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e TA. QUEIROZ, EDITOR 1 ALONGA VIDA DA LEI DE SAY Isto que hoje em dia denominamos pomposamente de “lei de Say” ou “lei dos mercados" de Say (que para o leigo em Econo- mia pode parecer algo de um: rigor cientifico comparavel a0 Pitigoras, a lei da gravidade de Newton ou a teoria ide de Einstein) nao passava originalmente de uma niio_ muito pretenciosa do economista’ francés Jean- |, tio pouco pretensiosa que ele mesmo ia no mesmo livro em que a formulava. Infelizmente, porém, para o desenvolvimento da assim cha- mada Ciéneia Econdmica, David Ricardo (1772-1823) nao ape- nas aceitou a concepgao de Say como também procurou aplica-la ecoereniemente no estudo de certos problemas que a envolvia, como, por exemplo, no problema da acumulagao de capital. como Ricardo — juntamente com (1723-1790) — foi 0 autor que maior evolucdo do pensamento econémi passada_adiante como um dos prinef Economia Politica classica. E dai, com a ajuda consideravel de John Stuart Mill (1806-1873), ela foi também incorporada pela Economia neoclassica, no pouco que esta escola deixou a respeito do ramo hoje intitulado de Macroeconomia. Parece que nem mesmo o nome de Say aplicado a famosa ncepsao seja justificdvel. Em primeiro lugar porque nao teria ido ele o autor original da concepgto. Esta teria sido tomada, segundo Marx, da idéia de James Mill (1773-1836), pai de John Stuart, de acordo com a qual existe um “equilibrio metafisico 10. — ACUMULAGKO DE CAPITALE DEMANDA EFETIVA lo a le De torn, entre vendedores ¢ compradores”.! Em segundo lugar porque ai jea da referida “lei” jé se encontrava na obra de Adam Smith, como mostraremos no préximo capitulo. Em terceiro lugar porque todo o prestigio gozado pela concepedo se deve ndo a Say, mas a Ricardo e, depois, a John Stuart Mill. Todo o rancor ou, pelo menos, o desapreco de John Maynard Keynes por Ricardo, manifesto em diversos momentos da obra do primeiro, parece decorrer do fato de ter sido Ricardo o res- ponsdvel pela incorporagio da “lei de Say” ao corpo principal da Economia Politica ortodoxa. Sobre este assunto, comparando Ricardo e Malthus (1766-1835) — 0 qual recusava o prin formulado por Say —, é famosa a seguinte afirmagto de Key Ricardo conquistou a Inglaterra to completamente como a Santa Inquisigo conquistou a Espanha, Nao apenas foi sua teoria aceita pelos politicos e pelo mundo académico, mas também encerrou a controvérsia; o outro ponto de vista desapareceu inteira- deixou de ser discutido. ’" foi to prejudicial assim para o desenvol- vimento da Cigneia Econémica e se, a0 mesmo tempo, mostra- va-se to conflitante com o mundo real que ela pretendia explicar (como veremos adiante), como poderia ela ganhar tamanha aceitagao por parte tanto da teoria como da politica econdmica € manter-se intocada por mais de um século, isto é desde os Peoria de Mais-Valia, vol. 11, cap. sobre “A acumulagto do ‘pardg. 4, p. 26 “Interest and Money, . B. 32. Sobre o mesmo assunto, vej-ee também 0 ensaio ito de Keynes, Essays in Biography (nova edigto, 1963) ferulntes concep de Malthus srt examina ALEIDE SAY: IMPLICAGOES — 11 8 of Political Economy and Taxation, de Ricardo, de écada de 1930? E esse longo dominio da “lei de Say” la mais intrigante quando consideramos que, durante todo esse tempo, houve autores de maior ou menor importancia — os denominados “‘heréticos", como Malthus, Marx, Rosa Luxem- burgo, Aftalion, e outros menos conhecidos — que se opuseram firmemente a tal concepgaio. Para encontrarmos uma resposta para esta indagagao, de Pouco nos adianta examinar 0 desenvolvimento “interno” da Economia Politica, como se a “lei de Say” decorrosse de outros principios da Economia, isto 6, como se fosse uma conclusto Postulacional, assim como a Geometria ou o Célculo matemé- tico. Para obter uma resposta temos de recorrer ao que se con- vencionou chamar de Sociologia da ciéncia. Dentro desta » Michal Kalecki-— em um discurso na iversidade de Varsbvia, quando /fecebedt o titulo de doutor honoris causa, em 1964 — apresenta duas razées para o dominio da “lei de Say" por tio longo perfodo-Antés, porém, Ge abordar e preciso esclarecer, embora sumariamente, que a “lei de Say" estabelece que toda produgtio encontra uma de- |s! manda, ou seja, que toda renda (Saldrios e lucros) é inteiramente =) 0~ gasta na compra de mercadorias e servicos, e, portanto, nao pode. haver um excesso de produgdo ou fenda em relagao & demanda ou as despesas efetivamente realizadas. E dai de outras conclusées a serem examinadas mais tarde. -—— ‘As duas razBes apresentadas por Kalecki sto, em primeirh\2 lugar, o fato de a “lei de Say” Tepresentar o interesse da clas 2) , em segundo ela aparentemente cont amente pelas experi de stias economias pessoais. trina que excluia a superprodugo geral fai capitalista 9 como sendo capaz de uma pl se desprezava i ‘des. Essa apol ‘cago a economia como um todo panga maior, Mas enquanto a renda de um inc E nacional num capitalista 6 determinada pelas decisies de ‘consumo ¢ de investimento, sendo que uma queda de qualquer um destes componentes de modo nenhum leva automaticamente a um 12. — ACUMULACKO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA aumento do outro. Assim, a experiéncia individual ndo corresponde ao curso da economia como um todo. Em outras palavras, a lei de Say era um dogma escorando os funda- mentos do capitalismo, o que er io pela aplicago da expe- riénela individual cotidiana ao sistema econdmico.. ‘Temos ai uma resposta adequada, que leva em conta tanto a fungaio social da “lei de Say’ capitalismo — como a base juos no trato de suas economias pessoais. Faltaria, porém, acrescentar uma outra raz4o, nada desprezivel quando o assunto em pauta é 4 evolugio — ou melhor, a falta de evolugao — de : qual seja, o simples comodismo intelectual, que dio acritica de Pegged estabelecidos. Esta sistema. Um exemplo disto é a propria “tei de Say” que persistia em sobreviver mesmo quando as cada vez. mais agudas crises € depressées econdmicas do capitalismo exigiam nov: que — antes mesmo de poderem ser usadas para sistema — fossem titeis para dar uma solugao as prop: € depressdes. Nao & por coincidéncia que a derrubada da “lei de Say” dentro mesmo da Economia Politica ortodoxa’ tenha scorride com 1 crise econdmica por que passou o capita- lismo, ou seja, imediatamente depois da Para compreender a permanéncia da mo Alfred Marshall (1842-1924), que herdara diretamente de Mill o principio de Say,5 nao the dedica qualquer andlise em separado, tomando-o como um postulado da Economia, Uma ALEIDESAY: IMPLICAGOES — 13, das poucas excepées ¢ constituida por Fred M. Taylor, em cujos Principles of Economics encontram-se algumas paginas especifi- camente sobre o assunto.® E é curioso notar que A. C, Pigou — uum dos destacados economistas ingleses que sucederam a Mar- eal e cuja obra, segundo Keynes, constitufa a'verslo moderna jamais tenha feito explicitamente refe- 7 Keynes se refere a0 problema do seguinte A doutrina [de Say, como apresentada por John S. Mi jamais ex to por Keynes em sua Teoria recer maior atengio por parte para finalmente ingressar — como ponto de referéncia separando a Economia ' Nao hi, porém, pelo menos que seja de meu conhecime estudo mais profundo da “lei de por exemplo, limi- la formulagio — nem sempre la como sendo um elemento @ apresentar uma resui conveniente — dessa “lei” e refer Fred M. Taylor, Principles of Economics. Segundo Lawrence R. Kleia, The ‘Remesin Revolution (segunda edo, p44), este lo de Taylor fi dante ‘nd Boonomar Toph Scheer, Pastel cap. 6, 64 14 — ACUMULAGAO DE CAPITALE DEMANDA EFETIVA da tradigao “‘classica" da Economi thega mesmo a dizer que a “ artificio criade ‘Num desses manuais, lei de Say" nao passa de um economistas modernos para caracterizar de Say" constituem te “homem de palha”” reconstruido pelos economistas modernos para representar o pensamento de seus pre- 7 Nenhum econo! éssico” indi- agora atribuidas a esse mitolbgico estudioso [isto é, S © que pretendemos mostrar nos préximos capitulos 6 que a “Iei de Say" — apesar das contradigdes do préprio Say — efeti- vamente exerceu uma grande influéncia na formagao da Econo- mia Politica a partir de Ricardo, 0 qual — seguido de John S. ll — foi o tedrico que mais consistentemente adotou aquela Assim, concentraremos nosso estudo sobre a obra de Ricardo, estendendo-o as vezes até as obras de Mill e de Mar- shall. Referéncias a autores posteriores serio feitas apenas circunstancialmente, como exemplos de concepgdes apoiadas | no principio de Say. exemplo: Dudley Dillard, The Economics of John Maynard Keynes, ardner Ackley, Macroeconomic Theory, cap. 5, Edward. Shapira, "toda ages. ida, ninguém, a nto sero prépro Say, adotou tos 2 FORMULAGAO E SIGNIFICADO DA “LEI” LA No capitulo 15, sobre os mercados (“Des débouchés"), no livro I da segunda edigdo (1814) de sua obra Traité d'Economie Poli- tique, Jean-Baptiste Say escreveu o seguinte: Vale a pena notar que um produto, to logo seja criado,’nesse mesmo instante gera um mercado para outros produtos em toda a grandeza de seu proprio valor. Quando o produtor dé o toque 4 seu produto, ele esté ansioso para vendé-lo imediatamente, par produto no perega em suas mios. Nem esta ele msioso para se utilizar do dinheiro que pode obter, porque do dinheiro também & perecivel. Mas 0 tinico Gesfazer do dinheio € pela compra de um produto ou ou a mera ciinstanela ‘da cflaglo’ de urh produto ine bre um mercado para outros proditos.! assou a ser conhecida abreviadamente como dos mereados de Say”, e as vezes é também © 41.B. Say, A Treatise on Political Economy Fadi, 180 (reimpresso por A ido da quarta edit francesa), York, 1 rs qc ci, um eseado pas st ' poder de compra de uma nao € me “SU produto anu. Quanto mais arentao prods anal ni », © mercado nacioné Nema 36 — ACUMULAGAODE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA mencionada como der de sompra”. Ela tem sido traduzids los anos, por uma curta afir- ‘magio: a produedo cria sua propria demand", principio formulado por Saj io defendido atualmente como sendo valido para as ecot de produtores simples, isto & onde cada familia seria proprietaria de seus meios de produto ¢ trocaria apenas o excedente de bens que ela mesma produz mas niio consome. Acontece, todavia, que Say, Ricardo, Mill ¢ todos os subseqtlentes adeptos do principio apresentado pelo primeiro nao estavam lidando com uma tores simples, mas sim coi i portanto, como podemos ‘uma economia cay Para comegar, lembremo-nos de qi pode ser decomposto em trés produgio (depreciaglio do capi © prego de um produto ) 0 custo dos meios de fixo, matérias-primas, eic.) necessirios para se criar 0 produto; aldrios_pagos aos trabalhadores empregados em sua prot }) 0 lucro auferido pelos capitalistas. Lembremo-nos também de que 0 processo de producto fisica de um bem ov servigo ao mesmo tempo o processo dé geragao de um determinado valor (ou prego) corres- pondente,a esse bem ou servigo. Assim, a cada produto corres- onde um dado valor (ou pr Ao vender sua mereadori capitalista obtém um montante de dinheiro exatamente igual ao que é necessirio para compré- Ia, Isto € dbvio e equivale to de que