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@) coppight0 2020 | Rodrigo Olvera de Camargo Ts Foe dtora-Chfe | Fernanda Pacheco Ameria Capa e Dagramog | Carte Bot de Barros ‘ovat | Marcelo aggeman dos Sante Produc edtoiel | Debora Cristina Ameri CONSELHO EDITORIAL ets Cope - Cote Da eer Gane UIRC Pommtoetednur de Nt -UPSESURIVALL Gad eat UNA Und Ac S ASI: CATALOGACAO NA FURLICACKO Stoteto Nacional bos EDNORES DELIVROS, 3 ee me cht ap Rati bn Coa Yok AST pct cl Rt 1 een 09 2 pe Pert ea rabies Staccaenst RODRIGO OLIVEIRA DE CAMARGO Yort Feuix ORGANIZADORES PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS REFLEXOES CRITICAS A LUZ DA LEI 13.964/2019 A (IDLEGITIMIDADE DO AUMENTO DO LIMITE DAS PENAS PARA 40 ANOS NO CHAMADO PACOTE “ANTICRIME” (LEI N° 13.964/19) Flavia Sique Andressa Loli Bazo* Resumo: O presente trabalho visa a analisar a legitimidade do aumento do limite méximo das penas de 30 para 40 anos, promovido pela Lei no 13.964/19. Como ponto de partida, procedeu-se 4 investigagio sobre os fandamentos constitucionais da propria existéncia do limite das penas ‘para, entio, identificar as incongrugncias jé existentes em nosso sistema antes mesmo da edicio da lei Posteriormente, apreciou-se a modificacio legislativa em questio, buscando compreender se possui alguma justifi- ‘cagio empirica ou normativa, vinculada especialmente is teorias dos fins dda pena na execucio penal e ideia de nio-dessocializagio. Concluiu-se, ‘por fim, pela ilegitimidade do aumento do limite das penas, o qual, além. de atender apenasa um anseio retributivo, resultara também no aumento dda populacio carceraria, agravando um problema jé existente. Palavras-chave: limite das penas; no perpetuidade; fins da pena: no- -dessocializado; pacote “anticrime’. 1._Doutora em Diteito peta Universidade Federal de Minas Gerais, com periodo sanduiche na ‘Universitat Augsburg eestancas de pesquisa na Humbol-Univers.at zu Berlin. Realzaestigio 4e pos-doutoramento na Humboldt Universtt 23 Berlin ena UEMG, com pesquisa financiads pelo programa CAPES Prin. Professors de Direo Peal ds Universidade Presiterana Macken 2ie (ECT) e dos crsos de ps. graduacso lato sensu da Pontificia Universidade Catlica de Minas Gerais, da Academia Braieira de Dieto Conshitucional eda Escola Superior de Advocacial MG, Coordenadera do Grupo de Estudos Pesquisa em Dircto Penal (GEPP) da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2 Doutorands em Criminologa pa Universidade de Sto Paul. Mestra pela mesma instiucto, ‘com pesquirafinanciada pla FAPESP Proessra de Deto Penal e Ceiminologia da Universidade Presbitertana Mackenzie (CCT). Coordenadoraajunta do Grupe de Dilogo Universdade-Carce- 1e-Comunidade (GDUCC) di Faculdade de Dteto da Universidade de Sto Paulo ¢ do Grupo de Estados e Pesquisa em Dice Penal (GEPP) da Universidade Prestteriana Mackenzie. 37 PACOTEANTICHDE EFORMASPENAS 1. INTRODUGAO (© chamado pacote“anticrime” (Lei n? 13.964/19),fruto de um cop. junto de propostasrealizadas plo, até entéo, Ministro da Justiga Sérgio Many epor uma Comissio de juristas coordenada pelo Ministro do STF Alexandee de Morais, entrou em vigor em janeiro de 2020 e trouxe modificagses subs. tanciais tanto para o Direito Penal e para a Execucio Penal, como também para oProcesso Penal. Nocontexto do direito material, as modificasées apo, ‘vadas, em geral, contribuem para o recrudescimento penal, aumentand ainda mais as penas ¢ tornando mais severas as regras de execugio penal, tudo sob oalegado pretexto