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oR A PAISAGEM COMO CAMPO DE VISIBILIDADE E DE SIGNIFICAGAO: um estudo de caso LUIZ OTAVIO CABRAL E MARIA DOLORES BUSS* RESUMO: NESTE ARTIGO, UMA DETERMINADA PAISAGEM £ TOMADA COMO UM TEXTO QUE OFERECE A POSSIBILIDADE DE LEITURAS DIVERSAS E IGUALMENTE VALIDAS, A ABORDAGEM SE DESLOCA DO ENTENDIMENTO DA PAISAGEM COMO “CAMPO DE VISIBILIDADE’, QUANDO SE CARACTERIZAM SUAS FORMAS E ESTRUTURA VISIVEL, PARA A PAISAGEM ENQUANTO “CAMPO DE SIGNIFICACAO” INDIVIDUAL £ SOCIOCULTURAL, ONDE SE ENFOCAM 0S SIGNIFICADOS E VALORES CONSTRUIDOS PELOS SUJEITOS E GRUPOS QUE A VIVENCIAM. A PARTIR DAS VALORACGES UTILITARIA E ECOLOGICA, AQUI ANALISADAS, PERCEBE-SE QUE 0 MESMO ESPACO APRESENTA DIFERENTES CAMADAS DE SIGNIFICADOS. PAISAGEM COMO HABITAT, LATER, LABOR, RESERVA E COMO PROBLEMA, CONSTITUEM ALGUMAS DAS FORMAS (METAFORAS) PELAS QUAIS A EXPERIENCIA E 0 SENTIDO DE PAISAGEM PODEM SER ENFOCADOS, DESVELANDO SUA PLURIMODALIDADE E AS FONTES DE VINCULOS (TOPOFILICOS E TOPOFOBICOS) DOS SUJEITOS COM O ENTORNO. PALAVRAS-CHAVE: PAISAGEM, VALORIZACAO DE PAISAGEM, GEOGRAFIA HUMANISTA, GEOGRAFIA CULTURAL. Ietopugao Como totalidade, a paisagem resulta da combi: nagio de miltiplos fatores ¢ nos obriga a olhar para virias direcdes e disciplinas que possam auxi liar na compreensio de sua natureza e significado, Comumente definida como “uma porgio do espa 0 apreendida com o olhar’, apresenta-se como um conceito impreciso ¢ em nossa opinido, assim deve permanecer’, Se 0 arranjo de formas, cores, linhas, texturas ¢ escalas so aspectos do mundo apreendidos de imediato pelos nossos olhos, é preciso ter claro que esses elementos podem assu- mir diferentes sentidos segundo 0 “modo de olhar’ (atribuir significados). Assim € possivel pensar a paisagem como mediagdo entre 0 mundo das coi- sas ¢ aquele da subjetividade humana (Barbosa, ESPAGO 1998, Collot, 1990). Oferecida & nossa percep: 0 €, a0 mesmo tempo, produto de nossas expe riGncias pessoais ¢ coletivas, a paisagem constitui- se nesse movimento dialético. Segundo Cosgro: ve (1998), decodificar os significados valores das paisagens a nossa volta nos permite refletir sobre 1nossos préprios papéis para reproduzir a cultura e a geografia humana de nosso mundo diério. Inspirado nestes pressupostos te6ricos € fun damentado numa abordagem humanista em geo grafia, o presente estudo ~ resultado de outro mais amplo (Cabral, 1999) ~ analisa a Bacia da Lagoa do Peri como paisagem valorizada, Da complexi dade desse objeto ¢ suas camadas de formas e sig nificados, nos interessou enfocé-lo sob duas pers pectivas valorativas: utilitéria € ecolégica. Através CULTURA, UER), J, N. 13, 47-62, JAN JUN. DE 2002 EA dessas leituras, transpoe-se a caracterizagao da pai- sagem como “campo de visibilidade" para enfocd- Ja como “campo de significagio" individual e soci ocultural. A PAIsAGEM E SUAS FORMAS Situada no sul da Ilha de Santa Catarina, a Ba- ia Hidrogréfica da Lagoa do Peri drena uma rea de aproximadamente 20 Km2, 0 que corresponde_ a 5% da superficie da Ilha. A lagoa, por sua vez, aprescnta uma lamina d'égua que se estende por um quarto daquela drea ¢ configura como o maior reservatério de 4gua doce do litoral catarinense. Atualmente, em fungao do elevado grau de natu. ralidade ¢ dependendo do ponto de vista, as mar- ‘cas antrépicas na paisagem tornam-se impercept veis. Estando no local, especialmente as margens da lagoa, percebe-se, de imediato, que a domi- ‘ncia na composigio € compartilhada entre gua, vegetacio ¢ relevo Num certo sentido, podemos dizer que a par. tir da