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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO

DISTRITO FEDERAL

URGENTE

Representação nº 7/2022 – G3P

O MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL, com fulcro


no art. 85, da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF)1, no art. 1º, § 3º, da Lei
Complementar Distrital nº 1/19942, bem como nos arts. 54, I, e 230, § 1º, IV, do
Regimento Interno do TCDF3, vem oferecer a presente
REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO CAUTELAR
em face da POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL, órgão público do Poder
Executivo do Distrito Federal, inscrito no CNPJ sob o nº 37.115.482/0001-35,
com sede no Setor Policial (SPO), Conjunto A, Lote 23, DF, CEP 70.610-907,
doravante denominada meramente por “PCDF”, e do CENTRO BRASILEIRO
DE PESQUISA EM AVALIACAO E SELEÇÃO E DE PROMOCAO DE
EVENTOS, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ nº 18.284.407/0001-53, com
sede no campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Building Cebraspe, CEP
nº 70842-970, Brasília – DF, doravante denominado meramente por “Cebraspe”,
pelos fatos e fundamentos a seguir narrados:

1 Art. 85. Funcionará junto ao Tribunal de Contas o Ministério Público, regido pelos princípios
institucionais de unidade, indivisibilidade e independência funcional, com as atribuições de
guarda da lei e fiscal de sua execução.
2 Art. 1º Omissis.

(...)
§ 3º O Tribunal de Contas agirá de ofício ou mediante iniciativa da Câmara Legislativa, do
Ministério Público ou das autoridades financeiras e orçamentárias do Distrito Federal ou dos
demais órgãos auxiliares, sempre que houver indício de irregularidade em qualquer despesa,
inclusive naquela decorrente de contrato.
3 Art. 54. Compete ao Ministério Público junto ao Tribunal, por seu representante, em sua missão

de guarda da lei e de fiscalização de sua observância:


I - promover a defesa da ordem jurídica, requerendo perante o Tribunal as medidas de interesse
da justiça, da Administração e do Erário;
(...)
Art. 230. O Tribunal receberá representações sobre ilegalidades, irregularidades ou abusos
identificados no exercício da administração contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial dos órgãos e entidades sujeitos à sua jurisdição ou na aplicação de quaisquer
recursos
repassados ao Distrito Federal, ou por este, mediante ajuste de qualquer natureza.
§ 1º Têm legitimidade para representar ao Tribunal:
(...)
IV - membros do Ministério Público, inclusive do Ministério Público junto ao TCDF;
1
Ministério Público de Contas do Distrito Federal – Terceira Procuradoria – Fone: (61) 3314-2362
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I – DOS FATOS
2. A PCDF lançou o Edital nº 1 – PCDF – AGENTE4, de 30 de junho
de 2020, que estabeleceu as normas do Concurso Público para o Provimento de
Vagas e Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Agente de Polícia da
Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, promovido pelo Centro Brasileiro de
Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe).
3. O referido instrumento convocatório prevê, em seu item 5.6, a
etapa de “avaliação biopsicossocial” dos candidatos inscritos para concorrer na
condição de pessoa com deficiência, fase que visa analisar seu enquadramento
nesta categoria à luz da legislação de regência5 e a compatibilidade da
deficiência com as atribuições do cargo.
4. De seu turno, o item 12 do edital estabelece o regramento da
avaliação médica, realizada pela junta médica do Cebraspe. Essa etapa é
concluída, para cada candidato, com parecer conclusivo de sua aptidão ou
inaptidão para o exercício do cargo, esclarecendo:
a) se há incompatibilidade da alteração clínica encontrada com
o exercício do cargo de Agente de Polícia da Carreira de
Polícia Civil do Distrito Federal;
b) se poderá haver a potencialização da alteração clínica
encontrada com o desempenho das atribuições inerentes ao
cargo de Agente de Polícia da Carreira de Polícia Civil do
Distrito Federal;
c) se a alteração clínica constatada poderá ser o motivo
determinante de frequentes ausências ao exercício do cargo
de Agente de Polícia da Carreira de Polícia Civil do Distrito
Federal;
d) se a alteração clínica constatada poderá causar situação que
coloque em risco a segurança do candidato e(ou) de terceiro,
durante o exercício do cargo de Agente de Polícia da
Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal;
e) se a alteração constatada é potencialmente incapacitante a
curto ou médio prazo.
5. O mesmo regramento é trazido, respectivamente, nos itens 5.6
e 13 do Edital nº 1 – PCDF, de 3 de dezembro de 2019, relativo ao Concurso
Público para o Provimento de Vagas e Formação de Cadastro de Reserva no

