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I As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno A acumulagao primitiva do capital Aestrutura econémica da sociedade capitalista tornou-se possivel gracas 8 acumulacao primitiva do capital ainda na estrutura econémica da sociedade feudal, anterior, portanto, a acumulacdo capitalista, como resultado de “pro- cess0s idlicos (aventureiros), sobretudo violentos, de obtengdo de riquezas. As descobertas de ouro e de pratana América, oexterminio, a escravizacio das populagdes indigenas, forcadas a trabalhar no interior das minas, o inicio da conquista e pilhagem das Indias Orientais e a transformagao da Africa num vasto campo de cacada lucrativa s80 0s acontecimentos que marcam os albores da era da producao capitalista. Esses processos idilicos sdo fatores fundamentais da acumulaco primitiva, Logo seque a querra comercial entre as nacées europeias, tendo o mundo por palco. Inicia-se com a revolugao dos Paises Baixos contra a Espanha, assume enormes dimens6es com a guerra antijacobina da Inglaterra, prossegue com a guerra do 6pio contra a China etc. Os diferentes meios propulsores da acumulagéo primitiva se repartem numa ordem mais, (ou menos cronolégica por diferentes paises, principalmente Espanha, Portugal, Holanda, Franca Inglaterra. Na Inglaterra, nos fins do século XVII, s80 coordenadosatravés de varios, sistemas: 0 colonial, o das dividas pablicas, omodemo regime tributario eo protecionismo, Esses métodos se baseiam em parte na violencia mais brutal, como & o caso do sistema Colonial. Mas, todos eles utilizavam 0 poder do estado, a forca concentrada e organizada da sociedade para ativar attificialmente 0 processo de transformacao do modo feudal de producao no modo capitalista, abreviando assim as etapas de transicao. A forga é 0 parteiro de toda sociedade velha que traz uma nova em suas entranhas. Ela mesma é uma poténcia econdmica. (MARX, 1971, livro |, vl, p. 868-869) Max Weber também se refere aos processos de acumulacao da riqueza anterioresaocapitalismomodernoquecaracterizaramasformasdecapitalismo irracional, Dentre esses processos, [Ja ocupacao eexploragio de grandes regides fora da Europa. As aquisi¢des coloniais dos Estados europeus deram lugar, em todos eles, a uma gigantesca acumulacao de riquezas dentro da Europa. O meio empregado para este actimulo de riquezas foi o monopélio dos produtos coloniais, as possibilidades de colocagao nas colénias, isto é, 0 direito de transportar-Ihes as mercadorias, ¢,finalmente, as oportunidades de ganho que oferecia 0 transporte, mesmo entre a metrépole e as colénias, tal como foram asseguradas pela Ata de Navegacao Inglesa, de 1651. Tal acumulagao de riquezas ficou garantida, sem exce¢ao, or todos os paises, mediante o exercicio do poder, o que se revestiu de varias formas, isto 6, 0 Estado tirava das colénias lucros imediatos; administrando diretamente suas riquezas, ou cedendo-as a determinadas sociedades, em troca de certos pagamentos. (WEBER, 1980, p. 136) 39 As diferentes formas de administracio do processo de trabalho no capitalismo modemo Assim, sea acumulacao primitiva do capital foi obtida mediante atividades aventureiras, como, por exemplo, as grandes navegac6es que permitiram a colonizacéo, e/ou sobretudo mediante a violéncia cristalizada na escravidaoe no exterminio dos poves indigenas, a acumulagao do capital nas sociedades modernas resulta tao somente da eficdcia e eficiéncia da administracao empresarial, isto 6, da capacidade de explorar ao maximo, racionalmente, todos os recursos e/ou meios e/ou fatores da producao. Resulta, portanto, da organizacao racional do trabalho no interior das empresas, do célculo econémico permanente e da anidlise racional, probabilistica em termos matemiticos, dos mercados nacionais e internacionais, frutos de miltiplas determinacées: econdmicas, politicas, sociais, culturais universais. Neste capitulo, a atencao se volta para as implicacées sociais e humanas do processo de racionalizacao do interior das empresas, isto 6, das diferentes formas de organizacao racional do processo de trabalho que marcaram o século XX e determinaram, em grande parte, os mercados de trabalho. A divisao tecnoldgica do trabalho 40 A primeira expresso da racionalizacao do interior das empresas indus- triais foi a divisio do processo de trabalho em operacées especializadas atribuidas a diferentes trabalhadores, jé no século XVIII, conforme nos demonstrou Adam Smith (1937, p. 4-5) em A Riqueza das Nacées. Um homem estica 0 arame, outro o retifica e um terceiro o corta; um quarto faz a ponta e lum quinto prepara topo para receber a cabeca; a cabeca exige duas ou trés operagdes distintas: colocé-la é uma funcao peculiar, branquear os alfinetes ¢ outra e até alinh-los ‘num papel é uma coisa separada e o importante na fabricacdo de um alfinete é deste modo dividido em cerca de dezoito operacdes que, em algumas fabricas, s80 executadas por aos diferentes, embora em outras 0 mesmo homem as vezes execute duas ou trés delas. Os efeitos econdmicos altamente positives da divisao do trabalho, isto é, © aumento da produtividade do trabalho, devem-se, segundo Adam Smith, a trés diferentes circunstancias: Este grande aumento na quantidade de trabalho que, em consequéncia da divisdo do trabalho, o mesmo numero de pessoas & capaz de executar, deve-se a trés diferentes circunsténcias: primeira, ao aumento da destreza de cada trabalhador individualmente; segunda, a economia de tempo que em geral se perde passando de uma espécie de trabalho a outra;e, finalmente, &invencao de grande ntimero de méquinas que facilitam € abreviam o trabalho, e permitem que um homem faca o trabalho de muitos. (SMITH, 1937, p.7) Ao longo do século XIX, a diviséo do processo de trabalho acentuou-se e foi por Marx denominada