base geolégica predominante (complexo granitico/sedimentos recentes), impée-se uma dualidade aos componentes da superficie que se expressa nao s6 no relevo (acidentado/plano), mas também sobre a cobertura vegetal (Mata Atlanti- ca/ vegetacao de restinga), ¢, de uma certa forma, ‘na propria hidrogratia (rede hidrica/lagoa) O relevo acidentado (complexo cristalino pre. cambriano) ocupa 75% da érea (vertentes norte, oeste € sul), apresenta declividades entre 20 ¢ 45%, altitudes que chegam a 440m ¢ solo predo- minantemente argiloso (podzélico vermelho-ama. telo). O relevo plano (depésitos sedimentares quaternarios) encontra-se numa planicie de res- tinga (face leste), cujo solo arenoso (areias quart: zo2as) apresenta-se muito pobre em termos de fer- tilidade natural De um modo geral, a vegetagio ~ de fisiono: mia bastante alterada ~ obedece a esta estrutura geomorfoldgica predominate. Assim, sobre 0 embasamento cristalino, encontramos a Mata Atlantica em estégios avangados de regeneragao, que se caracteriza pela grande pujanga ¢ elevada densidadc/heterogeneidade de espécies arbéreas, arbustivas c herbéceas. Restrita & planicie sedimen- tar, a vegetacio de restinga constitui-se de formas arbustivas © herbéceas em diferentes estigios de regeneragio, Encaixada no sistema de falhas do embasamen. to encontramos a rede hidrica, formada por rios de trechos encachoeirados € pequenos mananci ais que drenam as éguas phivio-fluviais para a lagoa © que mantém sua 4gua doce pelo fato de a super. ficie estar 2 metros acima do nivel do mar. Na qualidade de um corpo d'égua retido numa conca vidade do embasamento pela barragem de sedimen- tos marinho, a Lagoa do Peri extravasa para 0 Oce ano Atlantico por um canal (Rio Sangradouro). Quanto as formas culturais da paisagem, pode- se dizer que, apesar de nao haver dados hist6ricos especificos sobre a ocupagio da bacia, o processo mais significativo teve como base a colonizacio acoriana da IIha de Santa Catarina e, mais precisa mente, relacionou-se a fundagio ¢ expansio da Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirao, instalada em 1761, Desde entio, dois sitios de ‘ocupagio se estabeleceram: um, nas partes cleva- das do sul da bacia (hoje "Sertao do Peri”), onde a agricultura (mandioca, cana-de-agicar, café, milho, feijao) ¢ a manufatura de engenho predominavam, © outro, na planicie de restinga da face este (hoje MEG space cuntura, ueR), R), N13, P 47-62, JANJUN, DE 2002 “Lagoa do Peri"), onde as atividades produtivas conjugavam pesca agricultura, Desse modo, a humanizagao da paisagem resultou de um padrao de organizagio desenvolvido empiricamente, cujo eixo consistia na produgao familiar de subsistén cia, estruturada em minifindios, Ao longo do sé- culo XIX ¢ inicio do século XX, 0 aumento da de- manda (consumo familiar, troca ou venda) por pro- dutos manufaturados como a farinha de mandioca, a aguardente € 0 agticar, evou & expansdo do ciclo agricola e da economia de engenho. Entretanto, a partir de meados deste século, com a decadéncia das atividades tradicionais e na medida em que a agricultura de subsisténcia foi sendo conjugada ou substituida por atividades mais dinamicas ~ vinculadas & expansdo urbano-turist- ca ~, boa parte das éreas cultivadas foram sendo abandonadas, 0 que permitiu a regeneragao da vegetagio © a recuperagio da naturalidade e do vigor da paisagem. Paralelamente, levando em conta esse incontestivel valor paisagfstico e, prin. cipalmente, sua importancia como manancial de gua doce para todo o sul da Itha, a Bacia da Lagoa do Peri foi alvo de sucessivos decretos ¢ leis ambi centais. Ja em 1952, a area foi contemplada num de creto presidencial que qualificou o sul da Ilha como zona de “Florestas Remanescentes’. Em 1976, a bacia hidrogratica foi tombada como "Patrim@nio Natural” através de um Decreto Municipal. Poste- Fiormente, nos anos de 1981 © 1982, a érea foi regulamentada como unidade de conservacio de Uso restritivo, especificamente sob a forma de "Par- ‘que Municipal’. Nesse caso, para ajustar o manejo dos recursos aos objetivos estipulados, estabele- ceu-se um zoneamento que segmentou a paisagem ESPAGO E CULTURA, UER), RJ, N. 12, 47-62, JANJJUN, DE 200 EMI om: Area de Reserva Biolégica, destinada & prote- io integral da flora e fauna; Area de Paisagem Cultural, onde se encontram os assentamentos tra dicionais € voltada ao desenvolvimento da popu: ago nativa; e Area de Lazer, destinada aos equi: pamentos ¢ atividades puiblicas de lazer. Segundo cadastramento efetuado pela Funda io Municipal do Meio Ambiente (Floram, 1998), atualmente o contigente populacional em toda a bacia € de aproximadamente 700 pessoas. Dos 54 domicilios que existiam na érea da bacia no final da década de 70 (IPUE, 1978), hoje tem-se apro: ximadamente 300 residéncias (Floram, 1998) Relacionando, de forma breve, 0s principais as pectos da ocupacao atual nos dois sitios existen: tes, tem-se, na zona conhecida como "Lagoa do Peri" (Area de Lazer): 77% da populagao ¢ das re- sidéncias; moradores de origens diversas (inclusi- ve estrangeiros) exercendo atividades ocupacio: nais vinculadas ao setor de servigos; trechos de ‘ocupacio adensada com muitas casas secundérias, facilidade de acesso (rodovia SC-406) € disponi bilidade de infra-estrutura ¢ servigos piblicos va. riados; conflitos de uso patrimonial (imobiliério) com 0 poder puiblico em fungao da existéncia do Parque; visitacao intensa durante todo 0 verio. Em contrapartida, encontramos na zona do "Sertio do Peri” (Area de Paisagem Cultural): apenas 21% da populagio, sendo que a maioria dos moradores si0 descendentes de agorianos € coneiliam atividades, agropecusrias de subsisténcia com ocupagoes no setor de servigos, casas junto a outras instalagdes (galpoes, estébulos, engenhos desativados) que se mantém distantes umas das outras € em meio a dre: as de pastagem ¢ lavoura, dificuldade de acesso ‘olamento) ¢ infra-estrutura piiblica precaria, conflitos de uso em torno do manejo dos recursos naturais (vegetagio), € visitagio em menor escala as cachoeiras Resumindo, no que concerne & humanizagio da paisagem, o sistema de ages interveio, a0 lon- ko do tempo, de modo distinto na dinamica da quele ccossistema: indo da explotacio indiscrimi- nada dos recursos & protecao legal do patrimdnio natural ¢ paisagistico. Fm meio decadéncia do modo de vida tradicional, os dois sitios de ocupa- do — om muito devido ao contexto geogrifico predominante numa ¢ noutra area ~ responderam, de forma diferenciada ao desenvolvimento das il: timas décadas, traduzindo-se, atualmente, numa outra dualidade paisagistica: “urbana/rural” ‘APAISAGEM E SUA VALORIZACAO, CCircunscacio CONCH TUALE METODOLOGICA A priori, € preciso articular algumas idéias que permitam pensar a paisagem como fenémeno vi vido. Para tanto, recorremos a abordagem huma- nista como corrente do pensamento geogrifico que enfatiza os aspectos subjetivos das relagies humanas com o meio ambiente. De acordo com Tuan (1982), através do estudo da relagdo das pes- soas com a natureza ¢ dos seus sentimentos ¢ idéi. as sobre 0s espacos, paisagens ¢ lugares, a geogra- fia humanista reflete sobre os fendmenos geogré- ficos