de “combater” acriminalidade ea “impunidade: ‘Uma das medidas que certamente contribui para o dito recrudesc mento €0 aumento do limite do cumprimento das penas de 30 para 40 anos, realizado por meio daalteragio do art.75 do Cédigo Penal (= CP), que passa a dispor: “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade nio pode ser superior a 40 (quarenta) anos” Ademais, também foi modificado 0$ 1 do mesmo dispositivo de acordo com o qual “quando o agente for conde nado a penas prvativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, evem elas er unficadas para atender ao limite maximo deste artigo” Segundo os idealizadores da proposta, “o aumento de tempo maximo de prisio de 30 para 40 anos é uma adequacio necessira, 80: ‘bretudo em razio do aumento da expectativa de vida do brasileiro desde a vigéncia do Cédigo Penal 1940" Percebe-se, portanto, que a ratio do aumento do limite das penas estaria na maior longevidade do cidadio bra- sileiro, que jusifcaria @ autorizagio de um maior tempo total de prisio. ‘final, nio se deve perder de vista que essa alteracio legislativa se vincula também ao objetivo geral do “pacote’ autorizando que se prenda por mais ‘tempo para prevenir ou “combater” crimes. E questionavel, contudo, se esse aumento do limite das penas real rmente corresponde as suas fnalidades declaradas e, em geral, se pode ser considerado uma alteracao legislativa legitima. Diante disso, para anali sarmos a legtimidade e, em iltima instancia, a constitucionalidade dessa modificagio, faz-se necessirio esclarecer os fundamentos do limite das 2 Contre eataecem Yerohoway Maples qu presenta ccs conten 3 iropo. YAROCHEWSKY, Lemania axe MAGALSAES ats Ls Soares Neues {pena misma Set anos do pace seime deve set vada elo presente Conpt20° Disponne em: cpl caarcom 209 ds opine pene maa 0 2005 P teassme ead Aceon 200, 38 asic ANDREAE 8AZO ppenas ¢ suas verdadeiras implicagSes em nosso sistema juridico (infra 2), para que, enti, possamos avaliar se ha de fto alguma coeréncia entre (0 fundamentos da medida e os fins da pena na execucio penal (infra 3). 2. OS FUNDAMENTOS DO LIMITE DAS PENAS E ‘SUAS IMPLICAGOES PRATICAS 2.1. FUNDAMENTOS: O PRINC{PIO DA HUMANIDADE E ‘A REGRA DA NAO PERPETUIDADE A.existéncia do limite maximo para ocumprimento da pena €uma concretizagio do principio da humanidade e da vedacéo de prises per pétuas, que além de possuirem prevsio consituciona express (at. 5, XLVIT, b, da Constituicio da Repiblica [= CR/88]), derivam também da prépria nocio de dignidade humana (art. 1, Il, CR/88), um dos funda- rmentos da Repablica’ © principio da humanidade orienta a politica criminal e exige dda pena um padrio minimo de racionalidade e proporcionalidade’, ndo podendo ela “exaurir-se num rito de expiagio e oprdbrio™ e objetivar 0 sofrimento do condenado, tampouco “desconhecero réu enguanto pessoa hhumana”, Disso decorre a proibicio das penas perpétuas, porquanto re- tirar completamente do individuo a esperanca da liberdade signifcaria desconsiderar sua humanidade’ esse sentido, de acordo com a exposicdo de motives da reforma penal da parte geral de 1984, a fxagio da duracdo maxima das penas priva- tivas de iberdade estava orientada pela proscrigdo consttucional da prisio pperpétua’, devendo as penas serem “limitadas para alimentarem no con- denado a esperanga da liberdade e a aceitagio da disciplina, pressupostos 4 Conforme esclarecem Zafar Paerangl, “ta dsposigo tem 3 manta nas Cons Taig do mows pts mesmo nos periods de anmaa deers ns 29 doa 113 (Ss Consiga de 13H ar 5g yd Carts Eto Nov (937) a 14L, $31.62 Cnet de 1x, 15091, Carts Contain de 1967 ea 18341, data es fa Carte: modifica el Enea 1/1909" ZAFFAROSI, Bueno ai: PIERANGELL oe Henrique Manual de drete penal rao part geal Sou So Pau Revsta ds Trbutas, 208, p. 680. 