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Q LEITOR Depois de “O que é a literatura?”, “Quem fala, € “Sobre que?", a pergunta “Para quem?” parece inevitivel. Depois da fureratura, do autor e do mundo, o elemento literirio a ser indo com maior ungencia é 0 Jeitor. O critico do roman- lismo M, H. Abrams descrevia a comunicagao literaria partindo do modelo elementar de um triangulo, cujo centro de gravidade era ocupado pela obra, e cujos trés apices correspondiam 10 mundo, ao autor € ao leitor. A abordagem objetiva, ou formal, da literatura se interessa pela obra; a abordagem expressiva, pelo artista; a abordagem mimética, pelo mundo; ea abordagem pragmatica, enfim, pelo pablico, pela audiéncia, pelos leitores. Os estudos literarios dledicam um lugar muito ariivel 20 leitor, mas, para que se veja com maior clareza, como acontece com o autor € com mundo, nio é inoportuno, partir novamente dos dois polos que retinem as posigdes aantitéticas: de um lado, as abordagens que ignoram tudo do leitor, € do outro, as que o valorizam, ou até 0 colocam em primeiro plano na literatura, identificam a literatura & sua leitura. Em relagdo ao leitor, as teses so tio radicais quanto em relagao a intengio © & referencia, ¢, naturalmente, elas nao sio independentes das precedentes. Meu procedimento consistira ainda uma vez em opé-las, em criticé-las e procurar uma safda para essa terceica alternativa em que nos fechamos, ALEITURA FORA DO JOGO. ‘Sem remontarmos # muito Longe no tempo, a controvés sobre a leitura opés, por exemplo, o impressionismo € o posi- tivismo no final do século XIX. A critica cientifica (Brunetiére), depois a hist6rica (Lanson) criara polémica contra o que ela chamava de critica impressionista (Anatole France, sobretudo), conforme a expectativa do texto, é uma leitura que se neg ela propria como leitura. Para Brunetigre e Lanson, cada um objetivo e, quando bem praticado, dantes 0 habito de ler atentamente e interpretar fielmente os textos literdrios". Uma outra negagao da leitura, baseada em premissas bem diferentes, mas contempotinea, se encontra em Mallarmé, que afirmava em “Quant au Livre" [Quanto ao Livro}: “Impersoni- ficado, o volume, na medida em que se se separa dele como autor, no pede a abordagem do mos, desgarrados 20 mes fem sua pureza de essenciais. Do mesmo moda que a es Segundo sew iear, mas ser” — eles boratério para dele im, um dos fundadores do New Criticism, 0 ava o problema enorme levanta ica nos estudos literrios. Em seus Principles of Literirial (1924), ele inguindo coment cos tratando clo objet tratando da experiencia ter tir do modelo criado onto de vista d riormente pelas ex; foram relatadas em Practical Criticism Durante anos, Richards pediu a seus alunos de ppoemas que ele Ihes apr ele dava suas aulas sobre tais poems, ov lantes sobre os poems. ichaeds Ihes aconselhava a fazer leituras sucessivas dos textos ‘dados (em média raramente menos de quatro, € um maximo de doze) € pedia que anotassem por escrito suas reagoes a dos foram de maneira geral pobres, ‘nds nos perguntamos sobre o tipo de ds a continuar sua experiéneia por vam por uma uridade, arro- conjunto dessas deficiéncias tornavas ie provivel das coisas na fracassa diante do texto, ousaram fazer esse diagnéstico desse estado de fato no 0 levou, \incia. Ao invés de concluir pela necessidade ica que pesquisasse o contra-senso ¢ a mi le Heidegger e de Gadamer, ele reafitm ura rigorosa que corr pode ser desconcertante, is o problema pr iduais e cui do poema”.