You are on page 1of 7
Sindromes psicéticas (quadros do espectro da esquizofrenia e outras psicoses) Mudos atalhas afora, na soturnidade de ata noite, eu e ela caminhavamos. gi c ‘no calabouco sinistro de uma dor absurda, como de ras devorando entranhas, sentinéo uma sensibilidade atroz morder-me, dilacerar-me. Ela transfigurada por tremenda alienagdo, louca, rezando As sindromes psied- ticas caracterizam. se por sintomas tipi cos como alucina- gées e delirios, pen- samento desorga- nizado e comporta- mento claramente bizarro, como fala ¢ risos imotivados (anzarik, 2003). Os sintomas parandides séo muito comuns, como idéias delirantes € alucinagdes auditivas de contetido per secutério, Em alguns casos, observa-se uma delirantes e alucina- SSaerieerh eer « solugando baixinho rezas bérbaras, Eu. ela, ela eeu! ~ ambos alucinados, loucos, na sensagda inédita de uma dor jamais experimentada, Cruz ¢ Sousa, Balada de Loucos desorganizacao profunda da vida mental do comportamento, de qualidade diver- sa a que ocorre nos quadros demenciais, zo delirium ou nos quadros de retardo men- tal grave (Schimid, 1991). Os autores de ‘orientacao psicodinamica tendem a dar én- fase & perda de contato com a realidade ‘como dimensio central da psicose. O paci cente psicstico, nessa perspectiva, passaria a viver fora da realidade, sem ser regido pelo principio de realidade, e viveria pre- dominantemente sob a égide do principio do prazer e do narcisismo. Pacientes psi- "Gruz e Sousa, poeta simbolista, experimentou em sua vida o softimento de forma especialmente atroz. Intelectual negro, reeitado pelo meio social de entdo, falecett cedo, aos 35 anos, pobre e tuberculoso. Refere-se nessa balada a um episédio real que The acontece lum passeio com sua esposa, notou que ela subi voltar para casa de jtamente estava enlouguecendo. 328 Paulo Dalgelarrondo céticos tipicamente tem insight prejudi- cado (precéria cons- cigncia da doenca) em relagao aos seus sintomas ¢ sua condigéo clinica geral (Dantas; Banzato, 2007). ee irate oe Perea ere Crt) ESQUIZOFRENIA A principal forma de psicose, por sua fre- ‘liéncia e sua importancia clinica, é cer- tamente a esquizofrenia (Tsuang; Stone; Faraone, 2000). Considera-se que alguns sintomas s4o muito significativos para 0 diagnéstico da esquizofrenia (Tandon; Greden, 1987), particularmente aqueles ‘que Kurt Schneider (1887-1967) denomi- nou “sintomas de primeira ordem’. Sintomas de primeira corde de Kurt Schneider 1. Percepgdo delirante. Uma per- cepcao absolutamente normal re- cebe uma significagao delirante, ‘que ocorre de modo simultdneo 20 ato perceptivo, em geral de forma abrupta, como uma espécie de “revelacio”. 2. Alucinagées auditivas caracte- risticas. Sao as vozes que comen- tam e/ou comandam a ago do paciente, 3. Eco do pensamento ow sono- rizagdo do pensamento (Gedan- kenlautwerden). 0 paciente escu- ta seus pensamentos ao pensé-los. 4, Difusio do pensamento. Neste caso, 0 doente tem a sensagao de ‘que seus pensamentos sao ouvidos ‘ou percebidos claramente pelos ‘outros, no momento em que os pensa. 5. Roubo do pensamento. Experién- cia na qual o individuo tem a sen- sagio de que seu pensamento é inexplicavelmente extraido de sua mente, como se fosse roubado. 6. Vivencias de influéncia na esfe- ra corporal ou ideativa. Aqui, dois tipos de vivéncias de influén- cia so mais significativos: + Vivéncias de influéneia cor poral. Sao experiéncias nas quaiso paciente sente que uma forca ou um ser externo age so- bre seu corpo, sobre seus ér- gos, emitindo raios, influen- ciando as fungdes corporais, ete. + Vivéncias de influéncia sobre © pensamento. Referem-se & experiéncia de que algo infiu- encia seus pensamentos, 0 pa- ciente recebe pensamentos im- postos de fora, pensamentos feitos, postos em seu cérebro, ete. Também as vivéncias cor porais ou ideativas tém a qua- lidade de serem experimenta- das como feitas, como impos- tas de fora Os sintomas de primeira ordem Cee dicam a profunda [aameutiaea Beer alteragdo darelacéo PACS erent Eu-mundo, o dano [EREPR eyeing radical das “mem- branas” que delimi- tam o Euem relagao a0 mundo, uma per- da marcante da di- mensio da intimi- dade. Ao sentir que algo € imposto de fora, feito & sua revelia, © doente vivencia a perda do controle so- bre si mesmo, a invasao do mundo sobre seu ser intimo. Esse tipo de experiéncia psicética, dos pensamentos mais intimos Eeoeeeacts ees ee tre Puen eee re Psicopatologia ¢ semiclogia dos transtornos mentais 329 serem imediatamente percebidos por ou- tras pessoas, expressa a vivéncia de uma considerdvel “fuséo” com 0 mundo, um avancar terrivel do mundo piblico sobre 0 privado, assim como um extravasamento involuntério da experiéncia pessoal e inte- rior sobre o mundo circundante. Os sintomas de segunda ordem