5 BATISTA No. nrdago cite di peal ase. Ree: Rean 207, P 6 BATISTA, Introduce. p.100 7 BATISTA, Introdugo enitia. 7.93 {8 MARTINELLE, Jono Palo Ori, DE BEM, Lonano Schmit. igs fundamentals de ‘isto peal pre gal, 2c So Pa Sr, 2017, 17 9° Charespeito ZAFFARONI, PLERANGELL Manual de isto peal rae p16, 8 ACOTE ANTICRIME:REFORMAS PENAS ‘essenciais da eficicia do tratamento penal’, Apesar de 0 Cédigo Penal de 1940 também ter estipulado um limite de 30 anos da pena privativa de liberdade”, como foi frisado pelos idealizadores da proposta de aumento, na verdade a possibilidade de uma pena perpétua nao era de todo impos bilitada, haja vista que inexistiaa regra da unificagao das penas em raziode riltiplas condenagdes. Assim, por mais que & pena se aplicasse um limite de 30 anos, nada impedia que a acumulagio de sangdes ensejasse uma pena efetiva que superasse esse limite'!, Percebe-se, portanto, que 0 legislador de 1984, ao estipular o limite de 30 anos, visava justamente a dar alguma efetividade @ orientacao constitucional Para além dessa dimensio, levando a sério o principio da humanida- cde das penas", nio apenas a prisio perpétua, como também quaisquer penss privativas de liberdade demasiado longas, em razao dos seus efeitos arruina- dores” e nefastos na vida do condenado, devem ser consideradas destumanas «, portanto, inconstitucionais. Essas penas muito longas, que negligenciam ‘qualquer perspectiva de futuro para 0 condenado e sio completamente in- diferentes a inclusio social do individuo, adequam-se ao que Alvaro Pires chama de pena radical. Para ele essas penas colocam em evidéncia um con- fito entre os bens juridicos que o sistema de justiga criminal tutela por meio a cominagio e aplicagao de pena e os valores positivos que esse sistema deveria proteger", ignorando a proteso do préprio sujeito condenado. Nesse sentido, uma pena radical anularia a possibilidade de incorporagio social de «um individuo, provocando a sua morte social. Resta claro, portanto, que res- peitar a humanidade das penas vai muito além da regra da nao perpetuidade. 10. *Art.55.A duragSo das penasprivativas de iberdade nfo pode, em caso algum, ser superior {int anos, nem importincia das mltasurapassat cem comtos de ris 11 ZAFFARONI, PIERANGELI, Manual de direito penal brasileiro, p. 680 12_A dia de humanidade das penasprvativas de iberdade nio é de todo isenta de etcas. A ‘Subsite. partir da segunda metade do séeuo XVIIL, das penas corporis pela pena private [berdadé pode er entendida numa primeira apreximaci, como atranigio de um rit birb par um mat racionale moderada. Para Pouca, entetanto, ese aparente humanism do 0 ‘mento reformisa cua uma ago que instrunentaliaa uma icenica pita mais expans, go dora conlao tempo e forma uma sociedade dsciplinar, FOUCAULT, Michel. Vigir e Punt ‘cimento da piss, Tadio Raquel Ramalhete 39. ed. Petrdpolx: Vses, 2011 13."No mesmo sentido, ZAFFARONI, PIERANGELL, Manual de dreito penal brasileco.p 60, 14. UMANA, Camilo Eduardo; PIRES, Alvaro Penna. Derechos Humanos y Penas Radicals {Gta olustfiacin? La Recepcién del Derecho Internacional Hamanitario eel Cog Pe ‘al Colombiano, Ona Soci legal Series (online), 6 (3), 2016. Dispontvel em: hupissn