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Aproximacées a “questao social” no Brasil contemporaneo e acumulagao fordista comega a esvair-se em mea dos dos anos 1970, por mais um movimento de crise de superproducio, dado pelo desenvolvimento das forgas produtivas. Segundo Chesnais (1996), @ explicacao da escola da regulagao, que esté na base de grande parte dos es tudos a respeito desse proceso, ao enfatizar a crise do padrao de regulagao que acompanhava o fordismo, nao contempla adequadamente o papel da mundializacdo do capital como um de seus determinantes. autor destaca que as altemnativas buscadas pelas grandes compantias para superara crise, expressa na queda na rentabilidade do capital industrial e saturacéo da demanda de bens de consumo duraveis, passava por uma autonomia no redirecionamento dos investimentos, que nao incluia neces sariamente os Estados Nacionais. Na verdade, além das megafiis6es, obsety vadas nas tiltimas décadas, o principal redirecionamento que vai caracterizate as operagdes monopolistas, a partir de ento, consiste na canalizagéo day mais-valia obtida no setor produtivo para o setor financeiro, Neste sentido, © discurso dominante passa a enfatizar as diretrizes de desregulamentagai estatal que fazem supor uma espécie de libertacdo ou auséncia de barreiras estatais para o movimento do capital. A internacionalizagéo do capital mob ‘netério, portanto, teve um papel fundamental na crise do padrao de regula cuest0s00K i sao fordista, na medida em que seu movimento foi desregulamentando as fronteiras dos Estados nacionais, antes mesmo que essa se tomasse formal- ‘mente @ politica oficial dos organismos internacionais, Obviamente que a centralizacao e concentragao de capi a mundializacao — termo que Chesnais (1996) prefere utilizar, em vez de “globalizagao” — vem de periodos anteriores, marcadamente, desde o final do século XIX. Entretanto, o papel que ela cumpre durante o fordismo ex- pandindo suas bases através de investimentos produtivos em paises do chamado Terceiro Mundo, altera substantivamente a sua forma quando da recessio de 1974-75. Predominam, a partir de entao, no lugar das tradicionais \is das matrizes multinacionais, localizadas nos paises céntricos, a tercei- izagao de setores da producao e da comercializacéo, cujos contratos assen- lam-se na inexisténcia de vinculos formais entre as contratadas e 05 mono- élios: so as chamadas “empresas-rede”. que marcam Teixeira (1998) ressalta que muitas dessas empresas reatualizam uma forma de organizacao da produgao que repoe antigas formas de extragio, de mais-valia absoluta, como 0 “salério por pega”, analisado por Marx em capital, mascarando a exploracio do trabalho sob 0 véu da aparente “li- berdade” do trabalhador em relagio ao patrao e criando o fetiche de que esta seria uma relago entre “livres proprietérios de mercadorias”, Essa descentralizacao /transnacionalizagao produtiva é acompanhada de uma movimentasao, também sem fronteiras, do capital financeiro em busca de mercados de alta rentabilidade e esté na base do que 0 jomalismo econ6- mico propaga como “globalizagao”: nao haveria mais fronteiras nacionais para a expansao do capital, integrando o mundo numa “aldeia global” Chesnais (1996) reconhece sintomas de veracidade nesse conceito um tanto quanto apologético, mas enfatiza, através da sua substituicéo pelo termo “mundializacao”, interligado ao capital, outros determinantes que constituem, em vez da integracao global, o processo de “desconexao forgada” (cf. Cap. 3). Orearranjo que esse processo impoe aos paises “desconectados” tem provocado brutais retrocessos nos indices de desenvolvimento econd- mico, social e humano ilustrativos do crescimento da desigualdade mundial centre os paises e também entre 0s diversos segmentos de classe no interior de cada um deles: Essa caracteristica € corroborada, embora em diferentes termos, por boa parte da literatura critica que ressalta 0 carter desigual ¢ ie si Sone SeO§ assimétrico da chamada globalizacio,’ além da ja sinalizada “crise do modo de desenvolvimento” (Chesnais, 1996). Alguns aspectos diferenciam os monopélios da acumulagio flexivel dos monopélios fordistas. A interpenetragao acentuada entre o capi produtivo ¢ 0 financeiro, com énfase nos processos de financeifizagae € uma delas; sem esquecer, entretanto que sua propalada autonomia (do capital financeiro) nao é mais que relativa, porquanto osieapitais\que'se valorizam na esfera financeira tém sua origem na exploracéo do trabalhoy efetuada no setor produtivo. A'isso se soma, por exemplo, a dominanciay da inteira cadeia de valorizagao do capital, que inclui a fusio das fasesy comercial e distributiva dos produtos aos monopélios, diluindo cada vex ais as fronteiras entre o setot produtivo e o de servicos. Nam Ce © papel da publicidade opera com bastante centralidade no sentido de proporcionar a proximidade entre os produtos e os consumidores de wm ‘mercado‘em/constante Segmientagao. Esta tem sido uma das caracteristicas mais acentuadas na literatura que aponta a necesséria flexibilidade do novo | padrao de acumulaao, proporcionada pela sua nova ba: éenica, assene tada na microeletrénica, em oposicao a rigidez do fordismo, que estaria Na raiz de sua crise. Aacumulacio flexivel envolve uma série de caracteristicas que impac- tam as relagdes e processos de trabalho, a forma de regulacdo estatal € a di iternacional do trabalho. Gongalyes'(1994,p=28),jcompatando @ padrao fordista com o flexivel, sublinha que esse tiltimo “envolve menores ‘volumes de producdo, répidas mudangas na linha de producio, que permi= tem alteragies nas caracteristicas dos produtos, assim como baixo nivel der ‘estoquies'e elevado controle de qualidadet’s Exemplo dessa pratica ¢ 0 siste- ma de controle de estoques just tante conhecida a andlise de Harvey (1996) acerca da “compre empo" no mundo capitalista | onde “os horizontes temporais da tomada de decisées privada e ptiblica se estreitaram, enquanto a comunicacao via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusao imediata dessas decisoes no espago cada vez mais amplo e variegado”. (p. 140). Sao bastante discutiveis os resultados degse processo em termos, de uma recuperagao das taxas de lucratividade do capital. Em geral, os analis- 1. Ver entre outros, Bearing (1998); lanni (2002), Nett (1995) ¢ iva Teepe (1090). -eUesRo soca ™ tas apontam, ao contrério, os desanimadores indices econémicos obtidos, mesmo com wracao do novo modo de acumulacao? Entretanto, do ponto de vista ideolégico e cultural, 0 capitalismo parece gozar de uma tranquila hegemonia. Isso se deve, nao s6 as estratégias que acompanham a reestruturagao produtiva em busca de uma postura colaboracionista dos trabalhadores, mas, substantivamente, aos processos que remetem a queda dos regimes socialistas do Leste Europeu entre o final dos anos 1980 € 0 inicio dos 1990, Netto (1995) sinaliza que 0 “espanto geral” em face do fim dos regimes do Leste nao atingiu quem acompanhava minimamente a distorgéo progra- mitica dessa tentativa mal sucedida de implantagao do socialismo. A come- car pelo quadro do desenvolvimento das forcas produtivas a época da Revolugao Russa e a finalizar pela escassa socializagao da economia e ne- com a “Guerra Fria”. ‘Mas, o que interessa sublinhar aqui é a forga desse aconieci reforco da “tara historica” do capitalismo: reafirmar stia insuprimibilidade, agora pela derrocada do principal projeto que lhe fazia oposicao. Daf decor- re 0 trabalho eficaz dos idedlogos do capital e da grande imprensa, no sen- tido de equalizar a “crise de uma forma histérica precisa de transigao socia- mo sendo a crise do projeto socialista (Netto, 1995), infirmando essa lade como uma das “quinquilharias do pasado”, dignas apenas de um baté empoeirado. O capitalismo pode se apresentar, desse modo, como presente eternizado” da humanidade e fica mais facil impor a regresséo ria requerida pelas necessidades de valorizagao do capital. ‘maneira de enfrentamento no acterizou por muito tempo a ce extrapélos, intra e interclasses, exponenciado a partir das caracteristicas do padrio de acumulacao que comporta formas de incorporagio e de exclusdo bastante divergentes das anteriores, (Arana, 1999, p. 112) 2. Vertes 28x03 200262006), Manel (1990), Chesnais (2003), Netto Braz (2006), eee Boston (2006) ¢ lamamoto (2007). Faz parte desse quadro em nivel mundial o aumento, sem prececentes; do desemprego decorrente da adogao das novas tecnologias poupadoras de mao de obra, aprofundandlo 0 fosso que separa nao s6 esses dos empregados, ‘mas, entre esses tiltimos, os que ocupam postos de trabalho com melhores remuneragoes e aqueles que tém seus contratos terceirizados ou temporarios, A fragmentacao da classe trabalhadora a partir da fragilizagio de seus vine culos empregaticios & notavel, enfraquecendo os mecanismos sindicais, componentes centrais do perfodo fordista. Em linhas bastante gerais, essas sao algumas das nuances que se apre~ sentam no panorama da atual crise capitalista e das alternativas que tém sido implementadas, em nome da sua superacao, pelas classes dominantes, Pareceu-me desnecessério prolongar-me nesse nivel de andlise ao qual, des- de o inicio das reflexdes aqui presentes, venho referindo.como “universal dada a extensa bibliografia disponivel sobre o tema. Penso, cial a fazer é, conforme também jé afirmado, particular as caracteristicas que presidem a constituigao do capi formacdes sociais ), tendo em vista ismo nas diferentes 5.1 Grise capitalista e crise do padrao de desenvolvimento do capitalismo brasileiro Se a crise capitalista contemporanea se expressa, do ponto de vista'da acumulacao, como uma crise do regime fordista, e o Brasil, durante o pro- cesso da “industrializacio pesada”, constituiu uma estrutura produtiva, a seu modo, baseada nesse modo de acumulacdo, cabe examinar como a crise do fordismo se expressa, no Brasil, enquanto crise do padrio de desenvolvimento do capitalismo adotado entre os ano A constituicao do capitalismo retardatario, conforme venho salientan= do, tem, nesse momento, seu dpice alcangacio com a montagem de um setor de bens de producao ( muito embora esse nao fosse 0 setor de crescimento mais dinamico, em razao das bases heteronémicas da iagao com os monopélios que balizaram os limites da inovacio tecno- no pais. Apesar disso, segundo Ferreira (1993), 0 “fordismo a brasi- leita’ tinha “fortes semelhancas”” com o fordismo classico em se tratando dacomposigéo do parque industrial, haja vista a diminuicéo da participagio, dos ramos produtores de bens de consumo nao duraveis eo aumento do peso das industrias pertencentes ao setor metal-mecanico (produgao de maquinaria e, em especial, de bens de consumo duraveis). Entretanto, em relacdo a outros pardmetros, o'“fordismio & brasileira” apresenta singularidades, como 0 regime de trabalho com baixa protegao social ¢ elevadlos indices de rotatividade da forca de trabalho, pautados na flexibilidade ¢ precariedade estruturais do mercado de trabalho (¢f. Cap. 4). Determinado por um contexto de auséncia de democracia que possibilitou as medidas de “arrocho salarial” e intensa represséo ao movimento sindical, © “fordismo a brasileira” se constitui sob uma norma de consumo “restrita”, tendo em conta a desigualdade social assentada na concentraco de renda — reflexo, por sua vez, da auséncia de uma série de reformas estruturais adiadas pelos processos de “modernizacao conservadora” e “revolucao passiva”, sob forte intervencao estatal (cf. Cap. 3) A ampliacao do papel do Estado na regulagio da economia também precisa ser particularizada no caso brasileiro. Ao:mesmo tempo em que cumpriu tarefas semelhantes as assumidas pelo Estado nos paises de fordis- mo cléssico, como, por exemplo, 0 planejamento com vistas & expansao do capital privado.ea intervencao direta na economia, deixou de cumprir outras, notadamente, as de carater social. Conforme assinala Mattoso (1995, p. 123) ..] Estado Nacional manteve um padrao de intervencao social de baixos resultados ¢ efeitos compensatérios ou distributivos, caracterizado por uma postura ‘meritocrética-particularista’”. Tais caracteristicas'emnada se asse* melham as do fordismo cldssico, momento notabilizado, na economia capi- talista, pelos significativos indices de democracia nas relagdes sociais com reflexos nas relagées trabalhistas, traduzidos no fortalecimento ‘sindical, transferéncia da produtividade aos salétios, estabilidade no emprego, con sumo em massa e ampla protegao social. Recuperar os nexos gerais do que foi dito até aqui é importante para Jos enquanto mediacdes essenciais que diferenciam a