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Por uma Geografia das CEERI ERS CIE ELI Ss uma concep¢ao multidimensional voltada para a cooperagao e para o desenvolvimento territorial Marcos Aurélio Saquet Ole li Copyright © 2011 Grupo de Estudos Terrtoriais — GETERR Esta obra possui Consetho Editorial indicada pelo Grupo de Estudos Territoriais ~ GETERR ‘Marcos Aurélio Saquet — Presidente AAgitson Francelino Alves Edson Belo Clemente de Souza Eliseu Savério Sposito Luciano Zanetti Péssoa Candiotto Roseli Alves dos Santos Siva Regina Pereira Revisdo: Sueli B. Baleeiro de Lacerda Capa, Projeto grafico e Diagramagao: Krits Estidio Tiragem: 1 000 exemplares Dados Internacionais de Catalogacao-na-Publicagao (CIP) Saguet, Marcos Aurétio S242p Por uma geogratia das tertorialidades e das temporalidades: uma concepéo multidimensional voltada ‘ara a cooperagao e para 0 deserwovimento territorial Marcos Auréio Saquet. --1.ed. Sao Paulo : Outras Expressbes, 2011 128p. Indexado em GeoDados — http://www. geodados. vem. br ISBN 978-85-64421-08-0 1, Terntério - Brasil. 2. Geografia- Brasil. 3. Titulo, COD 21.ed. 910 cou gt0.1 CCatalogagéo na Publicagao: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250 1? edigdo: seteribro de 2011 ‘Todos 0s direitos reservados, Nenhuma parte deste livro Pode ser utiizada ou reproduzida sem a autorizagdo da editora. Editora Outras Expressoes Rua Abolig0, 201 | Bela Vista | 01319-010 | Sao Paulo - SP Tel (11) 3105 9500 | Fax (11) 3112 0941 \Wwraria@expressaopopular.com.br | wwnw.expressaopopular.com.br 4. AS TERRITORIALIDADES E AS TEMPORALIDADES Precisamos, evidentemente, entender o territ6rio e o tempo para compreender as territorialidades e as temporalidades e, a partir destas ul- timas, podemos apreender a mirfade de processos e fendmenos que subs- tantivam (i)materialmente o territério. Tanto as territorialidades como as temporalidades sao historicas e relacionais/coexistentes, gerando as trans- multiescalaridades, as transtemporalidades, as transterritorialidades e as multidimensionalidades nos e dos territdrios € lugares. No intuito de fa- dividimos as temporalidades e as territot ialidades, eja, sao multidimensionais, Vivemos as processualida- litar a compreensao, porém, ambas ocorrem ao mesmo tempo, ou st econdmicas, politicas, culturais e ambientai des territoriais-espaciais e temporais simultaneamente. O nivel, por exemplo, de crescimento ¢ desenvolvimento de uma uni- dade fabril envolve temporalidades e territorialidades simultaneamente. mesmo ocorre numa propriedade rural onde se cultiva soja, milho, uvas e feijaio, ou, ainda, na organizagao do Estado centrado nos trés poderes e na organizacao territorial da igreja catélica. Ha, de maneira geral, heteroge- neidade (desigualdades e diferengas), diversidade unidade nos processos territoriais, conforme tentaremos detalhar € esclarecer na sequéncia. Entendemos a territorialidade em quatro niveis correlatos: a) como relagdes sociais, identidades, diferencas, redes, malbas, nés, desigualda- des ¢ conflitualidades; b) como apropriagées do espace geogrifico, con- creta e simbolicamente, implicando ages € delimitagdes precisas. domin: 7 Por UMA GEOGRATTA DAS TERRITORIALIDADES FAS TEMPORALIPADES, ow nao: c) como comportamentos, intenclonalidades, desejos e necess, eee i. dades ¢, por fim, d) como priticas espacio-temporais ature ra, OW Seje multidimensionaiy cfetivadas nas relagdes sociedade . relagdes sociais da, homens entre si (de poder) € com a natureza exterior por meio de media, criais (tecnicas, tecnologias, instrumentos, Maquinas...) ¢ imate. Tiais (conhecimentos. saberes, idcologias...). A territorialidade é Processuat ¢ relacional ao mesmo tempo. Sao essas caracteristicas da territorialidade que evidenciaremos a seguir; tentando avangar além do uso do territ6rio por meio de uma abor. dagem multidimensional, relaciona J-reticular (transescalar), histérica (transtemporal), critica ¢ operativa politicamente. Uso que envolve, neces. sariamente, conflitualidades, ritmos, apropriagdes dominios, identidades, diferengas, redes, necessidades além da praxis cotidiana em cada rela espaco-tempo-territério. Assim, a territorialidade, para nés, assume tam. bem 0 carter de mobilizago, organizagio e luta politica em favor de um desenvolvimento mais equitativo, numa “espécie de quinto” nivel de efeti- vaio no real e mediagao-condicionante da cooperagao para o desenvolyi- mento, conforme ja demos a conhecer. As praticas espaciais também sao temporais € complexas, estreita- mente implicadas na reprodugao das relagoes sociais e dos territérios. No MCP, as priticas cotidianas sao imbuidas de significados de classe, com subordinagao, alienagao, exploragao, concentragao da riqueza e centrali- zacao do poder. “(...) A hegemonia ideolégica e politica em toda sociedade depende da capacidade de controlar 0 contexto material da experiéncia pessoal € social” (Harvey, 1993/1989, p. 207). Trata-se de um controle (i) material, na perspectiva de abordagem que estamos construindo, envol- vendo a unidade ideia-matéria também reconhecida por David Harvey, Karl Marx e Friedrich Engels. A apropriagao tem trés significados