com! abstract=2627717.Acesso em fo 202. p. 4m peaguisas sabre experiencae de forma kes tiva Alvaro Pires estimou que uma pend superior» dev anos poderia ser equiparads sua pe petpétua ova uma pena de morte Para cle, havera nests casos a imposgdo de uma voles [eglizade,uma ver que o Estado esariacondenando 0 sje ao ontraciemno o LAVA IQUE ANDRESSA LOU AZO ‘Ademais, diante da necessidade de o Estado se preocupar com os efeitos negativos decorrentes da punigao na vida do condenado e na so- ciedade, toda e qualquer proposta de enrijecimento do tratamento penal deve ser devidamente fundamentada, ustficando-se racionalmenteos seus custos, que, ao fim, recaem inevitavelmente sobre pessoas de carne e 0s50, que restario encarceradas por muito mais tempo. Nao ha duvidas, destarte, que, segundo os nossos padrées constitu- cionais, algum limite para cumprimento das penas deve existir. No entanto, ‘ele nio pode ser meramente formal, porquanto o verdadeiro respeito & humanidade das penas exige que seja estipulado um limite que conduza ‘materialmente & impossibilidade, em esséncia, da segregacao integral dos individuos por intervalos excessivamente longos de tempo e até mesmo pela maior parte de suas vidas. 2.2, AS INCONGRUENCIAS DA PRATICA NA EXECUGAO PENAL: UM FALSO LIMITE DAS PENAS Apesar de o legislador reformador de 1984 ter fixado o limite de 30 anos e as regras de unificacio com o objetivo de tentar concretizar mini- ‘mamente a humanidade das penas, as regras adjacentes que foram sendo construidas em torno desse limite, em especial pela jurisprudéncia, assim como as préprias caracteristicas da nossa sistematica penal, acabaram afas- tando a pritica penal do intento do legislador e esvaziando o conteido do limite estipulado, transformando-o, a nosso ver, em um falso limite de penas. Essas incoeréncias sio anteriores a Lei 13.964/19 e tornam ainda mais evidentes as criticas atribuiveis a ela, O limite do cumprimento das penas, segundo a nossa legislagio, fanciona(ria) da seguinte maneira: néo apenas a pena maxima cominada no tipo penal, como também a execugio efetiva da pena privativa de liber- dade, levando em conta a possivel multiplicidade de crimes, deve observar ite maximo fixado (de 30 ou, de acordo com a nova lei, de 40 anos). apesar de a aplicagio da pena nao estar submetida diretamente a esse limite, observando apenas o critério trifisico (art. 59, CP ss.) eas regras de concurso de crimes (arts. 69, 70 ou 71, CP), caso 0 resultado dessa aplicacio exceda o limite legal deverda pena ser unificada para, na execusio" obedecer a0 tempo méximo de prisio, como determina o § 1°do art. 75, CR. Dessa forma, ao individuo poderia até ser aplicada uma pena de 50 anos, mas ele 15 SANTOS, Juatez Cirino dos. Direlte Penal parte gral 6 ed Cuitha ICPC, 2014, p. 500. a somente cumpriria efetivamente 30 (ow 40) anos de pena. Ao menos en ificada, ainda deveria ser submetido tese,0condenado, a0 cumprir a pena ut ao sistema progressivo e 4s regras orientadas pelos fins da execugio penal A Ginica excegao justificada a essa regra refere-se aos crimes pratca dos apés o inicio da execugio da pena, como dispde o $ 2°do art. 75 do CP, ‘de puis pont carer rain, probbigio possul carder absolut e do pode ser elativiada Sea punigio mio for necesria ara a obtengio de certs ins ou se mostra mals custosa do gue beni, odever de pun acaba perdend a sua importanca, 0 que coloca em quest30 a crr30 do principio reributsta.O retibutivismo, por him, entra em contradio com um dos mas ‘elevate