https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/pc_df_20_agente/arquivos/ED_1_2020_PCDF_AGENTE
_20_ABERTURA.PDF. Acesso em 04 ago. 2022.
5 Art. 5º da Lei Distrital nº 4.317/2009, § 1º do art. 2º da Lei Federal nº 13.146/2015, e suas

alterações, arts. 3º e 4º do Decreto Federal nº 3.298/1999, § 1º do art. 1º da Lei Federal


nº 12.764/2012 e Súmula nº 377 do STJ.
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Cargo de Escrivão de Polícia da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal,
promovido pela mesma banca6.
6. Ocorre que denúncias trazidas ao conhecimento deste Ministério
Público de Contas (MPC)7 indicam que os procedimentos adotados no âmbito
dessas etapas possuem vícios que maculam o certame e demandam a atuação
do Tribunal de Contas do Distrito Federal.
7. Observa-se, na documentação anexa à presente exordial8, que
candidatos reconhecidos como pessoas com deficiência (PcD), cuja deficiência
fora reputada, em sede de avaliação biopsicossocial, compatível com as
atribuições do cargo, restaram eliminados da seleção pública na etapa de
avaliação médica justamente com base na condição física que lhes permitira
concorrer às vagas reservadas a PcD.
8. Ora, para além da contradição flagrante, se os certames
preveem a reserva de vagas para PcD, não é admissível que as regras editalícias
e os procedimentos adotados pela Administração Pública tornem-se
instrumentos de virtual desbaratamento de uma política pública pensada pelo
constituinte e alicerçada pela legislação infraconstitucional, como expendido
adiante.
9. Não podendo excluir expressamente e a priori pessoas com
deficiência, ante a interdição desta odiosa discriminação pelo quadro
constitucional e de Direitos Humanos vigente no plano nacional, interamericano
e global, a organização do certame o faz de forma dissimulada, instituindo
barreiras sutis aos postulantes das vagas desta política afirmativa.
10. Reforçando a incoerência da atuação administrativa, é de rigor
trazer à baila manifestações da Cebraspe em resposta a impugnações aos
editais referidos9.
11. Em impugnação ao item 12.10.2 do Edital nº 1 – PCDF –
10
Agente , referente às condições incapacitantes, pleiteou-se alteração de modo
a se esclarecer a inaplicabilidade, aos “portadores de visão monocular”, das
exigências relativas à higidez da visão. Justificando a decisão pela
improcedência da contestação, o Cebraspe asseverou que a exigência “se dá

https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/pc_df_19_escrivao/arquivos/ED_1_2019_PCDF_ESCRI
VAO_19_ABERTURA.PDF. Registre-se que, no edital do cargo de Escrivão, não se prevê
expressamente que o exame da compatibilidade da deficiência com as atribuições do
cargo se dará na fase da avaliação biopsicossocial, mas o Anexo 2 desta Representação
demonstra que assim se tem procedido.
7 Anexos 1 a 4 desta Representação (Termos de Depoimento).
8 Anexo 1, p. 2 e 9; Anexo 2, p. 3 e 6; Anexo 3, p. 2-4; Anexo 4, p. 2 e 3.
9 Anexos 5 e 6 desta Representação, extraídos de:
https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/pc_df_20_agente/arquivos/PCDF_AGENTE_20_RESPO
STAS_IMPUGNACOES.PDF; e
https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/pc_df_19_escrivao/arquivos/PCDF_2019_RESPOSTAS_
IMPUGNACOES.PDF. Acesso em 04 ago. 2022.
10 Anexo 7 desta Representação, p. 22.