principais: a) como posse, pro- priedade, controle, dominio individual e/ou coletivo por sujeitos presentes ou ausentes do espago apropriado por meio de mecanismos e mediadores Gimateriais; b) significa delimitagao com ou sem precisao, parcelamento, divisao e, c) uso, interferéncia e utilizagdo de objetos, instrumentos, Ma- quinas, terras, ruas, edilicagdes, homens(!), enfim, do espago e da nature . As apropriagdes ¢ os dominios do espago, mais estaveis ou elemeres, dependem das intencionalidade: dores n dos desejos, das aspiragde enfim, das relagdes sociais e das praticas espacio-temporais-territorial todas realizadas nas relagdes sociedade-natureza (i)materializando-se MS paisagens € nos lugares. Como alirmara coe! ntemente Foucault; “(...) nao ha poder que s¢ exerga sem uma série de miras e objetivos” (2007/1988, p.105). AS rel goes de poder e, portanto, as territorialidades, sao intencionais envolvendo Objetivos € metas, programas e planos, téenicas de saber e estratézias 4 18 Marcos Auréiio SAquet oder que precisam necessariamente ser apreendidas e explicadas mantes ¢ processualidades socioespaciais-territoriais. Tale praticas copa, jnstan iaernitoriniciea espaciais-territoriais. Tais praticas espa- cjo-temporais-terriloriais so processos histéricos e geogriificos de saber ¢ poder, subordinagdo, aculturagao, identificacao, interagao, exploragao gegradagaio do ambiente etc. , . Quando compramos um terreno no espago rural ou na cidade, rece- pemos a titulagao (escritura) do Estado regularizando-o como propriedade rivada com certa delimita , 0 que nos garante o direito de uso, terraple- nagem, cultivo, edificagao, Preservagao da mata etc.; 6 um espago de do- minio € apropriagao, cuja territorializagao depende de nossa vontade, de condigées financeiras, da legislagao vigente, ou seja, de noss pacio-temporais reguladas pelas normas societais. Ha multiplas relagdes, fatores e elementos, sociais € naturais, historicos e relacionais. Quando um grupo de prostitutas ocupa frequentemente determina- das ruas, hd, af, apropriagdo simbdlica ¢ concreta sem titulagéo, mas com demarcagao, intencionalidade ¢ interferéncia com sua presenga naquele espago, constituindo seu territ6rio de atuag’o. Ja a empresa Sadia, por meio dos contratos com os agricultores integrados, determina regras cla- ras e especificas centradas no mecanismo de pregos diferenciados, para su bordinar e se apropriar de parcela significativa do sobretrabalho incorpo- rado durante a c 0 das aves, demarcando seu territdrio, por exemplo, através de placas indicativas da integragao na entrada de cada propriedade integrada. ‘As temporalidades, conforme mencionamos no inicio do capitulo 3, significam ritmos lentos e mais nipidos, desigualdades econdmicas, di- ferentes objetivagées cotidianas e, ao mesmo tempo, distintas percepg6 dos processos e fendmenos, ou seja, leituras que fazemos dos ritmos da natureza e da sociedade. Ha ritmos muito lentos como os do antimerca- do (Gambino, 2009). Ha ritmos acelerados da industria e do mercado que coexistem com outros lentos e muito lentos da produgao artes: nal de ali- mentos e do pequeno comércio de bairro ou de localidades rurais. Assim, nem todos sao agricultores familiares ou camponeses, nem todos sao capi- talistas, ha desigualdades e diferengas, ritmos, diferentes niveis de desen- volvimento, de produgdo, de comercializagao, de insergo no mercado, de mecanizagio, de organizacao politica etc. . Temporalidades que podem se compreendidas, por exemplo, como expressdes de centralidades € centros, como trabalhou Sposito (1991) a partir da ideia de poli(multi)centrismo do espago elaborada por Henri Le- febvre. Ao mesmo tempo, as temporalidades influenciam diretamente na efetivagao das centralidades e dos centros, principalmente em processos econémicos e politicos. ‘As temporalidades tam que se encontram no presente. bém significam processualidades histéricas Vivemnos temporalidades passadas, presen. 79 POR UMA GEOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES E DAS TEMPORALIDADES tes/coexistentes e futuras, A temporalidade é, assim, absoluta e relativa, simultaneamente, a partir do movimento mais amplo do Universo e dos movimentos da sociedade numa continua unidade do préprio movimento, com des-continuidades, E, metaforicamente, 0 movimento da carne, do ser vivo ¢ pensante, que ja nasce morrendo sem descolar-se dos elemen- tos abidticos e de suas invengdes sintétias e cibernéticas. O homem é um tural, espiritual, social, espacial, temporal e territorial, conforme j4 amos no capitulo anterior. O homem € natureza com consciéncia, poder de criagdo e invengao. Ha uma unidade entre pensar e ser, intelec- tualidade-praticidade, trabalho manual- espiritual, animalidade-sociabili- dade-espiritualidade. Dessa maneira, conforme apresentamos em Saquet (2007), 0 terri- trio é 0 contetido da relagdo e a relagéo mesma do homem com seu-ser- outro, que é ele mesmo (préprio), ou seja, € resultado e condi¢ao das ter- lidades e temporalidades efetivadas entre os sujeitos sociais e destes com sua natureza exterior em cada relagao espago-tempo-territério. A rela- ¢Ao e 0 articular-se em