Indiy, dual ni ine escolha e de responsabilizacio pop dla Mas, possibilida ended deveria “se distinguir da PSeudoli, ove ae antes do participante tipico em nossas mode tee : scowl e industriais burguesas’. Essa escolha ey * oaale devem vir de uma expansao aa Consciéncia, ¢ ¢« he isso que Kierkegaard sustentou que a liberdade envolve sen, uma ansiedade potencial”. A ansiedade patolégica era compreendida por Kiethepaag como certo cerceamento interior causado pelo medo da liberi. de. Tal cerceamento diz respeito & experiéncia e 4 conscientin, 40. O termo que Kierkegaard usava para neurose era "hese. mo’. “A pessoa hermética ndo se fecha consigo mesma; eh fecha-se a si mesma e aos outros”, Essa colocago se aproxina muito da ideia gestdltica de que a ansiedade favorece evitagdese impasses, pois 0 resultado da maioria dessas evitagdes é um fe chamento a vida, um fechamento aos Tiscos, sobretudo ao risa de fazer escolhas com liberdade. Comentando desenvolvimento pessoal do titero atta Torte, May coloca a liberdade como fator fundamental nest BOCES, Bois 0 bebe J nasce com liberdade de movimento? epois vai ampliando essa Possibilidade concreta ¢ simbolic Mente por meio de “saltos” desenvolvimentais, Ele conti 92 Scanned with CamScanner | DIALOGAR COM A ANSIEDADE “Todos esses ‘saltos’ do nascimento em diante, esses eventos em que a crianga se diferencia co pais, podem ser considerados como experiéncias de renascimento psicolégico. Por isso, sio criadores de ansiedade, assim como desafiantes”. De fato, A me- dida em que nos desenvolvemos, uma das nossas conquistas é a ampliagéo da responsabilidade, pois, como bem afirma Perls (1997), 0amadurecimento é“um processo continuo de transcen- der o suporte ambiental e desenvolver o autossuporte, o que sig- nifica uma reducao crescente das dependéncias”. O amadurecimento, segundo essa visdo - a qual adoto -, é um fendmeno baseado na passagem de uma dependéncia quase absoluta em relago ao ambiente para uma independéncia rela- tiva, uma vez que a independéncia absoluta nao é humanamente exequivel. Com base nisso, podemos também dizer que 0 desen- volvimento humano € caracterizado pela passagem da heterono- mia absoluta para a relativa, o que implica, no meu modo de ver, uma ampliagao da capacidade de simbolizagio, de liberdade e da consequente responsabilidade 4 medida que a pessoa amadure- ce. Tal ampliagdo da responsabilidade e da liberdade cresce so- bremaneira na adolescéncia, passagem cultural pela qual a pes- soa amplia, de forma muitas vezes penosa, suas possibilidades de movimento existencial. “Experimenta-se a ‘possibilidade alar- mante de ser capaz’, como diz Kierkegaard. Ir para a universida- de, casar-se, ganhar a vida, mudar-se para outra cidade - tudo isso pode ser considerado como aumentos no ambito de liberda- de da pessoa” (May, 1987, p. 85). O desenvolvimento é um processo de ampliacao da liberda- de, de ampliagao de possibilidades; portanto, nao se da sem an- Siedade, dado que ansiedade e liberdade sao inseparaveis - ou, No dizer Kierkegaard, “a ansiedade é a realidade da liberdade 93 Scanned with CamScanner ent antes que essa liberdade Seja ea te, potenciaicade 7 a" ( Mays Eee jnteressantes do processo de 4 tiga a d38 questo fato de que ele se da em meio aincee 10 EO " mento humane os sempre a lidar com possipiy vyolvimn pois estam™ li 7s ¢ espera urna garantia de que estas se tealizatig, mos ne dade ante cada passe dado, pois de Cert ng exige grande fe no escuro; trata-se de uma aposta, de fap . * arcado por uma ansiedade, saudavel oy Pap, ue 0 process© decomo évivido. Quem garante que Vescolha adolescéncia ser confirmada na idade my, te que 0 casamento durard tanto quanto ele sera feliz? Quem garante que espera! hor emprego? Quem garante que serei bom pai, oy este é 4 nen garante que nao me arrependerei de escolhas mar Nio temos garantia nenhuma de nossos passos na trilhy do desenvolvimento, talvez essa seja uma das maiores belezas da vida. Ao mesmo tempo, S€ nao temos liberdade, essa belea também pode ser um dos maiores infernos de nossa vida. Porque éaliberdade que possibilita a confianga no passo a ser dadoe,no caso de fracasso ou erro, o perdao e a corre¢ao. Quem nao tem liberdade nao conhece