Fandamentos ena exigncia de um dano socal oles atm ber juriio.s0 Porque, 3 ignoara exigencia de qulgueruidade para a pena, conskdea que a mera insti Invnsaca de certs fats” seria uma razdosuficiente para plo, ou Sj, a efetiva lesso 3 tum bem uridico ou dano soil sera, nessa perspectiva, eelevante (GRECO, A ha de Kant 276-278) Por esas axes, o retributive deve er recusado,é que ndo oferecefundamenasi0 Pause para aimposigie da pena 42 Ao contro do que sfirmamos quanto ao retrbutvismo (cf, supra nota 41), i de fo Joga para consideragiesprevenivo-gerals nas teorias da pena, eja ao momento da cominasso (cE supra nota 28) ou até mesmo da infico da pena. A’nosso ver, contudo, a pena ni0 se justia somente perane a sociedad, mas também ~ talvez principalmente ~ eran © ropriocondenado, de sorte qu, princpalmenteno imbito da execudo penal deve haver una rebcupao maior como sujeto gue deft ir cumpriea pena 43 Nese sentido, por exemplo posciona-se TEIXEIRA, Teoria da aplicagio da pen p86. ‘4 GRECO, Lebendiges und Totes in Feuerbachs Straftheorie,p. 228. No original: “be ‘Auswahl seiner Sanktion und be deren Zafigang so voreugehen, das der gevingste Schaet ‘enti 45 Choa 26 n LAMA SQUTIRA ~ ANDRESSALOLBAZO juridicos, entdo com ainda mais razdo esta obrigado a nao submeté-los ativamente a novos perigos"*®. A partir desses fundamentos, conclui Greco: Portanto, dentro do marco definido pelo principio daleglidade,aparen- temente podem haver boas razdes para considerar a nao dessocializacdo ‘como tum objetivo da inflio da pena, em outraspalavras, para conside- rara dessocializagio como um fim negativo da inflicio da pena, ou sea, ‘como uma situagio cuja promocio ou consecuszo constitu uma razdo para nao infligir pena”. Hi, & claro, diferentes fatores a serem levados em conta quando se fala em nao dessocializagio, como as condigbes em que as penas so ‘cumpridas, a estrutura dos estabelecimentos prisionais, a garantia efetiva de direitos humanos etc, Nao hé dividas, contudo, de que a quantidade de pena a ser cumprida é um fator relevante que contribui para a dessociali- zagio do condenado. ‘Como, entio, pode o Estado cumprir adequadamente a fungao de nao dessocializagio na execugao penal? Em nossa concepcio, simplesmen- te observando as balizas constitucionais para a concretizagdo de uma pena que, por mais que inevitavelmente constitua um mal, seja pelo menos © menor mal possivel ~ por exemplo, diminuindo a incidéncia da pena de prisio em favor de penas alternativas, investindo na estrutura do sistema carcerario € no tratamento digno e humano dos presos, e, € claro, nio autorizando que a prisio dure tanto tempo que afaste completamente 0 individuo do convivio em sociedade. Diante de tudo 0 que foi dito, fica evidente que o aumento do limite das penas em 10 anos promove, apenas, a dessocializacio mais intensa do recluso, néo encontrando qualquer fundamentacio idénea no plano constitucional e em sua vinculagio com os fins da pena na execucio penal. 46 GRECO, Lebendiges und Totes in Feuerbachs Strafthori .228.N9 origina: Wenn der Gesetagebersogae veri ist ich htm den Sohuts Yon Rechagtera ru Kmmers, dann Interest recht verpflichte, sie nicht av neuen Gefen susraeetzen” 47 Isso, em certa medida, possul correla com as iis desenvavidas por Alar Pies = vd o ual ha um paradono de valores quand se nega um vale Para se proteger outa. so & Suma profunda contradigio cp ac pretender poteger valores comprometende ivan ‘exerceio de outros C1 UMANA, PIRES, Derechos Humans Pena Radicales, 4 48 GRECO. Lebendiges und Totsin FeuerbachsStrftheore.p. 228, Noorigina: “innerhalb des vom GesctlichketsprinipssbgertecKen Rabcns ls sich dshalbarscheinend gute Grande dati geliend machen die Nicht Desoilsirung 2a cinem Starufigungszweck rit anderen Worten die Deroniscrang au einem regatven Suafarugungsaweck eu eave, also ‘reine Zustand deen derung oer Eeichangeen Grund dar git, Sta niet 22 igen” n ACOTEANTICRIME REFORMAS PENAIS. 