redes corresponde ao substantivo do territdrio que acontece objetiva-subjetivamente por meio das relagGes entre o animal- homem e o ambiente. O territério sé se efetiva quando os individuos estao em relagdo com outros individuos, significando interagao plural, multidi- mensional, multiforme e unidade na diversidade. HA movimento do e no territ6rio, numa luta continua no e pelo espago e pelo territério-lugar. O territ6rio pode ser compreendido como um texto num contexto, como territ6rio-lugar ligado a territrios-lugares por miltiplas relagdes multidimensionais que se (i)materializam em diferentes redes trans-mul- tiescalares. E desconstruido e reproduzido incessantemente, num tnico processo relacional. Ha sujeitos e, concomitantemente, transformagao do ser em seu-ser-outro, que 0 contém e o condiciona. Um esta no outro, no movimento de formagao do territ6rio. Estamos e nos realizamos na inte- ragao social-natural-espiritual com outros sujeitos-homens-animais, num vai-e-vem que se objetiva e subjetiva num tnico movimento, todos os dias, desterritorializando-se e reterritorializando-se constantemente a partir das temporalidades e das terri des. Soja (1971) é um dos pioneiros a Wabalhar explicitamente com a no- tendendo-a (40 de territorialidade numa perspectiva critica ¢ relacional, Como comportamentos sociais inerentes A identidade e a diferenc’ pacial. Para a elaboragdo que estamos construindo, ha um elemento fun- damental na sua concepgao, ou seja, as relagdes sociais objetivadas espa cialmente pelos processos de identificagao e diferenciagdo. Outra contribuigado importante, que muito influencia a Geoe! que se produz no Brasil, € a de Robert Sack. Segundo cle, a territorialidade rea do espago, tanto de individues gato e+ corresponde as agoes de controle num como de suas atividades ¢ relagdes, 0 que pode ocorrer em diferentes nve! 80 Marcos Auretio Saquet res. O territéri coe — resulta dessas relagGes sociais, A territorialidade é are ano, correspondendo as relagdes sociais de poder, 0 em nivel pessoal, ¢: i soal, como de grupo e internacion: controle sobre uma drea ou um es Gu ‘acional, supo: ou controlar recursos, f “A territorialidade esta que ndo Paso: é uma estratégia para influenciar definicao de areas, a comunicacao e : © controle social. A territori ialidade, para esse autor, nao marxista, nao significa somente criag é um esquema para criar e manter o cont experimentamos 0 mundo e lhe damos suas proficuas reflexées e contribuigdes e territorialidades contemporaneas, ide: que tem uma concepgio critica ‘40 € manutengao da ordem, mas texto geografico através do qual significados. Porém, apesar das para entendimento das condigées ntificamos alguns limites em sua concep¢ao, tais como a centralidade dada ao carater areal (demarcatério), ao controle ¢ A autoridade, o que pode induzir, no caso de negligéncia por parte de algum pesquisador de outros aspectos, fatores e processos, a uma abordagem eminentemente areal do territ6rio e da territorialidade a partir da atuagao de certa autoridade. Para nds, contém trés contribuig6es prin- cipais: a) a territorialidade entendida como relagdes de poder; b) a territo- rialidade como mediagao no uso do espaco, ou seja, como relacdes socioes- paciais e, c) 0 reconhecimento de diferentes niveis escalares, do individual ao internacional. A territorialidade significa atuagdo de, pelo menos, uma autoridade, influéncia, controle, estratégias, comunicacao, class enfim, poder (Sack, 1983). Outras referéncias também sao fundamentais na processualidade de construgao do conhecimento-pensamento, consoante veremos a seguir. Iniciemos com Dematteis (1970), obra na qual a territorialidade corres- ponde a combinagao de relagées territoriais (horizontais e verticais), locais, extralocais e conflituosas, portanto, determinadas histérica e transescalar- mente, relagdes sociais de produgdo que se reproduzem na formagio do territério. Deleuze e Guattari (1976/1972) também reconhecem as territoria- lidades como relagées que ocorrem a partir da contradigdo existente na atuagdo do Estado territorializando os sujeitos através da inscrigdo da re- sid@ncia. A territorialidade é um elemento de fixagdo de residéncia, apro- Priac&o e significado; ao mesmo tempo, € movimento do pensamento e agGes de interferéncia, poder e controle. A apropriagéo é uma mediagio na processualidade de construgdo territorial (reterritorializagao) que, por sua vez, envolve sempre novas territorialidades: cédigos, regras, agdes, cacao, 81 POR UMA GEOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES E DAS TEMPORALIDADES Feagdes. As {erritorialidades sio culturais (folel6ricas), politicas (do Bs. do, de partidos e de bairros), econdmicas (criagdo e reprodugao do capita. lismo) e estado presentes na reterritorializagao. Sao hibridas, (i)materiaig e esto em constante movimento. E possivel, também, fazer uma andllise relacional, materialista e pre. dominantemente econdmica da territorialidade, como 0 fazem implicit. mente Indovina e Calabi (1974), para os quais, ha relagdes de produgig na configuracao do territorio, mediadas por relagées politicas e envolvendo 9s conflitos oriundos das