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para candidatos da ampla concorrência”, não se aplicando ao “candidato com
deficiência física classificada como visual, que concorrerá às vagas destinadas
a pessoas com deficiência”11.
12. Idêntico entendimento foi aplicado em resposta a impugnação
referente à potencial eliminação decorrente de perdas auditivas12, malgrado a
ausência de clareza dos dispositivos do edital no sentido defendido pela banca.
13. Contudo, é curioso notar que tal ressalva da banca não foi feita
para outras condições incapacitantes, como se extrai de diversas respostas do
Cebraspe a impugnações que visavam evitar a exclusão de PcD do certame em
função da própria deficiência13.
14. Digno de apontamento, ainda, que a própria configuração do
certame, com avaliação abstrata e apriorística da compatibilidade da deficiência
com o exercício das atribuições do cargo, desvirtua o intento do legislador e se
contrapõe ao Direito vigente. Isso porque, no caso de candidatos PcD,
preconiza-se que o exame da aptidão do candidato, no que tange à
compatibilidade da deficiência com o exercício da função, se dê ao longo
do estágio probatório, como será esclarecido na seção seguinte desta
representação.
15. Outrossim, a previsão editalícia de que não haverá adaptação
dos testes físicos para os candidatos com deficiência fere a legislação de
regência e constitui obstáculo virtualmente intransponível para uma
imensa gama de deficiências.
16. Lamentavelmente, tais medidas não são novidade nos
concursos da Polícia Civil do Distrito Federal e vêm obstando a concretização da
reserva de vagas para PcD, como demonstra análise do certame em tela e do
último concurso realizado para os cargos de Agente e Escrivão da PCDF.
Vejamos os números.
17. No concurso de 2013 para o cargo de Agente, de 37 candidatos
PcD habilitados, apenas 4 (11%) foram considerados aptos nos exames
biométricos e avaliação médica14. No certame de mesmo ano para o cargo de
Escrivão, de 8 habilitados, 2 (25%) restaram aprovados na etapa médica15.
18. De seu turno, nos concursos em andamento, de 56 candidatos
PcD convocados para os exames biométricos e avaliação médica, somente 6

11 Anexo 5 desta Representação, p. 4.


12 Anexo 5 desta Representação, p. 46-47.
13 Cf., e.g., Anexo 5 desta Representação, p. 17-19, p. 33-34.
14

http://www.cespe.unb.br/concursos/PC_DF_13_AGENTE/arquivos/ED_14_2014_PCDF_AGEN
TE_13_RES_FINAIS.PDF. Acesso em 09 ago. 2022.
15

http://www.cespe.unb.br/concursos/PC_DF_13_ESCRIVAO/arquivos/ED_11_2014_PCDF_ES
CRIVAO_13_RES_PROV_FISICA_DIGIT_PSICO_PERICIA.PDF e
http://www.cespe.unb.br/concursos/PC_DF_13_ESCRIVAO/arquivos/ED_14_2014_PCDF_ES
CRIVAO_13_RES_FINAIS_E_CONV_TITULOS.PDF. Acesso em 09 ago. 2022.
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(11%) foram considerados aptos, para o cargo de Agente16, e nenhum
candidato a Escrivão o foi, a despeito de 9 terem sido convocados para essa
etapa17.
19. Como consequência, a ínfima quantidade de candidatos PcD
considerados aptos na fase em comento viabiliza que parte das vagas
reservadas a esses indivíduos acabe destinada à ampla concorrência, jogando
por terra o intento do constituinte e do legislador.

II – DOS FUNDAMENTOS
20. Como já consignei em outras oportunidades, filio-me ao
entendimento majoritário no sentido da insindicabilidade do mérito de exames de
concursos por parte dos órgãos de controle, não cabendo a estes escrutinar o
conteúdo de questões ou avaliações em certames tais.
21. Entretanto, quando as regras do concurso ou os procedimentos
adotados pela banca contratada pela Administração importam em ofensa a
normas de ordem pública ou direitos individuais homogêneos,
desbordando de interesses estritamente individuais e subjetivos e
indicando o caráter metaindividual da controvérsia, reputo possível e
devida a atuação da Corte de Contas. Particularmente no caso em tela, em
que se está a malferir política pública de estatura constitucional, que visa à
inclusão de pessoas com deficiências, a fiscalização do controle externo reveste-
se de ainda maior importância e premência.
22. O art. 37, VIII, da Constituição Federal, dispõe, in verbis, que “a
lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Uma vez que,
nos termos do art. 21, XIV, a organização e manutenção da Polícia Civil do
Distrito Federal compete à União, aplicam-se ao órgão policial, em matéria
de pessoal e concurso público, as normas da esfera federal.
23. Nessa senda, incidente sobre o caso a Lei Federal
nº 8.112/1990, cujo art. 5º, § 2º, garante à PcD “o direito de se inscrever em
concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis
com a deficiência de que são portadoras”. Certamente a disposição restaria
esvaziada por completo se interpretada no estrito sentido de participação na
16

