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bro-me de como, e naquela noite, fique; 4 : » Nquei acorda ve Jeito, no suave e delic da no vagao- ie enleio da excitagao, meu rosto em prasa sobre a fronha impecavel do travesseiro e as batidas do meu feoragao imitando a dos grandes pistées que empurravam neansiveis % trem que me transportava através da noite para onge de Paris, para longe da minha infancia, para longe da _quietude branca e enclausurada do apartamento da minha mae, rumo ao territorio inescrutavel do casamento. _ Eme lembro que imaginei, com ternura, como naquele ato momento minha mie estaria caminhando lentamente lo quartinho que eu deixara definitivamente para tras, do- do e guardando todas as minhas pequenas reliquias, as oupas desordenadas de que eu nao precisaria mais, as par- Ss para as quais nao houvera espaco nos meus balis, os as de concertos que eu abandonara; ela haveria de morar examinando uma fita rasgada e aquela fotografia com todas as emocées em parte alegres, em parte de uma mulher no dia do casamento de sua filha. E, triunfo nupcial, senti uma pontada de dor da ei quando ele colocou a alianga de ouro 15 em meu dedo, de algum modo deixado se ser filha dela por me tornar esposa dele, Tem certeza?, ela perguntou, quando entregara imensa com o vestido de casamento que ele CO aa para mim, embrulhado em papel de seda e fita ye itt frutas cristalizadas presenteadas no Natal. ie abit que 0 ama? Havia um vestido para ela ee is ails como lustre baco e prismatico do dleo na agua, sad af ae do que qualquer coisa que ela tivesse usado des a fancia de aventuras na Indochina, como filha de eux Te oi an- tador de cha. Minha mae indomavel, de feigoes aquilinas; Sg outra aluna do Conservatoire podia se gabar de que sua mae tinha enfrentado um barco cheio de piratas chineses, cuidado de uma aldeia quando de uma visita da praga, atirado num tigre comedor de gente com suas proprias maos, e tudo isso quando ainda era mais nova do que eu? — Vocé tem certeza de que 0 ama? —Tenho certeza de que quero me casar com ele — eu disse. E nao quis dizer mais nada. Ela suspirou, como se fosse relutancia que finalmente baniria o espectro da pobre- o seu lugar habitual na nossa mesa escassa. Pois a minha a mae tinha, de bom grado, escandalosa e desafiadora- te, empobrecido por causa do amor; um belo dia, seu sol- alante nao retornou das guerras, deixando para sua es- filha um legado de lagrimas que nunca chegou a secar eee nr inha mae, aeabando por se tornar Sia ca na adversidade, levava sempre como eu dizia para provoca-la — fo 2: 4 por assaltantes ao voltar d. _ lo mercad. ‘vezem quando, uma ex 1 ‘0 para casa. d Plosao de luzes salpicava as per- Co! cea ee “empresa ferrovidria tivesse ilumi- que atravessamos em homenagem a m a Caixa noive- Minha camisola de cetim acabar HY deslizara sobre meus seios Pontug ade se, ose maleavel como uma roupa feita de 4 'S © om gua « java, provocante, ese; a Desads ay acariciava p ~ escandalosa insin ada, ¢ agora itis as minhas coxas e if uante, j do-seentre : xas enquanto ey i nte, Introduzin- po meu leito estreito. O beijo dele deny e Tevirava inquiet - » Seu be a osdentes ea barba curtae aspera, frit tio Com a lingua e com 0 mesmo tato requintado daquela cane embora dera de presente, Como seria a noite de mente adiada até deitarmos e: propriedade que se elevava diante do mare fora do alcance da minha imaginagao... Atanas ainda ocastelo de fadas cujas paredes eram feitas aoe magico, daria moradia em que ele nascera. Para a qual ae len- poderia trazer um herdeiro. Nossa destinacio, cad care o barulho sincopado do trem eu Podia ouvir sua res- piracao regular e calma. Apenas a porta de comunica¢ao me separava do meu marido, e estava aberta. Se eu me erguesse, apoiada no cotovelo, poderia ver a forma escura e leonina de sua cabega, e minhas narinas capturariam um sopro do opu- lento cheiro masculino de couro e especiarias que sempre ‘amis ™isola que ele me nupecig enone UPcias, Voluptuosa- ‘ande cama ancestral na oacompanhava e que, por vezes, enquanto me fazia a corte, fora o unico sinal dado por ele de que tinha entrado na sala deestar de minha me, pois, embora fosse um homem grande, andava tao suavemente como se todos os seus sapatos tives- sem solas de