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® XI SEMINARIO Ii TeENACioNAt 2 dn wage a D ESTRADO cont RED ESTRADO. A INTERCULTURALIDADE NA EDUCACAO DE JOVENS E ADULTOS COMO POSSIBILIDADE DE NOVAS CONSTRUGOES DE SABER E PODER. Silvana Oliveira Biondi UESB/ UFMG sobiondi@hotmail.com Francisca Izabel Pereira Maciel UEMG emaildafrancisca@gmail.com @ RESUMO © artigo tem o propésito de explorar os sentidos e os usos da interculturalidade no campo educativo da modalidade de Educagdo de Jovens ¢ Adultos como possibilidade de construgio de uma aprendizagem mais significativa para esses alunos. Iniciando a discussio, hé uma apresentagdo de como a diversidade cultural presente nesses espagos educativos implica transformagées, as quais, muitas vezes, criam tensdes ¢ lenciamentos entre diferentes povos. Reconhecida essa diversidade, vemos a relevancia pedagégica da interculturalidade para a construgo do aprendizado dos alunos da FJA como uma possibilidade de decolonializa¢ao do saber e do poder, visto que essa modalidade de educagao abraga individuos de significativas diversidades de saberes, género, etnia, geragdo, lingua, sexo, raga, religido, ideologias, condigdes de trabalho, entre outras. Nessa diversidade reside o potencial de uma agdo pedagégica pautada no didlogo de culturas, agindo como dispositive de uma proposta de aprendizado mais significativo.Os estudos apresentam que a importincia da interculturalidade no mundo contempordneo esta ligada as configuragées globais de poder, do capital e do mercado, ¢ acrescenta haver um paradoxo onde se defende a petspectiva da interculturalidade esbogada como projeto politico, social, epistémico ¢ ético de transformagao e decolonialidade de outra que se distingue dos sentidos e usos. que se faz da interculturalidade em uma perspectiva funcional ao sistema dominante. Desse modo, sinalizamos a interculturalidade critica explicitada e assumida como sendo a mais representativa de um projeto pedagégico que problematize as diferencas, a exclusio social nas suas miltiplas dimensdes ¢ nos seus processos de subjetivagao. E uma perspectiva também reveladora de que, para além do legado da desigualdade ¢ injustigas sociais do colonialismo, hd um legado epistemolégico do eurocentrismo que impede a compreensio do mundo a partir do proprio mundo em que se vive ¢ das epistemes que Ihes so proprias.Assumir a proposta pedagégica de ter a interculturalidade critica no curriculo é ter referéncia no pensamento critico dos proprios subalternizados pela modemidade capitalista, no caso os alunos da EJA, ¢ nisso reside 4 oportunidade de uma proposigao teérica implicada no repensamento critico ¢ transdisciplinar, que se caracteriza contraposta is tendéncias académicas dominantes da perspectiva curocéntrica de construgdo do conhecimento histérico ¢ social que predominam na nossa constituigo escolar, E na pratica pedagégica isso ignifica a aplicag&o de curriculo enquanto ciéncia critica que trabalha com questdes . politicas e sociais e ndo s6 com questdes técnicas ¢ instrumentais. PALAVRAS CHAVE: Interculturalidade; Educag3o de Jovens © Adultos; Aprendizagem Significativa XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... D reson INTRODUCAO A diversidade cultural’ sempre esteve presente nos espagos educacionais, contudo nos liltimos tempos ela tem sido mote de conflitos que acabam por revelar a visio homogénea tradicionalmente sedimentada na nossa sociedade e que por fim, pode representar uma dificuldade de ajuste aos requerimentos contraditérios fomentados pela conomia e pelas inovagdes teenologicas. ‘Como compreende Candau: A construgio dos estados nacionais no continente latino-americano supds um. proceso de homogencizacio cultural em que a educagio escolar exerceu um Papel fundamental, tendo por fungio difundir e consolidar uma cultura comum de base ocidental e eurocéntrica, silenciando efou inviabilizando vores, saberes, cores, crencas e sensibilidades. (Candau, 2010:3) Todas essas ocorréncias que se apresentam na sociedade atual implicam transformagies culturais, as quais, muitas vezes, criam tensdes e silenciamentos entre diferentes povos, gerando, em consequéncia, grandes impactos sociais calcados na intransigéncia com a qual os individuos lidam com tudo que thes paregam diferentes em termos de cultura, ideologias e interesses. Essa diversidade esta presente na convivéncia das salas de aulas da Educago de Jovens © Adultos (EJA) de onde também emergem conflitos ¢ divergéncias no provesso de construgio da identidade coletiva, 0 que tem sido um grande desafio para aqueles que nelas atuam. Sendo assim, a sala de aula pode ser vista como lugar propicio para trabalhar a interculturalidade, fazendo-se necessério, portanto, propiciar durante 0 processo formativo do professor reflexes sobre a pratica docente ¢ sua relagao com as questdes culturais, visto que “a perspectiva intercultural se apresenta como uma alternativa metodologica interessante ¢ rica em potencialidades educativas”, como defende Cameiro. (Cameiro, 1993:41), ‘Candau, Vara M, F. © Russo, Kelly (2010) Imerculturalidade e edueseo na América Latina: uma construglo plural, ‘original ¢ complexa;estudo relevante sobre a perspectiva da educago intercultural no continents latino -americano, XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion We xr semnizto oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. Reconhecer essa diversidade permitiré ver a relevancia pedagégica da interculturalidade para a construgdo do aprendizado dos alunos da EJA como uma possibilidade de decolonializagao” do saber ¢ do poder, pois essa modalidade de educagdo abraga individuos de significativas diversidades de saberes, género, etnia, geracdo, lingua, sexo, raga, religido, ideologias, condigdes