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ROBERT ALEXY TEORIA organizaglo, traducdo e estudo introdut6rio Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno unten A dupla natureza do direito* ee O direito cem uma dupla nacureza, ¢ essa é a tese que eu quero expor. A tese da duple natureza estabelece a afirmagio de que o diteico necessa- riamente compreende tanto uma dimenséo real ou factual quanto uma dimensio ideal ou critica. Na definigéo de direito, a dimensio factual € representada pelos elementos da legalidade auroritativa ¢ da eficécia social, enquanto a dimensio ideal encontra sua expressio no elemento da cor- redo moral. A legalidade autoritativa e a eficicia social séo fatos sociais, Se alguém alega que fatos sociais sozinhos podem determinar aquilo que €. aquilo que nao é exigido pelo direito, isso significa o endosso de um conceito de direito positivista. Uma vez adicionada a correcio moral como um terceiro elemento necessério, o quadro se modifica fundamentalmentes emerge um conceito de direito ndo-pasitivista. Portanto, a tese da dupla natureza implica 0 no-positivismo. ‘Com certeza quando formulada dessa maneira a tese da dupla nature- za permanece abstrata e formal. A fim de alcancar um contetido concreto ¢ uma estrutura clara, a tese precisa ser exposta dentro de um sistema. A ideia que suscenta esse sistema 6 a institucionalizacéo da razio. A forma politica manifestada por esse sistema é 0 constitucionalismo democritico ou discursivo. O proprio sistema é gerado em trés passos: o argumento em defesa da dimensio ideal do diseito, o argumento em defesa da posttivi- dade do direico, ou seja, da dimensfo real do direito, e a reconciliagio do ideal com o real. * Tradurido a partir do original em inglés The Dual Nature of Law, publicado origi- nalmente em Ratio Juris, 23, 2, 2020, p. 167-182. BEDE ors viscusna oo to » Robert Aleky 3.1. IDEAL 3.1.1. A pretensao de correcio No primeiro passo rem que ser estabelecida a dimenséo ideal do dire!- to, Meu argumento gira em torno da tese de que o dircito necessariamente levanta uma pretensio de corregio, ¢ que essa pretensio inclui uma pre- tensio de corregio moral. Essa pretensio de corregéo é a fonte da relagio necessiria entre 0 ea moral. 3.1.1.1. O direito capaz de levantar pretenses Contra a tese da corregao foram levantadas muitas objegées. Quatro delas possuem um significado especial. A primeira contesta a nocio de que o direito é capaz de levantar absolutamente qualquer pretensto. Neil MacCormick a formula da seguinte maneira: “o direito nao levanta qual- quer pretensio”.' Seu argumento é, em primeiro lugar, que o direito é um “ordenamento normativo”, em segundo lugar, que ordenamentos norma vv0s sao “estados de coisas” ¢, em terceiro lugar, que estadlos de coisas so, a0 contrario de pessoas, incapazes de ter intengées ou levantar precensies. Sem diivida MacCormick esté certo em sustentar que o direito en- quanto ral é incapaz de levantar, em sentido literal, qualquer pretensio. Em um sentido literal ou estrito pretenses podem ser levantadas somente por sujeitos que possuem capacidade de falar ¢ agi? Entretanto, falar sobre a pretenséo de corresio do dieito parece ser razodvel porque essa pretensio é levantada, em nome do direito, por pessoas, particularmente mas no somente por autoridades.* Pessoas que levantam, em nome do direito, a pretensio de correcio, podem ser caracterizadas como represen- N. MacCormick, Why Law Makes No Claims, i Pavlakos (org.}, 2007, p. 59. 2 CER. Alexy, My Philosophy of Law, ‘Wintgens, Dordrecht, 1999, p. 24. 3. R.Aleny, Thirteen Replies, in: Law, Rights and Discourse, G. Paviakos (org.), Oxford, 2007, p. 334, Law, Rights and Discourse, 6. he Law in Philosophical Perspectives, L. Cap. 3 + A dupla natureza de direito tantes do direito, A rejeigio da primeira objecio equivale & seguinte tese: 0 direito pode levantar e de fato levanta uma pretenséo de correséo, porque a pretensio é feia por seus representantes. 3.1.1.2. A necessidade da pretensao de correcéo ‘A segunda objecéo nega que a pretensio de correcéo seja necessaria- mente levantada pelo direito. Se o direito de fato levanta qualquer preten- ‘so ¢ quais pretensées ele levantaria seria uma questéo empitica. Essa tese poderia ser denominada “tese da contingéncia”, Se a tese da contingéncia fosse verdadeira, a tese da dupla natureza, que necessatiamente contém 0 conccito de necessidade, sucumbiria. Uma maneira de responder a essa objecéo é demonstrar que a pre- tensio de correcio estd necessariamente implicita no direito. O melhor método de demonstragéo é 0 método da contradigio performativa‘ Um exemplo de uma contradicéo pesformativa € © primeiro artigo de uma constituicao ficticia que reza: Xé uma repiblica soberana, federal e injusta. Dificilmente possivel negar que esse artigo é, de algum modo, absur- do, A ideia subjacente a0 método da contradigao performativa ¢ explicar a absurdidade como decorrente de uma contradigso entre 0 que implicitamen- te é precendido quando se produz. uma constituigio, 2 saber, que ela é justa, 0 que é explicitamente declarado, a saber, que ela é injusta. Ora, a justica é tum caso especial da corres, pois a justica nfo é nada mais que a corregio da distribuigéo e da compensacéo.’ Portanto, nosso exemplo mostra que direito ca pretensio de corres nfo esto conectados somente, como afirma Eugenio Bulygin,* através de razées prudenciais, mas também, o que é muito 4 sobre isso cf R, Alexy, The Argument from Injustice. A Reply to Legal Positivism, 8. Litschawski Paulson, 8. L, Paulson (trads.), Oxford, 1992, p. 35, 39. 5 R.Alexy, Giustizia come correttezza, in: Ragion pratica, 9, 1997, p. 105. 5 E. Bulygin, Alexy und das Richtigkeitsargument, in: Rechtsnorm und Rechtswitklichkeit. Festschrift £ Werner Krawietz, A. Aarnio/S. L. Paulson/O. Weinberger/6. H. von Wright (orgs.), Berlin, 1993, p. 23. BYTE «Teoria Discursiva do Direlto + Robert Alexy aa mais, através de razSes que sio, por nacureza, conceituais. Essa conexio ngo esté de modo algum confinada a atos fundamencais como o de produzit uma . Ela estd presente em todo o sistema juridico. A absurdidade de decisées como a seguinte tornam isso explicico: © acusado é condenado & pena de prisio perpétua, 0 que constitu uma interpretagio incorreta do direito existente. Poder-se-ia objetar que consideragbes conceituais desse tipo nao discu- tem a questo. A questio de se os representantes do direito levantam uma pretensio de coztegio é uma questio de fato e € um fato que hé represen- tantes que nao a levantam. O argumento de Ronald Dworkin, apresentado contra a tese de Raz de que o direico levanta uma pretensio de autoridade legitima, segue exatamente nessa diregao. Segundo Dworkin é uma questéo de fato que “muitos funciondrios piiblicos nao” levantam tais pretensdes.? Oliver Wendell Holmes € considerado um exemplo. Segundo Dworkin, 0 juiz Holmes nao estava preocupado com pretens6es morais, mas sim em “rornar mais caro 0 custo de agir de deverminadas maneiras".* A resposta a essa objeglo recorte, como respostas frequentemente o fazem, a uma dis- tingio: a distingao entre levantar de forma objetiva ou oficial e levantar de forma subjetiva ou particular a pretensto de correcéo.’ Quando Dworkin fala nas “crengas ou aticudes reais dos funcionétios puiblicos"” ele se refere a0 lado subjetivo ou privado. Isso desconsidera a questo mais importante. Subjetiva ou privadamente funciondrios pablicos podem acreditar ou sentir qualquer coisa que quiserem. Mas assim que agem em nome do diteito, ou seja, como representantes do direito, eles néo podem deixar de levantar ob- jetiva ou oficialmente a pretenséo.! Com certeza um sistema juridico pode 7 R. Dworkin, lustic in Robes, Cambridge/Ma, 2006, p. 200; ct também E. Bulgin, Aleny’s Thesis of @ Necessary Connection between Law and Morality, in: Ratio Juris, 13, 2000, p, 134, 8 _R, Dworkin nota 7), Justice in Robes, p. 200. 9 Alexy, Law and Correctness, in: Legal Theory at the End oft he Millennium, MA D.A. Freeman (org), Oxford, 1996, p. 206. 10 Dworkin (nota 7}, Justice in Robes, p. 200. 11. Sobre isso ct) Gardner, How Law Claims, What Law Claims, in: Institutionalising Reason. Perspectives on the Legal Philosophy of Robert Alexy, M. Klatt (org New York, 2012 Cap. 3 + A dupla natureza do direito se degenerar em um sistema baseado exclusivamente no exercicio da forga bruta. Um tal sistema néo seria contudo um sistema jurfdico, mas antes seu extremo oposto, um sistema de puras relagdes de poder"? O fato de a pre- tensfo de corre¢ao néo ser levantada em tal sistema no constitui, portanto, uum azgumento contra sua necessidade em um sistema juridico, 3.1.1.3. O contetido da pretensio de correcao Alguém poderia concordar que o dizeito é capaz de levantar preten- s6es ¢ que levantar pretensdes & necessério para o direito, ¢ ainda assim insistir que isso dfcilmente conta como argumento a favor da dupla nacu- re2a do diteito. Basta alegar que o contetido da pretenséo nao contém nada ‘que aponte para uma diresio ideal. Séo concebiveis duas versbes desse argumento. A primeira declara que a pretensio de correcio é trivial, formal, ou ambas. A segunda verséo sus- tenta que o contetido da pretensio se refere exclusivamente & dimenséo real ou factual do direito, Uma vatiante da primeira versio pode ser en- contrada na obra de Joseph Raz, Raz. sustenta que a tese da pretensio de corresio nao é nada mais que “uma tese geral sobre agées intencionais ¢ seus produros”,"* Enquanto tal, ela se aplica a todos os casos de agées in- tencionais, até mesmo a ages de bandidos. Aqui, a pretensio de corresio ou, como Raz prefere dizer, de “adequacio”," pode assumir um contetido como por exemplo “enriqueces”."* Esse exemplo mostra, contudo, que uma pretensio geral de adequacio é essencialmente diferente de uma pre~ tensio de correcio. Um bandido que alega que sua acio o far enriquecer nao alega com isso que sua acéo tem, por essa razio, que ser aceita por todos, até mesmo por suas vitimas. Isso € completamente diferente no caso da pretensio de correséo. A pretensio de corregao € uma pretensio 12 R.Alexy (nota 4), The Argument from Injustice, p. 32-34. 13 J. Raz, The Argument from Justice, or How Not to Reply to Legal Positivism, in: Law, Rights and Discourse, G. Pavlakos (org), Oxford, 2007, p. 27. 14-1. Rez (nota 13), The Argument from Justice, oF How Not to Reply to Legal Positivism, p27. 15. 1, Ra2 (nota 13), The Argument from Justice, or How Not to Reply to Legal Positivism, .27. dirigida a todos." Nesse sentido ela é semelhante & pretenséo de verdade. Uma pretensio dirigida a todos ¢, 20 mesmo tempo, uma pretensio de ab- jetividade. Enquanto tais elas sao, de fato, ambas formais. Mas enquanto uma pretenséo que se refere & objerividade, a pretensio de corsecio no é, de modo algum, trivial. A objetividade nao s6 ¢ tudo menos algo trivial, como também pertence necessariamente & dimensio ideal do direito. Por- tanto, apesar de seu carter formal, a pretenséo de correso aponta para a dimensio ideal do direito. ‘A segunda versio diz respeito 4 questio sobre se a pretenséo de cor- regio do direito se refere exclusivamente a fatos sociais ou também a fatos morais. A objecio afirma que a pretensio de correcio levantada pelo di- reito diz respeito somente a fatos sociais, como fontes do direito, ou seja, somente & dimensio real, factual ou autoritativa. Ora, & evidente que iss0 no pode ser verdadeito no que diz respeito a pretenses de uma assembleia constituinte ou do legislador. Mas isso também ¢ falso no que diz respeito & produgao de decis6es judiciais. Isso ¢ especialmente claro em casos em que as razdes autoritativas, ou seja, razSes baseadas em fontes, permitem mais de uma deciséo, A deciséo a ser tomada em uma tal esfera “aberta” é a decisio de uma questio normativa que néo pode se basear em padrées do direito positivo, pois, caso ela pudesse se basear em tais padeées, ela néo seria uma deciso em uma esfera “aberta’, Se ela deve se basear em um padréo qual- quer, ou seja, se ela no deve ser uma decisio arbitréria, o que contiadiria a pretensio de corresSo, ela deve se basear em outros padtées normativos. Decisées juridicas frequentemente dizem respeico a questbes de distribuigéo € compensagéo. Questées que versam sobre a distribuigio e a compensacéo corretas so questées de justica, pois a justica nao € nada mais que corresio za distribuigio e na compensagio. Questdes de justica séo contudo questoes 16 sso & verdade, sem qualquer qualificacdo, quando se trata de uma moral universal, No caso de um sistema juridico as coisas so mais complexas. Dever ser distin- ‘Buidos dois aspectos. O primeiro diz respeito & universalidade interna, Decisdes e ‘argumentos apresentados em um sistema juridico particular levantam 2 pretenséo de serem aceitéveis para todos aquelas que adotam o ponto de vista do sistema Juridico em questo. O segundo aspecto diz respeito & universaldade externa. Sis ‘temas juridicos, enquanto tais, levantam a pretensdo de serem aceitos por todos, ‘ou seja, serem universalmente aceitos com um sistema particular, ou seja, como tum sistema ndo-universal. Cap. 3 + Aduplasatreza do cirito EEE morais, Nesse sentido, a textura aberta do dircito, considerada em conjunto com a nacureza das quest6es juridicas, implica que a pretensio de correo levantada na produgao de decisbes juridicas necessariamente se refere no 36 i dimensio real ou factual, mas também 4 dimensio ideal ou critica. Isso se aplica mesmo nos casos em que o materia] autoritativo, por exemplo, a fecra de uma kei, permite nao mais que uma deciséo, uma deciséo que é in- jusca. Em tais casos, ou a pretenséo de corregéo equivale & pretensio de que é moralmente justificado aderir a uma lei injusta por razées que se referem 0 valor moral da legalidade ou ela conduz a pretensio de que é moralmente justificado fazer uma excegio & lei e talver até declaré-ta invélida com base rno fato de, nesse caso, a justiga prevalecer sobre o valor moral da legalidade. Tsso mostra que a pretensio de corregio do direito sempre se refere ndo s6 a fatos sociais, mas também 4 moralidade.’” 3.1.1.4, A racionalidade da pretensdo de correcao Exatamente nesse ponto surge uma quarta objegio contra a pretensio de corresao. Essa objegao sustenta que a pretensio de correcio, na med! da em que ela se refere & moral, néo & nada mais que a expressio de uma ilusio ou de um erro. “Jufzos morais ordindrios” realmente incluem pre- tensses de objetividade, mas, como coloca John Mackie, “essas pretensbes so codas falsas.!