https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/pc_df_20_agente/arquivos/ED_16_2020_PC_DF_AGEN
TE_20_RES_FINAL_DISC_CONVOCAOES.PDF e
https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/pc_df_20_agente/arquivos/ED_20_2020_PC_DF_AGEN
TE_20_RETIFICAO_RES_FINAL_BIOP_EXAME_BIOM_AVAL_MEDICA_CONV_TAF_SINDIC
ANCIA.PDF. Acesso em 09 ago. 2022.
17

https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/PC_DF_19_ESCRIVAO/arquivos/ED_25_2019_PCDF_E
SCRIVAO_19_RES_FINAL_DIGITAO_CONV_EXAMES.PDF e
https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/PC_DF_19_ESCRIVAO/arquivos/ED_30_2019_PCDF_E
SCRIVAO_19_RES_FINAL_EXAMES_BIOMTRICOS_CONV_TAF.PDF. Acesso em 09 ago.
2022.
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seleção, desacompanhada de meios que viabilizassem a aprovação no concurso
e a consequente nomeação para o cargo.
24. Exatamente por isso, o Decreto Federal nº 3.298/199918, em seu
art. 44, prevê que a “análise dos aspectos relativos ao potencial de trabalho do
candidato portador de deficiência obedecerá ao disposto no art. 20 da Lei
nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990”, o qual estatui o estágio probatório para
os servidores públicos. Por conseguinte, a legislação enseja que a avaliação da
compatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo se dê ao longo
do estágio probatório, e não ex ante, como fase do concurso.
25. A aposta do Decreto supracitado, aplicável aos concursos da
PCDF, é claríssima: o poder público deve relaxar suas muralhas às pessoas com
deficiência na fase de julgamento capacitista e abstrato das seleções públicas
para, somente após efetivamente investido o agente no curso regular das
funções do cargo, examinar sua adequação ou não ao posto. O Estado deve
abrir a oportunidade para que suas convicções capacitastas, legitimadas por
argumentos médicos questionáveis, sejam efetivamente postos à prova.
Decerto, como sociedade, nos surpreenderemos com as possibilidades positivas
deste exercício de alteridade.
26. Assim, desponta imprescindível que a seleção das vagas
reservadas a candidatos que se enquadrem como PcD se amolde a tais
circunstâncias, não apenas por força de lei, mas principalmente como requisito
de efetividade da política pública inclusiva.
27. Esse é precisamente o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), firmado no REsp nº 1.179.987-PR19:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO EM
VAGA RESERVADA A DEFICIENTE FÍSICO. EXAME MÉDICO
ADMISSIONAL. AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE
AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA
APRESENTADA. IMPOSSIBILIDADE. LEI N. 7.853/89 E
DECRETO N. 3.298/99. EXAME QUE DEVE SER REALIZADO
DURANTE O ESTÁGIO PROBATÓRIO. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.
1. Por força do art. 37, VIII, da Constituição Federal, é obrigatória
a reserva de vagas aos portadores de deficiência física, o que
demonstra adoção de ação afirmativa que visa conferir
tratamento prioritário a esse grupo, trazendo para a
Administração a responsabilidade em promover sua integração
social.
2. Nessa linha, a Lei n. 7.853/89 estabelece as regras gerais
sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua
integração social, determinando a promoção de ações eficazes

18Dispõe sobre a “Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência”.


19STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/09/2011. No mesmo sentido, RMS
nº 51.307-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 04/10/2016.
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que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de
pessoas portadoras de deficiência.
3. No caso dos autos, o candidato aprovado em concurso para
o cargo de médico do trabalho foi excluído do certame após
exame médico admissional, que atestou a incompatibilidade
entre as atribuições do cargo e a deficiência apresentada.
4. Entretanto, o Decreto n. 3.298/99, que vem regulamentar a Lei
n. 7.853/89 e instituir a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, assegura ao candidato
aprovado em vaga destinada aos portadores de deficiência
física que o exame da compatibilidade no desempenho das
atribuições do cargo seja realizado por equipe
multiprofissional, durante o estágio probatório.
5. Recurso especial provido para assegurar a permanência do
recorrente no concurso de médico do trabalho promovido pelo
Município de Curitiba.
28. Igualmente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 200720, obriga os
Estados-Partes a adotar “todas as medidas apropriadas para garantir que a
adaptação razoável seja oferecida” (Artigo 5, Item 3), definindo-se “adaptação
razoável” como “as modificações e os ajustes necessários e adequados que
não acarretem ônus desproporcional ou indevido, (...), a fim de assegurar
que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais” (Artigo 2).
29. Tal disposição ganha particular robustez pelo fato de a
Convenção e seu Protocolo Facultativo terem sido aprovados pelo Congresso
Nacional na forma do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, integrando,
portanto, o bloco de constitucionalidade pátrio21.
30. Em consonância, o art. 37, da Lei Federal nº 13.146/2015
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), prescreve, in verbis:
Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência
no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, nos termos da
legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser
atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de
recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no
ambiente de trabalho.
31. Evidente, portanto, que a adaptação razoável é um direito da
pessoa com deficiência que deve enformar tanto as fases do concurso
como o estágio probatório, de modo a se aferir se o indivíduo tem condições