toda venda corres- ponde a uma compra de igual valor. Mas o capitalista nfio com- pra sua propria mei Com uma parte de sua receita ele adquire de outros capitalistas os meios de produgiio necessérios para manter em movimento sua propria atividade. Com outra Parte, seu lucro, ele compra também de outros capitalistas os bens de consumo de que precisa e um volume adicional de meios de produedo para ampliar sua atividade. A terceira parte serve para pagamento de salirios aos trabalhadores, que adquirem bens de consumo dos capitalistas, de esquema, a receita total de um capit rentes modos, entre diversas compras num valor total j Aquela Tecsita. Aplicando esse esquema a economia como um todo, terfamos que @ produsto em seu conjunto gera uma i tia fe- cidade de compra exatamente suficiente para absorver a pi produgo, Os capitalistas con ® vendem entre si os ALEIDESAY: IMPLICAGOES — 17 tentes tipos de produtos (bens de capital fixo, bens intermedié- tos e bens de consumo) € pagam aos trabalhadores os saldirios que serdo usados para a compra de bens de consumo. Em Tesumo, considera-se que as mercadorias sto trocadas entre si (incluindo-se ai a forga de trabalho como mereadoria); ou Se recess de creado da produp ‘como sendo constituido por uma troca de produtos Por Piodutos..o dinheio sendo usado apenas goo melo : sta 6 a ésséncia da “ci de Say", que tanta confusto causou. Esse mesmo esquema pode ser apresentado de modo um pouco diferente se recorrermos a um grafico muito utilizado nos ma- nnuais neocléssicos de Microeconomia. Como sabemos, na Econo- mia neoclissica no capitalistas, nem operdrios, nem qualquer outra classe |. Todo 0 esquema te6rico é montado sobre uma dicotomia basica: de uma lado, as empresas produ- toras de bens ¢ servigos, operando como se tivessem vi i de outro lado, os proprictarios dos "fat Prietérios do capital proprietirios do yendem as empresas os “‘servigas de seus em troca um pagamento, que € a renda desses “‘proprietarios”. Por seu turno, of ‘‘proprietérios dos fatores de produgdo” com: pram os bens ¢ servigas produzidos pelas empresas. Temos, Portanto, oseguinte grafico: a fei das ends do sorvigos ee \------2A4l NT Rae 7) rarorespe ~ Bes / | propucxo: ~ Capital e trabalho SN igual ao fluxo ni o 108 apenas representam um mesmo fato sob di nntes (termos “reais” & 18 — ACUMULAGAODE CAPITALE DEMANDA EFETIVA “‘monetarios” do mesmo ferimeno). © mesmo acontece com a jigualdade entre o fluxo de “bens e servigos” e o fluxo de “recebi- mentos das empresas”. : : Se, agora, supusermos que 08 dois primeiros fluxos so iguais aos dois diltimos, temos uma nova apresentago da “lei de Say" Em termos monetérios, as rendas pagas pelas empresas sto iguais Bs recelas das empresas] oy visto Ge Out ingul, sto com as rendas recebidas das empresas que “os proprietariog de. capital e trabalho” pagam a elas pelos bens ¢ servigos que eles compram; ou, em suma, as rendas dos capitalistas e trabalha- dores sio_trocadas pelas receitas_das empresas. Em_termos is, “‘os servigos de fatores” so trocados pelos bens é Servigos prodizidos See empr ipresas. Nesse caso, computando-se tanto ‘os “bens e Servigos” como os “servigos de fatores"” na categoria geral de “‘mercadorias", temos o esquema de que as mercadorias sdo trocadas por mercadorias. E podemos concluir também que quanto mais as empresas produzirem, maior sera o volume de rendas e, conseqiientemente, sera o volume de vendas das empresas para os “proprietrios de fatores”; em outras palavras, a producdo estara_gerando sua propria demanda. No grifiéo acima falta observar um detalhe. A compra ¢ venda de bens intermedidrios utilizados no processo de produg&o no aparece no grafico, porque é um processo que se da entre as proprias empresas (e nao entre estas e os “fatores de produ- 80"). Ademais, como a compra de bens intermediérios por uma empresa é igual A venda desses bens por outra empresa, essas operagdes se anulam. 2. A troca de produtos por produtos “ei de Say”. A primeira delas é a seguinte: por que os produtos se trocam por produtos (ou entio, segundo a interpretagaio do ‘grafico, por que os dois fluxos de cima sio iguais aos dois fluxos ye Resta ainda algumas quest6es fundamentais para se entender io da troca de mercadorias por mercadorias, em que o dinheiro exerce um papel passivo de simples meio de troca, J havia sido formulado por Adam Smith em 1776: 2 Quando a divisio do trabalho ja se estabeleceu por toda parte, go somente uma parcela muito pequent das necessidades ‘de um x", homem pode ser suprida com » produto de Seu props tabali, 3 P i P Fee ALBIDESAY: IMPLICAGOES — 19 Ele supre a maior parte delas pela troca de parcela excedente do produto de seu proprio trabalho, que esté acima de seu proprio con- ‘sumo, com excedentes do produto do trabalho de outros homens ( ...). Assim, cada homem vive pela troca, ou torna-se em certa medida um comerciante, ¢ a propria sociedade se desenvolve até se converter no que é propriamente uma sociedade comercial.? E nesse ponto do desenvolvimento da sociedade, a troca de mercadorias de modo direto passa a ser embaragosa, 0 que pro- voca o aparecimento do dinheir dessa maneira que o dinheiro se tornou, em todas as. nagdes civi- lizadas, o instrumento universal de comércio, pela interveng20 do ual 0s bens de todos os tipos sto comprades e vendi ‘eados uns pelos outros.4 O dinheiro é encarado simplesmente como um meio de troca ©, portanto, niio exeree influéncia no process de produgio circulagdo. Assim, o fluxo de transagées em termos monetarios pode ser deixado de lado, como sendo um simples reflexo do fluxo real que se dé na troca entre os produtos, Numa sociedade de produtores simples, cada familia é proprietaia de seus meios © objetos de trabalho produz diretamente para seu proprio consumo. Os tipos de bens que uma familia nao consegue pro- duzir, ela os adquire de outras familias em troca, dos excedentes de bens que ela produziu, Mesto que as trocas sejam reali- zadas com 0 auxilio do dinheiro, este nao exerce ai Papel ativo; ou seja, n&o se produz para ganhar dinheiro e, Portanto, 0 dinheiro é apenas um elemento de intermediacio entre os produtos. Logo, o processo essencialmente o da troca de produtos por produtos. Ricardo assim se manifesta a respeito deste problema: 5 Nenhum homem produz a ndo ser com o objetivo de consumir ou ) de vender, ¢ ele jamais vende a indo ser com a intengdo de comprar ¥ flguma outra mercadoria, que pode ser imediatamerite stil para ou que pode contribuir para a produgao futura. Produzindo, \ ig © x entdo, ele se torna necessariamente ou 0 consumidor de seus pré- ‘Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations {cdistoorg: por. H. Campbell eA. S.Skinne) part Ica. 4 37. emp. 20. ACUMULAGKO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA pros bens ov o comprador ¢consumidor dos bens de algum otra ‘As produgSes so sempre compradas por produgdes ; 0 dinheiro € apenas o meio pelo qual a froca 6 fetuada. Notemos, de passagem, que o argumento de Ricardo é um pouco diferente do de Say. Apesar da aguda compreensio que Ricardo tinha do capitalismo de suua época, no texto acima trans- crito parece que ele coloca 0 consumo como o objetivo final da io, como se estivesse tratando de uma sociedade de pro- jutores simples e nfo do capitalismo. Como se 16 no texto, 0 homem produz com o objetivo de consumir; se ele vende seu produto, é com o fim de comprar outra mercadoria que the seja “imediatamente ut texto de Say, objetivo do “‘produtor co t necessariamente de consumo; ¢ se ele vende sua mercadoria & porque o valor desta (valor de uso ou de troca?) & perectvel, e se ele procura comprar outra mercadoria com 9 dinheiro obti porque o valor deste também é perecivel. problema de saber 0 que significa “perecivel” para Say, pode-se pereeber uma diferenga nos argumentos de Say e de Ricardo: pata este, seo produtor vende sus mercadoria€ porque ele quer comprar outra; para Say, seo produtor vende sua mercadoria e Jogo em seguida compra outra 6 porque tanto o valor de sua mercadoria como o do dinheiro por ela obtido sio_perecive ‘Apesar dessa a, Ricardo e Say concordam em trés ambos parecem estar a referit-se a uma sua prOpria produgio ou se por intermédio da troc iro constitui um simples instrumento de troca, nfio wuer influéncia sobre 0 processo de produgtio e Gireulagdo; (3) dada essa funglo do dinheiro, na realidade os produtos se trocam por produtos — “s criagio de um produto ALBIDE SAY: IMPLICACOES — 21 imediatamente abre um mercado para outros produtos", como diz Say, ou “as produgdes so sempre compradas por produ- gdes", como diz Ricardo, ou ainda, como é mais usual dizer-se, “a produgdo cria sua propria demanda”. John Stuart Mill foi um dos autores que, depois de Ricardo, mais contribufram para fazer da “ei de Say” um dogma da Economia Politica ortodoxa e académica. Ele a apresenta do seguinte modo: i o meio de pagamento pelas mercadorias sio sim- plesmente as mercadorias. O meio de-pagamento"de-tada pessoa pelas produgées de olitros individuos consiste daquilo que ela mesma possui. Todos os vendedores sio j significado da palavra, compradores. Pudés tamente os poderes produtivos do pais, duplicariamos a oferta de mercadorias em cada mercado; mesmo golpe, o poder de compra. Todo mundo traria uma dupla demanda assim como uma dupla oferta; todo mundo seria capaz de comprar duas yezes mais, porque todo mundo teria duas yezes mais para oferecer em troca.6 y daleiro moeto 3. Fungo do dinheira trocas jé pode eriar um problema para a circulagio dos produtos: o capitalista que obtém dinheiro pela venda.de suas mercadorias usé-lo imediatamente pard a compra‘de outros pro- 'o por si s6 provoca um retardamento nlo processo de cireulagao. Se, m: ycapitalistacusa o dinheiro ‘Para_entesouramento (por exemplo, com o fim de acumular Giahetro satidente paca a seu capital), isso provoca uma \terrupgao to processo de circulago de mercadorias. —- 22 —_ACUMULAGAO DE CAPITALE DEMANDA EFETIVA Na formulagao da “lei de Say", entretanto — seja para o pro- prio Say ou para Ricardo —, o dinheiro é visto ndo apenas como lo somente um meio de troca, mas fambém como Isto se explica, para Say, pelo Tato” svalorizar-se) e, portanto, 0 “pro- iro seryir apenas para a aqui- sigdo de bens de consumo e/ou de bens de produgao para cria- rem bens de consumo no futuro, e, portanto, os produtores ou possuidores_de_dinheiro ndo terem motivo para manter 0 dinheiro em suas mos por mais tempo do que 6 ecessario para adquirirem aqueles bens. Assim, o uso do dinh i mento de troca néo constitui problema para a circulagaio de mier- cadorias. Mais do que isto, 0 dinheiro passa a expressar apenas um YaloF nominal da troca, a qual, efetivamente, se realiza entre as proprias mercad 4, Igualdade entre produgiio e demanda HA ainda oytro ponto fundamental a ser explicado na Say”. Nao resta davida de que um produtor, ao eri minada “quantidade de bens ou servicos de certo valor, esté automaticamente criando para si mesmo um potencial poder de compra de mesmo valor, Ou seja, a venda de seus prowutos Ihe fornece um montante de dinheiro igual ao valor daquela venda. Mas isso ainda ndo é suficiente para demonstrar que es de compra serd efetivamente