a fim de melhor entender 0 homem ¢ sua condigio* Numa perspectiva fenomenolégica, 0 ‘mundo vivido" € multifacetado por incluir as experiénci- as, ambigtidades, comprometimentos e significa- dos de nossas vidas, Em nossas confrontacdes com © mundo vivido geogrifico, encontramos combi- nagdes de artefatos com os aspectos naturais ¢, se chamamos ou nao de paisagem, sua presenga é ine vitével. "Esses ambientes palpavcis so paisagens que no somente possuem contetido e substincia, mas também so os cenérios significantes das ex perigncias didrias ¢ das excepcionais" (Relph, 1979, p. 13), Na medida em que sio experienciadas direta mente como atributos do mundo vivido, paisagens, assim como espagos ¢ lugares, constituem as bases fenomenolégicas da realidade geogréfica. Portan to, convém lembrar que sob essa perspectiva nao A limites rigidos entre as categorias © nem a rela- ‘io entre elas € constante: "Lugares tém paisagens, paisagens e espacos tém lugares’ (ibidem, p. 16) Para Dardel (1952), as relagdes humanas com espacos, paisagens ¢ lugares sio chamadas de “geograficidade” (geographicité). Mais vivida do que expressa, a geograficidade € uma idéia que cencerra todas as respostas ¢ experiéncias que te- ‘mos dos ambientes nos quais vivemos. Quando sio positivas ¢ agradéveis sio experigncias topofilicas, mas quando so negativas, desagradaveis ou repul- sivas, sio experiéncias topofébicas. Entende-se que topofilia ¢ topofobia esto associadas com 0 cardter do ambiente © com os valores ¢ atitudes daqueles que o experienciam ‘A fim de ilustrar 0 universo dos valores concer- nentes as paisagens, pode-se recorrer a uma pesquisa cfetuada por Meinig, em 1979, onde foram identifi cados dez enfoques diferentes: paisagem como na- tureza destaca os clementos fisicos ¢ atribui pouca importincia 2 ago humana, como habitat, ela é vista como territério para morada do homem; como arte fato, considera-se primeiramente © produto da acio humana sobre a natureza, como sistema, a paisagem MME "aco & cuvrura, eR), RI, 8.13, P 47-62, JAN TUN. DE 2002 € pereebida como um conjunto, no se prestando atengdo a fatos isolados; como problema, tende-se a identificd-la com algo a ser superado; como riqueza, tudo que € percebido na paisagem tem valor mone: trio, como ideologia, cla € vista como uma repre: sentagio € combinagio de simbolos de uma socieda- de, como histéria, a paisagem representa um registro de ocorréncias diversas, de experiéncias do passado; como lugar, ela € um centro de valor que € associa. do a satisfagio de necessidades diversas, como esté- tica a paisagem é avaliada em suas qualidades panora: micas e artisticas (Holzer, 1992) Um estudo de valorizacao de paisagem sob uma abordagem humanista pressupde, assim, um certo deslocamento da atencio do objeto externo para ‘5 fenémenos que ocorrem com os sujeitos que a vivenciam, no no sentido de determinar ou quan- tificar as forcas psiquicas envolvidas, mas de des- crever ¢ analisar a maneira pela qual as pessoas partilham essas relagdes existenciais. No ambito metodolégico deste estudo, realizou- se, com base em procedimentos indicados na literatu- ra (Whyte, 1978, Machado, 1988; Bley, 1990), en- trevistas bascadas em questdes abertas ¢ que levanta- ram aspectos da percepcio, atitudes ¢ valores de mo- radores, visitantes € fiscais do meio ambiente acerca da paisagem ¢ do proprio ParqueS. A partir das infor ‘mages obtidas e mediante alguns procedimentos for necidos em andlise de contetdo, sistematizamos a le tura sobre a valorizagao da paisagem apresentada a se aguir. Observe-se, que ela € descrtiva na medida em {que visa mais freqlientemente sugerir do que concluir. A varonagio UnUTAR: A geografia é distintamente antropocéntrica no sentido do valor ¢ do uso do espago para o homem ESPAGO E CULTURA, UER), RJ, N13, P. 47-62, JAN/JUN, DE 2002 EI Gold e Burgess citados por Bley (1996), afirmam que todos buscamos um meio que satsfaga nossas neces sidades bésicas. Os individuos, nao importa sua con digo ou papel social, exigem possuir criar suas pr6- pias paisagens; nesses verbos encontra-se 0 real sig nificado das paisagens valorizadas. Na experiéncia utilitéria, a paisagem da Bacia da Lagoa do Peri é valorizada pela sua capacidade de atender a diferentes necessidades humanas co- tidianas e/ou eventuais. Dos relatos obtidos de moradores, visitantes e fiscais, trés tendéncias fo- ram abstratdas. "paisagem como habitat, ‘paisagem como lazer’, ¢ “paisagem como labor’, respectiva- mente. Vé-se portanto, que a identidade da paisa- gem € colorida pelo papel sociocultural exercido pelos sujeitos ou grupo. “Paisagem como habitat” compreende a pers- pectiva do morador que se refere & paisagem como tcrritério de moradia, convivio social (familiar) e/ ‘ou de subsisténcia. Em geral, devido a sua imersio cotidiana na paisagem, 0 morador apresenta res- postas ambientais bem mais complexas, O “lar” cocupa o centro de seu sistema de referencia espa cial e a paisagem constitui um horizonte da exis téncia do individuo que deve ser apreendido € defendido de forma consoante com seus propési- tos ¢ necessidades. Daf alguns entrevistados enfa tizarem que “o morador também faz parte da pai sagem’, Por se tratar da terra ancestral, do lugar onde nasceram e/ou de onde ainda retiram parte de sua subsisténcia, convém lembrar que 0 senti do de “paisagem-habitat’ assume uma profundida- de bem maior na experiéncia dos “nativos’ Pra min?... isso aqui é“ouro"! Pra sair daqui 86 quando eu morrer, mas enquanto eu tiver so- bre a terra td bom [...] Eu andei trés anos pelo Rio Grande, vi muito lugar, mas sempre com ensdio aqui... ew viv’ aqui desde pequeno ¢ dei- xei 0 umbigo aqui dentro: A beleza desse lugar td nisso, aonde a gente anda, em tudo, mas a gente lembra da onde nasce, da onde se criow (morador, 64 anos) ‘Nese relato, € possivel entender, com base em Tuan (1980, 1983), que este tipo de topofilia esta formado da intimidade fisica, da dependéncia ma- terial e do fato de que a terra é um repositério de Jembrangas © mantém a esperanca. Tais aspectos engendram afcigao © um profundo apego pelo lu- gar. Obviamente, que estes vinculos hist6ricos © existenciais ndo apresentam a mesma intensidade nna experiéncia de paisagem dos moradores "de fora’, Também imbuida de uma afetividade que evolu! com o passar do tempo, as respostas ambi centais desses residentes tendem a expressar com mais facilidade a apreciacdo estética da paisagem Significa tudor S6 morando aqui pra enten- der... pra aprender a respeitar 0 lugar [...] Quando eu chegue agui, eu nao me dei conta da sorte que ew tava tendo de morar aqui [...] A paisagem pra nés aqui € tudo por causa da beleza da natureza e da alta qualidade de vida que cla representa. (moradora desde 85, 42 anos) De um modo geral, a grande variedade de ad- jetivagdes (sossego, qualidade do ar, beleza, sub- sisténcia, naturalidade, qualidade da agua, socia, bilidade, saudével, seguranga, ete.) atribufdas a paisaggem certificam direta ou indiretamente a qua- lidade de vida desfrutada "Paisagem como lazer” constitui a apreciagao do visitante que enquadra 0 espago como local onde as necessidades de lazer em nivel de