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Este livro contém sete aulas proferidas por Lev Sernionovitch ‘Vigotski ao final da vida. Para oleitor contemporneo, apalavra pedologia pode soar estranha, mas foi um campo que abarcaya estudos e pesquisas do desenvolvimento da crianga. Muito em voga no final do século XIX ¢ inicio do século XX, foi dessa autor. Este livro é, sem sombra de diivida, uma rica fonte para estudiosos e pesquisadores da teoria histérico-cultural, assim como para professores eestudantes de diversos campos do saber. Sete aulas de LS. Vigotski sobre os fundamentos da Pedologia 8) is oe ar ‘SOBRE OS -FUNDAMENTOS Sete aulas de L.S. Vigotski sobre os fundamentos da Pedologia Zoia Prestes e Elizabeth Tunes (org.) Rio de Janeiro, 2018 IsaN 978857605709 “Taro do onl ae Sig. kal po plop. ok: nc do mu oie “Tadigo: Zou Prete, laabet Tune, Cin da Con Gimarey Santana ‘Revie Za Pee be Tans Lata Ray ‘Nir de pd. Via no anor ae om Come Biroi) een edi po lens Kaa ade 8 igo sini itp nde | Eds imp 2 Psa econ 3. Ed - li Tae ie Sa ti, Cla Cava Gola Tid, e470 pp. s701 cou: 3700) Nt Ge align oat Sumério 5 Apresentacao 7 O bom, o mau e o feio 7 Um pouco sobre ea de Sain 10 Acti encomendada 13, Asseteauls soe os Fundamentos da pdologia de LS. Vig 15, Refertncisbibliogcs 17 Fundamentos da Pedologa de LS. Vigotshi 17 Prices aula © objet da peloga 237. Scpunda ala. A defini do modo da pedologia 56 “Tecra aula, © edo da herediatiade e do meio na pdologia 73 Quara aul. © problema do meio na peloga 92 Quins aula. Leis ges do desenvolvimento psicohgin daring 109 Sex aula Leis eis do desenvolvimento fico darian 129 Sema aula, As ks do desenvolvimento do sera nervos0 149 As falsas ideias de L. S. Vigotski na pedologia. 16 Irs e desenvolvimento mental rian na faa cincia de Vigo 168 A merodolgia de “investiago de Vigo” 169 A“ de dewerminago fais de predestinasto de cana sob a infatcia dn Ieredtarieade do mci mn Vigo Apresentacao vida. Elas se encontram na primeira parte wdamentos de Pedologia) do livro Leki po, AA segunda parte do livro, “Problema vozrasta” smpée © material do tomo IV das 1996 em homenagem ao centésimo aniversério de nascimento do autor. livro de 1996 (que teve uma segunda edisio em 2001) com os textos das aulas de Vigotski nao é a primeira edicao. Em 1934, a editora do Segundo Instituto de Moscou (atual Universidade de Moscou) ‘cou © mesmo material com 0 paginas. No ano seguinte, a p Instituto de Pedagogia de Leni ‘gia, com 133 paginas e tirage VIGOTSKI, 2001).* Como & de Vigotski, mesmo na Russia contada antes de nos determos em seu 3 Tnflament, no vemos acs aes dua elise, Sete alas eS, Viol sore fndamentos da Pda 5 inéditos em portugués* ¢ que compéem a primeira parte, la Fundamentos de Pedologia. Esta é a primeira traducio ingua das sete aulas de Vigotski de acordo com a bibliografia ada por Vigodskaia e Lifanova (Lev Semionovitch Vigotsi: jz, deiatelnost, chtriri kportretu. Moscou: Academia ¢ Smisl, 1996). , além das sete aulas sobre os fundamentos da rega. Todavia, cabe esclarecer que, em russo, esse duplo sentido também est presente e pode ter sido intencional da parte da autora. Seguindo Este livo é sem sombra de divide uma rca fonte para estudiosos¢ pesquisadotes da teoria hist6rico-cultural, assim como para professores € estudantes de diversos campos do saber. ‘Queremos agradecer a todos os familiares de L.S. Vigotski, em espe- cial a sua neta, Flena Kravtsova, pelo grande apoio e carinho em toda a nossa jornada de estudos, pesquisase tradugées da obra de seu avd. Agradecemos também a nossa amiga ¢ companheira Ingrid Fuhr pela leitura critica da primeira versio do texto traduzido. Rio de Janeiro, dezembro de 2017. As organizadors. O bom, o mau e 0 feio Elizabeth Tunes! e Zoia Prestet Um pouco sobre a era de Stalin ‘A década de 1930 ficou marcada na histéria da Unio Soviética pela con- solidagio de