usado. Se no o for, isso signi que um segundo produtor estaré deixando de vender merca- dorias para o primeiro, e, portanto, a produgo deste nao terd criado efetivamente sua respectiva demanda. Assim, para que a demanda efetiva seja igual A produgao, é preciso que o poder de compra getado por esta altima se} ima seja realmente utilizado, o ‘que, por sua vez, requer outras condigées: uma demanda ial (ou necessidade) i inexisténcia de éntesou- ue as mercadorias produzidas na economia como um todo sto de diferentes tipos, isto & t@m diferentes valores de uso, servem a diferentes fins. Para que nio houvesse excesso ALEIDESAY:IMPLICAGOES — 23 de produgdo, a quantidade produzida de cada tipo de bem deveria ser de tal modo a atender exatamente a quantidade demandada de cada bem. Do contrario, embora houvesse na economia capacidade de compra para toda a produgdo de qual- quer tipo de bem (e isto € necessariamente assim porque, como JA se explicou, a simples produgdo de um bem gera uma igual capacidade potencial de compra), certos bens ou certas quanti- dades de determinados bens poderiam nao ser comprados. Neste caso, terfamos um excesso de produgio, ou, visto por outro Angulo, uma deficiéncia de demanda. A resposta a este problema foi dada por Ricardo no capitulo 21 de seus Principles e em sua correspondéncia com Malthus, ¢ sua resposta parecia t4o convincente que passou a ser adotada inquestionadamente pela Economia Politica ortodoxa até a dé- cada de 1930. Ele argumentava: Uma mercadoria particular pode ser produzida em demasia, da qual pode haver um tal abarrotamento no mercado que ndo reem- bolse © capital nela despendido; mas isto nfo pode ocorrer com demanda por trigo é limitada pelas , a demanda por sapatos e casacos pelas pessoas que existem para usé-los; mas embora uma comu: nidade, ou uma parte dela, possa ter tanto trigo e tantos chapéus © sapatos que ela possa ou deseje consumir, o mesmo no se apli a todas as mercadorias produzidas pela natureza ou pelo art [Principles, cap. 21, p. 292.] Ou seja, a demanda — er io a todos os tipos de merca- dorias em set Conjunto — ida.* A demanda por um tipo especifico de bem pode estar satisfeita, mas existird sempre uma demanda insatisfeita por outro tipo de produto. Assim, com relagdo 4 demanda por um determinado bem, pode haver um excesso de produgdo; mas, em contrapartida, havera uma defi- la "demanda potencal” que, na verdade, & igual “neces: ‘enérico deste Gitmo term 24. —_ ACUMULAGAO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA ciéncia de produgo de inimeros outros bens para os quais existe demanda. Deste argumento resulta que embora possa haver um excesso de produto, isto acontece apenas para certos tipos de mereadorias ¢ em cardter temporario. Consideremos uma mereadoria A qualquer. Suponhamos que por um ou outro motivo a produedo parcial ou total dessa merca~ doria nfo seja vendida: por exemplo, ou porque o capitalista que a produz superestimou a demanda por ela ou porque seus eventuais consumidores mudaram de gosto. Assim, a produgdo da mercadoria A constitui apenas a criacdo de um eventual poder de compra para o capitalista que a produziu, poder de compra que nao se efetiva porque a mercadoria no é vendida. E a economia apresenta agora,um excesso de produgao, igual ao valor da produgao’da mercadoria A. Se esta mercadoria nfo é compraram, e, portanto, dispdem de um montanie de recursos {nbeara) que pode ser saliendo ba sauianhs BS GOOG eee dorias. Assim fazendo, a produedo destas titimas seré estimu- ‘ada. No fim das contas, o capital usado na produgao da merca- doria A se deslocaré para a produgto daqueles bens de maior demanda € novo equilibrio sera atingido — no qual ndo haveré excesso de’ producto, isto é, onde a demanda seré igual & pro- dugio. (9, yy, Bridentemente, nesse processo supde-se a plena mobilidade av y'de_seoursos e pleno conhecimento, por parte dos mas sua énfase € to forte que sua andlise € Sempre feita como se a resposta fosse quase imediata.2 gf Muitos economistas certamente nao se sentiram satisfeitos |}] Lj come mecanismo desrito por Ricardo quando precisaram expli- \ car a manuten¢ao do pleno emprego do trabalho a curto prazo, fC tiveram de inventar um novo mecanismo, Isto foi o que fize- 9s economistas neoclissicos sem precisar desfazer-se da “dei_de Say". Em primeiro lugar, abandonaram a concepcao ical fo “‘preco natural do trabalh« ssando a explicar 0 nivel vigente de saldrio pelo ponto de equilibria entre s dterta e a demanda de trabalho. Assim sendo, nao existe um * irio natural” em forno do qual oscilam os salarios efetivamente pagos nos diferentes momentos, mas sim diferentes niveis de saldrios em fungao da oferta e demanda de balho. Em segundo lugar, introduziram a concepgio da perfelta substituigdo entre os assim chamados “fatores de produgao”, de modo que qualquer bem oe bandas pode ser produzido com as mais diversas combinagdes le “fatores"’. A respeito deste segundo ponto, Marshall havia dito o se- guinte: Peficitncia dos agentes humasios"da produgo, de um lado, © a ddos agentes materiais, de outro, sto pesadas uma em relagdo a outra © comparadas com seus custos monetéros;« cad agente ted g ser empregado na medida em que seja mais eficiente do que o outro, gm religdo a seu usto monetirio. Uma fungto bisica d a de facilitar a lire ago deste grande principio de \ (...) Eles [os empresirios) estdo constantem experimentando novos arranjos que enyolvem 0 uso de iferentes fatores de producto, e selecionando os que Ihessfo mats fntdvels 3 © LaigiL. Pasineti, Growth and Income Di © Alfred Marshal, Principles of Feonomic | % ALEIDESAY: IMPLICAGOES — 31 Este principio da substituigao de “fatores” é parte integrante éa teoria neoclassica, constituindo mesmo um de seus principais Eyidentemente os economistas classicos ¢ Marx por trabalho e vice-versa, e viam no deslocamento de forga de tra- balho pela maquinaria uma caracteristica do progresso técnico, sendo que na obra de Marx o tema da crescente mecanizagao do proceso de trabalho (ou, segundo suas palavras, 2 crescente “composig&o organica do capital”) tem um lugar de destaque. Mas na teoria neocldssica 0 problema passa a ter outra cono- 5 “fatores de producao” passam a ser vistos como subs- ‘de modo que & possfvel combinar esses “fato- dugiio qualquer. Quanto ao primeiro ponto, relativo ao “prego do trabalh 1m trabalhar até o ponto em que um acréscimo de seu a io thes cause uma insatisfaedo superior ou mesmo Jwigual & Satisfagéo que obtém do saldrio que recebem por este neantehie’adletonal trabalho; assim, a oferta dé “traballio aumenta ao se elevar o salario. Por seu lado, a demanda, por forga de trabalho é determinada pela “produtividade marginal do trabalho": as empresas empregam pessoas até o ponto em que o produto gerado por um montante adicional de trabalho no se torne inferior ou mesmo igual ao custo deste trabalho para a empresa; assim, a demanda por trabalho cresce ao se reduzir osalario. cee aaa a “Tem-se desse modo uma nova explicagao do mecanismo auto- mitico de manutengio do pleno emprego com total utili do equipamento de capital. Quando ocorre uma eventual ca- réncia de forca de trabalho em relagdo ao estoque de capital, os salarios a Felagdo entre o prego do trabalho ¢ 0 pre 0 capilal se forna maior, o que |, evitando-se assim 0 apareci ubstituicko de trabal to ou a manutengto o. Quando existe um ocasional excedente de forga de trabalho em relagao ao equipa- ‘mento de capital, isto exerce uma pressio baixista sobre os rios. Com os salérios mais baixos, & possivel entio empregar excedente de forga de trabalho, assegurando o pleno emprego. Sassi 32, — ACUMULAGAO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA Como existem infinitas combinagdes dos “fatores” trabalho e capital (visto que estes “fatores” so substituiveis entre si), pode- se aumentai o volume de emprego mesmo que o estoque de fixo permaneca inalterado. Portanto, dado um certo estoque de capital, o Gnico elemento necessdrio ao mecanismo de obtengdo ou preservacao do pleno emprego € a perfeita flexi- ta concepgo se ajusta inteiramente A “lei de lugar, porque o funcionamento do meca- smo acima descrito supée a inexisténcia de qualquer obsti- culo por parte da demanda, oti seja, ndo hé problema de insu- ‘éncia de demanda: haveré mercado para tudo o que for pro- duzido pelos diferentes “fatores”, qualquer que seja 0 volume destes; logo, nao ha ara a utilizacdo produtiva seja do 10 ou seja do capital, Em segundo lugar, o mecani implica também a preservagao do poder de compra criado pel produgto. O poder de compra de um bem ou servigo em parti cular corresponde ao valor deste bem ou servico; na econo! como um todo, corresponde ao valor total da produgao, Supon- do-se, para sim que o preco das matérias-primas e outros insumos nose altera, entdo um aumento (ou uma dos_salarjos ‘causaré ‘uma igual_redugao (ou acré lucros. Sobfe isto voltaremos a falar daqui a pouco. Acontece, porém, que no mundo real ocorre desemprego de forga de trabalho juntamente com capacidade ociosa de equipa- mento de capital. Como os economistas neoclassicos adeptos da Mel de Say" exp ito? Para eles este fendmeno (assim como as crises econdmicas de que falaremos depois) caracteri- zaria uma “anormalidade” do funcionamento da economia, Esta “anormalidade” no caso da ocorréncia do desemprego teria sua origem nas restrigdes institucionais ao livre funcionamento do mecanismo de mercado — como, por exemplo, a intervencao estatal € a associacdo dos trabalhadores em sindicatos. Este tipo de explicagdio pode ser encontrado em Marshal seus Principles of Economics (livro VI, vap. 13, §10), ele f “natural tendéncia dos sindicatos a pressionar para um aumento ‘0s salétios nominais padrdes durante as inflagoes de crédito", que provoca a elevacao dos pregos. Nesse periodo de inflagto os empregadores concordam em pagar maiores sal logo a inflagio deve declinar, seguindo-se uma dep queda dos pregos. Nessas condigdes os saldrios também ALEIDESAY: IMPLICAGOES — 33 devem cair, acompanhando o nivel geral de pregos. Assim ocor- tendo, haveria um ajuste entre os precos e os salarios, mantendo © nivel_de_produgio e 0 pleno emprego. Mas 08 si trabalhadores adotam a politica de sustentacdo dos altos antes obtidos. O resultado disto seria o seguinte: 0s sindicatos em geral persistem nesta politica, mais constante é 0 dano causado ao dividendo ni & 0 emprego global a bons salérios em todo o pais." ( Toe. cit., p. 709-710.) tem indimeros testemunhos de que os economisics orto- doxos continuavam afirmando, mesmo durante e depois da grande crise econdmica de 1929-1932, que os altos salarios cons- tituiam_a causa do desemprego e que os salérios flexiveis eram condigao essencial para se alcanear e manter o pleno emprego. Em 1929 foi constituida na Inglaterra a Comissio Maci sobre Finanga ¢ Indistria (Macmillan Committee on Finance and Industry), composta por pessoas de diferentes setores de atividade, O propésito dessa comissio era o de “investigar os bancos, a finanga ¢ o crédito, dando ateng&o aos fatores tanto internos como internacionais que governam sua operagao, e fazer recomendagdes calculadas para possil a essas agéncias a