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ec) Seer cee) Pee O Controle do Comportamento: Mecanismos Neurais ma vez que os sistemas nervosos sao as bases para 0 com- portamento animal, os bidlogos comportamentais estao ansiosos para entender como esses sistemas funcionam, topico ja cansiderado no contexto do canto e cérebros dos passaros (ver Capitulo 2). Embora 0 rosso entendimento atual sobre esses sistemas dependa da aplic: 0 de tecno logias sofisticadas, até mesmo cbservagées simples de ani- mais em ago podem fornecer informagdes consideraveis sobre as propriedades dos mecanismos neurais. Considere os machos da abelha Centris pallida, que algumas vezes tentam copular com o dedo de uma pessoa, como aprendi um dia depois de separar 0 macho de sua parceira sexual para melhor medi-lo com um paquimetro. No meio desse processo, percebi, quase que acidentalmente, que se eu empoleirasse o macho em meu polegar virado para cima (Figura 4.1), ele 0 agarraria firmemente com suas patas, como se estivesse segurando uma fémea de sua espécie. (Por acaso, abelhas machos nao ferroam, entao meu ato nao foi nem corajoso, nem estupido). Apesar do fato de meu dedo ter apenas uma vaga si- milaridade & fémea de C. pallida, esta foi sufi- ciente para o macho desta abelha 108 John Alcock FIGURA 4.2. Um macho da abelha solitia Colletes hederae atreido por um aglomerado de larvas de besouras (alguns estéo indicados pela seta). Depois de tentar copular com a massa de besouros, a abelha macho fica coberta pelas mindsculas larvas, ‘que sobem a bordo acabam ‘ransportadas para a abelha ames, se.0 macho for bem- “sucedido em achar uma parceira dda propria espécie. Fotografia de Nicolas Vereecken. @ FIGURA 4.1. Resposta complexa a um estimulo simples. (A) Abelha macho copulando tom férnea de sua espécie. (B) Um macho desta espécie tenta (ser sucesso) copular com © polegar do autor. Fotografia do autor. Meamo nao sendo neurofisiologista, pude perceber que o sistema nervoso da abelha possuia algumas regras operacionais distintas. Aparentemente, quando urs macho de C. pallida agarra um objeto do tamanho aproximado de uma fémea de sua espécie, os sinais sensoriais gerados por seus receptores tateis trafegam para sutras partes de seu sistema nervoso, onde sao produzidas mensagens posterior- qnente traduzidas em séries complexas de comandos musculares. © resultado com- portamental é a sequéncia de movimentos que representam a corte em C- pallida. O fato de que essas atividades puderam ser estimuladas pelo meu dedo, em vez de por uma abelha fémea, indica que o sistema nervoso do macho de C. pallida nao € Tigorosamente seletivo. Tampouco “minha abetha” é tinica a esse respeito, uma vez Guie machos da abelha Colleteshederae tentam copular com uma massa de larvas de besouros (Figura 4.2). ‘Casos desse tipo mostram que os sistemas nervosos podem gerar respostas com= plexas a estimulos muito simples. Esse fendmeno atrai a atengao daqueles que tentam entender como os neurdnios (células nervosas) ou redes neurais adquirem informacoes de objetos do ambiente e entao promovem comandos para o sistema nervoso, Pars {que este responda especificamente. Gracas as pesquisas desse tipo, hoje sabemos uma variedade de informacoes a respeito desses sistemas, por exemplo: como mariposas Voando 3 noite podem detectar e evitar morcegos famintos que voam para cacé-las? ‘Como a toupeira nariz-de-estrela usa seu fantastico nariz. para localizar minhocas s2- em seus ttineis subterrineos? E como passaros, e tartarugas marinhas podem navegar com © por grandes distancias até alcancar destinos es 2 Os mecanismos proximais que tomnam essas possiveis tém propriedades adaptativas que & 0s individuos a sobreviverem e reproduzirem tes utilizados por suas espécies. interacao ‘seslises proximais e distais dos sistemas de con- ortamentais 6 0 foco deste capitulo, © Os neur6nios controlam o portamento de como as célullas nervosas ativam os com- entos deu um grande passo quando Niko Tin- iniciou seu trabalho analisando a relagdo entre iS € respostas complexas em gaivotas.