um regime que perseguia e matava. Segundo Volkogonov Leningrado, foi um marco importante por sinalizar que a se aproximava. A partir dessa data, o pessoal puniti- vo da NKVD” aumentou enormemente, rivalizando-se ¢ acabando por eclipsar os comités do Partido. Sergei Mironovitch Kirov, bolchevique ¢ leninista histérico, era um homem simples ¢ de respostas prontas, considerado por todos como um lider acessivel ¢ afivel. Era um dos hhomens de confianga de Stalin, que o tratava como “meu amigo ¢ ama- do irmao” (VOLKOGONOV, 2004, p. 206). No XVII Congresso do Partido Comunista, realizado no inicio de 1934, quando o culto & per- sonalidade de Stalin jé era uma realidade, foi ovacionado aplaudido por longo tempo. Naquele momento, o triunfo de Stalin fora ofusca- do, principalmente se levarmos em consideragio que a eleigéo para os cargos mais elevados ido nao fora muito do gosto do ditador. Na plendria do Comité Central, logo apés 0 referido congresso, Kirov foi cleito membro do Politburo e do Orgburo," secretério do Comité Centrale secretiio da organizagio do Partido em Leningrado. Conta-se ue, logo apés o assassinato de Kiroy, Stalin se dri a Leningrado e ele préprio interrogou o assassino, que fora preso. ‘Todos os envolvidos no 5 Universidade de Brain (Uk 6 Universidade deal Fu 7 Nun’ Komisariat Vr 1 Univesitrio de Bras (UniCEUB), Sete alas eS. Vigoth sobre os framers da Pedals ' assassinato € 0 préprio assasino foram fuzilados. Os chefes da NKVD de Leningrado foram condenados a penas eves e, posteriormente, executa~ dos em 1937, 0 que levou Kruschiov, bem mais tarde, no XX Congresso do Partido, a conjecturar sobre a tentativa de encobrir pistas e ocultar testemunhas que pudessem revelar os verdadeiros mandantes do crime. Volkogonov (2004) admite nfo haver informasées suficientes a respeito do caso Kirov. Contudo, conclui que as ondens nao partiram de Trétski, Zinoviev ou Kameney, como divulgado 3 época, ¢afiema que, pelo “que sabemos de Stalin, por certo houve um toque seu no evento. A remogio de duas ou trés camadas de testemunhas indiretas leva sua marca regis- trada” (VOLKOGONOY, 2004, p. 209). © assassinato de Kirov foi um excelente pretexto para a intensifi ‘cago de perseguigdes, julgamentos sumérios — quando ocorriam ~ ¢ ‘execugses. Em virios discursos, Stalin propés que fossem “liquidados” — palavra pela qual tinha grande aprego —“a oposiclo, ou os remanescentes am presos ¢ fuzilados. Muitos foram partic de Outubro. “A ‘velha guarda’ leninista foi conscientemer porque sabia demais. Stalin queria executivos devotados ‘uma geragio mais nova, pessoas que nao conhecessem sua vida pregressa” (VOLKOGONOY, 2004, p. 213) Bolcheviques e a Sociedade dos Ex-pi pressigio. Primeiro, 0 ‘Congresso dos Vitoriosos’ [inicio de 1934], de- pois, « preparaio para o Teror. Tria aver, desafindo o calendiio conjectura partilhada entre estudio- i de que se ele nio tivesse falecido de sos da vida e obra de L. 5. tuberculose na madrugada de 11 de junho de 1934, seria, sem diivida, ‘mais um nome na enorme lista de mortos pelas mios de Stalin no grande ‘expurgo que ocorreu nos iltimos anos da década de 1930, principal- mente se levados em conta os fatos narrados a seguit. De acordo com Volkogonov (2004), © pensamento de Stalin era ‘esquemitico. Ele costumava “encaixotar” suas ideias, reduzindo-as a . bom, oman eo fio formas simples ¢ popularizando-as como pastiches. Nao aceitava outra forma de divulgar suas ideias e, quando isso acontecia, ofendia seus opo- nnentes por terem uma “abordagem nao marxista’, uma “demonstracéo de tendéncias pequeno-burguesas” ou. um “escolasticismo anérquico” (VOLKOGONOY, 2004, p. 229). Ble tinha consciéncia de que o ponto ais fraco de seu intelecto era a impossibilidade de entender o que seria a dialétia. Por isso, envidou esforgos no sentido de melhorar seu conhe- cimento filoséfico, convidando para seu tutor, em 