Promogdo do desenvolvimento dos negécios e do comércio ¢ 0 emprego do trabalho”, 4 ou seja, sugerir medidas que acabassem. com a grave crise econdmica na Inglaterra naquela época. A comissio tomou depoimentos de um grande ni entre economistas, homens de negocios, dos altos escalées, etc, menor (Marshall, econdmicas teéricas e praticas vigentes naquela época. Nos rela- trios dessa comissio encontram-se de} rigs como forma de eliminar ou, pelo menos, feduzir o de- semprego. “Alguns desses depoimentos sto reproduzidos ‘nas Sbras que tratam da Eeonoms -ynesiana, para mostrar a dife- re 0 Keynes da Teoria Geral e 0s economistas orto- nance and Industry, Report (Lond anger do sy The Age of Keynes — A Biographical Study, fy 37-38 34 — ACUMULAGKO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA, Lawrence Klein menciona também um artigo do Prof. Edwin Cannan publicado em 1932, em plena crise econémica: ‘Um outro expoente dos cortes de salario era 0 Professor Cannan, ue pretendia explicar 0 desemprego geral exatamente do mesmo modo como se ‘© desemprego particular numa firma ou indistria especifica. Ele argumentava que no emprego particular ‘mais trabalhadores podem ser empregados a baixos salatios se for cléstica a demanda pelo produto. No emprego total a demanda pelo produto é indefinidamente elastica; portanto, qualquer némero de frabathadores, até 0 pleno emprego, pode ser empregado se eles rio pedirem salérios muito altos.S & .Mas.o mais destacado representante dessa teoria foi, sem dé- YA vida, 0 Prof. A. C. Pigou. Sua principal obra sobre 0 assuinto (Theory of Unemployment, 1933) sofreu o mais duro ataque por parte de Keynes (ver The General Theory, cap. 2 e Apéndice a0 cap. 19). Note-se porém que, apesar desse ataque, Pigou, numa obra posterior (Lapses from Full Employme 1945), embora reconhecendo certas deficiéneias do livro anterior, volta ‘em seu argumento de que a Ihadores —e, portanto, a total fo {| condigio essencial para se obter e manter o pleno emprego. 2, Relsigdio entre salarios e lucros Nao se pode dizer que a relagao entre saldrios ¢ lucros defendida por Ricardo e outros economistas posteriores seja derivada da ‘“Jei de Say”, embora esteja de acordo com ela. Como & evidente mocap Oe ples, onde ele trata dos lucros, essa rela- tamente da situagao de um produtor — ou ta — individual, para quem o prego de sua mer- jernamente. Sendo este prego uma grandeza dada, da qual 0 salario e o Iucro sto parcelas_componentes, a Variagio na magnitude de uma parcela necessariamente implica, para a outra parcela, uma variagdo em sentido contrario, Ou seja, a um aumento (ou redugéio) de saldrio corresponde neces- sariamente uma diminuigdo (ou acréscimo) do lucro. Assim, em sua andlise, Ricardo parte do produtor individual: Reyrw © Lawrenge R, Klein, The Keynesian Rew 46-47. ALEIDESAY: IMPLICAGOES — 35, Se um produtor [manufacturer] sempre vendeu seus bens pelo ‘mesmo dinheiro, por £1000 por exemplo, seus lueros dependem do prego do trabalho necessério para fabricar esses bens. Sus Iueros seriam menores quando os salérios montassem a £800 do que quan- do ele pagasse apenas 600. Assim, na proporgao em que os sali ros subissem, os lucros cairiam. (Principles, cap. 6, p. 111.] Dessa situagio do capitalista individual, Ricardo extrapola ara_a economia como um todo a observada relagdo entre sala- rios € lueros, Sua teoria dos Iucros pode ser resumida do seguinte modo: os lucros (seja para 0 capitalista individual ou seja na economia como um todo) dependem dos pregos (ou do valor total da produgdo) ¢ dos salérios, aumentando em proporgiio direta a0 aeréscimo dos pregos © & reduedo dos saldrios; ou seja, os Iucros constituem uma fungdo direta dos pregos ¢ inversa dos salétios. Se, porém, como faz Ricardo, tomamos os pregos como inva- ridveis, entio os lucros dependem exclusivamente dos saldrios, e isto ele afirma por diversas vezes no cap. 6 de seus Principles. _ Por que considera ele os precos como dados? Porque ele racio- » sina em termos de uma economia sob regime de concorré: perfeita, Suponhamos uma elevagdo de prego de uma determi ‘nada mercadoria, Se em resposta a essa clevagdo ocorresse uma ‘ontragdo da demanda, o prego teria de voltar a seu nivel ori- ginal. Imaginemos, porém, que a demanda seja suficiente para absorver acréscimo do prego. Neste Sonstante, o lucro aumentaria. Isto atraitia novos cay 4 produao dessa mercadoria, sua produgao seria in €, com isto, o prego tenderia a cair, até que a taxa de lucro obtida na produgdo dessa mereadoria se igualasse a taxa media de lucro na economia como um todo, Nas palavras dé Ricardo: Deve-se entender que estou falando de lucros em geral. Jé assinalei que o prego de mercado de uma mercadoria pode exceder seu prego natural ou necessirio, na medida em que ela soja prodaride ss menor abundancia do que requer a nova demanda por ela. ‘entretanto, & apenas um efeito temporétio. Os altos Iucros do empregado em produzir esta mercadoria naturalmente capital para este negécio; e to logo sejam supridos os fun ridos € a quantidade da'mercadoria seja devidamente aumentada, Seu prego cal, © os Icrs desta aida se conformardo 0 nivel geral. (Principles, cap. 6, p.119.] ‘ ar i a < Ve rem 36. — ACUMULAGAO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA ‘Assim, os lucros passam a depender apenas dos sal , por stia vez, dependem dos precos dos bens es 0, que so constitufdos principalmente de produtos agricolas: (+) 08 lueros dependem de salirios altos ou baixos, os saliirios spendem do prego dos bens essenciais, e 0 prego dos bens essen- is dependem principalmente do prego dos alimentos, porque 8 0$ outros requisites podem ser aumentados quase sem limite. fem, p. 119.] E Ricardo vai mais longe! Considerando que o prego dos bens essenciais de consumo (principalmente alimentos) é determinado pela quantidade de trabalho necessério para sua produgio: .) om todos os paises ¢ todos os tempos, os Iucros dependem da quantidade de trabalho requerido para prover os beni para os trabalhadores, numa terra ou com um capital que nfo gera Ubidem, p. 126.) 5© Ricardo encontra entéo uma tendéncia geral A queda dos Iucros: A tendéticia natural dos lucros & ento, a de tgresso da sociedade e da riqueza, a quantidade adicional de alimen- Tequeridos 6 obtida com o sactificio de mais e mais trabalho. ‘endéncia, Tompida em repetidos intervalos pelas, melhor quinas relacionadas com a producZo de bens essenciais, las descobertas na ciéncia da agricultura que nos possibilita erar uma parcela do trabalho entto requerida,e, portanto, redu- zit o prego da remuneracto necessaria do trabalhador. (Jbidem, p- 120.) Esta é, em resumo, a teoria formulada por Ricardo no cap. 6 de seus Principles. No cap. 21 ele compatibiliza essa teoria com ‘a “lei de Say”. Ou seja, de acordo com essa tudo que produzido é demandado (a produgao cria sua demanda); logo, a demanda no constitui um ob: imento da pro- (© esse argumento €neceslti supor, como o fax Ricardo, a inexsténcia de renda da terre, porgus o prego das bent extenclals depende no apenas do trabalho ‘eseisrio para sua produto nas também da renda da terra. ALEIDESAY:IMPLICAGOES — 37 dugio. O Gnico obstéculo que pode surgi {queda dos lucros, os quais dependem dos no apenas & compativel com a teoria dos lucros de Ricardo; ela também plenamente justifica essa teoria, Se, c “Jel”, a renda (ou poder de compra, ou deman produco & dada, isto &, constitui uma grandeza fixa, ¢ s grandeza_se_compée de saldrios ¢ lucros, entdo estes dltimos necessariamente tem de diminuir quando os salérios aumentam. Em suma, para Ricardo, os Iucros variam num mesmo mon- ante, porém em. sentido contrario, da variagao dos salarios, sendo esta concepedo ndo apenas compativel com a “lei de Say" Esta concepgdo a respeito da relagao entre saldrios e lucros foi passada adiante na historia do pensamento econdmico orto- doxo e incorporada pela Economia neoclassica. Deve-se frisar, todavia, que o argumento neocléssico é um tanto diferente do apresentado por Ricardo, pefo menos no que se refere ao aspecto formal. De qualquer forma, como Ricardo, os neoclassicos tomam os precos como dados (determinados pela oferta e de- manda em condicdes dé concorténcia perfeita), e, partinds da situagao de uma firma particular, extrapolam essa situagao para a_economia como um todo. E ai encontram que uma variagio nos salérios tem como resultado uma variagao inversa nos lucros, sem que isto altere para mais ou para menos o poder global de ‘compra.’ Em suma, nem os economistas classicos nem os neoclissicos visualizavam ‘a possibilidade de uma redistribuigéo de renda (Geja de Tucros para salarios ou vice-versa) afetar 0 volume do der de compra gerado pela produgto, ou, para usar a termi- ia mais conhecida, afetar o nivel da demanda efetiva. 3. Crises de producio Repetindo sumariamente 0 que foi dito antes: a demanda (ou poder de compra) é criada pela producdio e é sempre igual a esta. Portaito, excetuando os casos de desajustes temporarios e cir- cunscritos a tipos particulares de bens ou servigos, nao pode ‘haver, a economia como um todo, uma_situago de super- © Para uma exposigt certica dessa teria, vea-se M. Reais" cin Crescimentoe Cielo das Economias Capi loki, "Salirios Nominais fe A formulagdo dessa “lei”. ys Jo a respeito da relagdo eni si p Wa 38 — ACUMULAGAODE CAPITALE DEMANDA EFETIVA, xy ‘produgo ou de subdemanda em geral. Decorre obviamente’ 4” dessa coricep¢io a impossibilidade de aparecimento de crises econdmicas, isto é, sitagdes em que a produgio excede conside- "rf rayelmente a demanda, gerando um abarrotamento de produtos J” no vendidos no mercado e, logo em seguida, uma queda acen- tuada_da produgdo, com uma série de outras conseqliéncias (desemprego, falencias, transferéncias de riquezas, etc.). Mas, apesar do que diz a teoria, as crises ocorrem, e muitas vezes com tal intensidade que até mesmo os adeptos da "lei de Say" se viram forgados a reconhecé-las.6 E assim fazendo, procuraram para elas explicagdes que ndo conflitassem com a teoria_adotada. A primeira tentativa mais conhecida foi a de John Stuart Mill; uma outra, na mesma linha da de Mill, foi a de Alfred Marshall, Nao pretendemos discutir aqui essas tenta- tivas, mas t&o somente assinalar cor resposta para o problema das crises sem infringir a “lei de Say”, E desde logo & bom esclarecer que tanto Mill se preocupam -agao integrada do pro- blema das crises jo de que essa explicagio se centrasse especificamente naquele problema, Ao procurar uma resposta, ambos os autores co crises como problemas em que certas circunsténcias ligadas A moeda, aoc de juros, fazem com que a propri Para Mill, isto decorre das atividades especulativas dos comer- ciantes. Por uma Tazo acidental qualquer (que pode se uma Fedugio de cotheitas, um empecilho A importagao, ete,), pode ocorrer uma tendéncia ao aumento de pregos e, consegilen- 0s economists elisscos nto trataram sistematiamente du questo das crises esondmins porque, em seu tempo, ost f ALEIDESAY: IMPLICAGOES — 39 temente, de Iucros. Anteci comerciantes procuram amy doa elevacio dos pregos, os vago_dos precos. Chega um ponto em que os comerciantes comegam a vender e, com isso, os pregos vo caindo. Para