o perdao. Fascinante e valorizada em nossa cultura, a liberdade ¢, pa doxalmente, assustadora, em virtude dessa falta de garantias quet a ee —_— E desejada e buscada, mas is 2 ribet rec bs Por isso fniiipn abdicant dela. P: el ee eT, Parte dos temas disci, ane eet vari ot lberdade, sea com “ 7 evividos em terapia tem relacio : a dela ou com seu temor. De fa 2 E quem 8 94 Scanned with CamScanner ” DIALOGAR COM A ANSIEDADE serapia éum meio de alcangar maior liberdade e, quando é bem- _gucedida, sso se da também por meio de maior responsabilidade. May (1977) P- go) faz um alerta importante no que diz Tespei- to ao didlogo da terapia com a liberdade, quando afirma que o objetivo da terapia nao é libertar a pessoa da ansiedade, mas ajudé-la atransformar a ansiedade neurética, patolégica, em an- siedade normal e a fazer frente a esta, pois “o eu torna-se mais integrado € mais forte 4 medida que as experiéncias com ansie- dade normal sao enfrentadas com éxito”. Para alcangar essa pos- sibilidade, May (1987, p. 35) tem uma proposta que endosso: proponho que o propésito da psicoterapia seja ode libertar as pessoas. Libertar, na medida do possfvel, de sintomas, quer sejam psicossomdticos, como tilcera, ou psicolégicos, como timidez aguda. Libertar de compulsées, outra vez tanto quanto posstvel, de serem viciadas em trabalho, compulsées de repetir h4bitos frustrantes que aprenderam na primeira infancia, ou compulsdes de escolher permanentemente par- ceiros [..] que causam permanente infelicidade e permanen- te punicao. Essa lista de posstveis libertagdes de May pode ser bastante ampliada, pois so muitas as prisdes em que, no processo de de- senvolvimento, nos encarceramos pata ndo enfrentar a ansieda- de. E sio muitas as prises que nosso campo nos oferece com Persuasivos e tentadores estimulos. Todo terapeuta tem historias de libertacoes vividas por € com seus clientes, muitas delas inesqueciveis. E cada terapeuta mais experiente tem também historias de prisdes inexpugnaveis Que desafiam os mais corajosos esforcos terapéuticos. Mas as Scanned with CamScanner gnio BRITO PINTO N mais comuns sio aquelas de pessoas Ge cons, om varias Areas da vida, mas por anos ¢ anog ye Iibertagdes em de certas correntes. Alias, quem Do con © oy, salen de nds tem seu pantano que precisa qe 2 iggy emsi? Cada ae ~ quando seca. Uma Vidy inteita os we rapias mais longas que tive foi um bom ie . a cliente, profissional liberal que me procuro,, sat ” ae faculdade, trazia inimeros aptisionamento, a - os ee sindrome do panico como sintoma, jp, ae O oridameni confluente, 7 vitima de bullying no wba ede abusos por parte de seu pai, um pesado abusador, Nao aby. sador sexual, mas abusador de pontiaigay ‘UM Sequestradg, & autoestima da filha. Ela lutava paral 7 pera Mas s6 Consepuiy ampliar seu panico. Quantas historias de sofrimento OUVi desey moga! Quanto torci pata que ela conseguisse se libertar Nese campo da vida como se libertara dos bullyings Profissionais ¢ & outras prisdes significativas! Em varias areas ela fez bonitos en frentamentos e expressivas conquistas. Porém, nas relagdes com © pai, com 0 irmao e com os eventuais namorados, o aprisions- mento em um roteiro de sofrimento e de abuso era invencive por mais que nos esforg4ssemos na busca das chaves desse cades- do téo antigo e emperrado. Foi um longo e duro trabalho, em grande parte do tempo com auxilio da psiquiatria, até que um dia ela se cansou, preferiu se conformar e deixou a terapia. Euvia tanto potencial nela, que talvez esse tenha sido um dos meus Mais frustrantes fracassos terapéuticos, ainda que ela tivesse dt Cangado sucesso em 4reas importantes da vida. Atberdade tem estes Paradoxos: é desejada e temida,évité tia conti i i ae et ansiedades e raiz de novas ansiedades, ¢ horizons nao € meta. historias Scanned with CamScanner 2 DIALOGAR COM A ANSIEDADE Em geral, a liberdade e a ansiedade encontram uma dileta companhia, a criatividade, pois com cada nova ideia que a liber- dade nos traz ven equivalente carga de ansiedade. No préximo capitulo, tecerei algumas consideracées sobre o inevitdvel en- contro da criatividade com a ansiedade. 97 Scanned with CamScanner

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