1925, Jan Sten, um fildsofo bastante conhecido entre os velhos bolcheviques, recomendado s6fico de Stalin, fez um programa de estudo que inclufa autores como Hegel, Kant, Feuerbach, Ficht, Schelling, Plerranov, Kautski e Bradley. Visitava-o duas vezes por semana em seu apartamento e procurava Ihe tidade entre ealidade e raz4o. Stalin se ititava com a abstrago por ve~ zs, perdia.a paciéncia e dirigiaa seu tutor perguntas como: “O que tudo luta de classes?” ou “Quem emprega toda essa bo- ‘Sten procurava esclarecer a importincia da filosofia de Hegel para a.com- preensio das ideias de Marx, mas Stalin no conseguia compreender as rnogdes bésicas daquelafilosofia. Num encontro da Academia Comunista «em outubro de 1930, foram debatidas no front filoséfico”. Deborin, Sten, Karev e Luppol foram consi Ipados por “subes- ‘timagio da dialética materialista’ e, a0 que [J tudo 0 que resto daquels ies fiahostilidade ao profesor. Juntamente com N. Kate, IK. Lupo e com outre lf que ‘ram dictpues do academice A. M. Debarin, teérico “adulador de Trotsky” ¢, em 19: pot Stalin como “idealist militant menchevigus". No entano, ele foi poupado, x bem que proibido de desenvoler qualquer tabs: co ou pico (VOLKOGONOY, 2004, p. 230, gifs Em dezembro de 1930, apenas dois meses depois, Stalin fez um discurso no Instituto de Professores Vermelhos, dirigido por Abraam Moiseievitch Deborin. Esse discurso ilustra muito bem os modos ver- bais de Stalin e a maneira como ofendia seus oponentes sem examinar 1 mérito de suas ideias, apenas desqualificando-os de maneira vil. Esse pronunciamento se encontra na ata da reuniio: “Temos que vrar de penas para o {que se acumulou na filosofiae nas cincis sciis. Tudo 0 que foi ‘sctto pelo grupo de Deborin precisa ser desutdo. Sten podem irs favs. Sten act-se bastante, mas apenas um Kare. Sten & um emaeado preguigoto.S6 0 que sabe fee 6 fae. revolver © monte de esrume Karey tem uma eabera enorme e pavonca-se por af como uma be- xga inflada. Na minha opinito, Deborin é caso perdido, mas deve permanccer como editor do petitico (Sob aintgnia de marsiona) ‘para que renhamosalguém para derotar. © conselhoedivorialfiard ‘com dois fronts, mas teremos a maiotia (apud VOLKOGONOY, 2004, p.231). Como se sabe, Vigotski era préximo de Deborin (ver PRESTES, 2010, 2012) ¢ certamente tinha conhecimento de toda a perseguigio que se desencadearia dali em diante e de que também seria alvo. Em uma carta enderesada’ a0 diretor do Instituto de Pedagogia Guertsen de Leni ski relatou que fora informado de que seus pontos de vista wviam sido qualifcados pela Comissio de Depuragio da Psico Instituto de Moscou como idealistas, burgueses € an- timarsistas. Ele argumentou que essa conclusio a respeito de sua teoria cra infundada, que sequer fora ouvido € que seu trabalho, 20 contririo, combatera veementemente certas teorias burguesas ¢ idealista. Porém, ‘como se viu-posteriormente, ele passou para o rol de personas non gratas nna Unido Soviética: sofreu uma critica “encomendada” e suas obras fo- ram dlassificadas como “proibidas”. A critica encomendada A cetitica as ideias de L. S. Vigotski sobre a pedologia foi encomends- da a Eva Izraleyna Rudniova (1898-1988). Segundo informagées a que 0 bom, omaueo feo tivemos acesso, ela se formou pela Faculdade de Histériae Filologia dos ‘Cursos Superiores para Mulheres na cidade de Odessa e era professora de histéria, com mais de cem trabalhos cientificos publicados. Embora seja referido, no original, como “crtica’ as deturpagées de Vigotski na pedologia, o texto de Rudniova se apresenta muito mais como um amontoado de ofensas pessoais e acusagées a0 autor do que como um exame apropriado do mérito de suas ideias e conteibuiges tedricas para a ciéncia da crianga. Quando aparentemente se prope & andlise critica de formulagées do autor, demonstra fragilidade de com- preensio de seus conceitos € muito pouca