écio so atendidas. Na condicio de usuério eventual, © visitante tende a focalizar de maneira diferencia da o meio ambiente, Inicialmente, a partir das ide as de Tuan (1980), admite-se que a percepgio do visitante (¢ especialmente a do turista) frequente mente se reduz a usar os scus olhos para compor quadros ¢ nesse sentido, seu ponto de vista é mais estético que 0 do morador. Além disso, enquanto para o morador a paisagem € constitutiva da reali- dade cotidiana (lar, familia, subsisténcia), para o visitante cla é um recurso & reconstituigio da exis- téncia. Vivida como o anticotidiano, a “paisagem como lazer" proporciona a reparagio das forcas Psico-fisicas que o dia-a-dia da cidade, o trabalho a familia esgotaram (lazer escapista) A lagoa pra mim € um lugar de siléncio, de repouso [...] significa um distanciamento do E bom se isolar do mundo num lugar como esse. Essa urbano, do asfalto, dos edificios. trangitlidade, esa paz, traz até uma seguran- a de que ainda existem lugares que o bomen nao consequiu tocar, destruir. (visitante, 39 anos) Dado 0 contato mais esporddico, localizado & especifico com 0 ambiente, entende-se 0 porqué da experiéncia do visitante ser caracterizada por adjetivagdes (sossego, beleza, seguranga, sombre- ado, naturalidade, qualidade da gua, harmonia, tc.), cujos contetidos refletem exclusivamente os atributos recreativos € estéticos da paisagem. Se de um lado, 0 nimero de aspectos qualitativos © paisagisticos (naturais: lagoa, vegetacio, morros, MBE Fsraco © CULTURA, LER), R), N13,» 47-62, JAN JUN. DE 2002 artificiais: infra-estrutura de lazer) se equivalem, de outro, a variedade e quantidade de adjetivos mencionados ~ bem menores do que nos regis tros dos moradores — por esta classe de usuérios apontam para o papel da interagio tatil-cinestési- ‘ca na experiéncia da “paisagem-lazer’ "Paisagem como labor’ associa-se & condigio de fiscal, que tende a retratar 0 espago enquanto local de exercicio profissional vinculado a exis téncia do Parque. Por desempenharem papéis so- cioculturais distintos, a representagio de paisagem associa-se @ concepgio de uma reserva que esté sob sua responsabilidade e que, na opinido de al- guns fiscais, deve servir &s geragdes futuras [o.] essa paisagem €0 meu trabalho... agui ex tenbo que fazer pra nao deixar destruir toda ssa natureza (...] eu tenho 0 maior prazer en preservé-la, porque ela vai servir muito pra mim, pra minha filba e para as geragies futu- ras né [..] como pessoa ¢ como fiscal significa que tem uma boa parte da minba vida aqui (fiscal desde $7, 44 anos) Devido ao conhecimento detalhado da area, nas referencias & paisagem efetuada por este gri- po, evidencia-se que as formas paisagisticas natu. rais (lagoa, vegetagao, fauna, pedras, cachociras) predominam ~ mais do que nas respostas de mora dores € visitantes ~ em relagdo aos aspectos quali tativos (beleza ¢ naturalidade), que por sua vez tendem a convergir para a apreciacdo estética da paisagem. Nesse sentido, dentre os fiscais, a Arca de Reserva Biolégica assume um significado espe- cial. Além disso, um outro ponto que sugere uma diferenciagao em relagdo aquelas perspectivas en: ESPAGO E CULTURA, UER), RJ, N. 13, P. 47-62, JANJUN. DE 2002 EER contradas nos outros dois grupos refere-se 3 au- séncia da adjetivagao “sossego”, possivelmente devido aos estados de aflicao e receio comuns a0 ato de fiscalizar. Ao discorrerem sobre sua fisionomia, chama a atengao o fato de alguns fiscais descreverem a pai- sagem como um sistema, empregando aqueles con-

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