crise do fordismo cléssico em relagio 2 crise do “fordismo @ brasileira”. Tais diferengas encontram-se radi- cadas, principalmente, no grau de retrocessos impostos pela crise, que implicam, portanto, no reconhecimento de patamares civilizacionais possibilitados pelo desen- volvimento ci «aserem eliminados em nome da valorizagio do capital. Mais precisamente, se a palavra de ordem da reestruturacao produtiva na atuali- dade é a flexibilizagao das condigées e relagdes de trabalho, em vista das conquistas trabalhistas relacionadas ao perfodo fordista, hé que mediatizé-la no contexto onde esse padréo ndo se constitui baseado na estal ‘sim, na prépria flexibilidade estrutural do mercado de trabalho. ravez, ¢ lamentavelmente, num sentido negativo, o Brasil pat tar” as tendéncias do desenvolvimento capitalista, driblandoa nossa ty “copista” (Aranha, 1999) de que trata a bem humorada citagao que no século XIX, por forga de um regime social obsoleto, o escravismo, a juer incorporar o resultado basico da Primeira Revolucao Indu je muito menos avangar pela trilha da Segunda Revolucio Indi (1870-1890), a do aco, da quimica, da eletricidade, dos novos bens de « do petzéleo e do motor a combustao interna. Mas no século XX, os padi tecnolégicos ficaram relativamente estaveis nos patses desenvolvidos. Th asorte de destrutar das faclidades da c6pia. Até 1980, consolidamos a indi de consumo mais simples. Enos 50 anos subsequentes, copiamos 0 490, a tricidade, a quimica basica, 0 petréleo, o automével, 0 eletrodomésticos, gando até méquinas e equipamentos mais sofsticados. Levamos 100 1830 a 1990, para imitar a inovacao fundamental da Primeira Industrial, o setor textl, Enoventa anos, de 1890 a 1980, para copiar os dda Segunda Revoluicio Industrial. Quando tuclo dava a impressio de pprestes a entrar no primeito mundo, eclodiu a Terceira Revolugio (Cardoso de Mello, 1992 apud Aranha, 1999, p. 119-120) % Como bem se deduz a partir disso, apesar de termos nos antecipado onda “flexibilizante” das relagdes de producao, isso ndo reverteu em nenkt beneficio em termos da posicao do Brasil na divisao internacional do trabi tho capitalista. No essencial, ou seja, quanto ao desenvolvimento das forgas: produtivas, 0 padrao de desenvolvimento herdado da industrializagao sada no reverteu a heteronomia e isso fez. do Brasil “presa facil” da “desco= acumuladas nos paises avancacios, especialmente dentro dos grandes gray (Chesnais, 1996, p. 221). Os sinais da crise expressos na reestruturagZo produtiva brasileira ¢a~ racterizam-se, assim, por um descompasso na adogéo de inovagées tecnol6= gicas em relacdo as organizacionais (tanto no ambito do setor privado, quanto do setor piblico), acompanhadas da adogio do modo de regulagéo neoliberal para o Estado, muito embora esta seja uma questo controversa. Autores como Antunes (2006) e Alves (2005) enfatizam que jé desde os anos ificativos processos de reestruturacao produtiva, vista tecnologico, enfatizando o peso desses fatores avanco tecnoligico ainda ndo se encontra plenamente difundido em todo is, mas circunscrito fundamentalmente ds grandes empresas, que sdo res- Js por menos de um tergo da ocupacao total |... Interessa tratar prio- ritariamente dos elementos que fundamentam 0 desemprego em massa no pais, uma vez que sio de natureza distinta das causas do desemprego verifi- ‘cadas nas economias avancadas, cujo foco de parcela imy ura ‘especializada tem sido equivocadamente aplicado no Brasi a presenga de taxas mais altas de desempregadas no period destaques em negrito meus) Nossa modernizacao seletiva é dada pela funcionalidade a esse novo papel na divisio internacional do trabalho, que exclui o Brasil d ti mentos capitalistas “de ponta” no setor produtivo, Chesna que pafses como 0 Brasil estéo fora da rota de transferéncia de tecnologia e dos acordos de cooperacio tecn cada vez mais centralizados nos paises da trfade, fenémeno que Goncalves (1994), generalizando-o, também, para a esfera da comercializagao e dos IED, caracteriza como “polarizacao’ Isso nao significa, porém, que o Brasil tenha parado de receber investimentos externos: na verdade, registra-se uma mudanga no perfil dos mesmos, constitut- do majoritariamente por fluxes de capital especulativo. A partir do Plano Real, em 1994, no governo Cardoso, observourse 0 crescimen- to dos investimentos externos diretos no Brasil. $6 que o capital produtivo no é mais o investimento direto externo que traz promessa de novos empregos estimento produtivo que é intensivo p- 118) ‘A concentragao de investimentos produtivos nos paises céntricos é ilus~ trativa do teor ideolégico do discurso acerca do desaparecimento dos Estados Nacionais, amplamente difundido com a globalizacio. De acordo com Chesnais (1996), uma das vantagens competitivas dos monopélios consiste no fortalecimento de suas posicdes de mercado nos paises de origem e, nesse }, no fortalecimento (nas mes tas derivadas de forte regulacao e toda presenca estatal consiste nos acondos de cooperacao tecnolégi da cadeia de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) res que tém sido decisivos na competitividade intermonopolista. ‘Gongalves (1994) ressalta 0s impactos que esse protecionismo dos céntricos posstii quanto ao acesso dos produtos brasileiros ao me ternacional, em que ossinais de queda na competitividade de nossa eco! so incontestes nos tiltimos anos. Pensando, portanto, em relagéo aos ‘gres505 civilizacionais” impostos pela crise so perceptiveis as dif Ges para a reproduc ressio civilizacio n-se as vantagens para o grande capi istas dos trabalhadores — visiveis no proceso di za¢ao das relagdes de trabalho do fordismo classico, por exemple — bem como se acentuam os mecanismos de exploracéo imperialistas, De mais a mais, Dupas (1999) também lembra que se, no disctirso. liberal, as medidas de flexibilizagio do mercado de trabalho aparecem ci imperiosas ao enfrentamento do desemprego, esse discurso se contradii quando se observa o grau de intervencao estatal nos paises que posstiem: estrutura de Welfare, onde o Estado vem ampliando sua intervencao “pat garantir a sobrevivéncia dos cidadaos que esto sendo expulsos do mercadg. formal. [Segundo ele] ocorre claramente o que se poderia chamar ‘efeito der ‘mocracia’: aumenta ontimero de desempregacios e pobres, crescendo