de trabalho, entre outras. E entendemos que essa diversidade € que pode potencializar 0 didlogo de culturas para agir como dispositivo de uma proposta de aprendizado mais significative. Com essa perspectiva, vamos revelar que, para além do legado de desigualdade injustica sociais profundas do colonialismo, ha um legado epistemolégico do eurocentrismo que nos impede de compreender o mundo a partir do préprio mundo em que vivemos ¢ das epistemes que thes so proprias. Dai a importéncia de uma formagao que privilegie a educagdo intercultural para atuar no contexto da diversidade, quando os aprendentes poderiio se ver como sujeitos historicos construindo identidade propria com autonomia, solidariedade e respeito as diferengas. Em Educago como pratica da liberdade, Freire defende que as caracteristicas onganizativas da nossa sociedade advém da “sociedade fechada”® detentora de uma alienagdo cultural decorrente da sua posigao de sociedade reflexa ¢ que correspondia as tarefas alienadas ¢ alienantes de suas elites. Ele denuncia nosso sistema de ensino como servigal ao economicismo que compreendeu nossa realidade como objeto do pensamento europeu e sugere uma construgdo social © epistémica a partir das caracteristicas do nosso povo, tragando caminhos para criagdo de uma nado mais auténoma, democratica, onde a educagdo emancipadora tenha papel preponderante. (© ponto de partida do nosso transito foi exatamente aquela sociedade fechada 8 que j nos referimos. Sociedade acrescente-se, com o centro de decisio de sua economia fora dela, Economia, por isso mesmo, comandada por um mercado extemno, Exportadora de matérias-primas, Crescendo para fora Predatéria, Sociedade reflexa na sua economia. Reflexa na sua cultura. Por isso alienada, Objeto e no sujeito de si mesma, Sem povo. Antidialogal, dificultando 2 mobilidade social vertical ascendente. Sem vida urbana ou com precéria vida urbana, Com alarmantes indices de analfabetismo, ainda * Decolonializagdo em contraposigio ao paradigma da modernidade euroedatric, eolocado (e aceite) como parimetro de um conhecimento que se auto definiu como superior e universal incorporade num modo de ser e que se consti ‘camo um ethos de dependéncia ou subservigneia cultural, um sustenticule da colonalidade. (Streck e Adams, 2012) 2 reite uliza essa nomenclaturae faz referencia a Karl Popper, A Sociedade Demoeritica e seus Inimigos XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. hoje persistentes. Atrasada, Comandada por uma elite superposta a seu ‘mundo, ao invés de com ele integrada, ( Freire, 1987:55) Para o estudioso Fleuri (2012:08) ha uma polissemia terminolégica, tedrica e politica que se coloca como a riqueza para o debate sobre o tema da interculturalidade e nisso reside 4 complexidade sobre © mesmo, ndo devendo haver, por isso um reducionismo simplista de um modelo ideal transferivel a ser acomodado ¢ sim, a “possibilidade de se respeitar as diferengas e de integré-las em uma unidade que ndo as anule, mas que ative © potencial criativo e vital da conexdo entre diferentes agentes ¢ entre seus respectivos contextos”. Desse modo, tem-se a interculturalidade como uma interagdo entre as culturas que se processa de modo dialético e resulta em fonte de enriquecimento miituo. No momento em que se produz essa interagio entre os grupos culturais, 0 resultado é a interculturalidade. Em face as necessidades do mundo globalizado e interconectado do século XI, ha que se reconceitualizar ¢ redefinir educagdo intercultural ¢, do ponto de vista latino- americano a pesquisadora Catherine Walsh, da Universidade equatoriana Simon Bolivar, em seus estudos sobre interculturalidade © decolonialidade enfatiza que a multiplicidade de sentidos da interculturalidade no atual contexto intertransnacional resulta, por um lado, das lutas dos movimentos sociais-politicos-ancestrais e de suas demandas de reconhecimento, de direitos e de transformagao social. Por outro lado, os estudos da autora apresentam que a importancia da interculturalidade no mundo contemporaneo esta ligada as configuragdes globais de poder, do capital e do mercado. Configura-se, portanto, em um paradoxo onde defendida a perspectiva de interculturalidade esbogada como projeto politico, social, epistémico e ético de transformagao ¢ decolonialidade, que se distingue dos sentidos e usos que se faz da interculturalidade em uma perspectiva funcional ao sistema dominante. Como ponto de partida, a exposigo que segue pretende mostrar a presenga da interculturalidade com seus miltiplos sentidos e representagdes, tomando como base a trajetéria conceitual da interculturalidade, defendida por Walsh. Depois, ha uma XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. contextualizagio e caracterizagio da EJA, ressaltando nela a presenga da interculturalidade e por fim, a possibilidade de assungdo da interculturalidade critica defendida por Walsh como base epistémica para o ensino da EJA, constituindo uma praxis dialégica, voltada a uma dimensdo intercultural em favor da qualidade social requerida pela/para a modalidade da Educagao de Jovens ¢ Adultos. Interculturalidade: reflexdes conceituais Nio so nova as afirmagdes de que na virada do século muitas transformagdes ocorreram nas esferas socioeconémica e cultural advindas da implantagdo de novas politicas piblicas educacionais, bem como a inscrigo dessas mudangas no processo de globalizagdo. Em meio as ocorréncias e transformagdes origindrias desse processo est inserido o discurso da interculturalidade, que se traduz como o esforgo de dar uma nova atencdo A diversidade étnico-cultural e que, segundo palavras de Walsh, teria a intengdo de promover: relagBes positivas entre distintos grupos