° A pretensio de objetividade da moral tem portanto que set confrontada com uma “teoria do erro", que afirma que juizos sobre ‘© que é moralmente comandado, proibido ou permitido, ou sobre o que & moralmente bom ou ruim, justo ou injusto, sio subjetivos, relativos, cou simplesmente refletem os resultados de meras decisées. Por essa tazo falta racionalidade a argumentos morais ¢, com isso, correco ¢ verdade. ‘A pretensio de correcio da moral ¢ portanto a pretensio de que algo que nio pode ser correto seja correro. A pretensio de corresao do direito, assim continua 2 objecio, deve portanto ser restringida a razGes autoritativas ou 77 Isso se aplica até mesmo em casos em que a letra da lei permite no mais que uma deciséo que ¢ justa. Aqui a aplicago da lei inclui@ afirmacao negativa im- plicta de que ela no é injust 18 J.L Mackie, Ethics. Inventing Right and Wrong, Harmondsworth, 1977, p. 35. 19 J. L. Mackie (nota 18}, Ethics. Inventing Right and Wrong, p. 35, Teoria Discursiva do Direito * Raber Alexy = | insticucionais, baseadas exclusivamente no caréter real ou factual do direi- to. Caso contrério essa pretenséo conectaria o direito com a irracionalida- de. Essa objecéo pode ser denominada “objecao da irracionalidade’, 3.1.2. A teoria do discurso ‘A resposta i objecéo da irracionalidade é a teoria do discurso. A teoria do discurso alega que entre, por um lado, provabilidade, e, por outso lado, arbitrariedade,” existe uma terceira coisa, a saber racionalidade ou — aqui entendida como sindnimo, razoabilidade.”" A teoria do discurso ¢ uma teoria procedimental da racionalidade pritica, De acordo com a teoria do discurso uma proposicio pritica ou normativa é correta (ou verdadeira)® se e somente se ela pode set 0 re- sultado de um discurso pratico racional. As condigées da racionalidade 20 Sobre isso cr. P. Ricouer, Zu einer Hermeneutik des Rechts: Argumentation und Interpretation. Deutsche Zeitschrift Philosophie, 42, 1994, p. 378, 21 Sobre a relaco entre os conceitas de racionalidade a razoabilidade cf. R. Alexy, The Reasonableness of Law, in: Reasonableness and Law, G. Bongiovanni/S. Sartor/C. Valentini (orgs.}, Dortirecht, 2009, p. 5-7. 22 A teoria do discurso néo teria problema algum em substituir “verdadeira” por “correta". Isso pode ser explicado através de trés equivaléncias. A primeira consis te numa concepsgo semantica de verdade prética ou corregao. Iss0 pode ser ex: plicado, seguindo Tarski, pela seguinte equivaléncia: (1) a proposicgo “ones deve falara verdade” é verdadeira se e somente se Jones deve falar a verdade. A seguir, © conceito de fato prético ou normative é introduzido através de uma segunda equivaléncia: (2) se e somente se Jones deve falar a verdade é um fato pratico ou normative que Jones deva falar a verdade. A terceira equivaléncia conecta os sentidos de verdade e fate com o conceito de fundamentabilidade: (3} Jones deve falar a verdade se e somente se ¢ fundamentivel que Jones deva falar 2 verdade. Esse madelo de verdade prética compreende elementos realistas mas deve ser istinguido, em um ponto central, de um modelo forte ou intuitive, Em um mo- delo intuitivo a fundamentabilidade de uma proposicae normativa depende da existéncia de um fato normativo, cuja percepco é uma questo de intuicéo. Em um modelo discursivo a existéncia de um fato normativo depence da fundamen- tabilidade da proposiggo correspondente. Se se quer atribuir realismo & teoria do discurso, esse realismo s6 pode ser, portanto, um tipo fraco de realismo, 23 cf.R. Alexy, Problems of Discourse Theory in: Critica, 20, 1988, p. 44, Gap. 3 + Acton natreza do ceto sursiva podem ser explicitadas através de um sistema de principios, re- gras e formas do discurso prético geral. Esse sistema compreende regras que exigem ndo-contradigéo, clareza de linguagem, certeza das suposigSes cempiticas ¢ sinceridade, bem como regras e formas que dizem respeito a consequéncias, ponderagées, universalizabilidade e & génese de convicsées normativas. © niicleo procedimental consiste em regras que garantem li berdade ¢ igualdade no discurso, através da concessio a todos do direito de patticipar no discurso e de questionar ¢ defender qualquer afirmacio. ‘A teotia do discurso é confrontada com varios problemas.”> Um deles consiste no fato de o discurso néo ser um procedimento que sempre produz apenas uma iinica resposta correta. Certamente certas exigéncias normati vas séo impostas pela teotia do discurso. As regras do discurso expressam 1s valores da liberdade ¢ da igualdade. Isso serve como uma base para a justificagio dos direicos humanos.»* Os direitos humanos podem portanto ser considerados discursivamente necessétios. Isso implica que uma nega- ‘¢ho dos direitos humanos é discursivamence impossivel. Juntamente com fa necessidade discursiva ¢ a impossibilidade discursiva existe entretanto ‘um Ambito extenso daquilo que é meramente possivel discursivamente.” ‘Um jufzo é meramente possivel discursivamente quando uma pessoa pode fandamenté-lo sem violar qualquer regra ou principio do discurso, a0 pas- ‘0 que outra pessoa pode, ao mesmo tempo, fazer 0 mesmo em rélacio a0 jutzo contraditério desse mesmo juizo. Em tal caso, jufzos incompativeis so apoiados por tazbes, Porvanto, o desacordo é, como afirma John Rawls, um “desacordo razodvel”.® Pode-se denominar esse problema o “problema do conhecimento prético”.” 24 R. Aleny, A Theory of Legal Argumentation, R. Adler/N. MacCormick (trads.), oxford, 1988, p. 188-206. 25 Uma recente e empla andlise dos problemas da teoria discursiva do direito pode ser encontrada em C. Bicker, Begriinden und Entscheiden. Kritik und Rekonstruktion der Alexyschen Diskurstheorie des Rechts, Baden-Baden, 2008. 26 A. Alexy, Discourse Theory and Human Rights, in: Ratio Juris, 8, 1996, p. 221 5s. 27 Sobre o conceito de necessidade, impossibilidade e possibiidade discursivas, cf R. Alexy (nota 24), A Theory of Legal Argumentation, p. 207, 28 J, Rawls, Political Liberalism, New York, 1993, p. $5. 25. Rawis fala, nesse contexto, em “nus de julgamento". J. Rawls (nota 27), Political Liberalism, p. 54 HM) Teoria Discursiva do Direito + Robert Alexy | 3.2. REAL O problema do conhecimento pritico sequer que se abandone o pri- meico estégio, definido exclusivamente pelos ideais de cottecio ¢ discur- 50, e siga-se para o segundo estagio, em que procedimentos juridicamente regulados, em primeiro lugar garantem a obtengio de uma decisio e, em segundo lugar, cuidam de sua execugio. Esse € 0 passo na diregio da positividade, do modo como definida pela legalidade autoritativa e pela eficécia social.® A insuficiéncia da dimenséo ideal como um procedimento decisério exige como seu complemento a existéncia da dimensio real do direito, ou seja, de sua dimensao positiva.” Essa exigéncia deriva das exi- géncias morais de evitar os custos da anarquia e da guerra civil de alcangar as vantagens da coordenacdo ¢ cooperacio sociais. 30. Sobre isso ver 0 “principio” de Kant, de que “deve-se, junto cofn todos os outros, (com os quais nlo se pode detxar de interagir), abandonar o estado de natureza, ‘em que cada um segue seu proprio jlzo, sujetar-se 8 coercao publica legal externa ‘entrar em uma condicao em que o que deve ser reconhecido como pertencente a ela é determinado pelo direto e ¢ alocado nela por um poder adequado (no 0 seu préprio poder mas um poder externo)"; |. Kant, The Metaphysics of Moras, in: |. Kant, Practical Philosophy, Mary J. Gregor (trad. org.), Cambridge, 1996, p.456. 