relagées capital-trabalho. As relagdes ocorrem na circulagdo e no consumo das mercadorias, 0 que esta ligado ao uso do territorio para a reprodugao da forga de trabalho e, sobretudo, do capital, conforme detalhamos no capitulo 2. O territério significa, nessa aborda. gem, construgées/edificagdes, relagdes sociais, dominagao, apropriacao, interconexao (malha), processualidade histérica do capital, enfim, territo- rializagao na dinamica desterritorializadora do capital. As territorialidades sao relagées de trabalho e organizacao politica (Quaini, 1974 e 1974a). Para nés, as territorialidades estado diretamente vinculadas as iden- tidades e as diferencas, sem se descolarem das temporalidades, por isso, s4o multidimensionais, ou seja, correspondem as relagoes sociais, as apro- Priag6es, as intencionalidades-aspiragGes e as praticas espacio-temporais econémicas, politicas, culturais e ambientais, conforme descrevemos no inicio deste capitulo. As temporalidades estao mais ligadas aos ritmos e as desigualdades econémicas, embora, ambas, territorialidades e tempo- ralidades acontegam no real, simultaneamente, estéo em unidade: tanto as territorialidades como as temporalidades so econémicas, politicas, cultu- rais e ambientais. As diferengas sao definidas na relagao entre identidades. Elas acon- tecem no interior de cada grupo e classe social e entre os grupos e classes. Sao individuais e familiares, espaciais e temporais, institucionais e cole- tivas, cullurais e politicas, territoriais e ocorrem em cada lugar. Existem diferengas substantivas entre afrodescendentes e indigenas, entre descen- dentes de alemies e de italianos, e outras mais sutis, entre os descendentes de portugueses e os chamados brasileiros, enfim, ha uma miriade de dife- rengas que se objetivam-subjetivam processualmente todos os dias. A identidade também € processua tamente, caracteristi 1 e relacional, significando, sucin- 1S comuns que identificam determinado grupo so- cial e seu terrilério: “(...) um processo de tornar-se similar no interior de uma Area territorial, com mesmas imagens, fdolos, normas. (...) Um pro- cesso dindmico de identificagao que se {aga reconhecer ao outro” (Rafles- tin, 2003, p.4). “A identidade se constrdi, descontréi-se e se reconstr6i N0 tempo, ou melhor, através do tempo” (Idem, p.5); tem alteragdes no tempo hist6rico, no mesmo e em diferentes lugares, embora, normalmente, s¢i@ relacionada As continuidades-permanéncias, aos regionalismos ¢ 208 M0- 82 Marcos Auréuio Saquer yimentos de resisténcia, conforme in cesso social que envolve a materi mente: (Omaterialidade das formas e relagées sociais. Estabelecemos relacées afetivas, por exemplo, com os objetos de uso cotidiano e com as Pessoas de nossa familia, juntamente com nogdes de pertencimento a certo bairro, determinada rua e lugar-territ6rio. Os ho- mens, através de Seus gestos, necessidades e aprendizagens produzem e renovam territorialidades, diferencas e identidades, Ha uma sucessao de identidades, que se cancelam e se desagregam, deixando tragos-caracteris- ticas materiais e imateriais no territério. Identidades, ferencas coexistem. Ha miltiplas atividades ¢ tervitorialidades em nossa vida cotidiana, produto e condigao da totalidade existente entre os niveis local, regional, nacional ¢ internacional: as dinamicas escalar (areal) e reticular/relacional nao s4o excludentes. Elas acontecem ao mesmo tempo, articulando sujei- tos, lugares, territorios em redes préximas e distantes, formando cruzamen- tos (crocevia e incrocio), nés e malhas que estdo na base da formagao de qualquer territorialidade e territ6rio em qualquer relacdio espaco-tempo. Vivemos uma época das simultaneidades, bem como das superpo- sigdes de territérios, da dispersao, dos cruzamentos, das relagdes préxi- mas e, sobretudo, das distantes. Epoca das redes e das miultiplas relacdes e identidades. As estradas e as pontes, por exemplo, que outrora eram uti- lizadas para ligagées mais simples e lentas, atualmente, facilitam cada vez mais a circulagdo e a acumulagao de capital instantaneamente. “A estrada leva ao mercado; gera lugares de mercado, envolve mercadorias, vendedo- res e consumidores” (Foucault, 2010/1984, p.42). As estradas, dependendo das condi¢6es sociais e territoriais dos su- jeitos, podem facilitar ou dificultar a circulagéo de pessoas, automéveis, caminhées, mercadorias e informagées. Os cruzamentos de vias sao ex- plorados tanto para fins mercantis como militares, para policiamento, controle e aceleragdo do movimento de rotagaio de mercadorias. Por isso, assumem cada vez mais importancia na organizagao de cada territ6rio, consoante demonstrara Gottmann (1947, 1952 € 1973/2005). Os cruzamen- tos e vias formam sempre novas redes de circulagdo e comunicagao, inter- ligando lugares, pessoas e territorios, consubstanciando transterritoriali- dades, trans-multiescalaridades e transtemporalidades. A fluidez € um movimento perpétuo que se decompée em miiltiplos movimentos particulares de circulagao, fundamentais na territoriali: Za¢A0, influenciando diretamente no nascimento das cidades e no seu crescimen- to por meio dos portos, das ferrovias, das rodovias