evitar perdas, os comerciantes procuram agora vender_o quanto podem, provocando assim um efetivo colapso de precos, e dat uma crise comercial. Para efetuarem suas compras durante a fase de euforia, os comerciantes contraem di ‘com 0 colapso de precos, porém, eles no obtém recursos suficientes para pagar as divi: Jo se agrava. Nesse proceso, segundo Mill, © sistema de crédito tem uma parcela de responsabilidade pela ‘as taxas de juros sAo muito baixas, durante a fase de eufo- tia, facilitando aos comerciantes a tomada de empréstimos pars seus fins especulativos, e se elevam com o aumento da demanda por émpréstimos, o que agrava o problema durante a depressio, Marshall segue no geral a concepgao de Mill no que se refere ao papel da especulacio ¢ do crédito, mas introduz também alguns elementos novos. Ele explicitamente aceita a “lei de Say" aldade entre produgao ¢ demanda. Entretanto, les podem preferir nao usa-l Porque quando a confianca foi abalada por faléncias, o capital nfo ser_obtido, iciar_novas companhias ou ampliar_as tes. Os projetos para novas ferrovias no elconiram recep- ividade, 0s navios permanecem ociosos, ¢ nfo ha encomendas para novos navios. Raramente hé uma demanda por trabalhadores comuns, ¢ nao muita pelo trabalho de construgfo e de fabricagaio de méquinas, Em suma, hé apenas uma pequena ocupacio em qualquer uma das atividades produtoras de capital fixo. Aqueles cuja capacidade e capital sto especializados nessas_atividades esto ganhando pouco e, portanto, comprando pouco do produto ‘Mas embora os homens tenham o poder de_ \ y € e © © econémica; uma queda do nivel 4. —_ ACUMULACKO DE CAPITALE DEMANDA EFETIVA, das outras atividades. Estas, encontrando um mereado pobre para Seus bens, produzem menos; ganham menos e, portanto, compram menos: a diminuigio da demanda por seus artigos levam-nas jf demandar menos de outras atividades. Assim expande-se a desor- ganizagao comercial: a desorganizagio de uma atividade poe as Sutras fora dos eixos, as quais reagem a isto ¢ aumentam sua desorganizacao. Esta longa citagio do texto de Marshall nao é sem finalidade. Por meio dele queremos mostrar como ele coneebe uma ruptura no funcionamento da “lei de Say” causada pela falta de con- fianga, Mas ndo apenas isto. Também desejamos mostrar comio ale Tanga m&o de uma concep¢ao muito parecida com a do multi- aplicador_do investimento de Keynes para explicar a recessdo nto (provocada pela falta de confianga no mundo dos negocios) _gera adicionais decréscimos de investimento através da reduglo da demanda. Mas a aproximagtio entre Marshall e Keynes, neste problema de que estamos tratando, se a isto ¢ ao papel que o pri- meiro atribui a falta de confianca (em Keynes, “o estado das cexpectativas”) para explicar a depressio. Um. outro elemento utilizado por Marshall para ex] baixo nivel de produgio e de emprego durante as fa pressdo é a rigidez dos saldrios resultante da agdio dos Ge trabalhadores, como j& mencionamos ao tratar do problema do pleno emprego. ‘Tanto Mill como Marshall ¢ outros autores representativos da ortodoxia econémica até a década de 1930 nao apenas acei- tam a validade da “lei de Say” mas também a tomam por base para formularem muitas de suas concepgdes. Mas a “lei de Say" “nega a possibilidade de ocorréncia de um estado de superpro- “dugdo, ou seja, de aparecimento de crises. Como estas realmente apirecem e muitas vezes se manifestam com relativa violencia, nao h& como negé-las. A solugdo mais adequada para essa contradigtio entre a teoria e a realidade seria pura e simples- mente a de reformular a primeira, ou seja, “abolir" a lei de Say. ‘Mas para esses economistas — educados e profundamente imbuidos das verdades estabelecidas pela mais pura tradigio do pensamento econémico britinico — essa seria uma dolorosa Solugo, que talvez nem mesmo Ihes tenha passado pela cabera (embora, pelo menos no caso de Marshall, isto nfo seja tao certo ALEIDESAY:IMPLICAGOES — 41 assim). Seria uma dolorosa solugao ndo apenas porque eles ‘admirassem a “lei de Say” em si mesma ou porque fosse um ‘elemento da tradig&o fortemente estabelecido por Ricardo, mas também — e principalmente — pelo fato de esta soluc&o ter coutras implicagées para_a_teoria_econémica, como estamos fentando mostrar. A rejeigao da “lei de Say” representaria (como de fato representou mais tarde) uma completa reformulagto de tradicionais principios e concepgdes da Economia Politica orto- doxa, Portanto, nfo adotando esta solug&o, os economistas, em face das crises e depressbes, viram-se obrigados a buscar exp! cages dentro do quadro de referencia imposto pela “lei de Say”; fe como esse quadro é rigido, conflitando com o proprio problema para o qual as explicagdes so procuradas, as respostas encon- tradas pelos economistas so necessariamente falsas ou artifi- ciais — se ndo em certos aspectos especificos, pelo menos no todo. Dois_tipos de resposta foram apresentados. O primeiro — representado pelas concepgdes de John Stuart Mill e Alfred Marshall — 60 de aceitar que em determinados momentos (que sto aqueles das crises) a “lei de Say" possa ser infringida. A economia normalmente funciona de acordo com 0 principio adotado de que a produgio cria sua propria demanda, todos os ens e servigos produzidos sio vendidos; haveria, porém, mo- mentos de “anormalidade”, nos quais a demanda se_desasso- clarla da produgiio, gerando crises. E nesses casos, ou melbor, de acordo com essa concepco, caberia aos economistas buscar apenas as razées pelas quais a demanda se divorcia da produgao. O segundo tipo de resposta mantém ou pode mant jncdlume: dando uma outra interpretagdo as crises. Estas ialmente um excesso de producAo ou uma manda que levaria, no desenrolar do processo, a uma queda acentuada da produgio. gerador e caracteristico das crises jf se produco, sem ser necessario que a demai pela propria produgio; ou sea, a demand crise econdmica — se aceitamos a hipétese de a produgao poder igual @ produgo, em conformidade com a isto nao impede que a producdo — e, portanto, haja uma ser _afetada por “fatores exdgen sio @, fora do dominio da Sa aniis. © exemple mals eotihecido desse tipo de concepGao das-crises econdmicas € 0 de W. Stanley Jevons. Para ele, a5 42 — ACUMULAGKODE CAPITALE DEMANDA EFETIVA lutuaedes econdmicas se iniciariam com as colheitas agricolas i s: as colheitas abundantes favoreceriam a expansio sm geral, e as més colheitas gerariam as depressdes, sendo que as variagdes da producio agricola, por seu turno, seriam resultado das condi¢Ges_meteorologicas e, mais especi- ficamente ainda, 0 proprio cardter ciclico das crises seria expli- cado pelo carter recorrente das manchas solares. De qualquer fosse Jevons um adepto ou no da “lei de Say", ele ‘uma resposta para o problema das crises que nfo a 4, Finangas piblicas ‘A “ei de Say” exerceu também grande influéncia sobre as Fi- nangas Pablicas. Essa influéncia incidiu diretamente sobre (1) a concepeao do papel _das despesas governamentais no funcio- namento da economia e (2) a teoria da tributagto. Vejamos resumidamente estas duas questées. Comecemos pelo problema dos gastos péblicos. Recordemos, mais uma vez, que pela “lei de Say” para uma determinada produgto existe sempre, necessariamente, uma demanda de igual valor é, portanto, nio pode ocorrer uma insuficiéncia de demanda, Neste caso, que significam os gastos governamentais? ‘So apenas transferéncias de despesas do setor privado para o setor estatal, ou seja, cada libra despendida pelo governo cor- responde a uma libra que os individuos deixaram de gastar. Ao se efetuar a produgdo cria-se ao mesmo tempo um determinado volume de poder de compra, uma parte do qual é transferida dos individuos para o Estado através dos tributos e/ou de emprés- timos piblicos, e € com essa parte do poder de compra que 0 governo efetua sua despesa. Assim, o poder de compra total — ou demanda efetiva total — ndo se altera, havendo apenas uma transferéncia de parte deste poder para as mios do Estado. Dai conclufa-se também o seguinte: certos governos recorrem 4 emissdo de dinheiro para aumentar seu poder de compra; isto ia verdade, ampliar o poder de compra estatal, mas nao porque este € determinado pela produgao; como resul- ‘0 governo poderia efetivamente elevar suas despesas, mas as custas de uma diminuig&o dos gastos dos individuos, ¢ com uma inflacao de precos — porque, embora tenha aumentado a quantidade de dinheiro, o volume de producdo permaneceu 0 ALEIDE SAY: IMPLICAGOES — 43 ‘mesmo. Em suma, ocorre apenas um aumento nominal, mas ndo real, do poder de compra, [4 também outro aspecto a considerar. Os economistas clis- as despesas piiblicas como gastos improdutivos, enquanto as despesas indivi iam em improdutivas. (consumo) e_produtivas (investimentos). Se os tributos incidem sobre o consumo dos individuos, ocorre entdo apenas uma trans- Teréncia de gasto improdutivo dos individuos para o Estado, € 0 pais como um todo nada perde com isto. Se, porém, os tributos incidem sobre os investimentos, ha entac no apeaas ame tans- feréncia de despesas dos in ‘uma converstio de gastos produtivos em gastos improdutivos, e, portanto, uma redugto na acumulagao de capital — isto & da futura capacidade produtiva — do pais. Esse mesmo principio se aplicaria também aos iposts sabre o esiaque- de eapttal ja constituido: haveria uma reduedo deste capital em beneficio do gasto_improdutivo do Estado. Esse argumento é tecido por Ricardo: Nao existem tributos que no tenham uma tendéncia a enfraquecer © poder de acumular. Todos os tribut: incidir ou sobre o trometem com o capital, por cuja grandeza deve sempre ser regulada a grandeza da indéstria produtiva do ps se eles incidem sobre a renda, devem ou reduzir a acumulagac ou forgar os contribuintes a poupar o montante do imposto, através de uma correspondente diminuigdo de seu anterior consumo impro- dutivo de bens essenciais e deluxo. (Principles, cap. 8, p. 152.] © mesmo argumento é retomado por J. S. Mill, porém para demonstrar que o imposto sobre a poupanca corresponde a uma dupla tributaga emente, fere o principio da equi- dade tributéria, As zl (.. 