familiaridade com sua obra, hhaja vista a inclusio de Pensamento fala —considerada a obra-mestra de Vigotski ~ como um de seus estudos de pedo intengo ou total incompreensio da grandeza e genialidade das idcias ali desenvolvidas ¢ sua incomensurdvel amplitude, que vai muito além da ciéncia da crianga, adentrando diversas éreas do conhecimento e tocando até mesmo em questées de ordem filosdfica. Seja por intencio ou incom- preensio, o fato é que esse deslize jd demonstra fragilidade argumen- tativa. O leitor ertico poders, contudo, verificar por si mesmo outros ‘exemplos da falta de poténcia argumentativa apés examinar com atengio assete aulas de pedologia aqui apresentadas. Nos breves comentétios que se seguuem, vamos nos ater a aspectos formais do texto de Rudniova que nos chamaram atengio pela abundancia e pobreza de estilo. Jé no inicio, a autora do texto encomendado destaca o fato de Vigotski ser um dos pilares da pedologia. Por que ele era um dos pilares dessa cigncia? Quem 0 considerava assim? O sujeito gramatical da frase nfo esté determinado, Ela também o via deste modo? Ao que parece, Iss0, contudo, nao ¢ informado. E bem verda- de que a palavra “ aparece entre aspas, denotando possivelmente uma ironia da autora-critica. E apenas 0 comego; seu texto é repleto de itonias desse tipo, uma ironia corriqucra,intelecualmente pobre com finalidades puramente retéricas que visam eriar impressBes no leitor € i smprego de uma palavra » Seu Uso requer inte- ligencia. As aspas parecem 0 recurso de quem nao encontrou ~ talvez porque nao tenha procurado ~ a melhor palavra. Além dessas ironias pobres, hé uma abundincia de adjetivagGes a respeito de Vigotski e de sua obra, recurso que também empobrece o estilo. Dirfamos que é um Sete uls eS. ios sobre os fundametas da Pedlona ” texto nada substantivo, Sem nos preocuparmos com a precisio, tivemos 2 curiosidade de listar qualificagbes de que langou mio. A quantidade 4 surpreendente: antimarxista;antileninista;reacionério; burgués; visio toa visio fl idea clendficamente fal tem expresbesesquendists cxavos ids das clases dos exploradores; causador de escola; defensor de ideias radicalmente cot &s indicagées dos ico da metodologia dda predestinagio falta 3” do meio; defensor da ideia de meio imu- das classes dominantes eretardo dos ex- ica do desenvolvimento; representante worante em relacio ao papel do homem na ia” espontaneista menchevistal autofluxo; defensor da “teoria” Algumas qualificagoes certamente nos escaparam. Contudo, vamos parar aqui. O que se listou é mais do que suficiente para se constatar ‘que é um texto escrito bem & moda de Stalin: uma verborreia repleta de ofensas ¢ acusagGes pessoais. Hi intimeras incoeréncias Iégicas, contra- digdes e distorgdes das ideias de Vigotski. Vé-se que o rigor, préprio de tum texto académico, esté completamente ausente. Nao, definitivamente no € um texto académico. Custa-nos acreditar também que foi escrito por uma académica com mais de cem publicagées cientificas. Qualquer funciondrio burocritico do Kremlin com formagio de nivel colegial ‘muita ambigéo para subir na carreira conseguiria escrever um texto com ‘G0 pouco quilate — se é que hd algum — para agradar 0 chefe supremo. 2 0 bom, omau eo flo Serd que foi, de fato, escrito por Rudniova? Ou seré que ela foi volun- tariamente obrigada a assinar 0 texto elaborado pelo tal funcionétio bu- Essas conjecturas sio perfeitamente justficéveis ¢ autorizadas aa biografa de Stalin. As sete aulas sobre os fundamentos da pedotogia de L. S. Vigotski (Os manuscritos que deram origem ao livro de L. S. Vigotski perma- neceram guardados por mais de 60 anos nos arquivos da familia de Serapion Alekseevitch Korotai re 1929 € 1936, foi aluno do Departamento de Pedologia do Insticuto A. I. Guertsen de Leningrado, " jovem € ini- ciante professor da Escola Técnica de Aperfeigoamento Nekrassov de Leningrado, recebeu das mios de seu mestre 0s textos que estavam da- tilografados “em folhas amarelas e cinzas” (VIGOTSKI, 2001, p. 5). 