veludo, como se 0s seus passos transformassem Otapete em neve. Ele adorava me surpreende Piano, Pedia que nao o anuncias lenciosamente a porta, aproximan Por tras de mim com um buqué de xademarrons-glacés, colocava 0s Pre meus olhos com as maos endu rem minha alheia solidao ao sem e, em seguida, abria si- do-se suave & furtivamente flores de estufa ou uma cal sentes sobre 0 teclado e anto eu estava perdida Ww num preltidio de Debussy. Mas aquele perfume de couro € es- peciarias 0 traia sempre; depois do meu primeiro Busts) eu era sempre obrigada a fingir surpresa para nao decepciona-lo, Ele era mais velho do que eu. Era muito mais velho do que eu; havia mechas de pura prata em sua cabeleira ooo Mas seu rosto estranho e pesado, quase que ae cera, aed a lava as rugas da experiéncia. Ao contrario: a ror pa- recia té-lo deixado inteiramente liso, como uma pedra arenes ie " ido erodidas pelas sucessivas praia cujas fissuras tivessem Si : marés. E, as vezes, aquele rosto, imével enquanto ele me ouvia tocar, as pesadas palpebras fechadas sobre os olhos que sem- pre me perturbavam por sua auséncia absoluta de luz, pare- cia uma mascara, como se 0 seu verdadeiro rosto, 0 rosto que realmente refletia toda a vida que ele tinha levado pelo mun- do antes de me conhecer, antes mesmo que eu nascesse, como se aquele rosto estivesse debaixo dessa mascara. Ou entao em outro lugar. Como se ele tivesse se descartado do rosto em que vivera por tanto tempo a fim de oferecer 4 minha juventude uma face nao marcada pelos anos. Eem outro lugar eu talvez pudesse vé-lo tal como era. Em outro lugar. Mas onde? Naquele castelo, talvez, para onde o trem agora nos levava, aquele maravilhoso castelo onde ele tinha nascido. Mesmo quando ele me pediu em casamento e eu disse “Sim”, mesmo entAo ele nao perdeu aquela pesada e carnuda compostura. Sei que deve parecer uma analogia curiosa, um homem euma flor, mas algumas vezes ele me parecia um lirio. pins Oin lirio, Dotado daquela calma estranha e sinistra de um vegetal Senciente, como um daqueles lirios finebres que i i reealae uma naja, e cujas bainhas brancas de modo tao tenso ao 0 uma carne tao grossa e que se rende disse que aceitava me que como o pergaminho. Quando eu casar com ele, nem um unico musculo seo rosto se moveu, mas ele Soltou y do a0 pensei: Ah!, como ele deve release cael jmponderavel do seu desejo rai, "Berg como g 0 conseguisse So ecn ey naoem vitae ‘orca ithe Scien or causa de sua propria gravidade, ede su, al ple trazia Genel pronto numa caixa de cor yelud0 carmesim, uma opala de fogo do ¢ ure de pomba, incrustada num circulo elabop: ascutO- Minha velha ama, que ainda vivig igo, olhou de soslaio para 0 anel; opala d4 28 ata ela opala tinha sido o anel da mie dele, ¢ an disse. Mags mae dela, dada de presente a uma antepassada irctaian eda Medici... Todas as noivas que vinham para 0 castelo i ma de desde tempos Seals: Eele tinha dado o anelas suas a esposas € depois apanhado de volta?, perguntou a velha, rude- mente;mas elaera uma esnobe. Escondia sua incrédula alegria com o meu casamento — sua marquesinha — atras de uma fachada que fingia encontrar defeitos. Mas, naquele momen- to, elame incomodou. Dei de ombros e virei-lhe as costas com impertinéncia. Eu nao queria me lembrar que ele tinha amado outras mulheres antes de mim, mas essa consciéncia muitas yezes brincava comigo na autoconfianga puida da madrugada. Bu tinha dezessete anos e nao sabia nada do mundo; meu marqués tinha sido casado antes, mais de uma vez, eeu me sen- tia um pouco aturdida com 0 fato de que, apOs aquelas outras, ele tivesse me escolhido. Na verdade, nao estava ele ainda de luto por sua ultima esposa? Minha velha ama estalou a lingua. Emesmo minha mie tinha relutado em ver sua menina levada Por um vitivo tao recente, Uma condessa romen®, uma senho- tada alta moda, Morta apenas trés curtos meses antes de i Conhecé-lo, um acidente de barco na terra dele, na _— ‘Nunca encontraram o corpo, mas eu revirel isles — num ‘erevistas da sociedade que minha antiga a™* ae for Tada o ame a anho de um ons D ‘a do de oy TO antigo Com mi . ™m minha mie @ co- 19 bati debaixo da cama e procurei sua fotografia. O focinho afia. do de um macaco bonito, espirituoso e malcriado; um charme tao potente e bizarro, de uma