divisao tecnolégica do trabalho por conformar-se As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno as exigéncias da introdugdo de novos instrumentais de trabalho, isto é, as exigéncias de um sistema de maquinas que, ao desenvolver-se, propiciou uma total reorganizacao do interior da fébrica No entanto, até o final daquele século, o trabalho industrial ainda era realizado por operérios profissionais, conhecedores da matéria-prima e de todas as etapas de sua transformacao num produto final. Seu conhecimento advinha da experiéncia vivida no chao da fabrica e Ihes garantia autonomia profissional. Dada a inexisténcia de uma programacéo da producéo, predominava a organizacao auténoma do trabalho do operario profissional ou qualificado, que Alain Touraine, sociélogo francés, qualificou de Sistema Profissional ou Fase A do processo de organizagéo e de qualificacao do trabalho. A qualificagao do operario é, sobretudo, indicada por seu poder de comands e decisao sobre o préprio trabalho a partir do conhecimento da totalidade do processo produtivo. Esta independéncia, essa liberdade profssional do operirio em relaco & empresa que © emprega é inseparavel da unidade profissional das categorias operdrias, num oficio determinado, unidade fundada na sucessio hierarquizada de niveis de aprendizagem e decisao. (TOURAINE, 1973, p. 449) Nesta fase, a divisao tecnolégica do trabalho, em estagio pouco avancado, preservava o trabalho profissional altamente qualificado. Taylorismo e fordismo Porém, nas Ultimas décadas do século XIX, Frederick Taylor, engenheiro norte-americano, desenvolveu um novo método de organizacao do processo de trabalho industrial, apresentado em sua obra Principios de Administracéio Gientifica, publicada em 1911, com a qual ficou conhecido como o pai da administracao cientifica, também denominada’taylorismo’, para aumentar 0 volume de producao, a fim de atender a demanda crescente pela conquista de novos mercados e “assegurar o maximo de prosperidade ao patréo e, a0 mesmo tempo, o maximo de prosperidade ao empregado” (TAYLOR, 1966, p. 29), sendo esse o principal objetivo da administracao. O ponto de partida da obra de Taylor é a sua constatacao de que o traba- Ihador é, por principio e definicao, vadio, trabalhando muito menos do que é fisicamente capaz, tal como afirma nessa passagem extravagante que, com certeza, a todos atordoa ja pelo titulo "Vadiagem no Trabalho": Os ingleses e americanos s40 05 povos mais amigos dos esportes. Sempre que um americano joga basquetebol ou um inglés joga cricket, pode-se dizer que eles se esforcam, por todos os meios, para assegurar a vitéria a sua equipe. Fazem tudo a seu alcance para 41 As diferentes formas de administracio do processo de trabalho no capitalismo modemo 2 conseguit 0 maior ntimero possivel de pontos. 0 sentimento de grupo ¢ tio forte que, se ~algum homem deixa de dar tudo de que é capaz no jogo, é considerado traidor e tratado com desprezo pelos companheiros. Contudo, o trabalhador vem ao servico, no dia seguinte, e em vez de empregar todo o seu «sforco para produzira maior soma possivel de trabalho, quase sempre procura fazer menos do que pode realmente — e produz muito menos do que é capaz; na maior parte dos casos, no mais do que um terco ou metade dum dia de trabalho, é eficientemente preenchido. E, de fato, se ele se interessasse por produzir maior quantidade, seria perseguido por seus companheiros de oficina, com mais veeméncia, do que se se tivesse revelado um traidor 1no jogo. Trabalhar menos, isto é, trabalhar deliberadamente devagar, de modo a evitar a realizacao de toda a tarefa disria, fazer cera, [..] € 0 que esta generalizado nas indiistrias e, principalmente, em grande escala, nas empresas de construgao. (TAYLOR, 1966, p. 32) Essa citacao inicial é bastante esclarecedora da intencao tinica de Taylor que é a de encontrar resposta & pergunta fundamental tanto para o capita- lista quanto para o seu preposto: como fazer o trabalhador trabalhar mais? A resposta é 0 taylorismo, Ao criar e atribuir & geréncia as funcées de planejamento e controle do trabalho, com 0 estudo de tempos e movimentos para a eficaz realizagao das tarefas inerentes aos diferentes postos de trabalho; selecéo e treinamento do pessoal; fixagao do volume de produgao a ser obtido de cada um dos trabalhadores; elaboracéo de programas de incentivo em dinheiro ao trabalhador, Taylor fez surgir uma nova estrutura administrativa com fundamento na ideia de tarefa e deu inicio a chamada Fase B ou Sistema Técnico de organizacao do trabalho. A ideia da tarefa é, quicé, 0 mais importante elemento na administracio cientifica. 0 trabalho de cada operdrio é completamente planejado pela direcdo, pelo menos, com tum dia de antecedéncia e cada homem recebe, na maioria dos casos, instrucdes escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios usados para realizé-a,[.] Na tarefa é especificado o que deve ser feito e também como faz além do tempo exato concebido para a execucao. (TAYLOR, 1966, p.51) Partindo do principio da divisao tecnolégica do trabalho e da especi zac4o do operério, Taylor estabeleceu cargos e funcées, definindo ocontetido @ 0 modo de execucdo das tarefas de cada um e suas inter-relacdes com as dos demais, sob a supervisdo da geréncia. Iniciava-se, assim, 0 processo de total dissociagao entre a concepsao do projeto do resultado e do proceso de trabalho e 0 trabalho de execucao do projeto, isto ¢, dissociagao entre trabalho intelectual trabalho manual. O operdrio tornou-se um mero executor de tarefas previamente prescritas. A Fase B ou Sistema Técnico é marcada, portanto, pela centralizagao da organizacao e do controle da producao que permite e aprofunda a fragmen- taco e a especializacao das atividades industriais, fazendo surgir 0 operario