0 professor queria ajudar seu aluno. I sabido que muitos textos de Vigotski foram redigidos e publicados com base em estenografias de aulas e/ou palestras proferidas (LURIA, 2001). Muitas vezes, sequer foram revisados por ele, e virios foram publicados apenas apés sua morte. Os textos do presente livro sio um exemplo disso. ‘Apés a morte de Vigotski,o professor C. Z. Katsenboguen assumiu, em 1934, a orientagio da dissertagio Desenvolvimento do pensamento do exolar no processo de resolucio de problemas matemdticos, de Ser Alekseevitch Korotaiev, finalizada em 1936. Porém, mais uma ocorreu. As vésperas de 1937, C. Z. Katsenboguen foi declarado ini do povo e reprimido. Korotaiev, por sua vez, nao encontrou local para trabalhar ¢ ficou sem o diploma. Ao tentar recuperar o documento em 1952, soube que nao havia sequer registros do trabalho académico que claborara e defendera. E possivel perceber uma coeréncia légica no desenvolvimento do contesido exposto por L. S. Vigotski em todas as aulas, que, nos manus- ctitos,estavam apenas numeradas-— os vale ressaltar foram dados i pelo autor. A decisio foi tomada em nome da comodidade do leitor e, como se afirma na intro- dugio & edigio russa, “nao foi uma tarefa dificil, jé que, no inicio de cada Sate alas eS, Vigoth soe os frames da Pda 2 aula, ele anunciava e definia com precisio os objeti (VIGOTSKI, 2001, p. 6. ‘As aulas tém um cariter coloquial, como se fossem conversas entre estudantes. Cada aula tem, no infcio, a enunciaco de seus de estudos de outros pesquisadores. Esses exemplos sio minuciosamente cexaminados edissecados ¢, em geral,seguidos de alguns trechos com afir- ‘magbes teérico-metodoldgicas e enunciacio de algumas questées-chave, como se ele supusesse as interrogagées ¢ diividas que poderiam passar pela mente de seus alunos ou os estivesse instigando a questionar. Hi uma didltica especial que preside 0 ordenamento de cada aula «sobre a qual hé dois pontos que nos parecem merecer comentétio, ainda que breve. Antes, contudo, cabe esclarecer que no se trata de uma didética embrutecedora, que visa facilitar a memorizagio estan- que das definigoes de cada conceito apresentado. Muito a0 contrétio, ‘ada conceito € definido examinando-se suas articulagées ldgicas com ‘outros jd apresentados e abrindo-se a questio que permite relaci 0s que estio por vir. Essa estratégia € bastante coerente com as ‘que expe, especialmente, no sexto capitulo do livro Pensamiento y ha- bla, “Estudio del desarrollo de los conceptos cientificos em la infincia” (VIGOTSKI, 2007): 0 conhecimento cientifico se organiza como um sistema de relagGes ldgicas de coordenacio, subordinacio e supraorde- nagio de conceitos. Esse aspecto parece ser incorporado 3 sua didética especial e tudo indica que 0 que ele pretende com suas aulas é que os es- ‘tudantes apreendam 0 modo como os conceitos da ciéncia pedolégica se ‘organizam e nao simplesmente memorizem a definigio de cada conceito. ‘Sua intengio parece, coerentemente, que eles compreendam a estrutura, a organizagao dos conceitos da ciéncia pedolégica que propée. Esse é 0 primeiro ponto. O segundo diz respeito ao porqué de esses conccitos se inter-relacionarem de um determinado modo. Novamente, aqui hé con- vvergéncia com suas ideias a respeito da relacio teoria e mécodo (ver, espe- ialmente, VIGOTSKI, 1997). Para ele, teoria e método mantém entre si uma profunda relagio. Conforme diz logo no inicio da segunda aula, « bom, omauieo feo {wma ver que ead citncia tem seu objeto de emudo exec log, para 0 exo de qualquer um, € necessxo um metodo expectco. © méodo € um caminho, um proce tum procedimento,consaquentement, depende do «qual eiéniaorentase num determinado campo. tem sus aiuigdeseobjetvs expetcos, eno, & da que eae bora também