20 Promulgada pelo Decreto Federal nº 6.949/2009.


21 Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008.
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de exercer as atribuições do cargo e dar concretude à política pública pensada
pelo constituinte e alicerçada pelos governantes que o sucederam.
32. Contudo, dado o cenário exposto nesta exordial, como pode
haver “adaptação razoável”, se os procedimentos adotados pela Administração
e pela banca do concurso tornam a própria deficiência um obstáculo à aprovação
nas vagas reservadas a PcD?
33. Decerto não há qualquer sentido em submeter, à guisa de
exemplo, um candidato cadeirante a uma prova de corrida: tal ilogicidade beira
o cinismo institucional. Inexistindo adaptação razoável, que meça critérios outros
que não estritamente a plena mobilidade, tal barreira se revelará uma odiosa
fórmula de exclusão.
34. Especificamente no que respeita à ausência de adaptação dos
testes físicos para os candidatos com deficiência, imprescindível levar em conta
as teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 6476,
ipsis litteris:
1. É inconstitucional a interpretação que exclui o direito de
candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas
físicas de concursos públicos;
2. É inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e
sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a
demonstração da sua necessidade para o exercício da função
pública.
35. Aqui, novamente não se cogite de alegar que a exegese
firmada não se aplicaria aos concursos para as forças de segurança, dado
que é justa e somente nesses certames que se revela legítima a realização
de testes físicos. O que a legislação e a jurisprudência vêm buscando, mediante
a edição de normas e o julgamento dos casos citados, é, a um só tempo, a
máxima inclusão da PcD e a superação da cultura de hipersuficiência física nos
órgãos policiais, civis ou militares. Desse modo, as teses fixadas pela Corte
Suprema têm de ser interpretadas e aplicadas em conjunção com os diplomas
legais invocados supra.
36. Veja-se que o legislador atribuiu à questão tamanha importância
que tipificou como crime passível de pena de reclusão o ato de obstar o
“acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público, em razão de sua
deficiência” (art. 8º, II, da Lei Federal nº 7.853/1989).
37. No que respeita às posturas contraditórias adotadas pela banca,
consistentes em asseverar, na fase de avaliação biopsicossocial, que a
deficiência era compatível com as atribuições do cargo e, em um segundo
momento, na avaliação médica, eliminar candidatos com base nessa
mesma deficiência, tenho por configurada afronta ao princípio da boa-fé
objetiva, sob a modalidade do venire contra factum proprium. Assim, cumpre
reconhecer a infringência ao princípio da proteção da confiança legítima,
consectário do princípio da segurança jurídica.