31. Alexy (nota 4), The Argument from Injustice, p. 3 32 Cf.G. Radbruch, Legal Philosophy, in: The Legal Philosophy of Lask, Radbruch and Dabin, Wilk (trad), Cambridge/Ma., 1950, p. 117: “se ninguém & capaz de de- terminar o que é justo, ento alguém tem que estipular o que é legal." Radbruch ‘adiciona em uma nota de rodapé: “ou seje, estipula-se o que deve ser egal, no ‘© que é correto, pois iso seria contraditério"; G. Radbruch, Legal Philosoohy, p. 117, n. 6, 1ss0 poderia ser interpretado em uma de duas maneiras. Na primeira interpretacdo isso se destina @ expressar que estipular 0 que é legal néio tem nada a ver com o que é correto. A afirmacéo citada seria, nessa interpretago, Incorreta. Estipular 0 que é legal necessariamente contém a pretensio de que aquilo que é estipulado é correto, Portanto a primeira interpretagdo falha em levar em conta a dupla natureza do direito. Na segunda interpretacao, a citagdo afirma, apesar do fato de, em primeiro lugar, pretender que aquilo que é esti- pulado seja correto e, em segundo lugar, que & correto cumprir isso, no pode kerar a corres ou verdade daquilo que é estipulado autoritativamente. Nessa interpretaco, aafirmacdo de Radbruch seria correta Ela seria uma expresso da dupia natureza do direito cap.3 + Aduplanaturesa do dieto EEL 3.3. A RECONCILIAGAO ENTRE IDEAL E REAL Poder-se-ia supor que 2 necessidade de positividade implica 0 po- sitivismo, Isso seria porém incompativel com 2 pretensfo de correcio. Com certeza a necessidade da positividade implica a cortegao da posi vidade. Mas a correcio da positividade néo possui, de modo algum, um cardter exclusivo. Conceder & positividade um cardter exclusive, como, por exemplo, Kant se inclina a fazer, seria subestimar o fato de que 2 Je Sobre isso, ch R. Alexy (nota 4), The Argument from injustice, p. 146-121, No ‘péndice da segunda edicio de seus Primeiros Principios Metafisicos da Dou- trina do Direito, de 1798, primeira parte da Metofisica dos Costumes, Kant res tringe sua regra “obedega a autoridade que tem poder sobre vocé” através da seguinte clausula de excecaa: “(na medida em que nao confte com a moral interna)’; : Kant (nota 29), The Metaphysics of Morals, p. 505. Kant ndo expli- ca, nessa passagem, o que ele quer dizer com confito coma moral interna. Em seus manuscritos, encontramos porém os seguintes exemplos: “por exemplo, coergda religiosa, Coercéo a pecados no naturais: assassinato tralgoeiro ete", 1. Kant, Reflexionen zur Rechtsphilosophie, in: Kant’s gesammelte Schriften, XIX, Berlin, 1934, p. 595. Isso nBo significa, contudo, que o efeito de tais confl- tos-com a moral interna seja, como no caso da férmula de Radbruch, a perda tha validade juridica ou do earster juridico, Kant distingue um conceito moral Gum conceito estrito (ou estreito, ou puro) de direito. O conceito moral de Gireito “esté celacionado a uma obrigacéo a ele correspondente”; I. Kant (nota 26), The Metaphysics of Morals, p. 387. Essa obrigacdo (Verbindlichkeit) & uma ‘brigagao moral: “uma obrigacBo a necessidade de uma agdo livre de acordo tom um imperativo categérico da razo"; |. Kant (nota 23), The Metaphysics Of Morals, p. 377. Parece ser essa obrigacéo moral aquilo a que a cléusula de excegdo de Kant se refere. O ‘em sentido estrito nao é afetado por isso: “o direito estrito, a saber, aquele que nao esté misturedo com nada ético, exige apenas motivos externos para a determinacSo da escolha; pols s6 assim ele € puro e no esté misturado com preceitos de virtude. Somente um direito com- pletamente exterior pode portanto ser denominado estrto (direlto no sentido Pstreito}"; |. Kant (nota 29), The Metaphysics of Morals, p. 389. Poder-se-le pensar que isso se aplica apenas & perspective do observador. Em resposta 2 eso, contudo, pode-se apontar a tese de Kant, de que o juiz tem que decir ‘com base no “proprio (estrito] direito”; |. Kant (nota 29), The Metaphysics of Morals, p. 390. sso mostra que, segundo Kant, 0 conceito de direito estrito € aplicdvel ndo s6 sob a perspectiva do observador, mas também sob a perspec ‘iva do participante. BEBE tora Discusiva do Drea «Rober Alexy pretensao de corregao substancial — ou seja, em primeiro lugar e acima de tudo, a pretenséo de justica — néo desaparece apés a institucionali- zasio do direito. Ela permanece viva por tras do diteito ¢ no direito, Por essa razio é preciso distinguir dois estagios ou niveis de cortega cotregio de primeira ordem e correcao de segunda ordem. A cortecio de primeira ordem se refere apenas 4 dimensio ideal. Ela diz respeito & justica enquanto tal. A correcdo de segunda ordem é mais abrangente. Ela se refere a ambas as dimensées, a ideal ¢ a real. Isso significa que cla diz respeito justiga © & seguranga juridica, Porém, a seguranga jutidica s6 pode ser alcangada através da positividade. Nesse sentido, a pretensio de correcéo, como uma pretensio de segunda ordem, neces- sariamente conecta com 0 diteito 0 princfpio da justiga e 0 principio da seguranca jurfdica. O principio da seguranca juridica é um principio formal. Ele exige um compromisso com aquilo que foi estabelecido autoritativamente ¢ é socialmente eficaz. O principio da justiga é um prinefpio material ou subs- ivo. Ele exige que a decisio seja moralmente correta. Esses dois princi- pios, como principios em geral,®* podem coliditr,¢ de fato eles frequente- ‘mente colidem. Um nunca pode tomar o lugar do outro completamente, ou seja, em todos os casos. Ao contritio, a dupla natureza do diteito exige que eles sejam considerados reciprocamente em uma proporcao correta, Na medida em que essa proporcio correta € obtida, éalcangada a harmonia do sistema juridico. Assim, a corregio de segunda ordem ¢ uma questio de ponderagio, Isso evidencia que a ponderago desempenha um papel nao s6 na ctiacéo ena aplicagio do direito, ou seja, na pritica juridica, mas também na pré- pria base do direito. Ela é uma parte da natureza do direito. ‘A corregio de segunda ordem é o tema do terceiro passo, que diz res- peito & institucionalizagéo da razo. Devem ser distinguidos dois aspectos dessa institucionalizagio: um é substantivo, outro é procedimental. tan 34 R. Alexy, A Theory of Constitutional Rights, J. Rivers (tad), Oxford, 2002, p. 44-110. EE. s + Acipta natwrere docicio ERE 3. 1. O limite exterior do direito O primeiro aspecto substantive é o postulado de um limite exterior do direito, Ele diz respeito a rejeigio da tese de Hans Kelsen, de que “qual- quer contetido pode ser direito”.* Kelsen ilustra sua tese com a seguinte observagao: “de acordo com o dircito de estaclos totalitérios, o governo tema © poder de confinar em campos de concentragio pessoas com convicgbes, religiio ou raga indesejadas, ¢ forcé-las a fazer qualquer tipo de trabalho, até mesmo maté-las?.% Para contestar isso, a formula de Radbruch” tem que ser introduzida, Em sua versio mais curca, ela reza: a injustiga extrema nio é direito.