culturais, de conffontar a discriminagio, o racismo e a exclusio, de formar cidadios conscientes das diferengas e capazes de trabalhar conjuntamente no desenvolvimento do pais © na construgio de uma sociedade justa, equitativa, igualitiria e plural Walsh,2010:01) Esse panorama colabora para evidenciar uma crise identitéria vivida, pois ele promove mudangas no papel do sujeito na sociedade, mudangas nas representagdes e nas configuragdes desses papeis, dificultando este sujeito ajustar-se. Nas palavras de Hall, ocorre que: [A chamada crise de identidade ¢ vista como um processo mais amplo de ‘mudanga, que esti deslocando as estruturas € processos centrais das sociedades modemas e abalando os quadros de referéncia que davam aos individuos uma ancoragem estével no mundo social. (Hall, 2004:07) Em meio a essa crise, esté instalado o desafio de conviver com a diversidade ¢ as diferencas, exigindo um olhar mais apurado para as questdes educacionais, Atualmente, 0 tema da interculturalidade faz-se muito presente, porém tem sido considerado como paradoxal* por existir a possibilidade de a diversidade cultural ser ‘Para maiores esclarecimentos sobre a visio paradoxal que envolve o tema, ver Fleuri(2012), Candau(2010), XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacién . XI SEMINARIO oe n... ; un. acritica, desprovida de senso politico, construtivo ou transformador, podendo, com isso, reeditar papeis de sujeigio e silenciamento dessas diversidades. Os estudos de Walsh (2010:2) registram que na América Latina essa interculturalidade, classificada como do tipo relacional sempre existiu como “parte central da historia ¢ ‘natureza’ latino-americano-caribenha” e 0 problema estaria justamente no fato de que cla poderia vir a: @ cular ou minimizar a confitvidade e 0s contextos de poder, dominagdo © colonialidade continua em que se leva a cabo a relagdo, Da mesma forma, limita a interculturalidade a0 contato © a relagdo ~ muitas vezes somente individual -, encobrindo ou deixando de lado as estruturas da sociedade - sociais, politicas, econdmicas ¢ também epistémicas - que poem a diferenga, cultural em termos de superioridade e inferioridade. (Walsh, 2010:2) Essa perspectiva relacional corresponde uma forma generalizada de as relagdes estarem pautadas em condigdes de igualdade ou desigualdade; serem culturas iguais ou diferentes, intercambiadas porém numa escala classificatoria de superior e inferior. Walsh diz que: © problema com esta perspectiva € que, tipicamente, oculta ou minimiza a contflitividade e os contextos de poder, dominagZo e colonialidade continua em que se leva a cabo a relago. Da mesma forma, limita a interculturalidade aap contato € a relagdo — muitas vezes somente individual -, eneobrindo ou deixando de lado as estruturas da sociedade - sociais, politicas, econémicas e também epistémicas - que péem a diferenga cultural em termos de superioridade e inferioridade. (Walsh, 2010:3) (Grifo nosso) Esta seria a razo da necessidade de se problematizar ¢ ampliar 0 discurso da interculturalidade na perspectiva relacional, LJ. & necessirio problematizar e ampliar a perspectiva relacional, considerando duas perspectivas adicionais, que dio contexto e sentido a0 uso da palavra e conceit de interculturalidade na conjuntura atual, evidenciando assim seus significados, usos, intencionalidades © implicagdes sociais © politicas. (Walsh, 2010:2) Em estudos sobre 0 tema, Fleuri posiciona que por existir uma diversidade de propostas ¢ perspectivas interculturais somos impedidos de produzir simples esquemas eficazes, devendo por isso, ser o debate amplo ¢ criativo. Ele afirma que: XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion We xr semnizto oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. «a perspectiva conceitual em tomo da qual se situam as questbes ¢ as reflexdes emergentes nesse campo é o da possibilidade de se respeitar as diferengas & de integré-las em uma unidade que nao as anule, mas que ative © potencial criativo e vital da conexio entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos.(Fleuri, 2012:03) Na trajetéria de uma redefinigZo que coloque a interculturalidade na luta por justiga social, Catherine Walsh enfatiza que essa multiplicidade de sentidos da interculturalidade no atual contexto intertransnacional resulta, por um lado, das lutas dos movimentos sociais-politicos-ancestrais ¢ de suas demandas de reconhecimento, de direitos e de transformagio social Ainda segundo a autora, por outro lado, no mundo contemporiineo, a interculturalidade sendo atrelada as configuragdes globais de poder, do capital ¢ do mercado acaba sendo contraditéria, o que justificaria redesenha-la para uma perspectiva a que ela se refere como funcional, coadunando com a vi io também defendida pelo pesquisador peruano Fidel Tubino, como nos informa a autora. A propria Walsh alerta quanto a possibilidade de a interculturalidade servir ao sistema dominante ao dizer que, hd uma “interculturalidade que é funcional ao sistema dominante[...].