3.3. O ARGUMENTO DO AUMENTO DA EXPECTATIVy, DE VIDA DO BRASILEIRO Conforme haviamos mencionado logo no inicio do trabalho,» principal argumento utilizado pelo legislador para aumentar o limite ds penas é0 fato de que a expectativa de vida no Brasil aumentow e que, por tanto, se 30 anos de pena em 1940 significavam praticamente uma prisio perpétua, hoje isso no mais acontece. Ser, no entanto, que esse argu. ‘mento possui alguma relevncia para justficar © aumento em questio? Em primeiro lugar, ha que se esclarecer mais uma ver. que, apesit de a proibicao das penas de carater perpétuo jé constituir um ‘mento constitucional a época, o sistema existente sob a égide do Penal de 1940 nao impedia totalmente o cumprimento de penas muito altas que acabassem assumindo esse carter, porquanto a unificagio dis penas para atender o limite de 30 anos nao encontrava previsio na legs: lagio. Essa figura, na verdade, somente foi inserida em com a reforma de 1984 justamente para que fosse observada a regra da nao perpetuidade, de sorte que, se alguma comparagio com o passado deve ser feita, nosso parametro deveria ser o brasileiro de 1984 - e nao o de 1940. No entanto, isso, a nosso ver, sequer é relevante para a discussio aqui travada. Trinta anos sero sempre trinta anos, Ademais, 0 principio da humanidade das penas (infra 2.1) proscreve nao apenas o encarcert mento perpétuo, como também quaisquer penas demasiado longas. De fato, segundo dados do IBGE, a expectativa média de vida no Brasil hoje 6 em geral, de 76,3 anos, sendo que a expectativa de vida dos homens, que sio a maior parte dos encarcerados, é de 72,8 anos”. Nesse contexto, portanto, submeter um jovem de 20 anos a uma pena de 40 anos implica obrigé-lo a passar a maior parte da sua vida no cédrcere; para um indivi- duo de 30 anos, contudo, essa infligao passa a significar praticamente um encarceramento perpétuo. Em qualquer caso, resta violada a orienta¢i0 da humanidade das penas, e evidencia-se 0 total desprezo do legislador ‘em relacio ao tempo de vida do cidadao brasileiro. 49. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA & ESTATISTICA. Tibua completa de mor {aliade para Brasil 2018 Disponive em: htps://biblotecaibge gov wsuaizcaolp icox3087 amb. 2018p, Acetzo em: 20 mar 2020, Hi que se levar em conta, ademas gh ‘ralment a expecaiv de vids do individuopreso costuma ser menor do que a mid gt orguanoas conde indignas do crcere scabam provacan, cm muitos, 0 envelheciie recoce. Nese seni, cf YAROCHEWSKY; MAGALHAES, Pena maxima de 40 anos do pace Anicrme deve ser vlad plo presiente FLAVIASQUERA-ANDRESSA LOU! BAZ 4. CONSIDERAGOES FINAIS limite das penas encontra fundamento constitucional no princi pio da humanidade e na vedacio da perpetuidade da prisio (art. 5°, XLVI, », da Constituigéo da Repiblica), além de derivar também da dignida- de humana (art. 1°, Il, CR/88), um dos fundamentos da Repiblica. No entanto, a cominacio e infligéo de penas no atual sistema juridico-penal brasileiro, na verdade, jé possui um cardter tanto quanto perverso, de sorte que 0 limite