eriatura misteriosa, brilhante, selvagem e ainda assim mundana, cujo habitat natural devia de algum decorador de interiores, periquitos mansos cantando. ‘a; todos ter sido a selva luxuriante cheia de vasos com palmeiras e p sith Antes 0? O rosto dela é propriedade public pintaram, masa gravura de Redon era a que eu mais apreciava, Aestrela vespertina caminhando na borda da noite. Vendo-a na- quela sua graca esquelética e enigmatica, vocé nunca haveria de pensar que tinha sido gargonete num café em Montmartre até Puvis de Chavannes vé-la e fazer com que expusesse seus seios chatos e coxas alongadas para o seu pincel. E, no entanto, foi o absinto que a condenou, ou pelo menos era 0 que diziam. A primeira de todas as suas senhoras? Aquela diva suntuo- sa. Crianga precocemente musical, eu a ouvira cantar Isolda, quando me levaram a opera como presente de aniversario. Minha primeira opera; eu a ouvira cantar Isolda. Com que paixao incandescente ela queimava no palco! Era possivel, a partir dai, perceber que morreria jovem. Estavamos sentados bem 14 no alto, a meio caminho do céu, mas ela praticamente me cegou. E meu pai, ainda vivo (ah, faz tanto tempo), segurou minha maozinha pegajosa para me confortar, no ultimo ato, mas tudo 0 que eu ouvi foi a gloria da voz dela. Casado trés vezes no decurso da minha propria breve vida com trés gragas diferentes, ele agora me convidara, como se para demonstrar o ecletismo de seu gosto, para integrar essa galeria de mulheres bonitas — eu, a filha da vitva pobre, ¢om 0 meu cabelo cor de pelo de rato que ainda guardava as marcas das trangas de que tinha sido recentemente libertado, eis ossudos, meus dedos nervosos de pianista. — ee mae Greso. Na noite anterior ao nosso casa- nia simples, na prefeitura, porque sua condessa tinha falecido fazig tao por A A i facs 1€0 te; minha mae e eu, curiosa coincidéncia a ™mpo ele levou 501 + Para ver Tp. sabe, meu coragao inchoue doey tanto chien Tristéo. E, voea ‘ANte 0 Liebes stod que ensei que devia realmente ama-lo. Sim seu brago, todos os olhos estavam ikon \ sussurros NO foyer se separou como oMa deixar passar. Minha pele se erigava ag si Como Be: pecunsiinigias oe minha vida ttnthany desde a Ay vez que ouvira os acordes volupt mudado jevavam em si tamanha carga de paixao mortal! ‘7 Uosos que mos sentados num camarote, em Poltronas ‘ate estava- Jho, eum criado de peruca trancada nos trazia cham 0 <4 Jado num balde de prata, no intervalo. A espuma inode e da minha tag¢a e encharcou minhas mos, eu pensei: 0 meu ca- lice transborda. E eu usava um vestido Poiret. Ele prevalecera sobre a minha mae, relutante em deixa-lo comprar meu enxo- yal; o que mais eu teria levado comigo, caso contrario? Roupa de baixo cerzida duas vezes, algodao fino desbotado, saias de sarja, roupas de segunda mao. Entao, na opera eu trajava um sinuoso vestido de musselina branca amarrado com uma fita de seda abaixo dos seios. E todo mundo olhava para mim. E para o presente de casamento que eu ganhara dele. 0 presente de casamento, que envolvia 0 meu pescogo. Uma gargantilha de rubis, com cinco centimetros de espessu- ra, como uma extraordinariamente preciosa garganta cortada. Depois do Terror, nos primeiros dias do Diretorio, as aris: tocratas que tinham escapado da guilhotina adotaram a iron camoda passageira de amarrar uma fita vermelha no — no ponto exato onde a lamina o teria atravessado, peer vermelha como a meméria de uma ferida. E a avo " " . tando a ideia, mandou fazer sua fita de rubis; —_ oe luxuoso desafio! Aquela noite na pore _ dentro dele e Ainda hoje... 0 vestido branco, amenina frog eu toque, a as joias carmim reluzindo ao redor do seu peseogo, vividay como sangue arterial. Eu o vi me olhando nos espelhos dourados com 0 olho ava liador de um perito inspecionando cavalos, ou mesmo de urna dona de casa no mercado, inspecionando pedagos de carne ca tinha visto antes, ou entao nunca tinha reeo de pura ganancia carnal, que era ulo alojado em seu olho expostos. Nun nhecido, aquele olhar dele, estranhamente ampliado pelo monde esquerdo. Quando 0 vi olhando para mim com luxtria, baixej os olhos, mas, desviando o olhar do dele, avistei-me no espe- tho. E me vi, de repente, como ele me via, meu rosto palido, a forma como os musculos do meu pescogo