(2010:01) Neste sentido, o reconhecimento © o respeito a diversidade cultural se converteram em uma nova estratégia de dominagao, que aponta ndo para a criagdo de sociedades mais equitativas e igualitirias, mas ao controle do conflito étnico ¢ A conservagio da cstabilidade social com a finalidade de impulsionar os imperativos econémicos do modelo (neoliberalizado) de acurmalagdo capitalista, agora “incluindo” os grupos historicamente excluidos. em seu interior. ( Walsh,2010:2) A segunda perspectiva, Walsh denomina como funcional, reconhece ¢ insere no convivio a diversidade e a diferenga cultural, porém dilui e silencia as vozes das diferengas na passividade ¢ acriticidade das relagGes estabelecidas no convivio. Aqui, a perspectiva de interculturalidade se enraiza no reconhecimento da diversidade e diferenga culturais, visando a incluso desta no interior da estrutura social estabelecida, A partir desta perspectiva - que busca promover © didlogo, a convivéncia e a tolerdncia -, a intereulturalidade € “funcional” a0, sistema existente, ndo toca as causas da assimetria e desigualdade sociais © culturais, tampouco “questiona as regras do jogo”, por isso “é perfeitamente compativel com a logica do modelo neoliberal existente” (Walsh, 2010:2). XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion D . XI SEMINARIO oe n... Instituida com essa forma de convivéncia, assegura-se a permanéncia dos ditames do sistema- mundo e a expansio do neoliberalismo, ou seja, é um processo que (re) alimenta 0 circuito de uma légica dominante ao incluir os excluidos e neutralizé-los. Citando Muyolema, a autora faz uma anélise da interculturalidade funcional como sendo: “a nova logica multicultural do capitalismo global”, uma légica que reconhece a diferenga, sustentando sua produgdo e administragéo dentro da ordem nacional, neutralizando-a ¢ esvaziando de seu significado efetiv, tomando-e funcional a esta ordem e, assim, aos ditames do sistema-mundo ¢ A expansio do neoliberalismo. (Walsh, 2010:2) E sem davida a manuteng3o de uma relagio de dominagio com uma nova estratégia que, na conclusio de Walsh, aponta: [.u] nie para a eriagao de sociedades mais equitativas e igualitirias, mas a0 controle do conflito étnico © a conservagao da estabilidade social com a finalidade de impulsionar os imperatives econémicos do modelo (neoliberalizado) de acumulagdo capitalista, agora “incluindo” os grupos historicamente excluidos em seu interior. (Walsh, 2010:3) Por fim, a perspectiva intercultural critica é explicitada e assumida por Walsh (2010) como a mais representativa de um projeto pedagdgico que problematize as diferengas, a exclusdo social nas suas miltiplas dimensdes e nos seus processos de subjetivagio. lum projeto politico, social, tico e epistémico - de saberes ¢ conhecimentos-, que afirma a necessidade de mudar no s6 as relagbes, como as estraturas, condigées e dispositivos de poder que mantém desigualdade, inferiorizagio, racializagio ¢ discriminagao.(Walsh, 2010:3) Nesse contexto contraditério, a autora defende um “projeto politico, social ¢ epistémico de transformagio ¢ decolonialidade, que se distingue dos sentidos ¢ usos que se tem com a interculturalidade funcional”. A perspectiva critica funcionaria como uma cestratégia em um processo “permanente de relagdo e negociagio entre, em condigdes de respeito, legitimidade, simetria, equidade ¢ igualdade”. (Walsh, 2010:3) A interculturalidade critica sinaliza para um projeto eminentemente decolonial, pois, nesse projeto, segundo Fleuri, hi uma busca pelo entendimento ¢ enfrentamento “da matriz colonial do poder que historicamente articulou as categorias e classificagdes de XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO = n... controle social junto com © desenvolvimento do capitalismo (modemo, colonial, eurocéntrico)” que esta ligado a constituigdo histérica da América. (Fleuri, 2012:10) Para Walsh essa é uma situagdo sustentada pela colonialidade® e que esta entrelagada pelos eixos da colonialidade do poder; da colonialidade do saber; da colonialidade do ser e ao eixo da colonialidade da natureza e da prépria vida. E para ela, nas palavras de Fleuri, na construgdo da interculturalidade critica € necessério: transgredir e desmontar a matriz colonial presente no capitalismo e eriar otras condigdes de poder, saber, ser, estar e viver, que apontem para a possibilidade de conviver em uma nova ordem e légica que partam da complementaridade e das parcialidades sociais.( Fleuri, 2012:10) Sendo assim, & preciso também que a interculturalidade seja assumida como “agdo deliberada, constante, continua e até insurgente, entrelagada e encaminhada com a do 1”. (Fleuri, 2012:10) decolonial Seguir a perspectiva da interculturalidade critica, conforme desenvolvida por Walsh, para agir no contexto de educagdo nao se limita apenas a incluso de teméticas novas para o curriculo ou para as metodologias, e sim, situila na perspectiva da transformagao estrutural e sécio histérica, Posi¢do esta que faz c iticas as formulagdes tedricas multiculturais que nao questionam as bases ideolégicas do Estado-nagio, que sejam oriundas de uma légica epistémica eurocéntrica e, no ambito educacional, que adotam uma postura limitada aos estereétipos e de reforgo aos processos coloniais de raciali 0 com pretexto. de estarem incorporando representagdes e culturas marginalizadas. Para Walsh, produzir um auténtico didlogo intercultural deve haver visibilizagao das causas do nao didlogo, o que necessariamente, perpassa pela critica a colonialidade do saber © a explicitagdo da diferenga colonial. Afirmagio contida ao dizer que: (...) assumir esta tarefa, implica um trabalho decolonial, dirigido a romper nas correntes € ter clareza que colonialidade faz referéncia as relagdes que emergem no contexto da colonizagio ‘europeia das Américas, esti ligada a muitos aspectos da vida e & ainda consttuida com modelo de poder, enquanto {gue no colonialismo impera a dominagio politica e econdmica de um povo sobre o outro em qualquer parte do ‘mundo, (Fleur, 2012:10) XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. libertar as mentes (como diziam Zapata Olivella e Malcolm X); e desafiar e derrubar as estruturas sociais, politicas e epistémicas da colonialidade (...) (Walsh, 2007:9) Assumir a proposta pedagégica de ter a interculturalidade critica no curriculo € ter referéncia no pensamento critico dos préprios subaltemizados pela modemidade capitalista, no caso