seus méodos de etudosepetcos, seus caminhos deinvenigagio Asim, pode dizer que, da mesma forma que fo xine cca sem eu objeto, tumbém nto exe cnc sm seu smétodo,O carter dete ¢ sempre define pelo carter do obj da ciencia p37, ios nosso), Assim, subjaz a sua didética especial a intengao de que seus estudan- tes apreendam a ideia de que nao hé um método tinico que define o que é cientfico — bem a0 gosto da visio ocidental contemporinea de ciéncia =, mas que ha tantos métodos quantos forem os objetos de estudo da ci- éncia, isto é, que, na ciéncia, a teoria, com seus fundamentos filos6ficos, E definidora do método de estudo. Por isso, em cada uma de suas aulas, cle intercala, regularmente, afirmagbes tedricas com questdes de método daquela ciéneia particular. AA pedologia — cincia do desenvolvimento da crianga ~ serviu de fonte para os estudos no campo da pedagogia ¢ da psicologia que esta- vam germinando na Unio Soviética apés a revolusao socialista de 1917. Assim como intimeros cientistas soviéticos na década de 1920 ¢ nos anos iniciais da década de 1930, L. S. Vigotski aprofundou os estudos da pedologia que, junto com outros estudos, fundamentaram sua concep- fo de desenvolvimento humano. Infeli pelas razbes histéricas e sociais brevemente apresentadas, a pedologia defendida por Vigotsk, a pedologia cientifca, nao floresceu como poderia, ¢ muitas outras con- tribuigées foram impedidas por sua morte prematura e pela censura € proibigio impostas a sua obra a0 longo de 20 anos. Referéncias bibliogréficas LURIA, A. R.Eng prides jut, Mosc: ndrsaro Moskoniiogs Unive, 201. 25-46 PRESTES, Z. R. Quando no ¢ quate « meme cia — ane de tae de LS, Vigor’ no Bras Tose outa): Bea: Universdade de Bras, 2010. ——— Quand nao ¢ quase a mesma cis ~ tradugbes de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil, Campinas, SP: Autores Asociados, 2012 VIGOTSKI, L. . Obnas acoidas. Problemasteéricos ‘Trad, José Maria Beavo. Madi: Visor Dis, 1997. _. Pensmieno habla, Tad. Alejandro Avielf Gonzdlee, Buenos Aite: Calibue, metodoldgicos dela Prcologia +2007. VOLKOGONOY, D. Stalin wiunfo e raga. Rio de Janeio: Nova Frontera, 2004, Joubert de Oliveira Braid, tom, omaue fle Fundamentos da Pedologa de L.S. Vigotski Primeira aula, 0 objeto da pedologia”® Depois deste curso, deve vir 0 de pedologia especifica ou o d: «que deve apresentar a voces, de forma sistemtica, os principais perfodos do desenvolvimento infantil. Hoje, nossa aula introdutéria seré dedicada ao esclarecimento de dduas questées: ado objeto ea do método da nossa cincia, ou seja, 0 que pedologia estuda e como faz isso. Essas sio as duas principais questoes «que devem ser apresentadas hoje, logo no pedologia estuda? Apés conhecermos esse objeto de es cificidades, entio, naturalmente, poderemos chegar & da crianga”, Mas como acontece frequentemente, a 1 TO Ge mechs em nei so do cryin ano ¢porimo Forum mansion, As nts 8 dap ‘sto difencads por: nota da eligi rsa (N. da E.R) nora da adopt (N. da) nota ‘cigs bases (Ns da EB). ‘Ser ola eS, Vigtsh sobre os fname de Pdogla ” uuma denominagao da ciéncia ainda nfo expressa suficientemente e de forma precisa o que, desse objeto, &estudado. Podem-se estudar doencas infantis, parologias das idades infants, o que, em certo sentido, também seri ciéncia da crianca. Na pedagogia, pode-se estudar a educagio da crianga, 0 que, até certo grau, & ciéncia da crianga. Pode-se estudar a psi- cologia da crianga e isso também serd, em certo grau, ciéncia da crianga. Porisso, desde o inicio, é preciso estabelecer exatamente 0 que da crianca Portanto, seria mais preciso dizer que a Ivimento da crianca. O desenvolvimen- to da crianga ¢ 0 objeto direto e imediato da nossa ciéncia. Ainda assim, essa definigio permanece muito incompleta, porque ‘no mesmo instante surge uma questio. Esté bem. A pedologia é a ci- éncia do desenvolvimento da erianga. Mas o que é