e ido aeroportos. Os cruzamentos das estradas s4o centrais para as edificagdes de restaurantes Postos de gasolina, povoados etc., facilitando contatos, relagoes, interde- pendéncias, formando redes de comunicagao e circulagao. “Uma grande ndicara Gottmann (1952). E um pro- ‘alidade e a imaterialidade simultanea- desigualdades e di- 83 POR UMA GEOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES E DAS TEMPORALIDADES cidade como Paris € um cruzamento que consiste no amélgama de um grande ntimero de elementos, dos quais alguns so especializados: ag os. tagdes ferrovidrias, o porto fluvial, os trevos, 0s aeroportos, os mercados (...), 0 encontrar-se de correntes de populagao, de ideias, de mercadorias, tudo se sobrepde e se compenetra (...)” (Gottmann, 1947, p.3). Isso cor. responde a um processo de relagdes, de interagdes e territorialidades bem percebidas, na Geografia, por Jean Gottmann, de forma histérico-critica na década de 1940, E importante notar, ainda, que a circulagdo é fundamental na re. Produgao ampliada do capital, ou seja, é ponto de partida e de retomo, mediagao no movimento perpétuo de produgao e valorizagao do capital, O valor de troca é premissa e resultado da circulagao e se objetiva na fisi. calidade-abstracao da troca (Sohn-Rethel, 1989) como instante mediador da transagao mercantil e da apropriagao do trabalho alheio. “(...) 0 capital domina a totalidade de suas relacdes” (Marx, vol.1, 1985, p.163) e é a tro. ca que dinamiza a continuidade da circulagdo e da valorizagao do capital. “Uma condigao da produgao capitalista é, portanto, a criagdo de uma 6r. bita de circulagao cada vez mais ampla (...). O capital tende, de um lado, a criar cada vez mais sobretrabalho e, de outro, como complemento, tende também a criar mais pontos de troca” (Idem, p.276). (Grifos do original). 0 capital tem um carater destruidor-criador, rompendo limites e barreiras as mais diversas com uma l6gica crescente tendencialmente mundial. As estradas esto no seio da formagao e gesto do territério, da sua des-organizagao e controle pelos agentes do capital, pelo Estado, pelas ONGs, pelos sindicatos, pelas associacées ¢ pelas instituigdes culturais. Ha sempre maior complexidade das territorialidades e temporalidades. As estradas e pontes formam redes complexas, ligagées (i)materiais, mediando a distri- buicao e 0 consumo e, por conseguinte, a produgio, a mobilidade da forca de trabalho e a comunicagao das informagées num processo que pode ser denominado de integracao versatil (Anastasia e Cord, 1996; Rullani, 2004) ou de interdependéncia dialogica (Rullani, 2009), de maneira trans-multies- calar e transterritorial gerando identidades multidimensionais. Cotidiani- dades e globalidades interagem e caracterizam as transterritorialidades, as transtemporalidades, as trans-mulliescalaridades e vice-versa, Um dos autores que mais se destacam em nivel internacional nos estudos do territ6rio e da territorialid: recer neste e noutros te} jade, conforme j4 deixamos transpa- xtos, subsidiando nossa argumentagao, é Raffestin (1976, 1977, 1978, 1978a, 1993/1980 e 1987), para o qual a territorialida- de é compreendida como relagées sociais percebidas e representadas por meio dos sentidos. Ha trés mundos, o real, o das sensagées e o das repre- sentagées, isto 6, 0 concreto-vivido, as Ppercepgées e as imagens criadas a partir das linguagens. A territorialidade é relacional e dinémica, com um carater (i)material ligado aos trés mundos mencionado: , portanto, mul- 84 Mancos Auretio Saguer ciedade. © homem vive as relagées leragdes e relages de poder; diferen- : col € redes; relagées de distint: 1 i ; ” ‘as escalas espaciais e sociais, que variam no tempo historico e no espago, “Eis por que pensamos que a anilise da territorialidade 86 € possivel pela apreensao das relacoes reais recolocadas no seu contexto sécin hires er Raffestin 1993, nacth © sécio-histérico e espago-tempo- Nas territorialidades e nos territérios, ha relagdes de poder, redes de circulagao e comunicagao, controle de recursos naturais, entre outros componentes que indicam relagées sociais entre Sujeitos e entre esses com seu lugar de vida, tanto econdmica como politica e culturalmente. A ter- ritorialidade humana é um Conjunto de relagées efetivadas pelos homens, como membros de um grupo social ¢ com a exterioridade. Essas relagbes sao mediadas pelas linguas, religides e tecnologias. As relagées humanas significam interag6es, sao simbélicas e materiais (Raffestin e Bresso, 1979; Raffestin, 1993/1980, 1986 e 1987; Dematteis, 1999) e estao sempre presen- tes no processo de territorializacao. Concep¢ao de territorialidade ratificada e ampliada em Raffestin (2010), compreendida a partir das praticas dos homens no espaco, mate- rial (uso da terra, por exemplo) e imaterialmente (representagdes). Sdo as relacdes que os homens tém entre si (alteridade e exterioridade) e com 0 ambiente (urbano e rural), com a ajuda de mediadores (também materiais e imateriais), especialmente pelo trabalho (manual e intelectual), visando a conquista da autonomia. A territorialidade, assim, resulta das agées dos atores sociais, individual e/ou