os alunos da EJA, € nisso reside a oportunidade de uma proposigao teérica implicada no repensamento critico e transdisciplinar, que se caracteriza contraposta as tendéncias académicas dominantes da perspectiva eurocéntrica de construgo do conhecimento histérico ¢ social que predominam na nossa constituigao escolar. A interculturalidade critica tomada como proposta para construgdo de um projeto transformador para a Educago de Jovens e Adultos exige, portanto, agdes em cada instancia social, politica, educativa ¢ humana envolvidas nessa légica multiculturalista e funcional da sociedade, A Educagio de Jovens ¢ Adultos A Educago de Jovens ¢ Adultos - EJA - tem se mantido como um tema desafiador nas pesquisas educacionais no Brasil mesmo apés tanto tempo decorrido ¢ tantas lutas travadas na nossa historia da educag3o. Chegamos a atualidade com uma realidade que pode ser clara ¢ precisamente analisada a partir de alguns dados que revelam a enorme demanda por essa modalidade educativa, Uma ideia geral deste cendrio pode ser comprovada pelos dados do Censo Escolar de 2014, mostrando que no Brasil matriculou-se aproximadamente 3,5 milhdes de pessoas nessa modalidade®. ‘Tratar da EJA no nosso pais é seguramente, lidar com uma histéria que se produz a margem do sistema de edu , marcada fortemente pelo dominio e pela excluso que acontece entre a elite ¢ as classes populares desde um longo periodo histérico. Representa, portanto, um dos grandes desafios da educagdo, pois ndo se trata apenas de uma mera discussio sobre métodos ou principios pedagégicos, mas de uma questo, também, fortemente marcada pela politica. * Dados disponibilizados no site htp/www:todospelaeducscao,org br/educacao-n3-midialndice!33877/alunos-entee- 18.0-25-anos- soo maior na-educacao-de-jovens-cadultod, Acsss0: 02/08/2015. XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacién . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. E 0 que vemos no nosso pais ao acompanhar os estudos sobre a educagdo nas constituintes brasileiras, é que a Constituiggo Federal de 1988 encerra um ciclo para assegurar 0 direito 4 educagdo ¢ a obrigatoriedade ao recuperar o conceito de educagao como direito piblico subjetivo ha muito abandonado no pais. O Pare er n°11/2000 da Camara de Educa jésica do Conselho Nacional de Educagdo (CNE) ao estabelecer as Diretrizes Nacionais Curriculares, 0 parecerista apresenta uma argumentagdo em defesa do direito & educagdo para todos com nova concepgao de BJA, sua vinculago com a redemocratizacdo dos anos 80 no pais € com a ampliagdo da nogao de direito, Assim segue: [.] & no processo de redemocratizagdo dos anos 80 que a Constituigdo dari o Passo significativo em direcio a uma nova concepgio de educagio de jovens © adultos, Foi muito significativa a presenga de segmentos sociais idemtificados com a EJA no sentido de recuperar e ampliar a nogio de direito ao ensino fundamental extensivo aos adultos j4 posta na Constituiggo de 1934.(Brasil, 2000:21) Os baixos niveis de escolarizagdo da populagdo juvenil ¢ adulta e a problemética do analfabetismo no nosso pais so constatados pelas pesq s, demonstrando que essa grande divida social ainda no esti equacionada, Como diz Mortatti, “no Brasil, muitas tém sido as dificuldades para que se efetive plenamente o direito do cidadao de aprender a ler © a escrever, como uma das formas de incluso social, cultural politica e de construgdo da democracia”. (Mortatti, 200434), E esta a realidade da EJA que precisa ser assumida como uma responsabilidade de vital importancia no proceso de universalizagdo da Educagdo Basica e das oportunidades de qualificagdo profissional para aqueles que estio afastados do processo escolar. Um trecho da Declaragdo de Hamburgo apresentado por Ireland reafirma a relevancia da EJA para a sociedade do século XI a fim de “fomentar o desenvolvimento ecologicamente sustentivel, para promover a democracia, a justiga, a igualdade entre mulheres © homens © 0 desenvolvimento cientifco, social e econdmico, bem como para construir um mundo em que os contflitos violentos sejam substituidos pelo didlogo e por ‘uma cultura de paz baseada na Justiga”. (Ireland, 2003:2). XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. E realmente um grande desafio materializar nas priticas educativas da EJA a perspectiva de um curriculo multicultural visto ser uma proposta que sustenta, além da preocupago da desigualdade econémica, levar em conta a pluralidade cultural da sociedade, buscando desafiar as relagdes de poder que produzem e preservam esas mesmas diferengas dentro da sociedade. © conceito da interculturalidade se converte, portanto, para uma nova configuragao que tende a agregar valores de respeito a diversidade, resultando numa educagdo que instaura no sujeito a andlise, a reflex3o e a criticidade, 0 que produz ao final a construgdo de novos saberes, Para Souza, ocorre nesse processo uma nova forma de pensar ¢ conhecer, 0 que se denomina de recognigdo, reinvengio e ressocializagio. Conceitos que sdo desenvolvidos como sendo: Entenda-se recogni¢o como ver as coisas ja conhecidas de outra forma, em. que outra compreensio se estabelece, reinvengdo como resultado da nova cognigdo que permite que se desenvolvam outras formas de fazer e sentir © ressocializagdo & a construgio do novo saber, produto da reinven¢ao permeada por uma recognicio (Souza, 2004:22) Agregar nas salas de aulas da EJA um contingente de alunos explicitamente diversificado ¢ instaurar um processo de construgdo de novos conhecimentos que se dé no confronto de saberes ¢ fazeres das pessoas e/ou dos grupos envolvidos. Os resultados desse encontro so novos conhecimentos, emogdes e ages, de acordo com Souza (2004), E para que se efetive esse processo