* A controvérsia sobre um limite externo do direito é um tema central no debate sobre o positivismo juridico, um debate que nao pode ser abor- dado aqui. No presente contexto, somente a relagio entre a ideia de um limice exterior ¢ a tese da dupla natureza interessa. ‘A fim de determinar 0 que essa relagéo abrange é preciso distinguir duas vers6es do positivism e tts vers6es do nao-positivismo. As duas ver- s6es do positivismo s4o 0 positivismo exclusivo ¢ 0 inclusive. O positivismo exclusive, como defendido da forma mais proeminente por Joseph Raz, sustenta que a moral esté necessariamente excluida do conceito de dixei- to.” No que diz respeito 2 normas individuais, isso é aceitével sob 0 ponto de vista de um observador;“* do ponto de vista de um participante isso é porém errado. Um participante de um sistema jurfdico é caracterizado em termos das quest6es ¢ argumentos sobre 0 que conta como uma resposta 35H. Kelsen, The Pure Theory of Law, 2° ed., IM. Knight (trad), Berkeley, 1967, p. 198. 36H. Kelsen (nota 34), The Pure Theory of Law, p. 40. 37 G, Radbruch, Statutory Lawlessness and Supra-Statutory Law, B. Litschewski Paulson/S. L. Paulson (trads.), in: Oxford Journal of Legal Studies, 26, p. 7. 38 R. Alexy, A defence of Radbruc’s Forrnula; in: Recrafting the Rule of Law. The Limits of Legal Order, D. Oyzenhaus (arg.), Oxford, 1999, p. 17 (reimpresso in: Uoyd’s introduction to Jurisprudence, 7° ed., M.0.A. Friedman (org,), London, 2001 (8* ed. 2008). 39 J. Raz, The Authority of Law, Essays on Law and Morality, Oxford, 1979, p. 47. 40. R. Alexy (nota 4), The Argument from injustice, p. 27-31. ERE Teoria Discursiva do Direito # Robert Alexy correta a uma questio juridica no sistema juridico em que o participante se encontra. Ora, argumentos sobre 0 que conta como uma resposta correta sio impossiveis sem se levantar uma pretensio de corresio. Isso implica que © participante necessariamente se refere & seguranga juridica & justiga. E isso, por sua vez, significa dizer que o positivismo exclusivo esté exclufdo. positivismo inclusivo, defendido por exemplo por Jules Coleman, é menos radical. Ele nao afirma que a moral esté necessariamente excluida nnem que ela esté necessariamente incluida. A inclusio é considerada con- vencional, ou sej2, uma matéria contingente, dependendo daquilo que 0 direito positive de fato diz.” Contudo, com essa abordagem nao se conse- gue compreender a necessidade da dupla natureza do direito. ‘Apenas 0 néo-positivismo é compativel com a dupla natureza do dlizei- to, Isso nao significa, porém, dizer que todas as verses do néo-positivismo cumprem seus requisitos. Duas versées do nao-positivismo nao o fazem, a saber, 0 ndo-positivismo exclusivo ¢ 0 nao-positivismo super-inclusivo. Somente uma terceira versio, 0 néo-positivismo inclusivo, representa ade- quadamente a dupla natureza do diteito. © nao-positivismo exclusive € a versio mais radical do néo-positi- vismo. Ele alega que toda injustiga, todo defeito moral de uma norma, impede que ela seja legalmente valida. A tese de Deryck Beyleveld e Roger Brownsword, de que ‘normas imorais néo séo jutidicamente vilidas?, constitui um exemplo dessa visio. Apoiando-se em uma ponderagao incor- seta entre o principio da seguranga juridica e o prinefpio da justia, ela ati- bui um peso muito baixo & dimensio factual ou autoritativa do direito.® 41 Uma versio mais elaborada desse argumento se encontra em R. Alexy, An ‘Answer to Joseph Raz, in: Law, Rights and Discourse, G. Paviakos (org.), Oxford, 2007, p. 45-48, 50-54, 42 J. Coleman, Authority and Reason, Oxford, 1996, p, 316. 43. D. Beyleveld/R, Brownsword, Human Dignity in Bioethics and Biolaw, Oxford, 2001, p. 76, 44 Essa visio ndo é, de mado algum, nova, Cf. S. Agostinho, Opera. Werke, vol. 9, 4. Brachtendorf/V. H, Drecoll (orgs), Paderborn, 2006, p. 86: "Nam lex mihi esse ‘non videtur, quae iusta non fuerit” ("pois uma lei que no fosse justa nfo pare: ceria, para mim, uma lei") 45 Para mals detalhes ef R. Aleny, On the Concept and Nature of Lavy in: Ratio Juris, 21, 2008, p. 287. fhe Autonomy of Law, R.P. George (org), = cap. 3 + Aduplanatueza do dete BIEL nio-positivismo superinclusivo caminha na diregio oposta. Ele sustenta que a validade jurfdica nfo ¢ afetada de modo algum por defeitos morais ou pela incorregio moral. A primeira vista, essa parece ser uma versio do positivismo, ¢ néo do néo-positivismo. Essa primeira impressao & contudo, equivocada, como se percebe logo que se admite que além de uma conexo classificacéria entre o direito € a moral existe uma conexdo qualificatéria. Essas duas conexées sio distinguidas pelos efeitos dos de- feitos morais. O efeito de uma conexo classificatéria éa perda da validade juridica ou do cardter juridico. Em contraste, os efeitos de uma conexio qualificat6ria estio limitados a defeitos juridicos que nao alcangam o nivel de minar a validade juridica ou 0 cariter juridico. A tese de Santo To- més de Aquino de que um direito tiranico “simplesmente nio é direito”,” ou, como coloca John Finis, “néo € direito no sentido focal do temo ‘direito”, © mas somente dircito em um sentido secundério desse termo”,® ou seja, dircito defeituoso, parece marcar uma conexo qualificaréria. Ou- tra versio de nZo-positivismo superinclusivo que pode ser explicada atra- vés da distingZo entre conexio classificatdria e conexdo qualificatéria pode ser encontrada na combinagio de Kant entre 0 postulado da “submissio incondicional” ao direito positivo ea ideia de uma sujeicao necesséria do direito positivo a0 direito nao-positivo.* O nio-positivismo superinclusivo esté exposto a objegies bem seme- Ihantes 4quelas levantadas contra o positivismo exclusive. Do mesmo modo que 0 positivismo exclusivo falha em reconhecer a dimensfo ideal do direito, também 0 nao-positivismo superinclusivo falha em atribuir ao principio da justiga enquanto expresso da dimensio ideal do direito um peso que seja suficiente para prevalecer sobre o principio da seguranca juridica em casos extremos. A tese do néo-positivismo inclusive € de que um tal peso deve 45. R. Alexy (nota 4}, The Argument from Injustice, p. 26 47 SX. Aquino, Summa Theologiae, Turin, 1962, p. 947 (Hl, questo 92, art. 3, 4): “lex tyrannica[.] non est simpliiter lex.” 48 1. Finnis, Natural Law and Natural Rights, Oxford, 1980, p. 364. 491 Finis (nota 48), Natural Law and Natural Rights, p. 364. 50 | Kant (nota 29), The Metaphysics of Morals, p. 506. 51 Sobre isso cf. R.Alexy (nota 44), On the Concept and Nature of Law p. 288-290. ‘Teoria Discursiva do Direito + Robert Alexy a set atvibuido & justiga.®? O néo-positivismo inclusivo nao alega que defeitos morais sempre minam a validade do direito, nem que eles nunca o fazer, Seguindo a formula de Radbruch,* 0 néo-positivismo defeicos morais minam a validade do direito se e somente se o limiat da in- justica extrema ¢ ulerapassado. A injustica abaixo desse limiar esté incluida no conceito de direito come diteico defeituoso, mas vilido.