* Quan- g2vamos uma pequena vareta com a ponta pin- faixas brancas e pretas na frente de um filhote saneira que bicaria a ponta do bico dos pais == £5). A gaivota adulta reage de maneira tipica Fotografia do autor, Sicadas regurgitando um peixe jd meio digerido Sguaria, que o filhote consome com entusias- pode pensar que o filhote de gaivota necessitaria de uma gaivota viva para rotina de bicar o bico dos pais, mas uma vareta pintada e cartolinas recor- = formato da cabeca de uma gaivota sfo suficientes para provocar a reagao (Figura 4.4).'“* Experimentos com esses e outros modelos revelam que os -S zaivotas, pelo menos os bem jovens, aparentemente ignoram tudo, menos do bico e o ponto vermelho no final dele. Tinbergen propés que quando 0 gaivota vé determinados estimulos, sinais sensoriais s2o transmitidos por es até o cérebro, onde por fim outros neurdnios geram comandos motores que = © filhote a bicar a fonte do estimulo ~ seja localizada no bico da mae, num cartolina ou numa vareta, exgen € seu amigo Konrad Lorenz colaboraram em outro experimento fa- » qual identificaram que um simples estimulo é capaz de provocar um com- =o complexo. Eles constaiaram que, quando removiam 0 ovo de uma gan- 5 ‘equéncia bicava as faixas da FIGURA 4.3 Comportamento de pedi Beate com frequfsrie blcnva #8 falas Gao, cy gaivote, Um Hihate de give protebdn & rhmnertedo pele ‘comida regurgitada por seus pais, depois de bicar 0 bic do adulto. Comportamento Animal 109 limento por um FIGURA 4.4. Eficécia de diferentes estimulos vi- suais em deflagrar o compoitamento de pedido de alimento em filhotes de gaivotas. Um modelo bi-dimen- sional feito em cartolina com 0 formato da cabeca da gaivota eum ponto vermelho ne bico (A) nio é mais eficaz em provocar 0 comportamento de pedido de ali- mento em um filhote de gaivota que o mocelo em que 86 aparece o bico (B], contanto que @ ponte vermelho esteja presente. Além disso, 0 modelo da cabeca da gaivota sem o ponto vermeiho (C) é um estimulo muite menos efetivo que o modelo totalmente irreal de um & : mo eo longo “bico” com barras contrastantes na ponta (D). Adaptada de Tinbergen e Perdeck.** 110 John Alcock pescoco para frente ¢ apoiando © ovo debaixo de seu bico, a fim de trazé-lo rolando cuidadosamente de volta para 0 ninho. Se eles substitufssem 0 ovo da gansa por um objeto oval, ela iria invariavelmente rolar o objeto de volta. E se os pesquisadores re- movessem 0 objeto enquanto ele estava sendo rolado, a gansa continuava jogando a cabeca para tras como se o ovo ainda estivesse debaixo de seu bico.'* Diante desses resultados, Tinbergen ¢ Lorenz conclufram que a gansa deveria ter um mecanismo perceptual altamente sensivel a certos estimulos visuais provides pelos ovos e outros abjetos de formato semelhante. E, além disso, que 0 mecanismo sensorial enviaria suas informagées a neurénios do cérebro que automaticamente ativam um programa ‘motor relativamente fixo para recuperacao dos ovos. ‘A resposta de bicar do filhote de gaivota e o comportamento de recuperar ovos da gansa s4o apenas dois de muitos instintos que Tinbergen e Lorenz estudaram. Eases fundadores da etologia, disciplina dedicada ao estudo das causas proximais e distais do comportamento animal, tinham interesse especial nos instintos exibidos pelos animais que viviam em condigdes naturais. Um instinto pode ser definido como 6 padrao comportamental que aparece na forma funcional completa na primeira vez em que é executado, mesmo que o animal nao tenha experiéncia prévia com os est ‘mulos que provocam tal comportamento. Vocé pode lembrar um exemplo do Capitu- Jo 3:a resposta de dardejar a lingua em um filhote da serpente do género Thamnophis ao extrato de lesma-banana. Vocé deve se lembrar que o dardejar da lingua nao pode ser “geneticamente determinado”, nem instintivo, porque esses comportamentos S40 dependentes da interagio gene-ambiente que ocorre durante o desenvolvimento. No caso do filhote de gaivota, essas interacdes conduzem o desenvolvimento de um siste- ‘ma nervoso que contém uma rede que possibilita a pequena ave identificar os compo- nentes essenciais do bico da gaivota adulta e a bicar 0 ponto vermelho. A rede neural responsdvel em detectar um estimulo simples (o estimulo sinal) e ativar o instinto, ou padrao fixo de acdo (PFA), é chamada de mecanismo liberador inato (Figura 4.5). ‘A relagio simples entre mecanismo liberador inato, estimulo sinal e PFA é au- mentada pela habilidade de algumas espécies em explorar