de interculturalidade & imperioso dotar as priticas de instrumentos interativos ¢ dialégicos, promover trocas, dinamizagio e participagdo em atividades que suscitem o confronto entre os saberes, 0s quais o aluno ja & portador pelas experincias cotidianas pessoais e/ou profissionais, com os que sero adquiridos no processo de escolarizagao formal. Nesse confronto de saberes & que se institui o aprendizado ¢ consequentemente, se dé a construgio de novos saberes, que passam a ser realmente valorativos se contribuirem para a humanizagao do sujeito, nio havendo, pois, dissociagdo da cultura com as XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion We xr semnizto oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. interagSes da vida cotidiana. Eis a fiungdo social da educagdo. E sobre essa aprendizagem, Souza argumenta que: As aprendizagens vio acontecendo pelas reagSes que tenho ao que vejo, fago € sinto, em relago a0 que os outros © cu mesmo fazemos, dizemos ¢ sentimos. Ao que a escola ensina, Ao que as igrejas professam. Ao que os ricos fazem. Ao que os trabalhadores e trabalhadoras sofiem. Aos medos que sentimos. Essa reago pode ser aceitagdo, rejeigzo ou transformagao. Nessa reagio vou me tomando EU, vou me humanizando (...) (Souza, 2001:200) Com 0 constructo da interculturalidade, Walsh nos apresenta a pedagogia decolonial como sendo uma préxis de base propositiva e no somente denunciativa, donde se originam a ctiagio ¢ a construgdo de novas condigdes sociais, politicas, culturais ¢ de pensamento. E partida para uma pedagogia que vai além do simples processo de ensino € transmissiio de saber, uma agdo pedagégica imbufda de politica cultural, envolvendo nao somente os espagos organizativos de educagdo formal, como também os nao formais ¢ as organizagses sociais. Pedagogicamente, 0 discurso da interculturalidade tem base na interago dialégica entre culturas e a constituigao des cidadio multicultural. Essas bases estdo nos pressupostos defendidos por Paulo Freire quanto 4 formagao de um sujeito auténomo e solidario a partir de sua propria subjetivagdo de histéria de vida e memérias e énfase de um trabalho com a gramatica que ressalta as representagées de autoestima e autoavaliagio desse sujeito. Na pritica pedagégica isso significa a aplicagio de curr lo enquanto ciéneia critica e nio s que trabalha com questdes éticas, politicas e soci com questdes técnicas ¢ instrumentais, © curriculo & uma praxis ante a um objeto estitico emanado de um modelo coerente de pensar a educaydo ou as aprencizagens necessérias das criangas © dos jovens que tampouco se esgota na parte explicita do projcto de socilizagdo das escolas. uma pritica, uma expressio, da fingS0 socializadora e cultural que determinada insttuigdo tem, que reagrupa em tomo dele uma série de subsistomas ou préticas diversas, entre as quais se encontra a pritiea pedagdgica desenvolvida em institigdes escolares que comumente chamamos de ensino, (Sacristin, 200015) XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... ; un. Nas palavras de Candau, um dos critérios para que se possa promover a educagao intercultural é reconhecer que: A educagio cultural no afeta somente aos diferentes aspectos do eurriculo explicito, objetivos, contetdos propostos, métodos e estilos de ensino, materiais didéticos utilizados,ete, como também 0 curriculo oculto © as relagbes entre os diferentes agentes do processo educativo professores/as, alunos/as, coordenadoresias, pais, agentes comunitirios,ete. Neste sentido, ‘wabalhar os ritos, simbolos, imagens, presentes no dia-a-dia da escola © a auto-estima dos diferentes sujeitos © construir relagdes democriticas que superem 0 autoritarismo e © machismo to fortemente arraigados nas culturas latino-americanas, constituem desafios iniludiveis,(Candau, s/d:01) Efetivar no campo curricular da EJA um discurso de interculturalidade ancorado nos principios da modemnidade, ressaltando ideais de emancipagdo, liberdade e autonomia do sujeito, os ideias de democracia, cidadania ¢ dos direitos humanos, bem como na sustentago dos ideais pés-modemos de reconhecimento e valorizagio de culturas locais, a contingéncia ¢ © sujeito descentrado € a possibilidade de preenchimento do vario das incertezas que acompanham o homem e do esgotamento da cultura considerada como universal. A referida perspectiva nos leva a ver que essa educagio prepara o sujeito para uma convivéncia na diversidade, para uma ago cidada critica ¢ reflexiva, com oportunidad de maior participagdo nas transformagdes sociais. No dizer de Freire, & tornar-se ator ¢ autor da sua propria historia. E decerto podemos contar que ja existe sustentagdo para elaboragdo e organizagio de um curriculo para a EJA, contando com as propostas de inovagdo que se encontram difumdidas e presentes, inclusive nos documentos oficiais que regulamentam nosso sistema de ensino. Em revisio dos textos legais sobre BJA, no que diz respeito & interculturalidade, compreendemos que a Lei de Diretrizes e Base da Educagao Brasileira (LDB, Lei 9394/96) nao apresenta explicito o termo interculturalidade, mas sim de modo subjacente, quando no art. 37 §1° se registra a importincia de trabalhar a cultura do aluno (a), considerando suas condigdes de vida e interesse. A transcrigao do artigo revela: XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion We xr semnizto oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. Os sistemas de ensino assegurardo gratuitamente aos jovens e aos adultos que rnio puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais, apropriadas, consideradas as caracteristicas do alumo, scus. interesses, condigdes de vida e de trabalho, mediante cursos © exames, (LDB, Lei 9394/96). Também o parecer do