coletivamente. Concep¢ao elaborada a partir da compreensao do territério como produto das relagdes sociedade-natu- reza, diacr6nicas e sincrénicas, substantivando um processo territorial a partir das ages dos individuos, das instituigdes e dos grupos sociais. A territorialidade ocorre como sintese das relagées bio-sociais, é miltipla ou multi-lateral, permanente e temporaria, simétrica e dissimétri- ca (Raffestin, 1977) ou transterritorial. Conforme mencionamos na intro- dugao, Claude Raffestin notara, j4 na década de 1970, a existéncia de terri- torialidades miltiplas efetivadas nas relages de alteridade e exterioridade €, a0 mesmo tempo, relagées dadas na dindmica sociedade-natureza. Rela- ges vividas, por exemplo, por uma crianga quando se transforma em ado- lescente e, depois, em adulto: ha rupturas e aspectos educativos-formativos que so reproduzidos em meio as novas relagdes estabelecidas, Criamos miltiplas relagées, valores ¢ altitudes que substantivam nossa territoriali- dade cotidiana ao longo de nossa vida animal-social-espiritual. O ator trabalha individual e coletivamente para atingir seus objetivos € metas, interagindo por meio de mediadores materiais e imateriais com 0 ambiente inorganico e gerando 0 territério (Raffestin, 1993/1980 e 2005): as habitagées, as fabricas, as pontes, as ruas, os bairros, uma lavoura para sociais, a construcao do territério, int tes atividades cotidianas, malhas, nds as TEMPORALIDADES FIA DAS TERRITORIALIDADES F oe Por UMA GEOGRAT a ortos, as ferrovia: . aricola, as lojas, as escolas, a aa a S, as, OViag 0 cultivo agrico dos ou objetos e relacoes: iB Passados ey etc., formas € “ es mporalmente (transtemporalidages e antes-concomitantes ae territorio, s seme ettidade determina a formagae de ca eae come inlue erritorialids arabe: cio daa A ter itor Je (0 territério) € ocorTe, também, me PrOpriacao co, ja por ele «os aticas espacio-tet : smais praticas esP% vabstrata e das demais p' : ese a. to-abst o territério corresponde a um significante com Significadg Assim, bidos, sentidos e analisados distin S ae S a vividos, perce! esentes ¢ passados : press ty ‘omporatidade conserva e Prolonga © passado no presen. mente. “(..) A ssente antecipa o futuro, no qual o Pies oo Passado se COnser. nO eS ie ae etin, 2005, p.91). O presente é efémero: vivemos o pre. vara (...)” (Raffestin, 2005, p-91)- . . Sente . do passado e do futuro como também tem, como instante-momento do passat laces sincronicas. Na Porali.. dades coexistentes por meio dos ritmos as - Nao ha pre. 5 ali - sente sem o tempo, sem as transtempor 7 _ ; Alguns aspectos dessa nossa concep¢ao estao presentes, por exem, a ais comoa trai = plo, em Santangelo (2005) e Governa (2005), tais con nsescalaridade. multiescalaridade das territorialidades e dos processos de desenvolvimen. to, compreendida, portanto, como niveis escalares relacionais e reticulares (com micro e macro-territorialidades): s4o interagoes locais e extralocais com miltiplas diregées e significados. “A transescalaridade (...) redefine a territorialidade e pode ser vista como um atributo central dela mesma” (Governa, 2005, p.51). As redes influenciam nas territorialidades e estas geram redes e, portanto, transescalaridades. Cada administrador piublico, por exemplo, de ONG ou do Governo, cada empresario, cada agricultor, cada professor, cada pecuarista, cada sindicalista etc., tem suas territoria- lidades, suas redes e suas escalas de atuagao, bem como um ritmo singular, mais lento ou mais acelerado (Saquet, 2003/2001, 2007 e 2007a). Ha, assim, uma multiplicidade de escalas ou niveis territoriais obje- tivados-subjetivados, conforme cada relagdo espago-tempo (sincronia-dia- cronia) territorializada. “Todas as relagées so interdependentes entre si As redes dos sujeitos locais desenvolvem no seu interior relagdes coopera: tivas, conflituais e de negociagao (...)” (Dematteis e Governa, 2005a, p.29 30). Cada relagao social que vivemos cotidianamente concretiza-idealiza as territorialidades e temporalidades, sejam elas associativas, familiares, religiosas, pactuais, concorrenciais, empresariais ou cooperativas, envol peda relagées de poder (campos de forgas), redes, nds, identidades e 4 Crengas, juntamente com nossa natureza inorganica que esta sempre Pp sente como animalidade e espiritualidade nas nossas construgdes Sociais: con e ja demos 2 F ‘ter (i) Sea een a conhecer no capitulo 3, conferindo um carater (me ean lidimensional a0 territ6rio, a territorialidade e A temporalidads orialidade é cada vez mais complexa e plural em virtude da divers dade identitaria, das dife: mos, dos processos econémic spacial € te Neia. Mere. rencas, das relagées politicas, dos regionals 0, técnicos e tecnolégicos. 86 ‘Marcos AurELio SAquET As territorialidade: . Pete Sos scontecem em diferentes niveis escalares: nas fa 2 zy Nas cidades, nas “ : : fpi : , comunidades is”, icipios, nos estados, s regio rurais”, nos ele S, Nos paises, entre paises e continen. » as diferengas, as identi = as linge , as identidades, as d les, as lingua S m as des gualdade Su GenS, AS Apropriagses, as redes, as representacdes, um hibrido de apropriagses, praticas cotidianas e de interacdes ao rais-espirituais. des sociais-natu- do e no espago da produgao. 