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38. Neste ponto, reputo devido registrar que a presente
representação não constitui menoscabo da avaliação biopsicossocial,
imprescindível como meio de evitar a usurpação das vagas reservadas a PcD
por candidatos que não se enquadrem no público-alvo de tal política de
recrutamento de pessoal.
39. Da mesma forma penso a respeito da avaliação médica, que se
presta a impedir a seleção massiva de candidatos que não possam realizar a
contento a integralidade das atribuições do cargo, bem como a ocorrência de
aposentadorias precoces decorrentes de condições médicas pré-existentes.
40. O que não se pode dar, contudo, é a utilização desses legítimos
e indispensáveis instrumentos para fins de exclusão generalizada de pessoas
com deficiência dos concursos das forças de segurança.
41. O argumento empoeirado de que a atividade policial
demanda uma paradigma biopsicossocial de estrita hipersuficiência não
merece lugar no século XXI, seja porque avilta os valores da dignidade da
pessoa humana e do pluralismo político, globalmente irradiados ao
constitucionalismo ocidental no contexto pós-Lei Fundamental de Bonn (1948) e
igualmente reconhecidos no quadro doméstico como fundamentos da República,
seja porque a diversidade das atividades policiais e os avanços
tecnológicos nesta quadra tornam secundários quaisquer aspectos
relacionados a tal paradigma de plenitude física, que margeia o odioso
capacitismo.
42. Se as forças armadas e de segurança pública tinham na
hipersuficiência física um fator incontornável no contexto anterior às Grandes
Guerras, na atualidade, ganham relevo muito mais decisivo a inteligência e o
domínio das grandes tecnologias.
43. Portanto, aventar o capacitismo como escusa legítima no âmbito
do recrutamento de pessoal na Segurança Pública é de todo questionável,
cabendo às forças policiais alocarem policiais com deficiência em postos
compatíveis com seu quadro pessoal, sem lhes negar abstrata e
aprioristicamente a possibilidade de cumprir seu mister a bem do país.
Certamente não faltarão quadros hipersuficientes para dar regular cumprimento
a atividades outras que efetivamente demandem uma ou outra faculdade física
específica. Negar a adaptação razoável por veleidade, calçado em tal doxa
venal, repita-se, é de todo incompatível com o quadro constitucional vigente.
44. Por se cuidar de uma polícia judiciária, que não exerce
policiamento ostensivo, aliás, a adoção de tal paradigma de hipersuficiência
física é ainda mais reveladora, de fundo, não de uma necessidade
instransponível da política de pessoal respectiva, mas antes de uma opção
ideológica, cujas bases remontam o um projeto excludente da cidadania
das pessoas com deficiência.
45. Os direitos fundamentais não são itens de perfumaria: não
podem ser selecionados segundo as conveniências do poder público. Ao
contrário, sem impõem como marca da aposta da sociedade num projeto
9
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pluralista, que pretende efetivamente dar meios de plena realização a todos os
brasileiros.
46. Por todo o exposto, cabendo a esta Corte perscrutar a licitude
das admissões – não para proteção de interesses puramente individuais, e sim
para garantia do preenchimento regular de cargos públicos e, neste particular,
para a concretização de política pública de índole constitucional –, é de rigor
reconhecer sua competência para apreciar a matéria. Reitere-se, pois, o caráter
metaindividual da controvérsia em tela, que em nada se confunde com a defesa
particularizada de direitos individuais disponíveis de candidatos certos e
determinados.

III – DA MEDIDA CAUTELAR


47. Como é cediço, nos termos do art. 277 de seu Regimento
Interno, este Tribunal de Contas pode conceder medida cautelar em caso de
urgência ou fundado receio de grave lesão ao interesse público. Assim, cumpre
evidenciar a presença, in casu, dos requisitos autorizadores dos provimentos de
urgência, a saber, a probabilidade do direito (fumus boni iuris), de um lado, e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), de
outro (art. 300, do Código de Processo Civil, c/c art. 298, do RITCDF).
48. O perigo da demora dessume-se do fato de os candidatos
irregularmente eliminados não serem convocados para as demais fases do
concurso, o que resultará na utilização das vagas reservadas a PcD para
candidatos inscritos para ampla concorrência. A sua não integração imediata às
fases seguintes importará ademais a necessidade inarredável de suplementação
do concurso, onerando a Fazenda Pública. Mais ainda: renderá potencial tumulto
indesejável, ao propiciar em tese a instalação de controvérsias quanto à ordem
de classificação dos candidatos aprovados, prejudicando sua tempestiva
investidura.
49. De seu turno, a plausibilidade jurídica resta presente com os
fortes indícios de violação do art. 5º, § 2º, da Lei Federal nº 8.112/1990, do
art. 44, do Decreto Federal nº 3.298/1999, bem como do Artigo 5, Item 3, da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada com
estatura de norma constitucional, e do princípio da proteção da confiança
legítima.
50. Preenchidos os requisitos para sua concessão, o provimento de
urgência que se impõe é requerer ad cautelam (1) a reintegração de todos os
candidatos habilitados a concorrer nas vagas reservadas para PcD na
avaliação biopsicossocial que houverem sido desclassificados na
avaliação médica, para que participem das etapas seguintes do concurso,
até o desfecho de mérito desta representação; e (2) a adoção de adaptação
razoável nos testes físicos às circunstâncias específicas de cada
deficiência.