2) 0 modo apropriado de determinar um imposto de renda seria tributar apenas a parte da renda destinada & despesa [isto 6, a0 isentando a parte que & poupada, Porque quando pov- (e todas as poupangas, falando em geral, sto investidas), esta parte a partir de entto pa to de renda sobre utada 44 — ACUMULAGKO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA isentas do imposto de renda, os contrit tados sobre 0 que eles poupam. [Principles of Political Economy, livro V, cap. 2, §4, p. 813.] Em suma, da exposi¢do feita até aqui poder seguinte. Para os autores classicos, baseados na ciam qualquer efeito positivo sobre a sobre o crescimento econdmico, constituirem apenas uma transferéncia das despesas privada Antes pelo contrério, os gastos piblicos poderiam ser um obsté- culo ao crescimento econdmico, na medida em que transferiam fundos de acumulagao para_utiliz-los em atividades improdu- tivas, Daf a conclusiio de que os gastos governamentais deviam” limitar-se_ao estritamente essencial ao bom funcionamento do aparelho estatal naquilo que lhe era inerente: o controle das coisas piblicas, a manutengo da ordem, a aplicagdio da just etc. E dai, também, os tributos e/ou as dividas piblicas utili financiar esses gastos deviam ser reduzidos Aquele Ademais, para que as despesas governa- ssem um fator negativo no crescimento econdmico, élas deveriam ser finan 1e nd incidi jue de capital ja formado ou sobre os recursos dispontveis para acumulagéo, Na teoria ortodoxa os argumentos dos economistas clas. se mantiveram até a assim chamada “Revolugdo keynesiana’ Vejamos um exemplo. Jé mencionamos a Comissio Macmillan, constituida na Inglaterra durante a grande crise de 1929-32. Entre as pessoas ouvidas pela comissdo estava 0 Prof. R. G. Hawtrey, um dos mais proeminentes economistas da época. Um dos pontos por ele abordados em seu depoimento foi o dos gastos governamentais, onde ele nada mais fez do que repetir o argu- mento dos autores classicos. O depoimento de Hawtrey é comen- tado por Lawrence Klein (devemos sublinhar que Hawtrey é usado aqui apenas como exemplo, porque igual a ele pensava a maioria dos economistas ortodoxos da époc: do_gasto mas predisse que 0 resultado de tal politica Seria inflacionério ¢ uma ameaga a0 padrfo ours, forgando assim uma elevagdo da taxa bancéria de juro e causando a contracéo do crédito. Tal plano, para ele, fracas- ALEIDESAY:IMPLICAGOES — 45 porque as despesas governamentais feitas com crédito banci- ignificariam o fim do dinheiro barato para a empresa privada. ) Como podiam os economistas se preocupar com 0 vazio inflacionério quando havia tdo alto nivel de desemprego? A Gnica resposta que podemos dar a esta questo ¢ a de que eles deviam estar trabalhando com as hipéteses da lei de Say e/ou de pleno em- prego.it uutro problema da aplicacéo da “‘lei de y"” As finangas piblicas. O montante total de salérios ¢ lucros ‘tui a renda global de um determinado pais; segundo o principio da preservagao do poder de compra, nilo existe qualquer ‘‘vazamento” no volume desta renda global; ou seja, uma vez pagos os salitios e gerados os lueros, a renda global é totalmente gasta. Qual a implicagto disto para a teoria das finangas piblicas? A implicacdo a de que os tributos podem incidir tanto sobre 05 salérios como sobre os lucros sem afetar a produgio e o poder total de compra. Havera apenas uma transferéncia de renda (e, portanto, de gastos) dos trabalhadores e capitalistas para 0 governo, E claro que se os impostos incidirem mais fortemente sobre os salarios, ou sobre o§ Tucros, haverd, depois de deduzidos 0s impostos, uma mudanga na relagdo original entre salarios € lucros. Mas isto, como veremos logo, era encarado apenas pelo prisma da justiga ou eqUiidade distributiva dos impostos. Nao se vislumbravam maiores problemas econémicos na diferenciaglo dos lucros e dos salérios como fontes geradoras dos tributos, além do fato ja mencionado de que os tributos incidentes sobre as poupangas poderiam provocar uma queda na formaglo de i no caso dos impostos sobre os lucros, visto serem destes que provém a par- cela maior da poupanga. Na verdade, Ricardo procurou aprofundar a andlise do pro- Diversos capftulos de seus Principles sio dedicados A Segundo Ricardo, qualquer que seja a imposto incidente sobre os salérios — seja como im- posto direto ou como imiposto indireto —, ele aumentaré o preco da forga de trabalho ¢, portanto, sera no fi ont imposto sobre os lucros, isto é, pagos pelos capitalistas: (09 Lawrence R. Klein, The Key 46 — ACUMULAGAO DE CAPITALEDEMANDA EFETIVA Seu argumento € o seguinte. Qualquer mercadoria aumenta de prego quando é tributada, 0 mesmo acontecendo com o saldrio (0 prego da forga de trabalho). Isto ndo aconteceria se 0 aumento do prego provocasse uma queda na demanda, obri- gando 0 prego a voltar a seu nivel anterior. Mas com a forga de trabalho isto nfo ocorre. Ao elevar-se o salérioem decorréncia -Salrio,em deck do imposto, os capitalistas realmente reduzem sta demanda por trabalho, mas, por outro lado, com o aumento de arrecadacao do imposto, o governo incrementard sua demanda. Logo: © governo e 0 povo [na verdade, os capitalistas) tornam-se assim ‘competidores © a conseqiiéncia de sua competicao é um aumento ‘ng prego do trabalho. O mesmo nimero de homens seré empregad ‘mas eles estardo empregados com maiores salérios [Jdem, p. 22 Embora essa linha de raciocinio e sua conclusto sejam falsas, € impressionante a coeréncia de Ricardo: convencido da verdade , Ricardo se mantém coerente com ela em toda iversas vezes chega a rectiminar o proprio Say por infringi-la, como acontece também aqui, quando este escreve, referindo-se 4 tributagao: produz este lamentivel efeito: despoja 0 conti parte de suas riquezas sem enriquecer o Estado.""!2 Ou seja, Say 14 havia esquecido o principio formulado por ele mesmo, segun- do o qual no pode haver um “vazamento” no poder de compra criado pela produg&o (e, portanto, nao pode haver ao mesmo tempo um empobrecimento tanto dos contribuintes como do Estado, visto os recursos dos primeiros serem transf segundo). procurar lo consistentemente que ele chega a conclusto de que os impostos sobre 0s saldrios slo na verdade impostos sobre os Iucros. Ac Se verdadeira, icardo ndo era agradavel para os capitalistas. to significaria que nao adiantava tributar os (2 Transerto po Ricardo, op ct. 236, ALEIDE SAY: IMPLICAGOES — 47 salirios, porque seriam eles, os capitalistas, que pagariam esses impostos. Sendo falsa, a conclusdo era ainda mais irritante, Porque podia ser encarada como uma tenttativa de demonstrar a lade da tributacao dos salérios. De qualquer forma, a os, saltios ndo elevavam o prego da forga de trabalho, e, por- tanto — mesmo que nao se pudesse” demonstrar teoricamente, rea légica de Ricardo, que sua conclusio estava foi abandonada. ja por nés, de que 0s tributos podem incidir tanto sobre os salérios como sobre ‘95 Iucros, sem que essa incidéncia sobre um certo tipo de renda afete adversamente ou vantajosamente o outro tipo de renda. Assim, a discusso sobre os impostos se deslocou para o pro- ide da tributagao. Isto pode ser constatado ja nos Principles of Political Economy de John Stuari cap. 2, relativo aos “Principios Gerais da Tributagao” Em suma, as Financas Pablicas deveriam ser alguns principios bi ‘mentais deveriam limitar-se ao estritamente necessdrio para o funcionamento do aparelho estatal; (2) 0 problema central da tributagdo, para financiar esses gastos, era o de encontrar as formas mais justas de impostos, levando-se em conta também a conveniéncia de ndo restringir, através dos tributos, os recursos disponiveis para iavestimiento, a fim de nko reduair ov inter romper 0 processo de expansio econdmica; (3) nfo se colocava 0 problema de como utilizar a tributagdio exatamente para alcan- gar esse objetivo de expanstio econdmica, porque nao se vi tributagdo como forma possivel de aumentar, em vez de dimi- nuit, oll da prodagh Sobre este dla ponto: se o poder de compra era dado — isto é, fixo —, como poderia uma simples transferéncia de uma parte deste poder de compra, dos indivi- duos para o Estado, aumentar a produgdo? De fato, a simples formulagdo desta pergunta era absurda. Aritmeticamente ela ‘correspondia ao seguinte problema: como aumentar o valor de ‘um total pelo simples deslocamento de uma parcela deste total? Ou seja, a pergunta era absurda porque formulada com base na “ei de Say”, segundo a qual o poder de compra era fixo, deter- minado pela produgiio. ‘A importincia dessas falsas conclusdes s6 pode ser devida- mente avaliada quando examinamos o que representa para a 48 — ACUMULAGAO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA Economia (e, mais especificamente, para as Finangas PGblicas) oabandono da 5, Acumulagio de capital a, Acumulagdo como fungdo dos lucros imos que, segundo a “lei de Say”, a demanda potencial ¢ infinita, de modo que, por esse lado, nao hé qualquer restrigao a0 crescimento da produgio e do capital, J4 mencionamos bém que a disponibilidade de forga de trabalho nao const uum obstaculo a acumulagao, ou porque — segundo Ricardo — oferta de mio-de-obra se ajusta 4 acumulag&o, ou porque segundo 0s neocléssicos — “fator capital” Assim, o ti Vejamos como esse problema se apresenta na teoria de Ri- cardo. Para comegar, é preciso observar que, segundo ele, so- mente os capitalistas poupam e, portanto, acumulam. Os traba- Ihadores gastam todo seu salario em bens essenciais de consumo, enquanto 0s proprietérios de terra e a nobreza gastam em bens de luxo quase toda sua renda, a parte restante da renda sendo correspondente ao consumo de bens essenciais. Assim, toda a acumulagdo de capital ¢ efetuada pelos capitalistas, incluindo-se nesta categoria os capitalistas industriais (manufacturers) ¢ agri- colas (farmers) — os quais pagam renda aos proprietarios de terra (landlords), Portanto, toda a acumulagao depende do lucro. Esta afirma- go pode ser desdobrada em duas partes: (1) a acumulagio determinada pelo volume total do Iucro; (2) a acumulagao determinada pela parcela do lucro que é poupada, mas como esta parcela depende do lucro total, temos que a acumulagto uma fungao do lucro, Ricardo considerava os capitalistas como uma classe “frugal”, que despendia muito pouco em bens de luxo e, portanto, procurava poupar 0 maximo de seus lucros € investir toda sua poupanga, Se consideramos a poupanga uma fungao do Iucro, a acumu- lagao de capital também 0 &. Ou seja, 0 tinico a acumu- lagio é constituido 105 ao tratarmos da rela- ‘¢do entre salério: mos tendem a cair em decor- réncia da tendéncia ascendente dos primeiros, Assim, haveria ALEIDESAY:IMPLICAGQOES — 49 pontos essenciais: crescimento da produgio, visto ser determinada (2) os lucros diminuem com o aumento dos sal inalterdvel o poder de compra total, gerado pela produsio; (3) toda a poupanga é investida, Os dois primeiros pontos ja foram tratados anteriormente; resta-nos dedicar um pouco mais de atenco ao terceiro, b, Igualdade entre acumulagao e poupanca Para os economistas clissicos essa igualdade era obtida auto- maticamente. Como vimos antes (sego 4 do capitulo 2), tanto para Adam Smith como para Ricardo e outros, um ato de pou- panga implicava necessariamente um ato de investimento, ov seja, toda poupanca era automaticamente investida. Essa con- época de Smith, Say, Ricardo, Mi se que mais poupava ¢ i de salario vigente n4o permitia aos trabalhadores o luxo de poupar e os nobres proprietirios nfo tinham motiv. poupar; dai, a identificagdo da poupanga com os capitalistas. Além disso, oc também dois fatos que devem ser obse lismo encontrava-se em pleno desenvoly tunidades de investimento eram muitas enquanto os ifruir dessas oportunidades erai procurava investir toda sua propria poupanga, seus negocios. Desses dois fatos teria resultado naturalmente & economistas clissicos estariam aproximadamente dizendo a verdade quando afirmavam que toda poupanga era automatica- mente investida, ‘Mas 0 que podia ser uma verdade para os economistas cls- 50. — ACUMULAGKO DE CAPITAL EDEMANDA EFETIVA investimento. Com o desenvolvimento do capitalismo, a expan- Sto das grandes empresas, a ampliagao do sistema de captagao Ge recursos por meio de empréstimos e emissdes de agdes, separagao entre proprietirios e diretores das firmas, os