sua politica” (p. 199). Portanto, parece que a receita de Estado minimo é bem dig recionada para alguns paises e, dentro deles, para setores especificos. Gongalves (1994) assinala ainda que a desregulamentacio e a oferta de incentivos fiscais por parte dos Estados Nacionais periféricos na busca de atracio do capital transnacional, apesar de ser um importante indicador para entender a sua movimentacdo nio € 0 mais determinante. “Os dete: fundamentais, em termos de fatores locacionais, tém sido a est politica e econémica, clima favordvel e crescimento e tamanho do mercado interno” (p. 70). Dai porque a verdadeira obsessio pela estabilidade econd= mica — via politicas ortodoxas e recessivas propostas pelo FMI — que tem. dominado os recentes governos brasileiros. Nao 6 possivel, nesses marcos, ‘oviamente implantando-se sob estratégias bastante diferentes. O pals agora se esforca por mostrar as vantagens de desregulamentacao ofere- tidas.e ganhar assim “credibilidade” junto ao capital produtivo e, principal- mente, financeiro. Apesar da onda neoliberal e de seu discurso do Estado minimo, percebe- stavel exige cada vez mais a coordenagio politica re mercado, € cada es suprancionais, tais 0 0 FMI e 0 Banco mundial (ou mesmo a ON , 1998, p. 118) Em relagio a realidad dos patses periféricos e, especialmente no caso do Brasil, a intervencio do Estado foi, historicamente, um dos marcos do desenvolvimento capital Note-se, particularmente, que olcariter"pibli- 0" da intervengao estatal foi retardado pelas intensas disputas entre as {rages das classes dominantes que contintiam, agora sob as pressdes advin- da crise, restringindo, nos moldes neoliberais, 0s parcos espacos que as lasses subalternas conquistaram a partir da redemocratizacao do pais. siro-me ao conjunto de direitos sociais assegurados na Constituicéo de 8, Eles refletem uma alteragao de monta no padrao de protegao social que ansita da cidadania regulada para algum grau de universalidade, do pon- formulacao tem os maiores impact vagdo tendo em vista o contexto de « mico para ser redistribufdo, ao contrario do periodo do contariam com condigdes macroecondmicas bastante difere mulgagdo de direitos sociais em 1988, e sua regulamentacao através de Leis ‘Orgénicas nos anos 1990, encontraram pela frente um pais com irisério € episédico crescimento econdmico, gerido de acordo com as diretrizes neoli- berais propostas pelos Organismos Internacionais, que absorvem cerca de 35% do PIB sob a forma de juros, encargos e amortizacbes de dividas finan- cceiras (Braz, 2004), tN Sonn “usstioson a Se sito diferenciadas as estratégias e metas da flexibilizagio das relacoes de trabalho no caso brasileiro, também o so suas consequéncias sociais. Entre elas, cestando o desemprego mais particularmente em questo aqui, suas caracteris- ‘cas embora se assemelhem mundialmente em aspectos centrais, adquirem iensies absolutamente diferentes. Assim como tem/ocorrido nos paises cén 105, a flexibilidade das relagdes de trabalho que emerge na crise contem- pordnea do capitalismo tem elevado o indice de desemprego entre grupos que, até recentemente, estavamn integrados ao padrao de desenvolvimento, comprometendo, desse modo, sua capacidade de reproducao social. Os principais objetivos ios programas de juste estratural financiados pelo ‘Mundial sao eliminar as barreiras ao fluxo intemacional de bens, servigos pital, e reduzir os gastos puiblicos. As politicas de ajuste estrtitural tipicas en vem: desvalorizacio cambial, iberalizacio comercial, corte de gastos s rivatizacao de empresas estatais, reducio salarial, desregulamentacao, 4 expansio de crédito e elevacao das taxas de juros, Ocorre que os programas. ajuste estrutural do Banco tém tido um impacto desfavordvel sobre os paises desenvolvimento. Além da instabilidade macroeconémica ndo ter reduzido maior parte dos paises, hé um aumento de pobreza e miséria. Os cortes nos, tos puiblicos [..J,a queda de salétio, o aumento de precos dos alimentos € 0 semprego tém sido os maiores efeitos, (Goncalves, 1994, p. 121) “Aperda de dinamismo da economia brasileira, que vem da crise da divida no inicio da década de 1980, se manifesta no mercado de trabalho através do au- ‘mento das relacdes informais, em detrimento do emprego regular e, na década de 1990, também através do aumento do desemprego aberto. A tendéncia bastante clara. [..] quanto & recente informalidade, tampouco € vista como problema. Pelo contrario, muitas vezes chega a ser exaltada como um virtuoso ‘mecanismo de ajuste, uma manifestagao de racionalidade e até de “criativida- No tocante a implementacio das inovagdes organizacionais da Jacio flexivel”, esta deve constituir-se em objeto de cuidadosas observ: no sentido de captar a diferencialidade do contexto brasil zagio da mao de obra se caracterizou, historicam: sentido, assentada sob a instabilidade ea alta rotatividade no emprego. Nada: distante do padrao japonés, de onde provém a maior parte dos métod técnicas que estao na base das referidas inovacées, considerando-se que, caso brasileiro, a flexibilidade estrutural do regime de trabalho tem uma exis cia que remete ao padrao histérico de exploracio do trabalho pelo capital: foi acentuada no periodo apés 1964. Ou seja, asioaagbes nos métados de ‘da forea de trabalho nito substituem ou alteram essas caracteristicas: ‘esultando, na maior parte des casos, mum reforca a esta tendéncia a partir bilizagdo de aspectos das relapses de trabalho que antes nao estavam sul ‘sta diretrizs Isso constitui o que estou chamando aqui de aprofundamento expansito da flexibilidade estrutural do regime de trabalho no Brasil. Antunes (2006, p. 19) parece concordar que, no Brasil, ocorre uma binacdo bastante peculiar entre as caracteristicas histéricas do regime tebalho © as inovagées organizacionais proprias do “toyotismo” assinali que pressio de flexibilidade. © ministro do Trabalho, Edward Amadeo, por exemplo, em um de seus textos, diz o seguinte: “uma pessoa desempregada em uma estacio de trens ou vender mags em uma esquina. Se ela nao esté fazendo nenhuma das duas coisas, esta escolhendo nao fazer”. Nao é um pri- ‘mor de liberalismo? Se existem metahiingicos desempregados, é porque eles se recusam a vender chicletes no sinal de transito. (Salm, 1998, p. 20) Autores como Dupas (1999) e Soares (2000) afirmam que as politicas propostas para a superacio da crise fazem surgir uma “nova pobreza”, con- siderada como um fendmeno mundial. Muito embora eu tenha diividas ‘uma ampliagio da pobreza que acompanha as proporgées da ampl desemprego estrutural e nao de uma “nova” pobreza — nao se pode de reconhecer que o fenémeno que ele pretende designar é real. Ou verifica-se que o desemprego, nesse contexto, assume um carter mas- sivo e atinge praticamente todos os segmentos de classe. subordinado, que foi vvez mais se mescla fortemente com novas processos produtivos, &m grat ‘expansio,consequéncia da iofilizaclo organizacional, dos mecanismosp ortundos da acumulagio flexivel e das priticas toyotistas que foram ea sendo assimiladas com vigor pelo setor produtiv Ino: conceitos bsioos e uma discuss .dovempregonas moderrasecono- de" da nossa gente, a propria expresso da modernidade, pois seria uma ex- prego é mais elevado que a média pa ‘No entanto, também se constata que as taxas de desemprego cresceraim m rapidamente para os individuos com rendimentos mais elevadls (super dduas vezes a renda familiar per capita média do pats) entre 1992 e 2002. No ddessas pessoas, 0 aumento da escolaridade se mostrow insuficiente para imy dir a elevagéo do desemprego. (Pochmann, 2006b, p. 72) Na realiciade dos paises céntricos, esse fendmeno é, precisamente, 0 q ‘est na base da maior parte dos estudos sobre a “nova questio social”, dadi ‘seu ineditismo em face da estabilidade fordlista no emprego. Entretanto, em nosso pais, a reorganizagio produtiva nao atinge um mercado de taal ‘organizado por acorcos coletivos que pudessem permifir um controle do social da forga de trabalho, mas um mercado de trabalho heterogéneo onde a precariedacle é uma marca constante de sua estrutura e 0 controle social siste= ‘aticamente incipiente, (Dedecca, 1998, p. 292) Considerando-se que a flexibilidade jé era um principio estruturantenas relagdes de trabalho no Brasil, o que muda, nesse particu so quantitation de trabalhadores assalariados sujeitos a e rego dela resultante, incluindo agora grupos sociais que, ‘mento anterior, ficavam “a salvo” dessas contingéncias em face do contexto expan sionista do capitalismo dos monopélios. Entre 1999 e 2002, de acordo com dados do IBGE (apud Pochmann, 2006b), 0 crescimento relativo do desempregonas familias de classe baixa" foi de 46,8% e nas familias de classe média alta’ cor- respondeu a 50%, No entanto, observando a distribuigéo do desemprego total entre essas mesmas classes, registra-se que, em 2002, 62% dos desempre- gados estavam na classe baixa enquanto 32,4% estavam na classe média e apenas 5,6% na classe média alta (Idem). Isso significa reconhecer que naoi6) @ “nova pobreza’ a responsivel pelo caréter de massa do desemprego maj atualidade, Ele continua substantivamente concentrando-se nas classes sus) baltermas, dados os mecanismos discriminatérios, principalmente nas contra 5. Naclasse de renda médi alta sho designadas p vezes a renda per capita média do pas, de natureza classista e racial, que tém sido favorecidos com a dimi- igao da oferta de empregos. Em sintese, a andlise dos dados indica que a evolugdo das taxas de desemprego entre 1992 e 2002 aponta para uma maior desigualdade quando se consideram as classes de rendimento, racas, géneros e niveis de escolaridade. Pode-se de- duzir que, além do preconceito racial, aprofundow-se ainda mais no Brasil também o preconceito de classe de rendimento no mundo do trabalho, (Pochmann, 2006b, p. 66) Nao se pode, portanto, considerar que a flexibilidade das relagdes de trabalho no Brasil e os indices de desemprego dela resultantes tenham como determinante principal 0 novo regime de acumulagdo e seus métodos de gestao da forca de trabalho. [..Jentendemes que a discussio concemente & desregulamentagao do direito do trabalho no Brasil deve subordinar-se ao marco regulatério existente. Neste sentido, o sistema brasileiro é extremamente destegulado no que se refere aos limites dos empregadores quanto a constituigao e a desconstituicio da relagio dle emprego, figurando-se assim, 0 discurso da desregulamentagdo, neste as peclo, como fore de lugar. (Neto, 199, p. 339) Nesse caso, interferem outras determinagdes que dizem respeito as particularidades da constituigao do capitalismo brasileiro na sua relacéo.com as mutacdes do imperialismo diante da crise. Embora “fora de lugar”, 0 discurso da desregulamentacao tem sido amplamente adotado pelos gover nos brasileiros @ partir dos anos 1990, por expressar as necessidades dos monopélios, diante das quais o Brasil cultiva uma hist6rica heteronomia: Ele tem servido nao s6 a um aprofundamento das caracteristicas do regime de trabalho no pais, mas tem, fitndamentalmente, sido implementado em relacdo as tiltimas batreiras protecionistas existentes do ponto de vista ma- ezoeconémicoi! Exemplo emblemético pode ser atestado nas medidas de aprofundamento da abertura da economia a concorréncia internacional ado- tadas, de modo mais agressivo, a partir do governo Collor de Mello que tem, entre suas varias repercussdes, um impacto no nivel de empregos. F claro que isso nao deixa de ser parte da dinamica de instauracao do novo regime de acumulacio, mas essa relacdo precisa ser mediatizada, sob pena de serem deletados alguns tracos histéricos do padrao brasileiro de bad sme sons exploragdo do trabalho pelo capital importantes para caracterizar a “q social”. 