0 negociante des-1 limites e relagées. Sao territérios superpostos, mas também Sao continuos e interligados com outras redes e territérios de escala maior e movidos pela légica do capital e, simultaneamente, pela logica da dominagao social, politica, na qual a dimensao cultural é envolvida pelos fluxos mercantis (...). A descontinuidade, a conexao sao a ordem na aparente desordem da dinamica economica (...). (Saquet, 2003/2001, p.214). re-territorializa, criando novos heterogéneos e descontinuos, A partir do exposto, a definigao de territorialidade extrapola as rela- des de poder politico, os simbolismos dos diferentes grupos sociais e en- volve, a0 mesmo tempo, os processos econdmicos e ambientais centrados em seus agentes sociais, isto é, significa relagées sociais, intencionalida- des, apropriagdes-dominios e praticas espacio-temporais hibridas (Figura n.2). As tervitorialidades tém um cariter relacional, histérico, multidimen- sional e significam cotidianidades nos tempos € nos territérios, no movi- mento relacional-processual do ser social-natural-espiritual. Vida cotidiana produto e condigao da reprodugao de relagdes sociais, do espago, do lugar (Lefebvre, 1976a/1972 e 1991) e do territério; significa também heterogeneidade (Heller, 1991). E (i)material, ou seja, espiritual, social e natural a um s6 tempo e significa desejos, aspiragées, influéncias, apropriagées, relagdes socioespaciais, necessidades, linguagens, edificagdes, signos, miséria, riqueza, repetigdes, mudangas, frustragées, técnicas, fami- lias, interagdes, emogoes, razées, trabalhos, redes, desencontros, encontros, conflitos, desigualdades, identidades, diferengas, enfim, vida e morte. A vida é, a0 mesmo tempo, simples e complexa em lugares criados pelos homens, Muitas vezes, nao para si mesmos, mas arranjados para atender logicas ex6- genas vinculadas a reprodugao ampliada do capital. A territorialidade significa as relagdes didrias, momentaneas e pro- cessuais, que os homens mantém entre si, com sua natureza interior e com sua natureza inorganica para sobreviverem biolégica e socialmente. A ter- ritorialidade é 0 acontecer de todas as atividades cotidianas, seja no espa- ¢0 do trabalho, do lazer, da igreja, da familia, da escola, da rua, do bairro, resultado e determinante do processo de produgao de cada territério no Movimento mais amplo de TDR (Saquet, 2003/2001, 2007 e 2007a). 87 POR UMA GEOGRAFIA VAS TERRITORIALIDADES E DAS TEMPORALIDADES © movimento do pensaments em sensagdes, percepgoes, leituras, reflexdes ¢ tum aspecto do abstrato que é inerente a0s processos territoriais significan. do, ao mesmo tempo, objetividade. f 0 nada cheio, 0 ser-novo ja pretérito (ow © contratio), abstrato e concreto, a um s6 tempo. Ha pensamento em mov, mento sobre o movimento que é multitemporal multiescalar. No (i)materia, hainteragdocunidadcentreas:limensoes sociais edestas coma naturezaexte. rior ac homem., Os terrilrios eas territorialidades sio multiformes, com mg, tiplos conteridos. Tanto as forgas materiais como as idedrias sao (i)materiais produzindo des-continuidades, tempos ¢ territrios. (Saquet, 2007, p.171. 172). (Grifos do original). As dimensées sociais do territério (economia, politica e cultura) es. tao no mesmo nivel. Porém, ora uma(s), ora outra(s) dimensao(sdes), em cada lugar e momento e/ou periodo histérico, pode(m) predominar diante das demais. 0 que muda e/ou permanece, para cada relago espago-tempo, € 0 arvanjo territorial, através das formas espaciais, das relagées e dos sig. nificados que esse arranjo assume. As territorialidades e temporalidades esto sempre af, presentes, como materialidade e imaterialidade em unida- de. A separacao entre os fatores, elementos e relagées é apenas um recurso didatico utilizado no processo de conhecimento, compreensdo, represen- taco e explicagao da vida. 17 Fac spe epans®, * Relacdes iais . ¥ Territorialidades * oncom) > oteriaes 1 oT neteasesOmaes “ ‘ 2’ * na relagdo sociedade-natureza,” PNT +” poder, identidades, ’ Intencionalidades 1 A es ; ‘\ aterencas e desigualdades ; | Aoropriagdes (Imaterais »€—m4 —econdmicas,poiicas @ ~ - . - . culturais 7 7 * ae . 27 Uso, utiizagio, 1 Feonomia, poitica, Sg /” Propiedad, ~y 54” Delimitagdo, yy ; u ie editicagdes, manejo, ius SEK posse domino, Nb) ase, ee Sig controle “’ parcelamento a ‘espago ena natureza Figura n. 2 — Uma representagao do que estamos entendendo por territorialidade. Elaboragao: Marcos Saquet. Digitalizagdo: Suzana Gotardo de Meira 88 Marcos Aurétio Saquer lomem-animal ou animal-homem Teprodugao € espacio-temporal-ter- rocessualidade e relatividade, tanto a territorialidade como a temporalida- nais ao mesmo tempo e contribuem na fugaz dos territérios ¢ de suas desigual- cotidianamente, o que significa que a ritorial. Significa, a um s6 tempo, pi histérica com espacialmente. Tanto de, ambas so processuais e relacio definicao, muitas vezes, efémera e dades, diferencas e identidades, Cada grupo social com suas ritérios singula espaciais de ter ial territorialidades especificas define ter- es ¢ distintos (Hussy, 