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IV – DOS PEDIDOS
51. Diante do exposto, tendo em vista as competências cometidas
ao Tribunal de Contas do Distrito Federal no art. 1º, XIV, c/c art. 1º, § 3º, da Lei
Complementar Distrital n. 1/199422, o MPC/DF requer ao egrégio Plenário que:
I. presentes os requisitos de admissibilidade inscritos no
art. 230, § 2º, do Regimento Interno deste TCDF, conheça da presente
Representação;
II. com fulcro no art. 277, do Regimento Interno do TCDF,
presentes os riscos de grave lesão ao interesse público e de ineficácia de futura
decisão de mérito, conceda medida cautelar para determinar à Polícia Civil
do Distrito Federal (PCDF) e ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação
e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) que, inaudita altera pars,
nas seleções em curso para os cargos de Agente e Escrivão:
a. procedam, em prazo máximo de 30 dias, à reintegração
de todos os candidatos habilitados a concorrer nas vagas
reservadas para pessoas com deficiência na avaliação
biopsicossocial que houverem sido desclassificados na
avaliação médica, para que participem das etapas seguintes
do concurso, até o exame de mérito desta representação; e
b. assegurem a adaptação razoável dos testes físicos às
circunstâncias de cada deficiência dos candidatos
convocados para essa etapa;
c. em caso de descumprimento, fixe desde logo, com
fundamento no art. 29823, do Regimento Interno do TCDF, c/c art
814, do Código de Processo Civil24, multa diária (astreintes) no
importe R$ 1 mil (mil reais);
III. com fulcro no art. 230, § 9º, c/c art. 248, V, do Regimento
Interno do TCDF, determine à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e ao
Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de

22 Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, órgão de controle externo, nos termos da
Constituição Federal, da Lei Orgânica do Distrito Federal e na forma estabelecida nesta Lei
Complementar, compete: (...);
XIV – apreciar e apurar denúncias sobre irregularidades e ilegalidades dos atos sujeitos a seu
controle; (...).
§ 3º O Tribunal de Contas agirá de ofício ou mediante iniciativa da Câmara Legislativa, do
Ministério Público ou das autoridades financeiras e orçamentárias do Distrito Federal ou dos
demais órgãos auxiliares, sempre que houver indício de irregularidade em qualquer despesa,
inclusive naquela decorrente de contrato.
23 Art. 298. Aplicam-se subsidiariamente no Tribunal as disposições das normas processuais em

vigor, no que couber.


24 Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial,

ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e
a data a partir da qual será devida.
Parágrafo único. Se o valor da multa estiver previsto no título e for excessivo, o juiz poderá reduzi-
lo.
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Eventos (Cebraspe) que, no prazo de 10 (dez) dias, manifestem-se sobre o teor
da presente representação;
IV. esclareça à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e ao
Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de
Eventos (Cebraspe) que não há óbice à exclusão de candidatos, na
avaliação médica, por condições não relacionadas à deficiência
reconhecida;
V. determine o encaminhamento dos autos à unidade técnica
competente para instrução, autorizando desde já, caso necessária, a realização
de inspeção para apurar as irregularidades praticadas;
VI. no mérito, considere procedente a Representação nº 7/2022
– G3P, confirmando as medidas cautelares sindicadas e determinando à
Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) que:
a. abstenha-se de eliminar candidatos às vagas
reservadas a pessoas com deficiência na avaliação médica em
razão de condições relacionadas à deficiência reconhecida;
b. assegure aos candidatos aprovados para as vagas
reservadas a pessoas com deficiência adaptação razoável
para o desempenho de suas atribuições, destacadamente ao
longo do estágio probatório;
c. doravante, em seus concursos públicos para seleção de
pessoal:
i. abstenha-se de prever, como parte da avaliação
biopsicossocial, a compatibilidade da deficiência com
as atribuições do cargo, postergando tal exame, no
caso de candidatos aprovados para vagas reservadas a
pessoas com deficiência, para o estágio probatório, nos
termos do art. 44 do Decreto Federal nº 3.298/1999;
ii. preveja e assegure, nos testes físicos, adaptação
razoável às circunstâncias de cada deficiência, nos
termos do art. 37 da Lei Federal nº 13.146/2015 e do
art. 5, item 3, da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, internalizada com status de
emenda à Constituição.

Brasília/DF, 5 de agosto de 2022.

DANILO MORAIS DOS SANTOS


Procurador

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