™ Desse modo, a ambos 0s lados da dupla natureza do direito sio dados os pesos devidos. clusivo sustenta que . O constitucionalismo democratico Um limite exterior é uma condigao necessécia porém néo suficiente da institucionalizagéo da razio, A fim de alcancar a institucionalizacio da tazio, é preciso nao s6 resolver © problema da confrontagio entre a posi- 52 sso pode ser reconstruldo através da let da colisto cf. R. Aleny (nota 33), A Theory of Constitutional Rights, p. 50-54). O principio da seguranca juriice seré representado por P, eo principio da justica por P,P simboliza arelacSo de pre- cedéncia, eC, diferentes condigdes de precedéncia. C, representa “injustca aba x0 dolimiar de injustiga extrema” e C, "injustica extrema’. De acordo com 0 nfo- positivismo inclusivo, as duas seguintes relagSes de precedéncia sSo vlidas: (P,P), (2)(P,PP)C, P, exige, tomado Isoladamente, a consequéncia juridice de que a norma em Guestéo no seje vlida ou no sejadieito (0). Isso, 20 lado de (2), implica, de acordo com ale da colsdo, a regra C, > Q. Transformada em palavras, essa regra 6 a versio mais curta da férmula de Radbruch: a injustica extrema néo & direto. Em contraste asso, ono-positivismo superinclusivoe tombém, em seu resuita- do, o positviso exclusive, aodem ser representados por: (3) (P,P), enquanto o nBo-positvisme exclusivo encontra sua representacao em: (4)(P, PP). (3) e (4), como relagBes Incondicionais de precedéncia, podem ser ambas lidas como expresses de uma rejeiglo de ponderacfo nas questées referentes 20 conceito e & natureza do direito. Cf, também C. Bécker (nota 25), Begrinden tind Entscheiden.Kritk und Rekonstruktion der Alexyschen Diskurstheorie des Rechts, Baden-Baden, p, 248-251. 53. Sobre isso cf. Aleny nota 4), The Argument from Injustice, p. 40-62 54. R. Alexy nota 4d), On the Concept and Nature of Law, p. 287 s. tividade € a corregéo no limite, mas também conectar a positividade correcéo dentro do sistema juridico. Isso s6 é possivel na forma politica constitucionalismo democritico ou discursivo. aah A demacracia ¢ 0s direitos fundamentais so os elementos principaié do constitucionalismo democritico. Ambos séo exigidos pela teoria do dis- curso, ¢ ambos possuem uma dupla navureza 3.3.2.1. democracia ‘A democtacia € 0 clemento mais importante no lado procedimental da institucionalizagio da razo. A democracia pode ser concebida, ao mes- ‘mo tempo, como um procedimento de decisio e como um procedimento de argumentacéo. A decisio, na linha do principio da maioria, é0 lado real da democracia, A argumentacio, como discurso piiblico, é 0 lado ideal. A. Ainica possibilidade para a realizagio dos ideais da teoria do discurso é a institucionalizagio de uma democracia que una ambos os lados. © nome dessa unidade é “democracia deliberativa’. 3.3.2.2. Os direitos fundamentais Direitos fundamentais sio direitos que foram gravados em uma cons- tituiggo com a intengéo de transformar dircitos humanos em direito posi- tivo —em outras palavras, com a intencéo de positivar os direitos humanos. Direitos humanos sao direitos, em primeiro lugar morais, em segundo lu- gar universais, em terceiro lugar fundamentais e em quarto lugar abstra- tos que, em quinto lugar, tém prioridade sobre todas as outras normas.*> Direitos existem se séo validos. A validade dos direitos humanos enquanto direitos morais depende somente de sua fundamentabilidade. Portanto, os direitos humanos existem se forem fundamentaveis. Ora, os direitos huma- nos séo fundamentéveis com base na teoria do discurso, pois a prética de 55 R. Alexy, Die Institutionalisierung der Menschenrechte im demokratischen Verfassungsstaat, in: Philosophie der Menschenrechte, S. Gosepath/6. Lohmann (orgs.), Frankfurt, 1998, p. 246-254. | Discursiva do Direito * Robert Alexy afirmar, questionar e argumentar pressupée a liberdade e a igualdade, e as ideias de liberdade e igualdade implicam, junto com outras premissas que podem ser bem estabelecidas, os direitos humanos. Os direitos himanos séo portanto discursivamente necessitios.* Nada disso pode ser elaborado aqui” O tinico ponto de interesse nesse contexto é que os direitos huma- nos, como direitos morais, pertencem exclusivamente & dimensio ideal do direito. Sua transformagéo em direitos fundamentais, ou seja, em direito positivo, representa o esforco de conectar a dimensio ideal & real. Em uma democracia ideal, o processo democritico sempre mostracia respeito suficiente em relagao aos direitos fundamentais. Nao haveria, em principio, conflito entre democracia e direitos fundamentais. Entretanto, em uma democracia real ha conflito, A realidade da vida politica, junto com a ideia de diteicos humanos e fundamentais, exige, portanto, 0 con- role de constitucionalidade. O controle de constitucionalidade pretende estar mais préximo da dimensio ideal do direito do que esté o parlamen- to, Essa pretensio justificada se 0 controle de constitucionalidade puder set compreendido como uma representacio argumentativa ou discursiva do povo.® Nesse sentido, a dialécica do real e do ideal, ou seja, a dupla natureza do direito, estd presente até mesmo no relacionamento entre 0 controle de constitucionalidade e a legislacao parlamencar. 3.3.3.A argumentacao juridica O estabelecimento de um estado democratico constitucional cria um contexto institucional para a solusio de problemas juridicos. A legislagéo legicimada democraticamente é, a0 lado do controle de consticucionali- dade, o instrument principal. Encretanto, esse quadro precisa ser preen- 56 Ofato de os direitos humanos enquanto direitos abstratos serem discursivamen- te necessérios nfo implica que sua aplicagdo em casos concretos seja sempre ‘uma questo de necessidade discursiva. Pode haver um desacordo razodvel so- bre 0 que os direitos humanos exigem em um caso concrete. 57. Sobre isso cf. R. Alexy, A Discourse-Theoretical Conception of Practical Reason, in Ratio Juris, 5, 1992, p. 243-247. 58 R. Alexy, Balancing, Constitutional Review, and Representation, in: CON, 3, 2008, p. 578-581, cap. 3+ Adupla nave do eto SEI chido. O mecanismo para faré-lo & a argumencagio juridica ou o discurso juridico. A dupla narureza da argumentagio juridica é expressada pela tese do caso especial. Essa tese afirma que o discurso juridico € um caso es- pecial do discurso prético geral.” O discurso pritico geral é um discurso no institucionalizado sobre questées préticas. Enquanto discurso pritico geral ele compreende todos os tipos de argumentos préticos nao autorita- tivos, ou seja, argumentos morais relacionados & justica e a direitos, assim como argumentos éticos relacionados & identidade individual e coletiva € argumentos pragmiticos que expressam a racionalidade meio-fim. Os afgumentos morais tém prioridade, pois eles representam 0 ponto de vista. universal. Isso ndo significa, contudo, que seu contetido nao possa depen- der de outros argumentos.® O discurso juridico é um caso especial do dis- curso prético geral porque ele esté comprometido com a lei, 0 precedente ‘ea dogmatica. Esses compromissos representam o lado real ou autoritativo do discurso juridico. Habermas levantou uma série de argumentos contra a tese do caso especial.S' Sua preocupagéo central é que a tese do caso especial confere tanto poder ao judicidrio que a legitimidade democratica estaria em tisco: Uma vez que, 20 juz, é permitido se mover no espaco livre das raxées que tal “iseurso pritico geal” oferece, uma “linka vermelhs" que delimita a divisio de poderes entre cores ¢ legisagio fica wurva. No caso da aplicagio de uma lei specifica o discurso juridico do juiz deveria se confinar 20 conjunto de raxées que 0 legilador de fato apreseatou ou pelo menos poderia ter mobilizado para 4 jusiicagéo parlamentar daquela norma. O juz © 0 judicidrio em gral ga- nhariam ou propriatiam uma independncia problemética em relagio Aqueles 5 € procedimentos que fornecem a tinica garantia para a legiimidade A resposta a isso apoia-se em dois pontos. O primeizo € que a tese do caso especial de modo algum representa uma permissfo trivial para “se 59 CFR, Alexy (nota 24), A Theory of Legal Argumentation, p. 211-220. 