2002), constituindo diferentes niveis ¢ tritrios sobrepostos; alguns sio mais amplos, outros mais restritos, mas todos sao concomitantes e multidimensionais. E esses terri- trios assumem a forma de drea, drea-rede, rede-rede ou, ainda, de man- chas. Ha uma heterogeneidade presente em cada pafs, estado, municipio, cidade, unidade produtiva ou de servigo, rua, bairro, familia, determinada pelas dimensées da economia, politica, cultura, natureza (E-P-C-N). E é essa heterogeneidade que condiciona, paradoxalmente, a identidade e, si- multaneamente, os tempos, os territérios, as territorialidades e as tempo- ralidades numa relagao de unidade futuro-pretérito presente na unidade agrdrio-rural-urbano-cidade. A territorialidade significa mediagao simbélica, cognitiva e pratica que a materialidade dos lugares exercita sobre o agir social (Raffestin [1986 e 1986a], Turco [1988], Dematteis [1999]), sendo, concomitantemente, con- dicionante da (i)materialidade dos lugares e territ6rios, podendo significar, conforme propugna Dematteis (1999 e 2001), territorialidade ativa, a partir da organizagao politica para o planejamento e o desenvolvimento, assu- mindo o carater de mobilizacao e luta politica. A territorialidade envolve individuos que fazem parte de grupos interagidos mediados pelo territério. E mais ampla que a demarcagao, delimitagao e controle do espago e do ter- ritorio. Significa, além do que jé foi exposto neste capitulo, valorizagao das condigées e potencialidades dos diferentes territérios-lugares. Envolve re- laces de conflitualidade, concorrenciais, associativas e de ajuda mitua. Ha diferentes niveis escalares do territério e das territorialidade: dividuo, familia, propriedade, rua, bairro, localidade, cidade, municfpio, regio, estado, nagAo, continente, blocos econdmicos e relagdes globais. As territorialidades e as temporalidades, dessa maneira, definem identidades a cada territério (Dematteis [1999], Saquet [2007]), numa espécie de territé- rio patriménio, no dizer de Bourdin (1984) ou de um cédigo genético, para Magnaghi (2000). | O territério, portanto, é resultado e condi¢ao dos processos socioes- Ppaciais, ambientais e de desenvolvimento. Por isso, argumentamos em fa- : in- 89 oR UMA GEOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES E DAS TEMPORALIDADES vor de uma Geografia das territorialidades e das temporalidades voltadag para a cooperacao, para o desenvolvimento com mais justia social, recy. peragdo ambiental, solidariedade, participagao € Preservacao do territé. rio em sua multidimensionalidade como patriménio da humanidade. Para tanto, é necessario reordenar as relagdes de poder e aproveitar as relacdes identitarias e de coesao. Em Saquet (2003/2001), a partir da concep¢ao de Rullani (1997), elaboramos a ideia de que a identidade é concebida como unidade de dife. rencialidades econémicas, politicas e culturais. A identidade e a coesao na e da territorializac4o sao efetivadas por contradigées, como determinante do desenvolvimento. Posteriormente reforgamos tal concep¢do (Saquet, 2004 e 2007), en- tendendo a identidade como produto histérico e condigao para o desen- volvimento, no sentido indicado por Dematteis e Governa (2003) e por Ra- ffestin (2003). Significa unidade de relagGes, lugares, pessoas, histérica e dialeticamente constitufda, econémica, cultural e politicamente. Na pré- pria natureza exterior ao homem ha interagées que ligam, conectam os lugares e as pessoas através da circulagdo das massas de ar e dos rios, por exemplo. A identidade € multidimensional, o ser e ndo-ser constituem-se e est4o presentes na territorializagao, nas territorialidades e nas temporali- dades. E no movimento que esta a unidade, a interagao, a fluidez. Ha uni- dade contraditéria e complexa; a politica esta na economia e esta, naquela; a cultura, na politica e vice-versa; o mesmo ocorre na relago cultura-eco- nomia. Cada um desses processos esta no outro: economia-politica-cultu- ra, unidos com a natureza exterior ao homem. A vida € multidimensional, transtemporal, transescalar e transterritorial em virtude das temporalida- des e territorialidades, por estas serem micro e macro, préximas e distan- tes, relacionadas, sobrepostas e ininterruptas em cada relacdo espago-tem- po e nos processos T-D-R. E fundamental reconhecer as identidades, as desigualdades e as diferengas; a unidade na diversidade e a diversidade na unidade, numa abordagem (i)material do(s) territ6rio(s), da(s) territorialidade(s) e da(s) temporalidade(s), que reconhega o movimento hist6rico, relacional, multi- dimensional, transescalar e transtemporal, no intuito de subsidiar a elabo- racdo de propostas, agdes e atividades para um desenvolvimento com mais Justi¢a social. Propostas e agdes que Ppossam significar iniciativas de cons- ttucdo de identidades e territorialidades com a participagao de diferentes Sujeitos, de instituigdes publicas, de ONGs, de associagées de moradores, de sindicatos, de professores, de estudantes, entre outros; que possam sig- nificar tentativas de gestio democrética da unidade na diversidade e da di- versidade na unidade.

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