As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno especializado ou semiqualificado, simples condutor de maquinas e executor de tarefas preestabelecidas, embora nao elimine o trabalho qualificado, concentrado, agora, nas oficinas de manutencao e ferramentarias, onde pas- saria a constituir redutos sempre ameacados do antigo sistema de trabalho. Os operarios especializados esto sujeitos 4 organizacSo centralizada do trabalho. J4 nao representam um potencial profissional suscetivel de utilizacdes diversas. Definidos pelo posto de trabalho e, em grande parte, intermutaveis, a sua especializagao nao é andloga & dos operérios das manufaturas, cuja habilidade, mesmo reduzida a execucao de trabalhos parcelares, continuava a ser principio definitivo. (TOURAINE, 1973, p. 454) Assim, no mais havia necessidade de “homens extraordinarios", com excecdo dos membros da geréncia. As praticas de seleco e treinamento visavam apenas conhecer as aptiddes dos candidatos a um emprego e treinar 05 selecionados de acordo com 0 método planejado. “A selecao, entéo, nao consistiu em achar homens extraordinérios, mas simplesmente em escolher entre homens comuns os pouco especialmente apropriados para o tipo de trabalho em vista.” (TAYLOR, 1966, p. 76). Daf deriva o principio da escolha do homem certo para o trabalho certo, cujas qualidades deveriam ser a fora fisica e/ou a rapidez de percepcao e reacao na inspecao de qualquer objeto, mas de todos, sem excecdo, a qualidade essencial deveria ser a capacidade para a obediéncia estrita. Sem divida, 0 taylorismo permitiu aumentar consideravelmente a produtividade do trabalho, reduziu os custos de produgao e os precos das mercadorias e, sobretudo, permitiu aumentar consideravelmente os lucros dos capitalistas, “assegurando ao maximo a prosperidade do patréo”. Mas, e quanto & prosperidade do empregado? A “prosperidade do empregado’, acreditava Taylor, estaria assim assegurada: Na tarefa, é especificado o que deve ser feito e também como fazé-lo, além do tempo exato concebido para a execucéo. E, quando 0 trabalhador consegue realizar a tarefa determinada, dentro do tempo-limite especificado, recebe aumento de 30 a 100% do seu salério habitual. (TAYLOR, 1966, p.51) ‘A nova organizacéo do trabalho, caracterizada pela centralizacdo e controle da produgao pela geréncia, tornou-se a forma predominante de administracao do proceso produtivo até as tltimas décadas do século XX, porque 0 taylorismo foi aperfeicoado por Henry Ford |, o pai da industria automobilistica, com a introducao, em 1914, de uma inovagao tecnolégica: a esteira automatica de producao ou sistema automatico de transporte de pegas e ferramentas para intensificar ainda mais o ritmo de trabalho, agora totalmente controlado pela geréncia que pode imprimir, com um simples apertar de botdo, 0 ritmo que quiser ao trabalho de todos. 43 As diferentes formas de administracio do processo de trabalho no capitalismo modemo O fordismo caracteriza 0 que poderiamos chamar de socializacdo da proposta de Taylor, pois, ‘enquanto este procurava administrar a forma de execuco de cada trabalho individual, 0 fordismo realiza isso de forma coletiva, ou seja, a administracao pelo capital da forma de execucao das tarefas individuais se dé de uma forma coletiva, pela via da esteira. (MORAES NETO, 1989, p.36) Ford, diferentemente de Taylor, considerava o trabalhador nao apenas um produtor de mercadorias, mas também um consumidor. Por isso, aumentou 05 salérios de seus trabalhadores e instituiu a jornada de trabalho de oito horas como incentivoao consumo, além de distribuiralguns beneficios, como restaurantes, transporte, hospital e assisténcia social, por ter compreendido que a producdo padronizada em massa, gracas & nova organizacéo do processo de trabalho inaugurada em suas fabricas com a construcéo da linha de montagem com esteira rolante — esteira de produgao - requeria consumo de massa. Compreendeu também que o“fordismo” seria adotado nos mais diferentes setores da atividade econdmica, inclusive nos escritérios onde a esteira de producao era movida pelo “office boy interno’, e poderia ser responsdvel pelo surgimento da sociedade de consumo de massa, 0 que de fato aconteceu devido a adosao, na década de 1930, de politicas intervencionistas de Estado, isto é, de politicas de protecdo as economias nacionais, de protecdo do emprego, de regulamentacao das relacdes de trabalho, de fortalecimento dos sindicatos, que garantiram a elevacao dos salarios e 0 consumo em massa. No entanto, é duvidosa a pretensao de Taylor, extensiva ao fordismo, de considerar essa forma de administracéo do processo de trabalho de “cientifica’. Trata-se muito mais de justificar a intensificacao do trabalho pela ciéncia do que propriamente demonstraro cardter verdadeiramente cientifico dessa organizagio do trabalho, pois, como ressalta Salm (1990, p. 64) “L.] a Ergonomia - estudo dos tempos e movimentos ~ nao pode ser vista como algo objetivo, mas sujeito a negociacées e compromissos.” o que nos permite afirmar que © taylorismo/fordismo se fundamentam no conhecimento empirico, mas nao propriamente cientifico, dos efeitos positivos da disciplina e obediéncia rigida as normas da empresa, racionalmente elaboradas, para © aumento da produtividade do trabalho. Além disso, considere-se que 0 ingresso de parcelas importantes da classe operdria ao consumo de bens industrializados, gracas ao aumento dos salarios e/ou ao salario por rendi- mento e ao barateamento das mercadorias devido ao aumento da produ- tividade do trabalho, foi uma razdo suficiente para justificara submissao-—nao muito passiva, é verdade ~ a essa nova forma de administragao do trabalho. As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno A anilise critica do taylorismo/fordismo nos remete questao do conflito de classes nas sociedades