60 Pera alguns detalhes cfR. Alexy, The Special Case Thesis, in: Ratio Juris, 12, 1999, p.37ss, 61 J. Habermas, Between Facts and Norms, W. Rehg (trad.), Cambridge, 1996, p. 229-237, 62 J. Habermas, A Short Reply, in: Ratio Juris, 12, 1999, p. 447. ‘eos Discursva do Dro + Robt Alexy a ‘mover no espago livre das ra26es” do discurso pritico geral. Pelo contritio, ela inclui uma prioridade prima facie das razbes aucoritativas. O segundo ponto diz respeito & proposta de Habermas de que o juiz “deveria se confi- nar ao conjunto de razdes que o legislador de faco apresentou ou pelo me- nos poderia ter mobilizado para a justificacio parlamentar”. A intencio teal do legislador é de fato uma razio muito relevante para a interpretacéo de uma lei, Mas, frequentemente, hé dificuldades para reconhecé-la, ou cela é vaga ou inconsistente.* A vontade hipotética do legislador, por outro lado, é uma construgio altamente problemitica. Ela se aproxima de um convite para mascarar as intengées do juiz como intengio hipotética do legislador. Aqui parecem ser preferiveis argumentos priticos gerais nao disfarcados. Habermas tenta aumentar 0 impacto da dimenséo autorita- va do diteito a fim de fortalecer a democracia. Os dois poncos realcados mostram, contudo, em primeiro lugas, que a tese do caso especial néo oferece razéo alguma para uma tal rentativa e, em segundo lugar, que a alternativa que Habermas propée nfo é de Faro uma alternativa. Somente a tese do caso especial corna possivel atingir uma ponderagio adequada centre as dimensdes ideal e real do direito no campo da argumentagio ju- ridica ¢, 0 que é a mesma coisa, da interpretacio. 3.3.4. “Dever ser” real e “dever ser” ideal Na aplicagio do direito, regras assim como principios desempenham tum papel essencial. Regras expressam um “dever ser” definitivo ou real, princ{pios um “dever sex” prima facie ou ideal. A teoria dos principios tenta desenvolver, nessas bases, uma teoria da proporcionalidade que inclui essencialmente uma teoria da ponderacfo. Isso, novamence, néo pode set claborado aqui. No nosso contexto, 0 tinico ponto de interesse é que a te- ria dos prineipios completa a variedade de consideragses que fizemos em nossa jornada pelos diversos campos da dupla natureza do diteito, através 63 CFR, Dworkin, A Matter of Principle, Cambridge, 1986, p. 34-57. 64 A. Alexy, Ideales Sollen, In: Grundrechte, Prinzipien und Argumentation, Clérico/J-R. Sieckman {orgs.), Baden-Baden, 2008, p. 21-33. Cap. 3 + A dupla natureza do dircito eee de um argumento teérico-normativo que jé tem estado presente em muito do que foi dito, ‘Agora o sistema esté fechado. A dupla nacureza do direito mostrou-se presente — explicica ou implicitamente ~ em todas as questées fandamen- tais do direito. Por essa razio, ela é a caracteristica mais essencial do direito, mostra por que © positivismo juridico é uma teoria inadequada sobre a natureza do direito. Teoria Discursiva do Direito + Robert Alexy 2.2, DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA 2.2.1, Trés modelos Hi ers visées sobre a relagio enere dizeitos funclamentais ¢ democracia: ‘uma ingénua, uma idealista e uma realista. Segundo a visdo ingéna no ha conflito entre os direitos fandamentais ¢ a democracia. Tanto 0s direitos fun- damentais quanto a democracia so coisas boas. Como podem duss coisas boas colidis? A concepeio ingénua quer com isso dizer que se pode ter 0s dois dle forma ilimitada. Essa visio do mundo é bonita demais para ser verdadeira, Seu ponto de partida, que s6 pode haver conflico entre 0 bem eo mal, mas no dentro do bem, é falso. Quem vai querer concestar que a prosperidade e © pleno emprego, que se apoiam no crescimento econdmico, séo coisas boas em si, € quem vai negar que a protecio e a preservacio do meio ambiente é algo bom? Por r2zées bem conhecidas existe porém, em nosso mundo, ca- racterizado pela finitade e escassez, um contflito entre esses dois bens. A visdo ‘dealisca admite isso. A sua reconciliagao entre direitos fundamentais ¢ demo- cracia nfo acontece por isso nesse mundo, mas sim no ideal de uma socieda- de bem ordenada. Nela, ao contritio, o pove e seus representantes politicos rio esto de modo algum interessados em violar os direitos fundamentais de alguns cidadios através de decisées majoritirias, ou seja, através de le A manutencio dos direitos fundamentais é um motivo sempre efetivo para todos. O catélogo de direitos fundamentais tem ainda, nesse modelo rousse- auniano, somente um significado simbélico, Ele formula meramente aquilo em que todos de todo modo acredicam e que todos de todo modo querem. Enquanto ideal que pode ser confrontado com a realidade politica e do qual se deve aproximar tem esse modelo seu valor. Mas pode-se perceber que esse ideal & inalcancével. Por isso, para aqueles que querem agir ¢ néo apenas sonar, é correta apenas a visdo realista. Segundo cla a relagio entre direitos fandamentas e democracia é caracterizada por duas noses, Elas rezam: (1) direitos fundamentais sio extremamente democraticos; (2) direitos fundamentais sio extremamente antidemocraticos, (Os direitos fundamentais séo extremamente democriticos porque com a garantia dos direicos de liberdade e igualdade eles asseguram a existéncia e PERE tarda no eta democrtco consituconal o desenvolvimento das pessoas, que s40 capazes de manter vivo processo democratico, ¢ porque coma garantia das liberdades de opiniéo, de impren- sa, de transmisséo por radiodifusio, de reunio e de associagio, assim como com 0 direito de voto e com 2s outras liberdades politicas eles asseguram. as condig6es de funcionamento do proceso democritico. Ao contririo, os direitos fundamentais so extremamente antidemocraticos porque eles sus- peitam do processo democritico. Através da vinculagio também do legis- fador eles retiram competéncias deciséries da maiotia parlamentarmente legitimada. Constantemente vemos a oposicio primeizo perder no processo democratico ¢ depois ganhar no areépago de Karlsruhe. Esse duplo caréter dos direitos fundamentais deve repelir os advo- gados de uma doutrina pura, Eles estio & espreita em ambos os lados do problema. Hii tanto seguidores de um processo democrético conteudis- ticamente ilimitado, geralmente idealistas rousseaunianos assumidos ou disfarcados, quanto céticos da democracia, para quem existe uma tal of dem preestabelecida de coisas que ¢ apenas confundida através do processo democratico ¢ que por isso deveria ser protegida de forma ainda mais forte do que acontece hoje através de direitos fundamentais e outros prin constitucionais. Néo vamos nos preocupar com ambos. Nossa pergunta deve ser apenas como pode ser encontrado um caminho entre essas dus posicdes extremas. 