indi duos que investiam j& no eram necessariamente os mesmos que poupavam, Nessa situagdo tornava-se dificil continuar afirman- Go que a poupanca era automaticamente investida. ‘Que fizeram os economistas neoclissicos? A concepgdo dos ‘economistas cléssicos era insustentavel, porém os te6ricos neo- ‘lassicos continuaram aferrados “lei de Say", ao principio da preservagao do poder de compra, @ idéia de que toda renda era Recessariamente gasta, Se no acreditassem nisso, muitas de suas concep¢es ruiriam junto com a ‘lei de Say” e, entre outras coisas, teriam de admitir que o capitalismo no é este sistema fo que assegura o pleno emprego dos recursos ¢ 0 desen- Nolvimento harmonioso da economia. Assim, tiveram eles de Duscar outro motivo para explicar a igualdade entre investimento e poupanga, que nao o simples argumento da igualdade auto- ‘mitica entre essas duas grandezas. Para comegar, eles separaram as decisdes de investimento ¢ as de poupinga; isto posto, passaram a procurar o elemento que, no mécanismo de funcionamento da economia, assegura a igual- dade entre o investimento total e a poupanga total. Cada pessoa fou firma pode investir mais ou investir menos do que poupa, mas na economia como um todo o investimento é sempre igual poupanca. Que assegura essa igualdade? Segundo os neoclés- Fieos, € a taxa de juros, operando através do mecanismo de mer- cado, isto €, pelo ajustamento entre a oferta e a demanda de recursos para investimento. ‘Vejamos mais de perto esse mecanismo. A taxa de juros ¢ 0 prego do dinheiro; como qualquer outro prego, a taxa de juros Seria determinada pela oferta e demanda, sendo que neste caso a poupanga corresponde & oferta e o investimento & demanda por Ginheiro. Para facilitar o raciocinio, suponhamos que mente o volume total de investimento (demanda por dinheiro para investi) seja igual ao volume total de poupanga (oferta de Finheiro). Agora vamos imaginar que por um motivo qualquer {as pessoas e firmas resolvem poupar mais ou investir menos do que antes) poupanga se torne maior do que o investimento. ue acontece entio? Poupando mais, as pessoas dispéem de mnaiores recursos para emprestarem a outras; numa palavra, ALEIDESAY: IMPLICAGOES — St dispdem de maiores “fundos de empréstimo” (loanable funds), em relagfo’a procura por esses fundos, isto é, em relagdo & demanda por recursos para investimento. Isso provocaré uma (queda da taxa de juros. Esta é o prego recebido pelas pessoas que emprestam dinheiro e, inversamente, 6 0 prego pago pelas pes- soas que tomam dinheiro emprestado. Assim, a queda da taxa de juros provocaré, de um lado, a redugtio da poupanga e, de outro, o aumento do investimento, até que estas duas grandezas se encontrem novamente em equilibrio. Talvez seja conveniente ressaltar que nem todos os emprés- timos sto realizados para fins de investimento, uma parte deles sendo usada para consumo, mas isto no altera o problem Suponhamos que uma parcela da populagdo poupa um deter- minado volume de recursos, 0 qual se torna entdo disponivel para empréstimos; a restante parcela da populago usa uma parte desses recursos para consumir e a outra parte para investir. ‘Obviamente a parte consumida, embora tenha sido poupada pelo primeiro grupo, na economia como um todo nfo constitui poupanga mas sim consumo: um consumo que a primeira par- cela da populagdo transferiu para a segunda parcela através de empréstimo. Portanto, somente a parte investida da poupanga do primeiro grupo de pessoas constitui efetivamente poupanca na economia em seu conjunto. O mecanismo da taxa de juros continua a funcionar. Se num dado momento o volume de re- cursos tomado emprestado seja para consumir como para inves- tir se eleva em felagdo ao que as pessoas desejam poupar, isto aumenta a taxa de juros, © que, por sua vez, provoca um acrés- cimo da poupanga (dos fundos para empréstimos) e uma dimi- uigdio da tomada de empréstimos tanto para’ consumo como para investimento. Isto equivale a dizer que ocorre em geral um aumento da poupanga e uma redugdo do investimento, até que ‘estas duas grandezas voltem a encontrar-se em equilibrio, Estamos falando aqui de um mundo monetirio, onde pou- panga e investimento aparecem como oferta ¢ demanda de dinheiro. Que acontece, porém — e ainda de acordo com os tedricos neoclissicos —, no mundo da produgiio de mercadorias e servigos? Um aumento de poupanga corresponde a uma dimi- nuig#o da procura de bens e servigos de consumo, provocando seus propos, © dat uma queda da taxa de lucro nos setores produtores desses bens e servicos. Assim, os capitais se deslocam desses setores para os setores produtores de bens de EA 52. — ACUMULAGAO DE CAPITALE DEMANDA EFETIVA investimento, aumentando’a produgio destes. Portanto, um acréscimo da poupanga e um decréscimo do consumo corres- Penden, no mundo dt produgto, respectivamente uma dim nuiggo de bens e servigos de consumo ¢ a um aumento de bens yde investimento. Quando os capitais se destocam dos setores de ‘bens de consumo para os setores de bens de investimento, isto se justifica, segundo a teoria neoclassica, pelo fato de a poupanca modo que \. ser um consumo diferido, postergado, no tempo — uma poupanga (um nao-consumo) sumo maior depois. Portanto, o maior investimento hoje é neces- sério para produzir maior volume de bens de consumo depois. Apesar do raciocinio cheto de ziguezagues de Alfred Mar- shall, esta concepgio de poupanea e investimento regulados pela taxa de juros pode ser detectada em seus Principles of Economics (ver especialmente livro IV, cap. 7, e livro VI, cap. 1, § 8, e cap. 2, § 3 e 4). E dai em diante esta concepcio se difundiu entre os economistas ortodoxos, embora nfo apenas Marshall tenha contribuido para isto. «. Nota sobre o significado de acumulagdo de capital , 05 termos investimento, acumulagiio € formacao de capital (usados alternativamente) se referem fundamental- mente ao acréscimo no montante de capital fixo » mae quinas, ferramentas, etc.). Para os economistas 3S, Poe economistas posteriores, esses termos ssa diferenca de concei- tuagdo nao finha muita importincia para os problemas que vinhamos discutindo, preferimos ignoré-la e empregamos esses termos como se todos os autores os entendessem de modo univoco. Agora, contudo, cabe esclarecer 0 significado especifico que 05 economistas clissicos atribulam & acumulaco de capi- adotar esse |, como formulado por , foi inteiramente incorporado a escola cléssica da ALBIDESAY: IMPLICAGOES — 53 Economia Politica. Smith ¢ seus sucessores equivocadamente definiam a acumulag%o.como sendo a aplicagdio de capital-di nheiro no emprego de trabalhadores adicionais para 0 processo produtivo; em outras palavras, como um acréscimo no volume de ‘emprego de forga de trabalho. E como esse acréscimo requeria um maior montante de bens de consumo para sustentar os traba- Ihadores, a acumulagdo era também definida como o aumento do consumes’ dos trabalhadores empregados no processo. produ- tivo, Com essa definigao,~w-totalidade da produgdo passava também a ser entendida como sendo composta exclusivamente de bens de consumo; ou seja, dela se excluia toda a produgao de bens de capital." E obvio que nenhum desses economistas desconhecia a exis- téncia dos instrumentos de trabalho (denominados de capital ‘fixo por Adam Smith) e dos ben emesis ( (incluidos na categoria de capital circulante) or rava a part elementos no proc nem_no valor da. sain anualmente . Ese nao partiipavam, dese ; valor, também no se 54 — ACUMULAGAO DE CAPITAL E DEMANDAEFETIVA ‘A produgdo anual de bens de capital era considerada do seguinte modo: o valor da produgdo. desses bens se divide e salérios e lueros (af inclufda também a renda da terra); aos rios deve corresponder, em valor, um montante de bens de"coii= sumo pafa 6s trabalhadores empregados nessa producdo; uma parte dos lucros € usada pelos capitalistas para a compra de seus bens de consumo, e a outra parte para acumular, isto 6, con- tratar novos trabalhadores, os quais vao requerer mais bens de consumo; desse modo, a produsao de bens de capital seria cons- tituida de bens de consumo tanto para os trabalhadores como para os capitalistas envolvidos nessa produgtio. Em suma, a pro- dugdo total de um pais se convertia exclusivamente em produgio de bens de consumo. E a acumulagao de capital passava a ser entendida apenas como o uso dé uma parte dessa produgio de bens _de consumo para a manutengdo de um volume adicional de trabalhadores produtivos. {6 Acunulagan de Capital, cap. 263, 4 OS PRIMEIROS OPOSITORES Nos capitulos anteriores tratamos da influéncia da “lei de Say” sobre o pensamento econémico que vai de Ricardo aos neoclis- sicos anteriores a Keynes. E preciso acrescentar, todavia, que a0 longo desse tempo também existiram autores que se opuseram 4 falsa concepeao de que a produgao cria sua propria demanda.! Entre esses autores, pelo menos dois merecem destaque: Thomas Robert Malthus (1766-1834) e Simonde de Sismondi(1773-1842), ambos contemporaneos de Say e Ricardo. No presente capitulo faremos uma rapida apreciag&o do tra- balho de Sismondi e dedicaremos mais tempo ao exame da con- tribuigo de Malthus para o esclarecimento do problema da demanda efetiva. 1. Sismondi A principal obra econdmica de Simonde de Sismondi (Nouveaux Principes ichesse dans ses Rap- ports avec la Popul publicada pela primeira vez em Paris em 1819 e a segunda e: Sismondi no se propée ex mercados” de Say, mas suas idéias acerca da relagdo entre dugo ¢ demanda se encontram em oposicdo a0 cpio, Essa relagio é explicada por ele no livro I, titulo jé evidencia uma oposigdo & iz pro- ‘Ronald L, Meek, "Phy ‘Economica, msi de 193, ‘of Under: Consumptio 56. — ACUMULACAODE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA Reciproca da Produgao pelo Consumo ¢ da Despesa pela Ren- da”. Passando por cima da confusio que Sismondi faz com os conceitos de produgio, renda e despesa, 0 que ele pretende demonstrar é 0 seguinte: o nivel da despesa nacional é “ lado” pelo nivel da renda nacional (embora, grandezas Ha Sejait necessarlamente iguais); por outro lado, porém, cle sustenta — e isto é que nos interessa destacar — que 0 nivel da produgfio depende da magnitude da demanda global (que ele identifica inteiramente com o consumo global). Assim, em sua concepedo, para o desenvolvimento equilibrado da eco- nomia seria preciso que a produgio, a renda e o consumo cres- cessem proporcionalmente, Em suas palavras: Por tudo que acabamos de dizer, vé-se que o desarranjo na relagio a produgdo, a renda e 0 consumo torna-se igual- ‘al A nagdo; seja porque a produgio dé Em oposigao limitadora_do crescimento_da_produgdo assume importancia crucial na obra de Sismondi. E a este argumento que ele recorre para negar inclusive a possibilidade de desenvolvimento do capitalismo. Sua tese é a seguinte: com a proliferagdo de grandes empresas e grandes exploragdes agricolas — acompanhada pelo aumento da produtividade do trabalho — e com 0 crescimento da forga de trabalho assalariada — de baixo poder aquisitivo —, a produgdo tenderia a se tornar muito maior do que 0 consu- mo; logo, o consumo constituinia um Helo ao aumento da pro- dugo. Em outras palavras, hayeria uma grande contradi¢ao: 