capitalistas e ao problema fundamental com o qual se defronta o capitalista e, nos dias de hoje, o administrador que o representa: como obter a colaboracao do trabalhador e fazé-lo trabalhar mais e melhor? Em principio, ninguém quer trabalhar para enriquecer 0 outro em troca apenas de um emprego de cujo salério extrai o estritamente necessério para a sua sobrevivéncia. Taylorismoefordismoforamas respostasencontradas pelo capital, ao longo do século XX, para enfrentar esse problema, mas os trabalhadores sempre reagiram - e sempre reagem — as condicées impostas, organizando- -se politicamente em sindicatos e em movimentos sociais reivindicatérios de diferentes naturezas, muitos deles bem-sucedidos que Ihes garantiram alguma melhoria nas condicées de trabalho e de vida. Conciliar interesses divergentes 6 0 desafio maior a ser confrontado pelo capital, pelo administrador, pelos governos estabelecidos e pelos proprios trabalhadores, num esforco conjunto para a promogao do desenvolvimento e reduco da desigualdade social. Impactos do taylorismo/fordismo sobre o trabalhador Nao ha diivida de que taylorismo/fordismo permitiram a melhoria das condicées de vida para a parcela da classe operaria assalariada das grandes corporacées, dando-Ihe acesso ao consumo de bens industrializados, além de terem gerado milhares de empregos nos EUA e terem sido responsavels, em grande parte, pelo seu extraordinario crescimento econémico, que fez do pais uma poténcia mundial. Mas, a que preco? O imortal Charles Chaplin, no filme, também imortal, Tempos Modernos, produziu a representacao artistica mais ilustrativa do trabalho infernal das fabricas fordistas e a transformacao do trabalhador num autémato desvairado, infeliz. Nao faltaram raz6es para isso porque taylorismo/ fordismo provocaram: 12) desprofissionalizacéo da grande massa de trabalhadores, agora trabalhadores especializados na execucéo de uma ou mais tarefas simplificadas, repetitivas e insignificantes, pensadas pela geréncia cientifica, inclusive nos gestos e movimentos necessarios para realizé- -las bem e rapidamente; 22)a desprofissionalizacao, isto é, a especializacéo, conduz inexoravel- mente 8 perda da nocao de totalidade do processo de producéo e As diferentes formas de administracio do processo de trabalho no capitalismo modemo 46 compromete a capacidade de compreensao do significado do proprio trabalho, sendo causa de profunda insatisfacao e profundo sentimento de frustra¢ao por impossibilitara realizacao das potencialidades intelec- tuais e a satisfacao das necessidades de autoestima e autorrealizacdo, raiz da tendéncia ao absenteismo, desperdicio de material, negligéncia, acidentes de trabalho, turnover (rodizio de pessoal), alcoolismo, drogas, stress, LER (lesdo por esforco repetitivo), fadiga constante etc. e da resis- téncia as condi¢ées impostas através de movimentos sindicais, alguns marcados por extrema violéncia; 3.)a desprofissionalizacao significa a monopolizagdo do saber operdirio pela geréncia cientifica cujo programa, nas palavras de Benjamin Coriat, L.J se define pela anélise do obstaculo que vence: trata-se nada menos que de expropriar aos trabalhadores seu saber |...) ndo se trata somente de expropriar aos trabalhadores seu saber, senao também de confiscar este saber recolhido e sistematizado - em beneficio exclusive do capital. [...] 0 que aqui se instaura macicamente é a separacao entre trabalho de concepcao fede execugdo, um dos momentos-chaves da separacao entre trabalho manual e intelectual (CORIAT, 1976, p.94) 42)a monopolizacao do saber pela geréncia cientifica reduz o poder de bar- ganha da classe trabalhadora, cujos movimentos de resisténcia, sindicais, tornaram-se movimentos reivindicatérios por melhorias nas condicées de trabalho, aumentos salariais e estabilidade no emprego e ndo mais movi- mentos visando a reapropriacao dos instrumentos de trabalho, de orienta- 40 revolucionéria, portanto, que os caracterizou ao longo do século XIX; 5.2)a profunda insatisfagéo com as condicées de trabalho é causa da “evastio no lazer” em suas mais variadas formas ~ desde o simples passatempo diante da televisdo até os esportes agressivos e jogos de azar ~ como necessidade visceral de preencher 0 vazio da alma e combater 0 tédio provocado pelo trabalho massacrante porque insignificante, desinteressante, repetitivo, alienado e alienante, submisso, disciplinado e humilhante. Tudo aquilo de que se viram privados no trabalho - iniciativa, responsabilidade, realizagio - 0s trabalhadores buscam reconquistar no lazer. Constatou-se, durante os Gltimos dez anos, uma fantastica proliferacao de “manias’, de passatempos (art and craft hobbies), &s quais se acrescentam todas as espécies de lazeres ativos, fotografia, ceramica, eletrOnica, radio etc., todas as categorias daquilo que Erich Fromm, por seu lado, opondo-se aos servicos “aperta-botdo” das maquinas automaticas, chama de “do it yourself activities” (atividades “faca vocé mesmo’). Bell acrescenta, que se ajusta plenamente as interpretacdes que, antes, déramos desses fatos: A América viu multiplicar-se o “amador” numa escala até entao desconhecida. € se nisso ha, em si, um bem, ele foi obtido a um preco muito elevado: 0 da satisfacao no trabalho. (FRIEDMANN, 1972, p. 159) As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno Assim, 0 século XX, tendo divorciado o trabalho do lazer, do prazer, da alegria da busca da autoestima e da autorrealizacdo, transformando a expe- riéncia e a vivéncia do trabalho em castigo, punicdo, expiagdo do pecado original, tal como o interpretaram as tradigbes religiosas do Ocidente, ofereceu como compensacao 0 alargamento do tempo livre para nao s6 possibilitar a reposico saudavel da forca de trabalho e 0 aumento do consumo da produgéo em massa, mas também para possibilitar (muito