Conselho Nacional de Educago (CNE) para as Diretrizes Curriculares da Educagdo de Jovens ¢ Adultos sinaliza uma educagio favordvel ao reconhecimento da interculturalidade, pois diz que: “Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regides do pais, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram uma rica cultura ‘baseada na oralidade da qual dio prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneito regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas ¢ os registros de meméria das culturas afro-brasileira e indigena (CNE/CEBM 2000:5 ) Assim sendo preciso reconhecer a it portancia de observar as diferengas culturais dentro da sala de aula e, partindo dessa percep¢do trabalhar de maneira tal que respeite a diversidade. Falar sobre diversidade e diferenga implica posicionar-se contra processos de colonizagio © dominagio. E perceber como, nesses contextos, algumas diferengas foram naturalizadas e inferiorizadas sendo, portant, tratadas de forma desigual e discriminatéria, E entender o impacto subjetivo destes processos na vida dos sujeitos sociais e no cotidiano da escola. (BRASIL, 2003:25 ) Os textos normativos, além de trazerem a importincia de se trabalhar com a interculturalidade, reafirmam o direito 4 educago que esses milhares de jovens ¢ adultos tém, deixando claro que to importante quanto levé-los 4 escola é manté-los nela, dando continuidade ao processo de escolarizagao, Desse modo, torna-se urgente inaugurar atitudes teéricas ¢ praticas que se situem para além da estreiteza que as paredes dos paradigmas ainda vigentes constroem para o ensino da EJA. Porque no contexto atual, as praticas educativas tém se defrontado com as circunstincias legadas ¢ transmitidas pelo passado de dominagdo e opressio aqueles que formam as classes da EJA ¢ so elas também que configuram as maiores necessidades educativas desses alunos, dai a necessidade © a possibilidade de instaurarmos praticas educativas emancipatérias e libertadoras, 3- Por uma nova praxis: interculturalidade critica XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacién . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. Reconhecemos, portanto, ser imprescindivel um modelo educacional que crie situagdes pedagégicas satisfatorias para atender as necessidades de aprendizagem especificas de alunos jovens e adultos, a fim de que possa ser estabelecido o diélogo entre as culturas, incentivando esses alunos (as) a se pronunciarem e a exercerem o direito de expor seus tragos culturais, valorizando-os e respeitando-os. Esses alunos (as) da EJA s4o sujeitos que trazem consigo 0 contetido da experiéncia, pensamentos e desejos que juntos formam os valores construidos. Reconhecer neles a diversidade cultural ¢ sinalizar para o trabalho com a interculturalidade. E dar-Ih« voz ‘como sujeitos que sio. No dizer de Freire: A importincia [da voz] por que humana, no pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrr-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, & pronunciar 0 mundo, ¢ modificéslo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar, Nao € no siléncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na agdo reflexao. (Freire, 1987:78). E uma posigo que exige esforgo para se relacionar as expectativas © contradigdes trazidas pelo educando, na construgdo de uma identidade coerente, que integre 0 profissional, o pessoal ¢ o social. F fomentar um diélogo com um sujeito multi na sua experiéncia, na sua cultura, nos seus valores ¢ contextualmente, nas palavras de Freire “Estar no mundo implica necessariamente estar com o mundo ¢ com os outros” (Freire, 2002:200), 0 didlogo com a diversidade cultural do aluno é uma poderosa postura metodolégica capaz de orientar a escolha de contetidos ¢ de procedimentos de ensino em sala de aula, Nas palavras de Freire, ‘Nio ¢ possivel respeito aos educandos, a sua dignidade, a seu ser formando-se, a sua identidade fazendo-se, se niio se levam em consideragdo as condigées em que cles vem existindo, se no se reconhece a importincia dos “conhecimentos de cexperiéncias feitos” com que chegam a escola. © respeito devido a dignidade do educando nio me permite subestimar, pior ainda, zombar do saber que cle traz. consigo para a escola, (Freire, 1987:37) E preciso uma praxis voltada para uma relagdo dialégica ¢ intercultural, dando condigao de uma nova compreensio do contexto social, adquirindo assim, maior competéncia em XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. prol de transformagdes da realidade. Sobre essa questo, Souza afirma que a EJA requer uma prética escolar que permita aos seus sujeitos aprendizes ampliarem suas capacidades decisérias, técnicas, éticas, estéticas, politicas; numa palavra, construam suas competéncias humanas. (Souza, 2004:200) Dessa maneira prevalecera uma ago pedagégica de transformagao educativa baseada: [uJ ma concepgdo e pritica dos prinefpios de interculturalidade plurinacionalidade no sistema educativo nacional, encorajar a descolonizagao educativa e definir uma politica nacional de educagdo que pretende acebar com o problema estrutural da diferenga desigualdade como problema, para assim construir uma sociedade mais equitativa e justa. (Walsh, 2010:7) Educagio compreendida por Souza como 0 minimo para o processo de escolarizagao necessitio a todo ser humano para continuar a aprender, a ter condigdes de se profissionalizar e as possibilidades de crescer humanamente. (Souza, 2001:201.) Essa proposta seria a construso de um projeto contrario ao racismo epistémico e a colonialidade do ser, do saber ¢ do poder, 0 que na teorizagdo de Walsh tem a denominagio de pedagogia decolonial e atende ao propésito do campo educativo, elevando o debate da interculturalidade critica para