* Em outros termos, na oj essa. experiéncia pritica especialmente ida com a idiossincrasia e com a anarqu reforcava a necessidade t descompromiss rgéncia de uma hermenéutica da k © 8 pogtica, quando chegaram a s andlises, contentaram-se cor Assim, a desconfianga em ‘muito tempo — us ando tanto © positivismo into 0 New Criticism quanto o estrutu- dagens, quer digam resp tagho, em todos esses mi conhecem sua presenga, como € 0 caso de eds, a ten: ina da as falhas dos tores empiricos. A RESISTENCIA DO LEITOR Lanson, apesar de si ‘com os argumentos de Proust a favor da tes termos: ‘Nao se atingiria nunca o livro, mas sempre um ‘¢ misturando-se a ele, © n0ss0, ou Nao poderia haver acesso imediato, de vista he do livro), em seguida em O Tempo Redescoberto. Aqui que nos lembramos, aquilo que marcou nossas leituras da infincia, dizia Proust, afastando-se ro € 0 pr6prio livro, mas o cendrio no qual nés 0 lemos, Jmpress6es que acompankar vver com emp: toriamente o livro, adapta-o as preocupagoes do | Proust repetiré em O Tempo Redescoberio, 0 leitor aplica 0 43 Albert Thibaudet a Georges Poulet rtinclo de uma empatia que esposa o movimento ckt ‘A hermenéutica fenomenol m também favorecido o retorno do lei associando todo sentido a uma conscién Literatura’, Sartre vulgarizava a versio fenomenol: papel do leitor nestes termos: pa coletdnea e a casifcaglo das impres 20 se apreendesse um el tagdo que poderia s ‘objeto se Estamos longe monumento, ou aind: afastava o “consumidor" ‘essat-se exclusivamente pela “prdpr coisa sensivel Na esteira de Proust © as abordagens te6ricas de Poe- 8 pesquisas contemporineas de ss de Cambridge nos fazem duvidar que lagens possam levar “a um elemento permanente € interpretacao*, algo como o sentido em opos ratio, a despeite ust pesou cada vez mais nessa vi (Stanley Fish, Umberto Eco). Bart tiva da leitura, Nesse caso, escritura e leitura co pouco a pouco do leitor: em $2, o codigo que ele denomina “ M5 pode, ou deve, preencher as lacunas do texto a 1 Texto atval, em filigrana, 0s outros textos Viruais? Ihe faz? A leitura & ativa ou passiva? Mais ativa Ou mais passiva que ativar Ela se desenvolve em que os interdocutores teriam a possi- iduas ou, 20 contririo, como a at ncia coletiva? A imagem de um ‘uberdade vigiada, controlado pelo texto, setia a recepedo, com as vezes a pesquisa sobre a leitura se disfarga ismo, acusava-se a0 somente 0 fetichismo das “fontes’, mas também a pesquisa 146 mma obra pela sua sobre as obras posteriores, nao pela leitura dos individual ou coletiva ao texto literitio. OLEITOR IMPLICITO recepgio se prock da estética fenomen preensio, que € uma Teitura inocente, 1 vai para o texto com suas pi descrevia o fei texto que outros textos —, € os acontecimentos us proceso da lei sitivo potencial baseado no qual o lei ‘61 um objeto coerente, 0 sentido 6, pois, um efeito experimentado pelo iniio um objeto definido, preexistente a leitura. Iser aj jo, ndo sem ecletismo, 0 mod Como em Ingarden, 0 texto sua incompletude € a"-® Pov e para tris, sendo que um io da pesquisa do sentido © das se dizer que satura se realiza in dupla ‘um todo. Segundo que € rea texto é um dispo- ¢ heterogénea. se conc Ww ‘que cada um de seus clementos pode ser reconhecido em se coragto tale pelo l pelas instrugoes do texto. Segundo Iser, 0 | Iser, a nopdo principal decorrente di leitor implicito, ion {A Retorica da Fiecao] (1961). Posicionan- -se na €poca contra o New Cri tengo do autor (evidentemente ligack ), Booth defendia a tese segundo a q) ¢-de sua obra para obedecer 3s suas instrugdes: © eonecito de ddesigna uma fede de estruu cobrigam o leitor a eaptar 0 a0 mesmo temps simultaneamente como estrutura textual (0 leitor implicito) e como ato estruturado (@ leitura real). para ocupar ou nao. Por exemplo, nx de 0 Pat Gortot: 150 esper-se q nagdes fornecidas pelo texto até entlo, ‘mas a do viajante. & © modificacdo da expectativa, pelos « 10 longo do caminko, parece-se com uma viagem presente diante de nossa atencao: como um viajante 0, 0 leitor, a cada instante, 56 percebe ‘mas relaciona tudo 0 que vin, gragas @ sua elece um esquema de coeréncia cuja natureza e confia~ le dependem de seu grau de atengio. Mas nunea tem. ‘Assim, como em Ingarden, a indispensivel. AS convengdes que reorganizadas pelo texto, que Ipostos do leitor sobre 2 rea ixa, no entanto, pendente constituem o repertério «tesfamiliaiza ¢ reforma os pre lidade, Toda essa bela descricto 152 nte liberalismo, o leitor escolha obedecer teotias da leitura nas ide crescente conferida 0 Je gor, apesar de tudo, de um g lade em relagio radicions mente porque 0s textos 40s qh cada vez modemos, s40 cada cada vez mais 0 | universal pelos formalistas 145805, ‘cados nia estética futurista particular na qual se encon- ‘0s textos modemos, onde nos detalhado do que num nais aberta, da leitura, leita como modelo Inegavelmente essa teoria € atraente, talvex até demas. Bla oferece uma sintese de pontos de vista diversos sobr 2 fenomenologia € 0 foralismo romance? Ou, ento, 0 romance c ficado de pés-moderno, fragment comportamento seria ainda regulado por uma busca de coe- sar da aparéncia, dono efetive do jogo: rminat 0 que € determinado e 0 que nao 0 €. presentaca como um avango da ler sido, afinal de contas, recepgao de Iser, a teot ido com 0 senso comum ‘common sense). Todo mundo sabe, lemb juc os leitores competentes Ieem os mesmos t tores, mais a fundo, mais vara provar que um texto nao esti plena- , 08 professores dao as melhores bem nao ser sendio uma for afinal de contas, ji no se celogio, mas ha elogios comprom jos de uma maior ‘da recepeao por voltar sub: 0s pan pois, 2 estét ite & aberta a um leque ou ainda da tese de Michel Charles tem maior peso do que a in| © HORIZONTE DE EXPECTATIVA (FANTASMA) (0, retenhamos simplesmente que Jauss chama de borizonte de expect Fins iam dela Tasse de leitores) num dado momento; is que define uma geragio historica rede dos pressupostos ito, quando falamos de um ieotia dos géneros ‘Mas 0 género ni faz parte das questoes Fundament De qua? Para quem?” — hi pelo menos a ser tratada do estilo, pois lugares em que veo: no prOximn t6rica da nog: (© genero, como taxinomia, permi jcar as obras, mas sua pertinencia te6ric: 0. A constatagao dessa leva a cortigic a visio convencional que realizaglo € 0 texto texto considerado como fala ponto de vista do como uma lingua , sua concreti- 12, consierada. con Mestno ico dos géneros, por exemp! ‘ere, io por isso, apresenta a celacio . a partir do modelo dual, espécie € -$ mostram que ele adota na realidade uma prog 10 & a5 ol mnvencoes h imagina que 0 texto per at, dentte os recursos lexto, aqueles que sua | como ecg lteririo, conjunto de norm informa olor sobre a mania pe 2s generos, conforme fosse © mundo fiecional represents melhor, pior que o mundo real, ou ig, dh recepgae masiado conven ‘? int do autor, libertando sempre mais 0 let es relacionadas 3 sua inscrigio no texto, a6 teorias seguindo duas ter dado toda a ymaram, como se fe humanisia dicotomia texto leitor que foi contestada, © seus de jamados na nogio englobadora ¢ , que designava os sistemas apagassem diante de uma entidade sem a qual nem um nem outro existiriam eda qual eles emanam paralelamente. Acte- ditar em sua diferenca, na autonomia relativa de um © de sim pedir demais a uma teoria cada vex pois insustentivel, Desta vez slo as revira do eritico americano Stanley radicalizagao autodestrutiva da tcori mo. Insistir na pode realmente itura & descr 3H; esse caso este permanece sismo e tudo que se Fez foi subst cor: critica 4s vezes formulada cont ros partidrios do texto virtual, ¢ a invo iro termo entre a intengio do autor ¢ a , Mintentto operis parece, como jf disse, um s resolve de maneira alguma a aporia, Pa fesse resto de intencionalismo dissimulado numa apolo evitando cair naquilo que os New Critics ck Fish, depois de ter lo autor ¢ a autoridade do