embora essa nao fosse a intencdo) a reversio no e pelo lazer das privacées do desenvolvimento da individualidade no e pelo trabalho a que submeteu milhées de trabalhadores. Taylorismo/fordismo geraram uma massa de trabalhadores insatisfeitos, entediados, frustrados, infelizes, alienados de si mesmos, de sua propria natureza, cujas potencialidades nao puderam se efetivar na realizacdo de um trabalho arte-criagdo-acao inteligente e transfigurou o papel da Razéo na Historia em racionalidade instrumental das grandes organizacées racionais do mundo moderno, A organizacao racional é, assim, alienadora: os principios orientadores da conduta e da reflexdo, e com 0 tempo também da emocao, nao estado centralizados na consciéncia individual do homem da Reforma, ou na razao independente do homem cartesiano. Os principios orientadores sao, na verdade, alheios e em contradicéo a tudo o que se tem compreendido historicamente como individualidade. Nao seré demais dizer que no desenvolvimento extremo, a possibilidade de razao que tem a maioria dos homens & destruida, a medida que a racionalidade aumenta e sua localizagao, seu controle, passa do individuo para a organizacao em grande escala. H4, entao, racionalidade sem razdo. Essa racionalidade nao esta de acordo com a liberdade, sendo, antes, a sua destruidora. (MILLS, 1965, p. 185) Taylorismo/fordismo universalizaram-se como forma predominante de organizacao do proceso de trabalho no pés-Segunda Guerra Mundial, em 1945, tendo sido um dos fatores determinantes da rapida reconstrucao da Europa Ocidental e do Japao que, pouco mais tarde, desenvolveu o toyotismo, inaugurando a Fase C ou Sistema Automatico de Producao, por muitos autores denominada producdo flexivel. E preciso ressaltar, no entanto, que as consequéncias positivas, ao contrario das negativas, da predominancia do taylorismo/fordismo nao se estenderam a toda classe trabalhadora e muito menos a todos os paises. A Africa permanece um continente desconectado dos mercados internacionais e a expectativa de vida de sua populacdo abaixo dos 55 anos de idade. A América Latina ainda se debate para extirpar os enormes bolsdes de pobreza em todos os seus paises, sem contar a disparidade das condicées de vida entre eles. A competicao econdmica entre paises se acirrou € os conflitos entre eles a7 As diferentes formas de administracio do processo de trabalho no capitalismo modemo ag twos do moti (go foram eaters po Washo (1970) Heraberg Mame 6 Soriereen 958) arg 1869, tornaram-se inevitaveis, inclusive os conflitos armados que nao deram trégua & humanidade um s6 dia do século XX e neste inicio do século XXI. Considere-se também que nao foi simples coincidéncia o aparecimento das diferentes teorias de motivacao para o trabalho’, a partir dos anos 1950, quando da universalizacao do taylorismo/fordismo, e a contratagio de psicélogos nas empresas. A simples denominacao dessas teorias ~ Teorias de Motivagao para o Trabalho — jé & razdo suficiente para se dar conta da dimensao das questdes suscitadas pelas novas condicées de trabalho que nao atingiram apenas os trabalhadores, mas também as empresas, obrigadas a enfrentar os problemas referidos de alcoolismo, drogas, negligéncia, turnover etc, a rever os seus métodos de gestao e a atender muitas das reivindicacoes dos trabalhadores, se quisessem obter a sua colaboracao. Compreende-se facilmente que, se naquelas condigées trabalhar fosse uma atividade agradavel, nao haveria necessidade de se pensar em aplicar técnicas de motivacao dos trabalhadores originadas de teorias de motivacao, para o trabalho. Os Anos Dourados 48 ‘Ammaioria dos seres humanos atua como os historiadores: 56 em retrospecto reconhece a nnatureza de suas experiéncias, Durante os anos 1950, sobretudonos paises “desenvolvidos” cada vez mais présperos, muita gente sabia que os tempos tinham de fato melhorado, especialmente se suas lembrancas alcancavam os anos anteriores @ Segunda Guerra Mundial. Um primeiro-ministro conservador britanico disputou e venceu uma eleico geral em 1959 com o slogan “Voce nunca esteve td bem’, uma afirmacéo sem duivida correta. Contudo, 6 depois que passou o grande boom, nos perturbadores anos 1970, 2 espera dos traumaticos 1980, os observadores - sobretudo, para inicio de conversa, ‘95 economistas - comecaram a perceber que 0 mundo, em particular 0 mundo do capitalismo desenvolvido, passara por uma fase excepcional de sua histéria;talvez uma fase Unica. Buscaram nomes para descrevé-la:‘0s trinta anos gloriosos dos franceses (les trente glorieuses), a Era de Ouro de um quarto de século dos anglo-americanos. O dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baco e escuro das posteriores Décadas de rise, (HOBSBAWM, 1995, p. 253) Esse é 0 parégrafo inicial das mais de cem paginas da parte dois do livro de Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos - 0 Breve Século XX: 1914-1991 - dedicada exclusivamente a apresentar e analisar as expresses materiais e ndo materiais da prosperidade sem precedentes que se estendeu do period imediato ao pés-Segunda Guerra Mundial, em 1945, a 1973, e atingiu nao s6 a Europa € 0 Japao, mas também alguns paises da América Latina, razao pela qual 0 titulo dessa parte do livro ¢ A Era de Ouro, também denominada por diferentes autores de Os Anos Dourados, Os Anos Gloriosos, As Décadas de Ouro. As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno No Brasil, esse momento da hist6ria ficou popularmente conhecido como Os Anos Dourados que, entre nés, tiveram curtissima duragao, pois foram interrompidos pelos Anos de Chumbo da ditadura militar. Os Anos Dourados, no Brasil, se iniciaram no governo de Juscelino Kubitschek (Os Anos JK) em 1956, que, no seu programa de governo, o conhecido Plano de Metas, prometia “cinquenta anos de desenvolvimento em