outro nivel, quer dizer, (..) ao problema da “ciéncia” em si, ou seja, o modo em que a cigneia, como tum dos pilares centrais do projeto da modemidade/colonialidade, teve uma contribuigdo vital para o estabelecimento © manutengio da hierarguia racial, historicas © atuais, em que os brancos, especialmente os homens brancos europeus continuam no topo. (Walsh, 2007:9) Seria, portanto, transpor os eixos da colonialidade do saber e do ser, que so descritos por Walsh, onde no primeiro predomina a suposigdo de que todos os conhecimentos sto oriundos da produgdo de homens brancos europeus ¢ qualquer logica desenvolvida por uma comunidade ancestral com outra racionalidade epistémica & subalternizada; ja a colonialidade do ser concretiza-se & medida que o valor humano ¢ as faculdades cognitivas das pessoas so desacreditadas por questdes de cor e ancestralidades. CONSIDERAGOES FINAIS Sobre os alunos da EJA pairam arraigadas construgdes histérico culturais, que facilmente podem ser identificadas ¢ resgatadas ao longo da nossa histéria, O que temos XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y Trabajo Docente en tiempos de estandarizacién . XI SEMINARIO oe n... D ESTRADO cont RED ESTRADO. assistido desde o inicio da colonizagdo é um processo de escolarizagao de adultos, assim como a alfabetizagdo, sempre atrelado a esforgos marginais de educagdo, 0 predominio ago ou supléncia para o adulto que nao estudou ¢ ainda as urgéncias das campanhas de alfabetizagdo. Ademais esses alunos (as) so vistos como incapazes de aprender e, por ja serem adultos, ndo servirem mais 4 forga produtiva do pais na relagdo educar para o trabalho. Desse modo, redimensionar o ensino na EJA, pressupde inicialmente transpor a barreira da colonialidade, tio fortemente enraizada na nossa sociedade. © que para Walsh representa: Partir do problema estrutural-colonial-racial e dirigit-se & transformagio das estruturas, instituigSes ¢ relagdes sociais e a construgdo de condigdes radicalmente distintas; a interculturalidade critica - como pritica politica — devenha um caminko muito diferente, que nao se limita as esferas politicas, sociais, e culturais, mas que também'se eruza com as do saber, do ser ¢ da vida mesma. Isto ¢, se preocupa também poricom a exclusio, negagdo ¢ subalternizagdo ontologica © epistémico-cognitiva dos grupos e suieitos racializados pelas priticas — de desumanizagio e subordinagio de conhecimentos - gue privilegiam a uns em detrimento de outros, ‘naturalizando” a diferenga c ocultando as desigualdades que se estruturam ‘mantém em seu interior. (Walsh, 2010:9) Em seguida, como afirma Candau, intemalizarmos que: ‘A perspectiva da educasdo intercultural apresenta uma grande complexidade © nos convida a repensar os diferentes aspectos ¢ componentes da cultura escolar e 0 sistema de ensino como um todo, Nao pode ser trivializada Coloca questées radicais que t8m que ver com o papel da escola hoje e no proximo milénio. Todos os educadores ¢ educadoras estamos convidados a ressituar nossas teorias © nossas priticas a partir dos desafios que ela [a educagdo intercultural nos coloca). (Candau, 2010: 06) Por isso é fundamental que no processo pedagdgico da EJA o aluno (a) possa constituir- se © reconhecersse como sujeito no mundo, ¢ no apenas como integrante de determinado grupo social, & preciso assumir-se como co-responsivel pela construgio das condigdes do mundo em que vive. Para tanto, & preciso aprender a dizer sua palavra, ”Com a palavra o homem se faz. Ao dizer a sua palavra, assume conscientemente sua 213) essencial condigéo humana.” (Freire, 198) XI SEMINARIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO - ISSN 2219-6854 Movimientos Pedagégicos y ‘Trabajo Docente en tiempos de estandarizacion ® XI SEMINARIO Ii TeENACioNAt 2 dn wage a D ESTRADO cont RED ESTRADO. Precisamos pensar em uma pritica educativa que almeje formar alunos conscientes € criticos para compreender e transformar a realidade em que vivem, pensar uma pratica que contemple o verdadeiro didlogo para que, muito além de “levar-Ihes uma mensagem ‘salvadora’, em forma de contetido a ser depositado”, se possa fazé-los conhecer “ndo sé a objetividade em que esto, mas a consciéneia que tenham desta objetividade; os varios niveis de percepgdo de si mesmos e do mundo em que e com que esto” (Freire, 1987: 86). ‘A proposta da interculturalidade na prética curricular da EJA seria o viés de um processo educativo construido com diversos ¢ diferentes parceiros, a possibilidade de abertura para o debate constante em busca de outras novas versdes e contingéncias do didlogo de solidariedade e justia, pautado em principios éticos, porém sem rentincia da perspectiva das possibilidades provisérias de didlogo cultural. E, pois, uma perspectiva complexa, que nos exige repensar os diferentes tos sp formadores da cultura escolar ¢ do préprio sistema de ensino. Nao se trata de uma ago simplista, visto que traz.a tona sérias questdes da fungfo da escola na atualidade. Por fim, mas ndo de modo concluso, reiteramos as palavras de Candau (s/d: 01) quando convida “todos os educadores/as a ressituarem as suas teorias ¢ pritieas a partir dos desafios postos pela interculturalidade” REFERENCIAS CARNEIRO, Vera Litcia Teixeira, (1993). O Intercultural no ensino-aprendizagem de linguas: uma abordagem teérica In, Revista Tépicos Educacionais, v.11, Recife, UFPE- Centro de Edueagdo. CANDAU, V. M. F.; RUSSO, K.. Interculturalidade e educagéo na América Latina. uma construgao plural, original e complexa. (2010). Rev. Didlogo Educ., Curitiba, v. 10, n. 29, P. 151-169, janJabr. Disponivel: www2. puepr.brireol/index.php/dialogo?dd99=pdf&dd1=3429. Acesso em: 16julh2015. 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