texto pela autoridade do Igou necessivio reduzit as trés 3 a ladles interpretativas*, Seu livro de 1980, Sala’, coletanea de atigos da década precedent ssi posi¢io dristica ¢ ilustra, por scu movimento nillisca, a © a decadléncia da teoria da recepeio: depois de ianclo a objetividade do texto, ‘caminha para, \do o principio de uma esilistica afetiva, 6a propria dualidade texto ¢ do leitor que € recusa: «le sua interagao. A tese tiza ainda as conclusdes io prisioneiros em, a menos que 0 fato de confira ainda mais iden ‘qual perten- imd-los de “prisioneiros” lhes 160 inda da histéxia a tadicion tem como resultado preservar a comunidade ideal dos homens de letras. Ela Perpetua, pois, uma concep¢ao romantica ou vitoriana da jeratura, criando a hipotese dle um leitor competente que saberia reconhecer as estratégias do teato. Segundo Fish, a prova da cumplicidade inconfessada das teorias da recepeio mais sofisticadas com a velha herme- uta filolbgica se deve ao fato de que as dificuldades da {eitura continuam a ser apresentadas como se elas deve: ser resolvidas, © no somente experimentadas, pelo leita io sio fatoy auténomos (anteriores mas fendmenos que resultam erpreta- 1 aceitar 0 postulado do lugar-comum da precedéncia mutua da hipécese e da observacao, comple- imentar 2 do todo e da parte, que continua a justificar, a seu ver, as hermen€uticas modernas. Jd que o itor omega sempre or uma interpretacio, nao ha texto preexistente que possa controlar sua resposta: os textos sio as Fazemos deles; nds escrevemos lo outras denominacdes mais recomendavels. Mas, 161 imensto da ine aj (ores, nto resiste mais. is pela introdugho do los lterrios, seria suficiente anular a literatura pelo seu retorno a cena literdria juntamente com 0 autor € 0 texto (ou entre, ou contra 0 autor € o texto), destruiu a possi abalou o fechamento e a autonomia do texto. que cont € da “ilusio refe- rencial”, a ins ‘Mas, uma vez ocupado esse lugar, foi como se os adeptas «lo (or quisessem, por sua vez, excluir todos os seus concor rentes, O autor ¢ o texto — ¢, finalment revelaram-se imp dos te6ricos da objegdes era 5, deseartourse dos trés lidade, © primaclo do leitor levainta riormente, 0 do amcor © 0 do texto, e o leva a sua perda. Parece impossivel 4 teoria preservar © equilibrio entre os elementos cla literatura. Como se a provat da pritica nao fosse mais necessiria, a radicalizacao teor parece muitas vezes uma fuga para frente, para evitar as difi culdades, que — Fish lembrava — no devem sua exist? senao A “comunidade interpretativa? que as faz surgi isso a teorla leva as vezes a pensar na gnose, numa c suprema, desprovida de todo objeto empitico. Uma vex mais, entre as duas teses extremas que tém a seu favor uma certa consisténcia tedrica, mas que sto claramente exacerbadias e insustentdveis — a autoridade do autor e do fexto permite instituir um discurso objetivo (positivista ou formal) sobre a literatura, € a autoridade do leitor, instituir um discurso subjetivo —, todas as posiches medianas parecem frageis ¢ dificeis de serem defendiclas. B sempre mais fécil argumentar a favor de doutrinas desmediclas e, afinal dle contas, nao deixamos de nos confrontar com a alternativa de Lanson € de Proust. Mas, na pritica, vivemos (e lemos) no espago existente entre os dois. A experiéncia da leitura, como toda experiéncia humana, ¢ fatalmente uma experiéncia dual, ambigua, dividida: entre compreender ¢ amar, entre a filologia a alegoria, entre a liberdade © a imposigio, entre a atengo 40 outro € a preocupacio consigo mesmo. A situacio mediana tepugna aos verdadeiros te6ricos da literatura. Mas, como dizia ‘Montaigne, na “Apologia de Raymond Sebond’: “£ uma grande temeridade perder-vos vés mesmos para perder um outro.” 164

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