cinco’, dinamizando a economia brasileira com a construcao de Brasilia e a entrada do capital estrangeiro para a produ¢ao de bens duraveis. Em 1957, Juscelino inaugurou a pedra fundamental da Volkswagem do Brasil, inaugurando, ao mesmo ‘tempo, uma outra fase da industrializacao nacional:aindustrializacao de bens duraveis com capital estrangeiro, A construgao de Brasilia e os investimentos estrangeiros no pais geraram milhares de empregos e transformaram 0 ABC paulista (Santo André, Sao Bernardo e Sao Caetano) no polo industrial de ponta da América Latina, com tecnologia estrangeira e administracao fordista do processo de trabalho. Porém, os Anos Dourados no Brasil chegaram ao fim com a Revolucao de 1964 que interrompeu o processo politico democratico, pois, de acordo com todos os autores, A Era de Ouro significou um momento marcado nao s6 pelo crescimento e desenvolvimento econémicos, mas também pela democratizacao das instituigées politicas e sociais. Por isso, havia muitas razbes para justificar as denominacées desse periodo de 30 anos do século XX e para preencher as cem paginas da parte dois do livro de Hobsbawm, Sao elas: 1.2) altissimo crescimento econémico; A economia mundial crescia a uma taxa explosiva. Na década de 1960, era claro que jamais houvera algo assim. A produgo mundial de manufaturas quadruplicou entre 0 inicio da década de 1950 e 0 inicio da década de 1970, e, o que é ainda mais impressionante, o comércio mundial de produtos manufaturados aumentou dez vezes L.1-A produgao agricola mundial também disparou, embora nao espetacularmente. E 0 fez nao tanto (como muitas vezes no pasado) com cultivo de novas terras, mas elevando sua produtividade. (HOBSBAWM, 1995, p. 275); 28) pleno emprego, pois a média de desemprego na Europa Ocidental estacionou em 1,5% e em 1,3% no Japao; 32) elevagio dos salérios, gracas ao aumento da oferta de empregos e gracas ao fortalecimento dos sindicatos, cujo poder de barganha também aumentou; acrescente-se a isso, a distribuicao de beneficios sociais, tais como, educagao fundamental, assisténcia médica e hos- 49 As diferentes formas de administracio do processo de trabalho no capitalismo modemo 50 pitalar, seguro-desemprego etc. que também contribuiram para au- mentar 0 poder aquisitivo dos assalariados; 42) desenvolvimento cientifico e tecnolégico que permitiu inundar os mer- cados de novos produtos a precos populares: televisio, discos de vin, radios portateis transistorizados, relégios digitais, calculadoras de bolso a bateria e depois a energia solar, e produtos de uso industrial e comercial motor a jato, transistor, energia nuclear etc. (HOBSBAWN, 1995, p. 261); 5 multinacionalizagao do capital, isto é, transferéncia do capital de grandes corporacées parao Leste Asidtico ea América Latina a procura de mao de obra barata e politicamente desorganizada, dando origem uma nova divisdo internacional do trabalho ao permitir a industria- lizagao de bens duraveis (eletrodomésticos, automéveis, tratores etc.) em paises até entdo produtores e exportadores de bens primarios — commodities - e produtores de bens industrializados de consumo (produtos alimenticios, de higiene pessoal, tecidos, sapatos etc); 6.4) a economia mundial tornou-se internacional, com a criacdo de insti- tuigdes internacionais, como 0 Banco Mundial (Banco Internacional para Reconstrugo e Desenvolvimento) e o FMI - Fundo Monetario Internacional - para a promocao do investimento internacional, ma- nutengao da estabilidade do cambio (desde os Acordos de Bretton Woods de 1944, o délar americano passou a ser papel-moeda reser- va internacional em substituicéo ao padrao ouro da moeda), além de tratar de balangas de pagamento (HOBSBAWM, 1995, p. 269); 7) 0s Estados Nacionais adotaram politicas intervencionistas na economia, subsidiando, sustentando, supervisionando, planejando e também administrando industrias de toda natureza e construindo a infraestrutura necessaria para o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que adotaram politicas da social-democracia com a universalizagao de beneficios e programas socials gracas ao grande volume de impostos arrecadados, fazendo nascer os Estados de Bem- -Estar (Welfare States); 82) mudangas culturais profundas em todas as esferas da vida, ressaltando- -seas que atingiram a miisica, com Elvis Presley eas bandas dos Beatles € Rolling Stones; a familia e os relacionamentos entre os sexos, com a pilula anticoncepcional e a instituico do divércio em muitos paises; a universalizagao do blue jeans que revolucionou a moda; os movimen- tos feministas e a liberacao feminina; os movimentos antirracistas etc. As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno No entanto, a prosperidade dos Anos Dourados foi desigual e a pobreza em muitos paises da Africa, da América Latina e da Asia continuou a atingir milhdes e milhées de pessoas, apesar do crescimento econémico também dessas regides. Por qué? Um parénteses deve ser aqui aberto para apontar as causas do fraco desenvolvimento econdmico e social da América Latina e, em especial, do Brasil, mesmo durante o curto periodo dos Anos Dourados. O subdesenvolvimento econémico e social do Bra: Paises em processo de desenvolvimento e aqueles denominados emergentes (Brasil, México, Argentina, india, China e os do Sudeste Asid- tico) so dependentes da tecnologia origindria dos paises de industriali- zago avangada, o chamado Grupo dos Sete (G7): USA, Japao, Alemanha, Franca, Reino Unido, Italia, Canada. Adependéncia tecnolégica tem como resultado inevitavel a sujeicao. econémica que se expressa no desequilibrio permanente da balanca de pagamentos e na dependéncia do aporte de capitais estrangeiros, seja na forma de investimentos produtivos diretos, seja na forma de capital financeiro captado a juros altissimos no mercado