de Schneider sé0 menos importantes para 0 diagnéstico de esquizofrenia. Apenas em certos contextos (nos quais outros aspec- tos do quadro clinico ¢ o todo da histéria clinica indicam esquizofrenia) eles devem ser considerados contributivos para tal diagnéstico. Sao eles: perplexidade, alte- ragbes da sensopercepcdo (excluindo aque- les de primeira ordem), vivéncias de in- fluéncia no campo dos sentimentos, impul- sos ou vontade, vivéncia de empobrecimen- to afetivo, intuigdo delirante e alteracdes do animo de colorido depressive ou mania- tiforme. Os psicopatélogos do final do século XIX e inicio do XX distinguiram quatro subtipos de esquizofrenia. A forma pa- ranéide, caracterizada por alucinagdes € idéias delirantes, principalmente de con- tetido persecutério. A forma cataténica, marcada por alteragdes motoras, hiperto- nia, flexibilidade cerdcea ¢ alteragdes da vontade, como negativismo, mutismo e impulsividade. A forma hebefrénica, ca- racterizada por pensamento desorganiza- do, comportamento bizarro e afeto puerl E, finalmente, definiu-se um subtipo sim- ples, no qual, apesar de faltarem sintomas caracteristicos, observa-se um lento e pro- gressivo empobrecimento psiquico e com- portamental, com negligéncia quanto aos cuidados de si (higiene, roupas, saide), embotamento afetivo e distanciamento social. ‘A definicdo precisa da esquizofrenia, seus sintomas mais fundamentais e carac- terfsticos, aquilo que Ihe & mais peculiar € central, é tema de intensas discusses em psicopatologia. Apesar do surgimento dos antipsicéticos de primeira e segunda geragées, a clinica das psicoses em ge- ral e da esquizofre- nia em particular permanece, com al- gumas mudancas superficiais, com a ‘mesma estrutura bé- sica (Leme Lopes, 1979). Dentre as mais importantes detini- ‘Ges de sintomas essenciais na esquizo- frenia, esto as apresentadas por autores cléssicos, citadas no Quadro 30.1 Nas tiltimas décadas, tem-se dado mais importancia A diferenciacao da es- ‘quizofrenia em tés subtipos (Andreasen, 1995). enor aren fundamentais e ca- Pere eeer que the & mais pe fear) es Cos 1. Sindrome negativa ou deficitéria 2. Sindrome positiva ou produtiva 3. Sindrome desorganizada Esses subtipos so apresentados a seguir. Sindrome negativa ou deficitéria (sinto- mas negativos) Os sintomas negativos das psicases esquizo- frénicas caracterizam-se pela perda de cer- tas fungdes psiquiicas (na esfera da vonta- de, do pensamento, da linguagem, etc.) e pelo empobrecimento global da vida afeti- va, cognitiva e social do individuo. Os prin- cipais sintomas ditos negativos ou defici- tarios nas sindromes esquizofrénicas so: 1, Distanciamento afetivo, em sgraus varidveis até o completo em- botamento afetivo; perda da ca- pacidade de sintonizar afetiva- ‘mente com as pessoas, de demons- trar ressonancia afetiva no conta- to interpessoal. 330 Paulo Dalgelarrondo Quadro 301 Definigdes de esquizatreni segundo Kraepel Emil Kraepelin (1856-1926) ‘Aeragdes da vontade (gerde do eval ‘egatvisme,impulvidade, etc) Embotamento sfevo ‘Alterages da atengdo e da compreensio Transorno do pensamento, no sentigo de associagdes frowas ‘Alucinagdes, especialmente auditvas ‘Sonorizagdo do pensemento Vivencias de intnca sre o penssrento Evolugao detrirante (23% dos cscs) ro sentido Ge embotamento geal de persenaidade Karl Jaspers (1883-1969) labios delantesprimérias,rao-derwaveis ou ‘ompreensiveispscocgcamenie Hamer dalirante prececenco delrio ‘AlucinagSes verdadeiras,primérias Vivineis deinflusneia, vivéncas do “Yeto™ ‘Ocorréca ou ifugao deliante ‘Anaisando a vid otal do pacient,rolase que corres quebra na curva exstenca os sites ‘azem pare de um processoinsiioeo que stansorma rasiearmentee pevsonaidede © 8 fexstdrcia do doen Bleuler, Jaspers, Schneider, CID-10 e DSM-IV Eugen Bleuler (1857-1939) ‘terest formas do gensemento, no envio de afrouxamento et dseociagdo das associagges ‘Ambivallnela sfetve feos contradtrios ‘veriads inlersamente a9 mesmo ter ‘Audis, come tensérca a um wolamento oigico {gobs em relacdo ac murdo, um “ersimesma- renic™ rica Dissociagao ideatetiva, desarmons pro‘unda lene 6 dbs @ 0s aes Evolugto muito heerogénes, podendo muitos asog presence evlugio Benen Kurt Schneider (1887-1967) Percepgio dlrarte Vezes que comeniam a 2:30 ores que comendam a 2730 Eco ou sonarizagio do pensamento Diusio do pensamento Roato do pensaento \Vivneias de india no lane corpora do pensamento 1010 DSM-IV ‘Ateraedo das fungBes mais bisieas que dio 3 estoa senso de indvcvaldade, uricidae e de Grecdo de si mesmo Eco, inserio,iradiagdo ou roubo do censamen'o Delrige de infudncia conrcle ov passvsade ores que comentam 2 2630 Delis persistentes cultiraimente inapropriados Alucinagdespersistentes de avalquer masse, fem caro corti aflva (ndo-

You might also like