2.2.2. Representacao politica e argumentativa (© ponto de partida é constituido pela nogao de que direitos funda- ‘mentais sio direitos tio importantes que a decisio sobre sua concesséo ou nio-concessio nao pode ser deixada 2 maioria parlamentar simples. O que porém é to importante a ponto de ser retirado da agenda politica? Essa pergunta leva a problemas filaséficos profundos, em ultima instancia, & pergunta se de fato existe direitos fundamentais ¢ humanos ou se a cren- 2 neles ndo é, como afirmou Alasdair MacIntyre, diferente da “crenga em bruxas e em unicérnios’.!” Nao podemos nos ocupar dessa questéo aqui, «¢, felizmente, néo precisamos fazé-lo, pois é certo que, na Alemanha, os 10 A, Macintyre, Der Verlust der Tugend, Darmstadt, 1988, p. 98, THEE teria Discursva do Drea «Robert Alexy = | direitos fundamentais valem como direito positive. Nosso tema é somente como se deve interpreti-los se a relagio entre direitos fundamentais e de- mocracia deve ficar equilibrada, Poder-se-ia afirmar que os direitos fundamentais devem ser intetpre- tados de modo que eles protejam aquilo que tados os cidaddos consideram tio importante a ponto de nao poder ser confiado & maioria parlamentar simples. Desse modo o principio da democracia estaria reconciliado no mais alto grau com os direitos fundamentais. Essa concepcéo é, a0 mesmo tempo, correta ¢ incorreta. Vamos comesar com aquilo que ela tem de fal- so. O que os cidacléos consideram importante depende de seus ideais, de suas representagées sobre bens, de suas conviccées religiosas e de sua visio de mundo. Queremos designar esse conglomerado dificil de ser desema- ranhado como “conceprio moral”. Ora, é faro que as concepeses morais dos cidadsos séo extremamente diversas. John Rawls denominou isso 0 “faco do pluralismo”."" Certa concepcao se atrela a uma ética de resultados e decesta 0 estado social, outra estima sobresudo o prazer ¢ 0 tempo livre e requet financiamento. Para uma o divércio, o aborto € a pornografia sio, por razécs religiosas, um grande mal; outra vé nisso o triunfo da liberdade Uma vé na técnica e na ciéneia a chave para o fururo, outra 0 instrumento do declinio. A lista pode ser prolongada praticamente até onde se queira, Ela mostra que os direitos fundamentais néo podem ser apoiados simples- ‘mente nas concepgdes morais dos cidadios. Em que cles devem entéo se fundamentar? A solugio esté em uma velha ideia que se encontia no bergo dos direitos fundamentais como fenémeno da modernidade. Trata-se da distingao entre convicgées pessoais ¢ normas juridicas vilidas em geral, Na época tratava-se da liberdade de religigo. Hoje, esse pensamento deve set expandido s mais diversas formas de convicg6es, atitudes e projetos de vida. Exisce uma diferenca fundamental entre a pergunta “como quero eu viver?” e a pergunta “como queremos nés viver?”. A resposta a primeira pergunta constitui uma concepcao moral pessoal, que inclui uma represen- taco daquilo que para mim é uma vida boa. A resposta a segunda pergun- re constitui uma concepgao moral publica, que expressa uma representagao comum sobre condigées justas de cooperacio social em um mundo que é caracterizado pelo fato do pluralismo. Rawls fala ent8o, quando se conse- 11. J. Rawls, Die Idee des politischen Liberalismus, Frankfurt/M., 1992, p. 334, Cap. 2 + Diets fundamentais no estado democrético constitucional HE ‘gue uma resposta congruente & segunda questio, em um consenso sobte- posto (overlapping consensus).!? Naturalmente ha conexdes entre as dias perguntas ¢ a resposta a nenhuma das duas é ficil. De todo modo fica claro de que maneira deve ser determinado aquilo que & tdo importante e que no pode assim estar & disposicao do legislador ordinatio. Deve-se pergun- tar 0 que cidadaos racionais com diferentes concepcées pessoais de bem consideram condigées tio importantes da coopera¢io social justa sobre as quais 0 legislador ordindrio nao pode decidir. Nessa pergunta encontra-se a chave para uma possivel reconciliac4o entre o principio da democracia e os direitos fundamentais. Um tribunal constitucional que procura respondé- lade forma séria no quer colocar sua concepeio contra a concepedo do le- gislador; ele aspira antes 2 uma representacéo argumentativa dos cidadaos, que se opée & representacio politica desses cidadaos no parlamento. Se a representacao argumentativa obtém éxito, obtém éxito a teconciliacéo. Poderia se desejar algo mais preciso. Devo porém lembrar a obser- vacio de Aristételes sobre a exatido na ciéncia do estado. Assim, lé-se na Etica a NicBmaco que “nao [se deve) perseguir a exatidio da mesma forma no que diz respeito a todos os objeros [...J, mas em cada caso do modo que © material dado permica’." Essa avaliagio, de mais de 2.300 anos, pode ser completada através de uma visio do Tribunal Constiucional Federal de 1991. Ela reza: A interpreragio, sobretudo do direito constitucional, rem o cariter de um dis: curso, em que nio sio apresentados, através de um trabalho metodologicamente perfeito, enunciados absolutamente contctes ¢ ineontestéveis do ponto de vista ‘écnico, mas sim afirmadas rz6es, aabes opostase, por firs, as melhores razées que devem decidie a questio." Juntemos aquilo que ouvimos de filésofos e de Karlsruhe, ¢ podemos agora afirmar sobre a relagio entre direitos fundamentais ¢ democracia: conhecemos o problema, possuimos um critério-guia para sua solugio € podemos agora comegar o discurso sobre questées concrecas. Para atrelat isso & prética usual na maioria dos estados democraticos constitucionais 12.1. Rawls (nota 12), Die idee des politischen Liberalismus, p. 293 ss. 13. Aristoteles, Nikomachische Ethik, Darmstadt, 1969, 10983 14 BVerIGE, 82, p. 30 (p. 3855.) FEE oti Discusva do iret + Robert Alxy ay de hoje deve a confrontagio até aqui usada entre direitos fundamentais ¢ democracia ser ampliada para a triade direitos fundamentais, controle de constitucionalidade e legislacio parlamentat. Nesse contexto, seja de agora em diante finalmente analisada a decisio da segunda turma do Tribunal Constitucional Federal sobre o imposto sobre o pattiménio, de 22 de ju- nho de 1995," com base na qual deverio ser verificados os resultados aré aqui conseguidos. 2.3. O IMPOSTO SOBRE PATRIMONIO COMO CASO-TESTE Na deciséo do Tribunal Consticucional Federal sobre © imposto so- bre o patriménio tratou-se da questio sobre se o pardgrafo 10, niimero 1, da Lei do Imposto sobre 0 Patriménio (VStG), através da redacio dis- pontvel até a decisio, violava a constituiglo, na medida em que onerava 2 propriedade imobilidria vinculada & unidade de valor ¢ outras formas de patriménio nao vinculadas & unidade de valor com a mesma aliquota Isso fraudaria, nos anos de arrecadacio que a deciséo abrangeria, 0,5% do patriménio sujeito a wibutagio. A qual responsabilidade tribucdria essa aliquota levaria dependia essencialmente da avaliacio do pattimdnio existente na época, Isso ocorreu em relagéo 4 propriedade imobilidria e a outras formas de patriménio, sempre de formas bastante distintas. A propriedade imobilidria foi, depois de 1964, avaliada com base em uma unidade de valor e entrou com 140% desse valor na soma do patrimd- nio global. © patriménio rescante foi, ao contritio, estipulado através de valores correntes. Por isso pode-se dizer, grosso modo, que a propriedade imobilidria foi taxada de acordo com um valor passado e as outras espécies de patriménio de acordo com o valor corrente. Por causa do considerdvel aumento no valor da propriedade imobilidria desde 1964 isso levou a uma carga tributéria extremamente diferenciada entre a propriedade imobilié- ria e outras espécies de patriménio. A carga tributiria sobre o patriménio imobilidrio constituia, em alguns casos, meramente um décimo da carga do patriménio restante. A justiga financeira de Rheinland-Pfalz viu nesse 15 BVerfGE, 93, p. 121.

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