internacional espe- culativo, desregulamentado e volatil, para financiar investimentos em infraestrutura e garantir o lastro da moeda, cuja estabilizacdo depende das reservas nacionais em délares. Paises de tecnologia atrasada ainda continuam exportadores de com- modities primdrias, isto é, de matérias-primas ou bens primarios ou indus- trializados com pouco valor agregado, vendidos a precos quase sempre declinantes no mercado internacional, com excecao do petréleo. A producao de bens duraveis, na maioria dos paises dependentes da América Latina, foi possivel, num primeiro momento, gragas ao processo de multinacionalizacao do capital. Esse proceso intensificou-se, sobre- tudo, a partir da década de 1960, motivado pela perspectiva muitissimo atraente de obtencao de altas taxas de lucro, resultado da abundancia de mao de obra, fraqueza dos movimentos sindicais e politicos e dos baixos saldrios, comparativamente aqueles pagos nos paises de origem do capital. Nao se fazia necessaria, portanto, a transferéncia de tecnolo- gia de Ultima geracao para diminuir os custos de produgo e aumentar a competitividade dos paises da regiao nos mercados internacionais. As diferentes formas de administragdo do processo de trabalho no capitalismo moderno 52 Assim, ao mesmo tempo que a multinacionalizagao do capital signi- ficou a intensificacao do processo de industrializaco dos paises depen- dentes, iniciado em décadas anteriores, impediu, pelas mesmas razoes que a motivaram, o desenvolvimento do mercado interno e a elevacdo dos niveis de vida de suas populacées, além de sangrar os cofres ptiblicos com 0 pagamento da divida externa contraida tanto para a construcao da infraestrutura industrial necessdria quanto para financiar investimen- tos ndo produtivos — investimentos realizados de forma irresponsavel Por muitos governos militares da América Latina. Fernando Henrique Cardoso (1975, p. 73-74) afirmou a respeito do processo de internacionalizacao do mercado interno: Eaeste processo que me refiro com o designativo de industrializacao“excludente” ou “restritiva’ Por qué? A razao ¢ simples em termos de uma caracterizacao que tome em consideracdo os efeitos dessa industralizagio. Transfere-se para as leconomias em desenvolvimento um sistema produtivo "jé pronto; importando- se fébricas completas que no decorrer de poucos anos passam a fabricar os Lutensilios usuais da “vida moderna” dos paises desenvolvidos e trazem com eles as técnicas (e no 56 a tecnologia produtiva) requeridas para o funcionamento das “economias industriais de massa’: propaganda, fabricacao constante de novos produtos e criagao de novas necessidades de consumo, Suporte financeiro complexo (crédito ao consumidor e a0 produtor) etc. Entretanto, da mesma forma que a “industralizagao substitutiva’ se iniciou 1no Brasil (como nos outros paises latino-americanos) sem a ocorréncia prévia u posterior de uma profunda modificagao na economia e na propriedade agrarias, sua etapa final, que supunha a producao dos bens de consumo de massas, deu-se sem que tivessem ocorrido significativas tendéncias & redistribuico de rendas. Assim, a “internacionalizacdo do mercado” ~ se é certo que significou a abertura do mercado aos capitais estrangeiros e maior homogeneizagao das técnicas de producao, comercializacdo efuncionamento em comparacao com os centros de desenvolvimento mundial - na consigo maior participacéo social nos frutos do progresso tecnol6 estas codices compatibilizar a escala de producao com o mercado? Orresultado do processo de industrializagio excludente ou restritiva no Brasil e nos demais pafses da América Latina foi a elevagio dos indices de inflacao a dois digitos mensais com as consequéncias correlatas previ- siveis: diminuigo dos investimentos estrangelros e dos gastos puiblicos; corrosao dos salérios; aumento do desemprego, além dos pedidos de so- corto ao FMI, implicando sempre dolorosos ajustes econémicos e queda dos niveis de vida da populagao. Por essas raz6es, a década de 1980 foi considerada a década perdida, com o recrudescimento da dependéncia econémica, tanto para o Brasil quanto para o conjunto dos paises latino- -americanos que adotaram politicas semelhantes de industrializagao pela via da substituicdo das importac6es, financiada pelo capital estrangeiro. As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno Exportadores de bens com pouco valor agregado e, por isso mesmo, vendidos a precos baixos, e importadores de bens com muito valor agregado, comprados a precos elevados, dependentes do mercado financeiro internacional ou do FMI para garantir a sua credibilidade na economia mundial, os pafses de tecnologia atrasada vivem as consequéncias dramaticas do circulo vicioso da dependéncia: sio dependentes porque tém tecnologia atrasada e tém tecnologia atrasada porque s4o dependentes. Apés duas décadas perdidas - a de 1980, em decorréncia da crise gerada pelo endividamento externo e pelos altos indices de inflago, e a de 1990, devido a recessio econémica provocada nao s6 pelas crises internacionais (México, Russia, Asia), mas também, e sobretudo, pelo Plano Real que se fundamentou na politica de juros altos para atrair ca- pitais financeiros e conter a inflagao, na cobranca de impostos em casca- ta para ajustar as contas publicas, numa politica cambial de igualizacao da moeda nacional ao délar americano que inviabilizava as exportacdes ena abertura dos mercades brasileiros aos produtos estrangeiros al- tamente competitivos, paradoxalmente combinada a consolidagéo e ao fortalecimento de blocos econémicos, congregando os paises mais ricos do mundo, como o Nafta e a Unido Europeia, resistentes & abertura de seus mercados & concorréncia internacional -, 0 Brasil e alguns paises da América Latina (México, Argentina) conhecem uma nova fase de in- dustrializagao