desenvolvimento da crianga? Sem essa explicasio, nunca compreenderemos qual € 0 objeto gerais do desenvolvimento infan generalizé-lase dizer 0 que & deset também como abordar ¢ estudar a questio do m A primeira e principal lei que caracteriza 0 desenvol — diferentemente de uma série de outros processos— é que ele possui uma organizagio muito complexa no tempo. Como qualquer outro processo, le € histérico, ou seja,transcorre no tempo; tem inicio, tem etapas tem- porais determinadas do seu desenvolvimento e tem fim. Contudo, no estd organizado no tempo de forma que — se & possivel dizer assim — 0 seu ritmo coincida com o ritmo do tempo; nio esté organizado de forma que, em cada intervalo de tempo cronolégico, a crianga percorra um de- terminado trecho em seu desenvolvimento. Digamos assim: passou um ano e a crianga avangou um tanto no desenvolvimento; no ano seguinte, outro tanto ete., ou seja, 0 ritmo do desenvolvimento, a sequéncia das tapas que a crianga percorre, os prazos que sio necessérios para que ela passe cada etapa nio coincide com 0 ritmo do tempo, nao coincidem com a contagem cronolégica do tempo. Iss0 pode ser esclarecido com a ajuda de dois exemplos. Primeiramente, do ponto de vista da astronomia, do tempo crono- Iégico, um més é sempre igual a outro, um ano é sempre igual a outro. Entretanto, do ponto de vista do desenvolvimento, 0 valor de cada més, rs Fundamentss da Pedologa de. igs de cada ano é medido pelo lugar que esse més ocupa no ciclo do volvimento. Por exemplo, vocés sabem que, provavelmente, du primeiros meses de vida, a crianga se desenvolve de modo mui s0 ¢, em particular, crescem intensamente seu peso ¢ tamanho. Assim, levando-se em conta o crescimento, 0 peso, 0 aumento da massa corporal ‘€ 0 comprimento, cada més é uma etapa muito importante. Durante crianga nao s6 nao dobra 0 peso: também esse aumento é mut porcentos, enquanto no bebé, durante o mesmo perfodo de tempo, ele € igual a 100%. ‘Agora, imaginem que digam a vocés que uma crianga teve um atraso de ts ou seis meses em seu desenvolvimento. Isso é muito ou pouco? Se for no primeiro ano de vida, isso é muito, mas se ela estiver em seu 13° ano de vida, iss0 no acarretard nada de muito sério. Do ponto de vista da astronomia, cada més é igual a outro; contudo, isso perde seu significado no desenvolvimento. O valor de cada més depende do ciclo de desenvolvimento em que esti contido e do lugar que ocupa. Dizer aque uma crianga de dois anos esté com um atraso de um ano em seu desenvolvimento mental significa que é muito ¢ que ela se diferencia consideravelmente de uma crianga real de dois anos. Dizer, contudo, «que um adolescente de 15 anos tem idade mental de 14, ou seja, que esti atrasado também um ano, provavelmente evidencia um atraso extrema- mente insignificance, Novamente, do ponto de vista do desenvolvimento, o valor de cada intervalo de tempo se define nao pela dimensio desse intervalo — um ano ou cinco anos ou um més ~, mas pelo lugar dele no ciclo de desen- volvimento da crianga. Isso esté relacionado ao fato de que 0 tempo ¢ 0 contetido do desenvolvimento mudam nos diferentes anos de vida e de desenvolvimento da erianga. © segundo exemplo esclarecerd isso um pouco mais para voces. Vocés terao de lidar com ele desde ricio na metodologia de inves- nasceram no mesmo dia e na mesma hora. Isso significa que elas si0 coetineas. Agora, imaginem que as estejamos investigando trés anos de- pois. Pergunta-se: todas essas criangas, que nasceram no mesmo dia e na ‘Sete elas eS. Vigot sore os fndementes da Pda ‘mesma hora e viveram em condigées mais ou menos semelhantes, estario ‘em um mesmo nivel de desenvolvimento? Pela certido de nascimento,"" clas sio coetineas em relagio ao dia & hora ¢ vocés estio investigando ‘seu desenvolvimento. Verifica-se, entio, que o desenvolvimento dessas,

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