estipulado pelo artigo 75 do CP acaba sendo esvaziado, na pritica, em razio das altas penas cominadas pelos tipos penais, das regras severas aplicdveis ao concurso de crimes ¢ da desconsideracdo dos direitos do condenado na execusio decorrente do entendimento majoritério do Supremo Tribunal Federal. Diante disso, a ampliacio do limite de penas promovida pelo chamado pacote “anticrime’ vem apenas reforcar esse modelo punitivo e intensificar as incongruéncias que dele decorrem, ‘Mas qual é,afinal, a verdadeira finalidade do aumento do limite das penas na Lei n* 13.964/19 De todo 0 exposto, podemos concluir que essa alteracdo se presta apenas a atender uma vontade retributiva ea nsia puniti- ‘vada sociedade, as quais nao encontram qualquer respaldo em nosso direito penal de matriz liberal. De fato, a ampliacao do limite de pena resultara no aumento da populagio carceréria, agravando um problema jé existente, além de nao possui qualquer justificativa racional sob a perspectiva normativa, sendo incompativel com a ideia de nao dessocializacio que deveria orientar a execugio penal. Ao que tudo indica, essa é mais uma concretizacio da- quilo que Greco ja havia denunciado em outra ocasiio: aos olhos do nosso legislador, “como o brasileiro hoje vive mais, sua vida vale ainda menos!™, REFERENCIAS ALBRECHT, Peter Alexis. Criminologla: uma fundamentasto para 0 Direto Penal. ‘rad, Juarez Cirino dos Santos ¢ Helens Schesl Cardona Rio de Janeito: Lien Juris, 2010, ALBRECHT, Peter-Alexis,Spevsipvention angeschts never Titergruppen. In: Zeitschrift fie die gesamte Strafrechtwisenschaft, 9-97, p 831-870, 983. BATISTA, Nilo. Introdugio critica a direito penal brasileiro. 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Manual de direto pe! dos Tribunals, 2008. m LIVRAMENTO CONDICIONAL: OS IMPACTOS DA LEI N° 13.964/2019 Rossana Brum Leques' Resumo:O present artigo tata sobre o iso dolnraento cond onal Seu principal objetivo € anal com wis ein as aeragies trades pelo charado Paco Anrime (ein. 13964019), de mada 4 possiitar concur quo poveosa ecoerents tas auras see- ‘lam. Pra ano, serio sbordados os principis specs relconsdo 30 Iivamen condiciona, quis seam, conceto, urn jridic, regu silos (bjetvos esubjeio) period de pros, prepa cuss de evogagio(obrigatas faci) eextingo da pena, on efoque ‘a computbilidade ene t modicabeslepidaas eo propio sexi> 4a exec penal, enquanto police criminal Palavraschave: livramento condiconal: paste antcrime: xe- cugio penal 1. INTRODUGAO ‘ALLeine,13.964/2019, conhecida popularmente como Pacote Anti- «rime, trouxe importantes alterasSes nalgislacio penal eprocesual penal, com a pretensio de aperfeigoamento de diferentes institut da Parte Geral «do Cédigo Penal, além de diversas modifcasBes na Parte Especial do refe- rido diploma, no Cédigo de Processo Penal e nas lis esparsas. Resultadode clamor social, ndo hi como negar que aleiem comen- to € fruto da sensagio de medo’ e, consequentemente, de inefciéncia do 1 Mestre em irs onal pea Unive Sh Fa Rigaud em ine Orpnie to, Corrupt Terrousno pla ands Gera eta Coenatad de Sates Espa mbit Yenl Economie pelo tat de Dress Pe Enum e arpes. a ae ‘Ere du Universe Conia cn cea coo ste Base de ines Ci ‘rina, bem como pls fut Cet arae Prasorade Dito Fea Deo Frcs {Rona Unereide Sho a ae Advgads Cialis 2 Cho quamo preonizado por Zygmunt Hauman. so porgue, de acordo com ete Timo anos dove oy acinus cla de medo socal decor do aumento dos tics,

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