determinada pela globalizacao da economia que, por sua vez, dé inicio a novas formas de dependéncia dos paises tecnologica- mente atrasados. Os Anos Dourados chegam ao fim na década de 1970, quando comega a se configurar uma crise de consumo com o acirramento da competi¢ao in- ternacional. Para enfrentar a crise, procede-se a uma total reestruturagao da economia mundial que, inevitavelmente, provoca uma total reestruturacao das empresas e dos mercados de trabalho. Por isso, para compreender anova forma de administracao do processo de trabalho, em consolidago também no Brasil, serd preciso compreender as razdes da crise e a reorganizagao da economia mundial, com suas consequéncias sobre o mundo empresarial e dos mercados de trabalho. As diferentes formas de administragdo do processo de trabalho no capitalismo moderno Ampliando seus conhecimentos 54 Que sofrimento? - insatisfagao e“conteudo significativo” da tarefa [..] Do discurso operdrio podem-se extrair varios temas que se repetem obstinadamente como um refrao obsessivo. Nao hd um s6 texto, uma so en- trevista, uma s6 pesquisa ou greve em que nao apareca, sob suas mtiltiplas variantes, 0 tema da indignidade operaria. Sentimento experimentado maci- amente na classe operdria: o da vergonha de ser robotizado, de nao ser mais que um apéndice da maquina, as vezes de ser sujo, de no ter mais imagina- ao ou inteligéncia, de estar despersonalizado etc. E do contato forcado com uma tarefa desinteressante que nasce uma imagem de indignidade. A falta de significacéo, a frustracao narcisica, a inutilidade dos gestos formam, ciclo por ciclo, uma imagem narcisica palida, feia, miseravel. Outra vivéncia, nao menos presente do que a da indignidade, o sentimento de inutilidade remete, primeiramente, a falta de qualificacao e de finalidade do trabalho. O operd- rio da linha de producao como 0 escriturario de um servico de contabilidade muitas vezes nao conhecem a propria significacao de seu trabalho em relacio a0 conjunto da atividade da empresa. Mas, mais do que isso, sua tarefa nao tem significacéo humana. Ela nao significa nada para a familia, nem para os amigos, nem para o grupo social e nem para o quadro de um ideal social, altruista, humanista ou politico. Raros sdo aqueles que ainda creem no mito do progresso social ou na participagao & uma obra util. Correlativamente, ele- vam-se queixas sobre a desqualificacdo. Desqualificacao cujo sentido nao se esgota nos indices e nos salarios. Trata-se mais da imagem de si que repercute do trabalho, tanto mais honroso se a tarefa é complexa, tanto mais admirada pelos outros se ela exige um know-how, responsabilidade, riscos. A vivéncia depressiva condensa de alguma maneira os sentimentos de indignidade, de inutilidade e de desqualificacao, ampliando-os. Esta depressao é dominada pelo cansaco. Cansaco que se origina nao s6 dos esforcos musculares e p: cossensoriais, mas que resulta sobretudo do estado dos trabalhadores taylori- zados. Executar uma tarefa sem investimento material ou afetivo exige a pro- dugao de esforco e de vontade, em outras circunstancias suportada pelo jogo da motivagao e do desejo. A vivéncia depressiva alimenta-se da sensacao de adormecimento intelectual, de anquilose mental, de paralisia da imaginacao e marca o triunfo do condicionamento ao comportamento produtivo. As diferentes formas de administragao do processo de trabalho no capitalismo moderno [1 Fadiga, carga de trabalho e insatisfagdo. Ao invés de fazer referéncia a nogao de carga psiquica do trabalho, que corresponde, antes de tudo, preocupagao em apresentar uma concep¢ao coerente com a ergonomia contemporanea, é melhor interrogar-se sobre o custo humano da insatisfacao. A organizaco do trabalho, concebida por um servico especializado da empresa, estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida mental e, mais precisamente, com a esfera das aspiracdes, das motivacées e dos desejos. [.] Num trabalho rigidamente organizado, mesmo se ele nao for muito dividido, parcelado, nenhuma adaptacao do trabalho a personalidade ¢ possivel. As frustragées resultantes de um contetido significativo inadequado as potencialidades e as necessidades da personalidade podem ser uma fonte de grandes esforcos de adaptacao. Mesmo as mas condicées de trabalho sao, No conjunto, menos temiveis do que uma organizacao de trabalho rigida e imutavel. O softimento comeca quando a relacéo homem-organizacéo do trabalho esté bloqueada; quando o trabalhador usou o maximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptacao. Quando um trabalhador usou de tudo de que dispunha de saber e de poder na organizacéodo trabalho e quando ele nao pode mais mudar de tarefa: isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigéncia fisica. Nao sao tanto as exigéncias mentais ou psiquicas do trabalho que fazem surgir © sofrimento (se bem que este fator seja evidentemente importante quanto a impossibilidade de toda a evolucdo em diregdo ao seu alivio). A certeza de que © nivel atingido de insatisfagdo néo pode mais diminuir marca 0 comeco do sofrimento. Da anilise do contetido significativo do trabalho, é preciso reter a anti- nomia entre satisfacao e organizacao do trabalho. Via de regra, quanto mais a organizacao do trabalho é rigida, mais a divisdo do trabalho é acentuada, menor € 0 contetido significativo do trabalho e menores sao as possibilida- des de muda-lo. Correlativamente, 0 sofrimento aumenta. 0 sofrimento proveniente do pouco contetido significative do trabalho taylorizado nao é mais um mistério e é denunciado nao sé pelos operarios mas também pelos ergonomistas e por certos meios do patronato “progressista”. (DEJOURS, Christophe. In: A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. Sao Paulo: Cortez, 1992)

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