0 10, No processo mesmo de seu crescimento, estaria reduzindo 0 mercado interno para seus produtos (de consumo). Para cada pais em particular, essa contradigao s6 poderia ser superada se o pafs pudesse vender no exterior o excedente de producdo sobre o consumo. Vale a pena assinalar aqui, de pas- sagem, que essa tese_subconsumista encontraria, mais tarde, adeptos mesmo entre autores de formagao marxi Os maiores erros na formulagio dessa tese esto nos fatos de se levar em conta exclusivamente a demanda por bens de consu- ie Say”, 0 problema da demanda como ALEIDESAY:IMPLICACOES — $7 mo e de se supor que mesmo o consumo se reduza com o cresci- mento da forga de trabalho assalariada. Mesmo a baixos salé- rios, 0 crescimento da forga de trabalho que acompanha a ex- pansio do capitalismo tende a aumentar o consumo global dos trabathadores. Alé mereado de bens de produigdo (mé- ios de transporte, etc.). Assim, o proble- anda levantado por Sismondi nfo poderia, para ser correto, limitar-se aos bens de consumo. De qualquer forma, o grande mérito desse autor est precisa- ‘mente no fato de ter sido ele um dos primeiros economistas a introduzir 0 principio da demanda efetiva (apesar de incorreta- ‘mente formulado) no proprio cerne do problema da acumulagio de capital no sistema capitalista. Nao obstante esse mérito espe- , no todo sua obra é muito fraca: os conceitos s4o impre- argumentos nao convencem, sua principal tese (da ilidade_de expansio do capitalismo) ja vinha sendo desmentida no momento mesmo em que era formulada, e, ain- da por cima, seu ideal politico (uma sociedade constitufda de Pequenos produtores) ndo passava — para usar de uma expres- so empregada por Lénin — de um “romantismo econdmico”,? em conflito com o capitalismo em franca ascensao. Em vista de tudo isto, é facil compreender que Sismondi nao tinha condigées de se opor a Ricardo, cuja obra ndo apenas era possuidora de coeréncia légica mas também marchava na mesma dire- 40 da Histéria, ao procurar explicar e defender o sistema capi- {alista emergente e em expansio. 2. Malthus As concepgdes de Malthus a respeito do problema da demanda efetiva se encontram formuladas em sua correspondéncia com Ricardo e, principalmente, em seu livro Principios de Economia Politica, cuja primeira edi¢ao foi publicada em 1820 e a segunda, com alteragdes, em 1836, dois anos apés a morte do autor. 3 A critica & obra de Sismondi& feita por Lénin em seu lvra Pour Caractériser le ‘Romantisme Economique (a edkdo original, em russ, & de 1897, ‘88 — ACUMULAGAO DE CAPITALE DEMANDA EFETIVA a, Capacidade produtiva e demanda efetiva Como sabemos, de acordo com a “lei dos mercados” de Say adotada por Ricardo, 0 crescimento econémico de um pais de- pende exclusivamente do aumento da capacidade produtiva, posto que tudo que for produzido seré necessariamente ven- dido. Malthus se opée frontalmente a esse argumento. De acordo com ele, o crescimento econdmico ("“o progresso da riqueza”) depende nfo sé da magnitude da capacidade produtiva mas também da grandeza da_demanda efetiva pela produgo que pode ser efetuada com essa capacidade: Jé vimos que os poderes de produclo, qualquer que seja sua gran- deza, ndo\slo sulclentss para assogurar a eriagho de um propor. cional grau de riqueza. Alguma coisa mais parece ser necesséria a fim de colocar esses poderesintelramente em aydo. Esta € 4 de. ‘manda efetiva e irreprimida por tudo que for produzido. E 0 que parece mais contribuir para o alcance desse objetivo € uma distri- buigdo da produg&o € uma adaptagio dessa produgio aos desejos das pessoas que devem consu (Malthus, Principles of Political Economy, parte Il, cap. 1, gsunto tratado por Malthus no longo capitulo 1 jobre o Progresso da Riqueza”) da parte II de seu Nesse capitulo ele examina os determinantes do desen- mento econémico pelo lado da capacidade produtiva e pelo lado da demanda efetiva. E curioso observar que, com esse procedimento, Malthus antecipa de um século a metodologia adotada nos chamados “modelos post-keynesianos de cresci- mento econdmico” (mais especificamente, os modelos de Harrod eDomar). Entre os determinantes do aumento da_capacidade_produ- tiva, Malthus destaca a acumulagto de capital (seo 3 do refe- ido capitulo 1), a fertilidade do solo (segio 4) e o progresso técnico (seco 5). Como elementos importantes na ampliagio da demanda efetiva, ele relaciona a divisto da propriedade da terra (ego 7), comércio interno e externo (sego 8) e 0 con- siimo dos trabalhadores improdutivos (segdo 9). b. Acumulagao de capital Nao hé divida de que a melhoria da fertilidade do solo e as ino- vagies técnicas no processo de trabalho ampliam a capacidade a ALELDE SAY: IMPLICAGOES — 59. Produtiva de uma economia; a mesma coisa acontece em decor- Téncia da acumulagdo.de capital. Mas no 6 essa a questiio central levantada por Malthus; ele est’ mais interessado em saber quais os motivos que levam um pafs a aumentar sua capa- cidade produtiva, Para falar apenas da acumulagio de capital: E certamente verdadeiro que nenhum aumento permanente e con- tinuo da riqueza pode ocorrer sem um continuo acréscimo de ca- pital (. . .). Mas temos ainda de indagar qual é 0 estado de coisas ue geralmente predispse uma nagdo a acumular, Udem, seco 3, p. 314, © que leva os capitalistas a acumular é seu desejo de produzir mais para auferir maiores lucros. Mas para que isso possa ocor- rer & preciso haver maior demanda, maior capacidade efetiva de adquirir a produgio acrescida. Essa demanda nao deve ser confundida (como acontecia com Adam Smith, Ricardo e ou- tros) com a necessidade ou 0 desejo de consumir por parte da Populacdo; a demanda efetiva é aquela que se expressa por um real poder de compra ¢ que se concretiza no ato de compra. De onde provém essa demanda? Ao examinar a questio, Malthus manifesta seu total desacordo com a “lei de nenhum modo é verdade que, de sejam sempre trocadas por mercadorias” (p. 316). Segundo ele, tanto James Mill © Say como Ricardo — os principais defensores daquela doutrina — incorreram em trés erros fundamentai Primeiro, desprezaram as caracteristicas proprias das merca- dorias em relacdo as demandas especificas dos corsumidores (cf. p. 316-320). Segundo, supuseram que toda a renda seria necessariamente gasta (cf. p. 320-322). Terceiro, adotaram o principio de que'a acumulacdo de capital asseguraria demanda Para a produgao adicional (cf. p. 322 e seg.). Além desses erros, Malthus faz ainda referéncia a um outro, embora apenas de Passagem: a desconsideracdo pela importancia do dinheiro no Proceso de circulagdo de mercadorias. + Vejamos um pouco mais de perto os argumentos de Malthus a respeito do segundo ¢ terceiro erros acima apontados. Vamos 60 — ACUMULAGAODE CAPITALE DEMANDA EFETIVA, dividir a renda nacional em salérios ¢ lucros e supor a existéncia de apenas dois tipos de produtos: bens de consumo para os tra- balhadores (que designaremos por bens essenciais) e bens de ‘consumo para os capitalistas (ou bens de luxo). Com a acumu- lagdo de capital € preciso produzir maior quantidade de bens essenciais, para o consumo do maior nimero de trabalhadores empregados; 0 ntimero adicional desses trabalhadores apenas assegura maior demanda por bens essenciais. Acontece, entre- tanto, que com a acumulagao de capital o montante de lucros também deve aumentar; para que houvesse demanda pela parte da produgao total correspondente a esse montante de lucros, os capitalistas teriam de gasté-los inteiramente. Ou seja, de um ado temos saldrios e lueros e de outro temos a producio divi- dida em bens essenciais e bens de luxo. Os trabalhadores gastam seus salérios com a compra de bens essenciais; e os capitalistas, como devem despender seus lucros? Se eles os utilizarem para ampfiar ainda mais seu capital (isto 6, empregar mais traba- Ihadores), eles estaro apenas aumentando 0 consumo de bens essenciais por parte dos trabalhadores, mas nenhum capita- lista acumula capital apenas para que os trabalhadores consu- mam mais.5 Assim, os capitalistas devem empregar seus lucros na compra dé bens de luxo; mas aqui surge o problema crucial evantado por Malthus. Os adeptos da “lei de Say” supdem que o lucro é totalmente gasto: uma parte cm congumo e a parte restante em acumiilagao de capital. Para Malthus, entretanto, isso ¢ falso: deixan¢ nde lado a parte do lucro usada para acumiulagao, a outra parte no é inteiramente gasta em consumo; ouseja, uma parte do Tucro nog gasta em coisa nenhums, porque os capitalistas, multas ve- zes, em lugar de acumular capital ou adquirir bens de luxo,_pre- ferem a simples “indoléncia", o que é um “importante principio da natureza humana’ . O conceito de “preferéncia pela indoléncia” de Malthus é muito parecido com o da “propensio a poupar” de Keynes. Qual seria seu resultado? O efeito da preferéncia pela indoléncia, em vez de por bens de luxo, seria evidentemente o de ocasionar uma caréncia de demanda pelos retornos [isto é, produtos] dos acrescidos poderes de produgo (© Nao havea qualquer tipo de uidade para ofazendeiro continuar cltvands nu tera como objetivo de apena formect alimentoevestrio para seus {rab thadores.” (Malthus, op. cit., p. 324.) " ALEIDESAY:IMPLICAGOES — 61 supostes fisto 6, decorrentes da acumulagdo de cs de expelir 0s trabalhiadores de seus empregos. dem, p. 320 Malthus imagina, como exemplo, a seguinte situagto (ver p. 08 fazendeiros consomem os bens de luxo produzidos lustriais e estes adquirem os bens de luxo produzidos pelos primeiros. Se cada uma dessas duas classes sociais com- prasse todos os bens de luxo produzidos pela outra, “tudo corre- Ha facilmente”. Se, entretanto, 0 fazendeiros reduzissem seu consumo, eles diminuiriam os lucros dos industriais, os quais, por sua vez, seriam obrigados assim a consumir menos bens de Iuxo produzidos pelos fazendeiros. A conseqiléncia disso seria uma queda na produgdo, primeiro, dos imdUstriais ¢, em segui- da, dos fazendeiros, porque a demanda por seus produtos tarla menor do que antes. Com a queda dessa produgio ocorreria também uma dispensa de trabalhadores, provocando ainda um outro resultado: um decréscimo da demanda ¢ da producto de bens essenciais. Como se vé, fem-se ai um exemplo de crise econdmica provocada pela insuficiéncia de demanda efetiva, que os adeptos da “lei de Say" jamais imaginaram como sendo possivel.6 Desde Adam Smith que a parciménia é considerada uma das maiores virtudes a serem veneradas entre os capitalistas, por- que seria através da frugalidade de seu consumo que eles obte- riam a poupanga para ampliagio de seu capital: “Os capitais so aumentados pela parciménia e diminuidos pela prodigali- dade e mé conduta.”” Malthus poe em diivida essa virtude. Ele aceita a necessidade de um certo nivel de poupanca para ser transformada em capital; mas além desse nivel a poupanga se transformaria pura e simplesmente em desestimulo & acumu- lacdo de capital, porque geraria uma insuficiéncia de demanda efetiva em relagao & capacidade produtiva. Assim sendo, para que a economia atingisse seu mais alto ritmo de crescimento, ‘at o nivel adequado de poupanca. Na Intro- , Malthus resume claramente seu argumento: dugdo a seu

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