5.2 Particularidades recentes do desemprego no Brasil Penso ser funciamental, para a anslise que se segue, mencionar as pri cipais particularidades recentes do desemprego no Brasil, tendo em vista diferengas, existentes em relagio ao regime de trabalho dos paises céntticd No centro dessas diferencas encontra-se a flexibilidade estrutural do’ mercado de trabalho que produz altos indices de rotatividade da. mao obra. As faculdades amplamente concedidas aos empregadores nal de contratagées e demissdes marcam, assim, um determinado padro exploragao da forca de trabalho, e também de sua disponibilidade par. capital, muito distante do instituido nos paises céntricos, onde a flexibilida- de vem sendo apontada como uma das tendéncias associadas a mect de superagao da crise capitalista recente. E através dessas mediagSes, pre sentes historicamente no regime de trabalho brasileiro, que pretendo mape- ar as referidas particularidades, sabendo que, ainda que ndo sejam suficien= tes, no se pode abrir mao delas na anélise do desemprego como expresso da “questao social” Opprocesso de constituigao e desenvolvimento do capitalismo brasileiny tem uma trajet6ria marcada pela sua insergao periférica nas engrenagens do capitalismo mundial, especialmente apés a vigéncia do imperialismo. Assim € que algumas caracteristicas de nossa formagio social, como a auséncia de reformas capitalistas classicas, acabam por ser um “elo” entre os interesses das classes dominantes locais e dos grandes monopélios. Do ponto de vista em questao aqui, claro esta, por exemplo, que muitas das vantagens mono- polistas extraidas do padrao de desenvolvimento capi sido possibilitadas pelo baixo custo da forga de trabalho — que chega a set seis a sete vezes inferior ao dos paises desenvolvidos* (Mendonga, 1998) — 6, Manzano (196), ao dscutir custo do trabalho no Brasil nda or gue _gastopor parte do empregador nso épropriamenteo valor -wistosoaN 5 uma particularidade que se torna essencial na compreensao das expresses da “questo social’. A-elevada disponibilidade de mao de obra, resultante da manutengao das estruturas fundisrias concentradas, somada ao perfil da legislagao sobre o trabalho no Brasil, cujos pardmetros de protecao social foram instituidos de modo seletivo, fizeram da informalidade e do desem~ prego realidades que se reproduzem de longa data no pats. Essas caracteristicas foram significativamente aprofundadas na segun- da fase da “industrializacao pesada” quando, em condicdes politicas muito particulares, a intervengio do Estado proporcionou uma politica salarial absolutamente desfavordvel aos trabalhadores, acentuando a concentracéo de renda e institucionalizando a alta rotatividade da mao de obra, com 0 EGTS em substituicao a estabilidade no emprego (cf. Cap. 4). (Os crescentes indices de desemprego registrados no mercado de traba- Iho brasileiro entre os anos de 1980 e 1990 refletem, portanto, a dinamica da economia mundial diante da crise ca contexto que traz as marcas de uma soc serd dito mais adiante, 0 restabelecimento das condicdes de gestao democré- ticas impactou as relagdes d 10 no Brasil durante os anos 1980, res- taurando 0 papel dos sindicatos na sua regulacdo, especialmente nas cate- gorias de trabalhadores dos setores industriais. [J contraditoriamente, o fracasso das tentativas liberais de reestruturacio e a ‘manutencéo da estrutura industrial brasileira preservaram — ainda que tem- porariamente — as bases sociais dos sindicatos, agora sob um regime de am- pliagdo dos espacos democraticos. Os trabalhadores organizados puderam, entio, em plena crise e pressionados pelo processo inflacionario, avancar a de sindicalizacio, na ampliacio dos espacos de negociagdo e na conquista de maior reconhecimento social. (Mattoso, 1995, p. 126) ‘Mas, nem nesse contexto, que destoava do panorama mundial do sin- ose Sots Constituigao de 1988 (Neto, 1996). Mantevé:se, com/algumas alt estrutura sindical corporativa — desaparece a tutela do Estado em aos sindicatos, mas preserva-se a unicidade sindical —marcando. importantes no padrao de representacao sindical brasileiro em comy com outros paises de longa tradi¢ao sindical, como, por exemplo, ‘@ expansio de sindicatos com pequeno miimero de associad i ro de associados no Brasil [ foge uma tendéncia strc internacional de fasioeconcenag a n capital 20 tral 2ho no Brasil ndo revela apenas os snais de esgotamento do sistema corpora vo de representacio de interesses, como a complexidade da administragao de conflits trabalhistas. Pochmann, 1996, p. 279 e 291-292) Sem falar que, ja nos anos 1980, a retragao dos investimentos no Produtivo acentuava a dualidade entre empregos formais e informais 1a economia brasileira, fazendo com que as conquistas alcangadas pelo fort cimento do movimento sindical, nao fossem universalizaveis a0 conjunl dos trabalhadores. Pochmann (1996) reforca esse argumento ao abordar: complexo de questées relativo a estruturagao dos sindicatos, relacionando também, & flexibilidade do mercado de trabalho. Alptineipal dific reside em que as constantes mudangas de emprego dificultam a si ‘sa0e, por consequéncia,a identificac4o/reconhecimento do} com 0 seu sindicato. Isso impacta na representatividade desses que tende a concentrar-se naqueles trabalhadores menos sujeitos & dade (nicleo estavel de empregados com maior qualificagaio em Presa) e, por isso, com melhor nivel salarial, Assim 6 que ast ‘mente nos ramos indust de extingio de postos de trabalho or empregos com fortes os cont “QUESTAO SOQ " propriamente em uma novidade que possa ser debitada as inooagdes tecnolégicas do padrao flexivel de acuumulagao. Essa afirmagao fica, sem dtivida, mais visivel quando se sabe que os empregos regulares ou formais jé representam menos da metade dos postos de trabalho, enquanto que no final da década de 1970 representavam cerca de trés quarto (Salm, 1998), o que da a dimensao do quanto esto ficando cada vez mais distantes as condigdes de acesso a “cidadania regulada” para cexpressivos segmentos da populacio. Em decorréncia disso, as formas de trabalho mais instaveis e menos protegidas tendem a se ampliar, fazendo com que o medo de perder o em- prego aparega novamente comoa principal forga disciplinadora do trabalho, ‘ow, nos termos de Mattoso (1995), reproduza-se a “desordiem do trabalho". Ademais, a dectescente participacao dos empregos formais no conjunto dos postos de trabalho tem fragilizado, consideravelmente, o poder de negocia- ¢a0 dos sindicatos o que, no contexto atual, de baixo nivel de emprego, abre espaco para que as empresas atuem cada vez mais seletivamente na contra- tacdo de trabalhadores (Dedecca, 1998), conforme explicitarei a seguir. Na génese dos fatores que podem explicar esse panorama, Dedecca (1998) assevera que a contracao generalizada do nivel do emprego industrial para todos os segmentos da forca de trabalho assume maior relevancia que a adogao de novas formas de gestdo de mao de obra pelas empresas. Saboia (1998, p. 18), tomando como parametro os dados sobre desemprego do IBGE, também os relaciona a fatores macroeconémicos ao afirmar que “taxas de crescimento econémico da ordem de 2% a 3% sao insuficientes para estabi- lizar 