os PFA de outras espécies, @ Liberador (sioal visu) Niko Tinbergen FIGURA 4.5 A teoria do instinto foi desenvolvida por (A) Niko Tinbergen @ Kon- rad Lorenz (ver Figura 3.5). Eles propuseram que um estimulo simples, como (B) um ponte vermelho no bico dos pais gaivotas, pode ativar ou liberar comportamentos Complexos, tal qual o comportamento de pedido de alimento do filhote de gaivota. Oofeito é executado, de acordo com esses etologistas, porque certas mensagens tute sensoriais, oriundas dos sinais estimulos, s8o processadas pelos mecanismos libera- dores inatos {agrupamentos de neurGnios) do sistema nervoso central, que levam & ‘comandos motores que controlam padrbes fixos de a¢io, séries pré-programadas ‘de movimentos que constituem uma reacio adaptativa ao estimulo liberador. Foto- gratia de B. Tschanz, liberador inato Comportamento Animal 111 ida como quebra de cédigo.'“* No capitulo anterior, discutimos 0 exem- ‘eequideas cujas pétalas de flores podem prover estimulos visuais, t4 Se= que deflagram o comportamento de c6pula de vespas macho, para desvan- {SS inseto (ver Figura 3.35). Em pelo menos uma espécie de orquidea, a planta ane imensa gama de substdncias quimicas voléteis similares ou idénticas produzidas pelas fémeas de espécies polinizadoras, e essas substancias atra- 0 induzem a “copular” com a orquidea. Da mesma forma, as larvas ‘mencionadas anteriormente também usam cheiros que mimetizam os Bberados pela abelha C. pallida. Quando um macho de C. pallida se langa sobre de larvas de besouros, ele fica coberto com pequenos parasitas que mais Sem ser transferidos para a abelha fémea, se o macho tiver sorte suficiente uma parceira sexual de verdade, Apés mudarem para a abelha fémea, as ‘seo eventualmente transportadas para o seu ninho subterraneo, onde podem -esobreviver, Elas consumirao as provis6es que a abelha-mie coletou e arma~ pera a propria ninhada.” ‘idade entre as pistas olfatorias providas por um sinalizador enganoso de outras espécies foi meticulosamente documentada no caso da borbo- Maculinea alcon, espécie europeia cujas lagartas cheiram como as larvas espécies de formigas (Figura 4.6). Como resultado de seu mimetismo qui- same pequena lagarta que acabou de eclodir de um ovo depositado na folha =a formiga operdria. A ingénua formiga levard a pequena lagarta para 0 onde outras formigas operarias a alimentarao e a protegerao assiduamente, sse ela fosse uma formiga imatura. Borboleta azul Maculinea alcon obit ee oc M, scabrinoais 4.6 Quebra de cédigo quimico. (A) A larva de borboleta azul Maculinea alcon les formiga (Myrmica rubra), que recolhe a larva e a transporca para sua colénia, onde [Sided por outras formigas. A insera0 mostra uma borboleta adulta. (8) O sucesso da e borboleta em enganar a formiga deve-se & presenca de substancias quimicas que € cheiros presentes na formiga. O primeiro teste de cromatografia gasosa de fe212 baixo mostra os composios presentes na cuticula da borboleta (cada pico repre- => determinado composto); as cromatografias do meio vém de duas espécies de ‘or ‘=nganadas para cuidar da larva de borboieta com se fosse sua prépria; a cromatogra- mostra 05 compostos quimicos encontrados na cuticula de uma terceira espécie -g3 Myrmice, que nao responde &s larvas da borboleta azul. A, fotografia de David © adaptada de Nash e colaboradores.'"™ 112 John Alcock FIGURA 4.7 Quebras-cédigos visuais e acisticos. Este filhote de cuco implora por aliments ppara seus pais adotivos, um roux nol-pequeno-dos-canicos (Acroce- phalus scirpaceus), que aprovisio- rna ao cuco com grande custo para cele préprio e para sua ninhada. Fotografia de lan Wyllie. ‘A quebra de cédigos também ¢ exercida pelas ninhadas de passaros parasitas, como 0 cuco europeu € 0 chopim norte-americano, cujas fémeas adultas depositam ovos em ninhos de outras espécies de passaros. Apés 0 ovo parasita eclodir, o filhote de cuco explora o hospedeiro imitando os sinais actisticos e visuais que os adultos da espécie geralmente usam para decidir quais filhotes alimentar.""*° Tipicamente, pais que retornam ao ninho com alimento favorecem jovens que conseguem alcancar mais alto, movimentando a cabeca com bicos bem abertos. Os filhotes de cuco e de chopim crescem rapidamente e tornam-se maiores que os filhotes de seus hospedeitos e en- t80 podem deflagrar os mecanismos liberadores da alimentacao parental melhor que seus companheiros de ninhada.