0 desemprego” Isso significa que o aprofundamento e a extensio quantitativa da flexibilida- + nas relagies de trabalho decorrem, antes, de uma crise no padrio de desenvolui- do que de quaisquer inovngées organiza que estejam sendo operadas em razio do novo regime. tulagao. Nesse sentido é que se toma fundamental ter em conta 0 com- le mediacdes assinalado quanto as particularidades do desenvolvi- to capitalista na formacio social brasileira. Tantovassim que apesar de) gir, de modo generalizado, a estrutura de ocupacdes, a flexibiliclade es~) \rutural do trabalho no Brasil ¢ especialmente presente no caso dos postos de trabalho ocupados por trabalhaclores com pouca escolaridade, conforme: alesse extrato das classes trabalhadloras, a flexibilid: iad soso no Brasil tem acentuado 0 desemprego e a informalidade. A titulo de ‘monstragio,dados de 1995 do PNAD/IBGE (apud Dedecca, 1998), apontav: que77% dos trabalhadores por conta propria da regio nordeste nao poss ensino fundamental completo. Esta situagdo na regio sudeste é de 63%. A debilidade das condicées de funcionamento do mercado de trabalho br leiro — caracterizada pelo elevado desemprego e pela informalidade —¢ auséncia de perspectivas sobre uma possivel recomposicio do nivel de emps £0 fortalecem o poder de contratacio das empresas, que aproveitam da gran disponibilidade de forca de trabalho para atuar de maneira discrimnatéria no ‘mercado de trabalho, optando por recrutar, quando necessétio, os trabalhad; es com melhor nivel educacional e de qualificagdo e, em consequéncia, cet de adaptagio etreinamento desse trabathador. (Dedecca, I P Acescolaricade passa, assim, a ser um critério de contratagio que nag. necessariamente tem a ver com a qualificagao necesséria ao trabalho ser4 executado, 0 qual, muitas vezes nao possuii maiores exigéncias natureza. ‘Nao secconstata até momento uma generalizada modificagao no contetidodos postos de trabalho que justificasse a elevacio nos requisitos de qualificagdio, Apesar disso, ocorreu a elevacio dos requisites de contratacdo dos empregar dores, tendo-se em vista a presenga de amplo excedente de mao de obra que disputa escassas ofertas de trabalho, o que estimulou o aprofundamento de gbes discriminatérias na contratagao laboral. (Pochmann, 2006b, p. 72) {sso implica num claro mecanismo para a redugdo dos custos comigr ‘trabalho, conforme assinalado pelos —— ae Funciona, também, como critério de: diferenciacao do salario inicial dos trabalhadores, em relaco aos que posstem menos instrugdo formal. Nesse particular, Pronily Baltar (1996) esclarecem que o trabalhador com baixa escolaridade vive atadoa dois condicionantes: a baixa remuneragao ea dificuldade de acumty- lar tempo de servigo com o mesmo empregador, em face dos altos indices de? ‘totatividade que ocorrem entre os trabalhadores com esse perfil, A maior parte dos desligamentos sem justa causa ocorre entre os em= Pregados com até dois anos de servico na empresa (Manzano, 1996). pos sivel entao, cruzar essas variaveis, inferindo que boa parte desses trabalha- swastosoaae ” dores que nao ultrapassa mais de dois anos no mesmo vinculo, tende a ser de pessoas com baixa escolaridade. Dados de 1990 provenientes do MTb/ Anudrio da Relagdo Anual de Informagdes Sociais (Rais) e trabalhados por Manzano (1996) atestavam que essas dispensas (de trabalhadores com até 2 anos de servigo) respondem por 76,55% do total das que se fizeram por ini- ciativa do empregador. Isso faz com que os contratos de trabalho, embora predominantemente por tempo indeterminado, apresentem-se, na pratica, de curta duragao (Pochmann, 1996), 0 que praticamente impossibilita o usu- fruto, por esses trabalhadores, dos aumentos salariais decorrentes de promo- Ges e gratificacies, Outra das consequéncias mais imediatas desse padrao de exploragao da forea de trabalho 6 a stia incidéncia quanto ao tempo durante o qual os trabalhadores, sujeitos a rotatividade da mao de obra, ficam desempregados. Este tempo tende a aumentar substantivamente, dada a elevagao dos para- metros educacionais e outros critérios discriminatérios (como raca e género) num contexto de retracio quantitativa dos postos de trabalho formais. Esse fato gera ainda uma cultura, por parte dos proprios trabalhadores, > de procura permanente de trabalho em vista da instabilidade e da insatisfa- ‘eGo coma remuneracao eas condigoes de trabalho? (Pochmann, 1996). Dados da OIT de 1994 (apud Pochmann, 1996) mostram as disparidades existentes na taxa de desligamento da mao de obra do Brasil quando comparada a de outros paises, mesmo de realidades latino-americanas. Enquanto o Paraguai, © Chile, o Uruguai e a Argentina praticam taxas de demissio de 28%, 25%, 10% € 7%, respectivamente, o Brasil ultrapassa os 45%. Esse padrao de uso extensivo de uma mao de obra semiqualificada contrasta com a noco que a literatura associa & Terceira Revolugao Industrial, a saber: ‘um padrao de uso intensivo de uma mio de obra qualificada, polivalente e cooperativa, compativel com pleno aproveitamento das potencialidades abertas pela nova base técnica e pelas novas formas de organizacao e gestio da empresa. [.] Tudo indica que, de modo andlogo ao que ocorreu na implantagio do complexo industrial no pais, a transicGo para a produgio mais eficiente ¢ flexivel, propria da chamada Terceira Revolugio Industrial, também tera peculia~ ridades na experiéncia brasileira. (Proni e Baltar, 1996, p. 137-138) is,é mensuradana PED (Pesquisa de EmpregoeDesemprego) name sos _Tal peculiaridade (ou particularidade, como vem sendo tratada a reside no fato de que as diretrizes de flexibilizacao da legislacio sobre trabalho, enfatizadas pelos organismos internacionais como imperiosas, sao uma realidade no Brasil. Ou seja, a Como as pripria expres indicum, para deeper efi dado sistema de relacées de trabal rressts} a existe .deura real meagio eee on menerveseaentncla de uma gu Dseglamentag do mercado de abtho€ 0 qu tos Asinpes cans itactoda retin de qualquer sto aosenpratons iene ea nto do vineloempregatico, ou sn, dle Sets a o,edonimeroclevadodetrbaihadoesfra domed formal », confirmam a desregulamentacao intrinseca do modelo nacional. Osetnquenta anos dedeseguiamertag resolveram o proba do mere Avidade das empress ou Jn nce pregals eemprogadores. Plo cont contrario do que se