“ Os parasitas suplicam por alimento com tanta efi- cléncia que conseguem mais que a parcela justa para cada filhote, es vezes acabam. crescendo mais que os “pais” ingénuos (Figura 4.7). be Rea 4.1. Sugita como um bidlogo comportamental modemo pode investigar o efeito de um stimula liberador, como 0 ponto vermelho do bico da gaivota, em termos de mudanca de expressao génica e atividade neural em partes especificas do cérebro de um filhote de gaivota, Talvez ajude revisar a relacdo entre canto dos péssaros, redes neurais © o gene ZENK, apresentados no Capitulo 2 4.2 Machos de varias espécies de besouros sao vistos tentando copular com varios ob jetos, de garrafas de cerveja a placas de sinalizagso (Figura 4.8). Aplique a terminologia ‘etolégica (ver Figura 4.5) para esses casos identificando o estimula liberador, o padtso fixo de ago e o mecanismo liberador inato. Desenvclva ento uma hipdtese distal que descreva com clareza 0 comportamento mal-adaptado por parte desses besouros (que ‘algumas vezes morrem tentando copular em vez de abandonar os parceitos inanimados que eles escolherarn), EEE eS SS SS Receptores sensoriais e sobrevivéncia Vocé nao precisa usar jargdes etol6gicos para estudar como sinais simples disparam respostas em geral adaptativas, mas, ocasionalmente, exploradas em animais de todos os tipos. Kenneth Roeder, por exemplo, estudou como mariposas noctuideas escapam de morcegos sem se referir a mecanismos inatos ¢ afins, Seu interesse em controle neural do comportamento de fuga nasceu depois de passar algum tempo ao ar livre ‘em noites de vero com "uma quantidade minima de iluminacao, uma lampada de Comportamento Animal 113 4.8 Machos de besouro tentando copular ‘ebjetos que obviemente nao so besouros fé- Este grande besouro australiano tentaré copular quer objeto de cor parecida a da fémea de Ecie, tais como (A) uma garrata de cerveja ou Sinal de telecomunicagao. A, fotografia de Dar- ‘Gnynne: B, fotografie do autor. atts com refletor, boa dose de paciéncia e repelente de mosquitos”.'™" Com es- =ns, vocé também possivelmente vers uma mariposa atraida para a luz mudar Ssmente o curso, ou mergulhar verticalmente, quando um morcego aparece Sembém observard, algumas vezes, uma mariposa aproximar-se da luz e mudar Jo abruptamente, ou até mesmo despencar verticalmente em direcio ao solo, eé chacoalhar um molho de chaves. As respostas das mariposas sugerem que detectar informacoes actisticas, que disparam certo comportamento, assim. snformagoes visuais simples sao suficientes para ativar 0 comportamento de pe- Semnida do filhote de gaivota. Ahipotese de que um estimulo actistico desencadeia o comportamento de fuga a é correta, mas os sons que a mariposa escuta quando as chaves sio das ndo so os mesmos sons que nés escutamos. Ao contrério, a mariposa sons de alta frequéncia produzidos pelo balangar das chaves, o que faz sen- wando consideramos que a maioria dos morcegos cacadores noturnos emite ‘slirassénicos, usando frequéncias entre 20 e 80 quilohertz (KHz), muito além ade auditiva humana, mas nao das mariposas. ‘Moxcegos usam chamadas ultrass6nicas para navegar & noite - 0 que nao era co- So antes de 1930, quando pesquisadozes com detectores de ultrassom foram ca- de detectar as sons produzidos por morcegos em voo. Naquele tempo, Donald sugeriui que morcegos usavam chamados de alta frequéncia para escutar ecos *08 fracos refletidos de objetos na sua rota de voo. *' Céticos da hipétese de respostas musculares, que nio podem. 10 comando tinico de um neurdnio ou sede neural. Considere, por exemplo, 0 tamento de fuga da lesma-do-mar Tri- Semedea, ativado quando a lesma entra sto com seu predador, a estrela-do-mar 419). O estimulo associado com este S22 a lesma nadar no padrao deselegan- Sesmas marinhas, flexionando o corpo ima ¢ para baixo.'™ Se tudo der certo, ssover para longe o suficiente da estre- sare sobreviverd mais um dia. emo a Tritonia controla essa resposta na- de muiltiplos pasos, que requer de 2a Ses alternadas, cada uma envolvendo a o de uma camada muscular de dorso == seguida por uma contracdo dos mtis-

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