apregoa, no _ AAlém do mercado de trabalho no Brasil jé ser suficientemente fexivel (nao impedindo, por exemplo, as demissdes abusivas), experiéncias emoudt ‘tos pafses também mostram que a flexibilizacio tende a fracassar comoy mecanismo'de geracao de émpregos (talvez o exemplo mais ilustrativo sej © da Espanha) (Mendonca, 1998). Na verdad, & preciso que se diga que e debate sobre. flexbilizagao da legislagao trabathista que, no Brasil,» re $ de atingir fundamentalmente a CLT, tem uma clara funcionalidade: pretens! de-se reduzir 0 custo do trabalho por meio de remuneracées flexives a flexibilidade quantitativa (emprego) nao é nenhuma novidade por =a E importante notar que o custo do trabalho na industria de transhorme ag em 1980, que era de US$ 3.a USS 4 por hora, caiu para USS 1 em 2003 (opud Pochmann, 2006). Isso reforga as consicleragées incialmente tecclaa ean no do atual aprofiundamento e extensao da fleribilidade como uma particu do regime de trabalho no Brasil, que se afirma como una das mediagées furdament para uma caracterizacio do desensprego no pais Além de um mercado de trabalho historicamente flexiv trabalho abundante e barata, o desemprego no Brasil vemban dentinal do pelo baixo nivel de protecao social. Mesmo antes do discurso necliberal de reducao do Estado, as medidas de atendimento, aos desempregados trabalhadores informais jé eram portadoras da descontinuidade e da fota- “quesTAO SOCAL ™ lizagdo tipices do processo atual de “refilantropizagao” da “questao social” (Yazbek, 2001). A razo fundamental disso é a sua histérica desarticulacéo em relagéo as medidas no campo da politica macroecondmica, além da desarticulagéo também em relacao a propria “cidadania regulada”, como foi o caso da teducao da jornada de trabalho de 48 para 44 horas, instituida em 1988. Outro exemplo disso é 0 seguro-desemprego; tardiamente implemen- tado no Brasil e com uma eficdcia bastante discutivel, em face do crescimen- to da informalidade. A@red6 (1998) @ssinala que, nao obstante o programa tenha uma cobertura de cerca de 66,2% dos trabalhadores demitidos sem justa catisa, grande parte deles, nas mesmas condig&es, nao chega a cumprit o requisito para acessé-lo, dada a alta rotatividade dos vinculos, cuja perma- néncia minima exigida, nesse caso, é de seis meses. Ammesmia autora destaca’ que esse tipo de programa é executado em paises desenvolvidos,associando, :muitas vezes, @ passagem dos desempregados por agéncias deemprego como critério para o pagamento do beneficio financeiro. Isso maximiza a protecao piiblica ao trabalho e define os contornos reais do conceito de“desemprego, _ involuntério”, bem diferente do que ocorre no Brasil onde o seguro-desem~ prego resume-se a concessao do beneficio financeiro. No contexto atual, em que ¢ visivel, além do crescimento do desempre- ‘go, uma “clevagao nas taxas de subemprego ea deterioracao da remuneracao média dessas pessoas” (Souza, 1998, p. 168) gartham forea medidas assistenciais para lidar com a questdo do desemprego, equalizando-a i da pobreza, bem nos ter- mos adverticlos por Chesnais (1996) quando assegura que o tema do desen- volvimento tem perdido espaco na agenda dos organismos internacionais, para o tema da administracao da pobreza. Exemplos disso sao os programas de transferéncia de renda e “capacitagao” para jovens e adultos, assentados na “ideologia da flexibilizacao”, ou seja, fomentando ilusbes, sem a menor stistentagio, acerca de insergdes “auiténomas” no mercado de trabalho. |As medidas introduuzidas no conjunto das politicas de emprego durante a década de 1990 tertninaram por no alterar o comportamento fragmentado e pulverizado das politicas piiblicas de aten¢o ao desemprego. Ademais da ‘baixa efetividade e eficécia das politicas de emprego do governo federal, as- sistiu-se a permanéncia de reduzida sensibilidade na aplicacio dos escassos recursos piiblicos para com a heterogeneidade do desemprego, (Pochmann, 2000, p. 32) tem uma pro décadas de 1980 e 1990. Mas apresentam cont rengas residem, substantiva~ desemprego, entre os quais, ° mento sindical e, prineipalmente, o sentido da. do estatal na formulagao dos rumos da politica econémica, como, veremos a seguir. i Sugestées bibliograficas Leia os livros: Abordei aqui alguns dos aspectos da atual crise cap 0 ns do al ;pitalista tomandl por base una das explicagies possiveis no interior do campo marxista a que caracteriza a crise atual como o esgotamento de um ciclo “expan ‘sivo" (1945-1960) de desenvolvimento da economia capitalista e infcio di ‘wesdosoaar Ses um ciclo de “estagnagéo”. Neste sentido embora nao a teniha detalhado. por motivos didaticos esta tese, de: autoria de Ernest Mandel, encontra-se~ originalmente no livro O eapitalismotardio,2.ed. $40 Paulo: Nova Cultural, 11985, mas também em-A crise do capital: os fatos e sua interpretagao mar- xista, Sao Paulo/Campinas: Ed. Ensaio/Ed. da Unicamp, “ ‘Associado a essas premissas o livro de CHESNAIS, AIS, Francois. A mundializagao do Capital. Sao Paulo: Xama, 1996, tambem esclarece dimen- ses importantes da crise como a “desconexao forcada” e a superacao da ideologia do “desenvolvimentista” que coloca na ordem do dia sua subs- tituigdo por politicas de combate a pobreza. = ‘Para transitar desse quadro geral da crise 4 realidade brasileira, novamente foram de fundamental importancia 0s artigos dos professores do Instituto de Economia da Unicamp — como Pochmann, Baltat, Dedecea, Proni, entre outros — reunidos sob a forma de coleténea. ° “Além da jé comentada no capitulo precedente indico a organizada por: OLIVEIRA, Marco Anténio de. Reforma do Estado e politicas de em- prego no Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 1998); SILVA F: ‘SILVA, Maria ‘Ozanira; YAZBEK, Maria Carmelita ‘(Orgs.). Politicas de trabalho e renda ‘no Brasil contempordineo. S40 Paulo/Sao Luiz: Cortez/Fapema, 2006; € ANTUNES, Ricardo (Org). Riqueza e miséria do traballio no Brasil. S40 Paulo: Boitempo, 2006b. Sugestées culturais Assista aos filmes: Pixote —a le do mais fraco — Hector Babenco. Brasil, 1981. Noticias de uma guerra particular—Katia Lund e Joo Moreira Salles. Brasil, 1999. Santa Marta: duas semanas no morro — Eduardo Coutinho, Brasil, 1987. A causa secrela — Sérgio Bianchi. Brasil, 1994.

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