sobressaiam feito arame fino. Vi o quanto aquele cruel colar se transformava parte de mim. E, pela primeira vez na minha vida inocente e confinada, senti em mim um potencial para a corrup¢ao que me tirou 0 folego. No dia seguinte, estavamos casados. O trem diminuiu a velocidade, estremeceu e parou. Luzes; estalidos metalicos; uma voz anunciando 0 nome de uma esta¢ao desconhecida, que eu jamais visitaria; 0 siléncio da noite; 0 ritmo da respiragao dele, com que eu agora deveria dormir para o resto da minha vida. E eu nao conseguia dor- mir. Sentei-me furtivamente, abri um pouco a persiana e me encolhi contra a janela fria, baca com o calor da minha respi- ragao, olhando para a plataforma escura la fora e para aqueles retangulos de doméstica luz de lampides prometendo calor, pc nn sibilantes numa panela ao fogao para a = esta¢ao, seus filhos todos na cama, dormindo, — €venezianas pintadas... Toda a parafernalia tes ee eu, com 0 meu espléndido casa- casavames exilava-me; sentia isso, sabia que era assi pon daliem diante, estaria sempre Solitaria. Mas isso a a +a peso.ia familiar da opala de fogo que reluzia ones a. fe cristal de uma cigana, de tal modo que eu nao conse si gesviat 0S olhos dela quando tocava piano. O anel, a 1 none faixade rubis, 0 guarda-roupa de Poiret e Worth, 0 cheiro i“ ge couro russo — tudo tinha conspirado para me secerate i completamente que eu nao poderia dizer que sentia va i pontada de arrependimento diante do mundo de tartines emaman que agora se afastava de mim como se guxsio on a corda, como um brinquedo de crianga, enquanto 0 trem eomecava a Jatejar novamente, como se sentisse entusiasmada tiva ante a distancia pela qual haveria de me levar. primeiras flamulas cinzentas da madrugada voavam no céu, e uma sobrenatural meia-luz se infiltrava no va- gao do trem. Nao distingui nenhuma mudanga no som da res- «racao dele, mas meus sentidos agucados e excitados me dis- olhando para mim. Um homem os, escuros e iméveis, As seram que ele estava acordado, , um homem imenso, e seus olhi como aqueles olhos que os antigos egipcios pintavam em seus sarcfagos, fixos em mim. Senti uma certa tensao na boca do estomago por estar sendo observada daquele jeito, em tama- nho siléncio. Um fosforo foi riscado. Ele estava acendendo um Romeoy Julieta da grossura do braco de um bebe. _ —Logo — disse ele, em sua voz ressonante, que era come o _ badalar de um sino, e eu senti uma siibita e aguda premoni¢ao sum horror, que durou apenas enquanto o fosforo estava pude ver seu rosto branco © largo como se estivesse sem corpo, acima dos lengdis, ituminado por bai- grotesca mascara de carnaval. Entao a chama brilhou e encheu 0 compartimento com eu me recordava e que me fez pensar um bafio quente de 23 Havana quando eu era garotinha, antes que me beijasse e ime deixasse e morresse. Assim que meu mari alto do trem, pude sentir 0 ¢ do oceano. Era novembro; as anti tavam nu stades do Atlantico, es , snake deserta, A excegao do motorista dele, que usava perneiras de couro e aguardava docilmente a0 lado do auto. mével preto e lustroso. Fazia frio; embrulhei-me em meu ca- saco de pele, um envoltério branco e preto com listras largas de arminho e marta e um colarinho de onde minha cabeca se projetava como 0 calice de uma flor silvestre. (Juro que ja- mais tinha sido vaidosa até conhecé-lo.) O sino tocou; 0 trem ganhou liberdade outra vez e nos deixou naquela solitaria pa- rada de beira de estrada onde sé ele e eu tinhamos descido. Ah, como era maravilhoso aquilo; como toda aquela imponen- te maquina de ferro e vapor tinha parado apenas porque era conveniente para ele. O homem mais rico da Franga. — Madame. O motorista me lancou um olhar; estaria me comparan- do, maliciosamente, a condessa, 4 modelo dos artistas, a cantora de opera? Eu me escondi atras de meu casaco de pele, como se ele fosse um sistema de escudos macios. Meu ita neo Sigieetetnios motores, on mas, no momento Sapiiesiette: comes oooh mbrou seu brilho ebulien- ‘Osse uma prova de que eu era 7 de eae Seu patrao, E nos dirigimos rumo ao alvorecer, que se espraiava, que m agora rise! om ‘ava metade do céu com u — dosiirios, iow ~ ©vermelho palido das rosas, o laranja | ae fp seen marido tivesse encomendado o céu i eidtorcug aao meu redor como um do me ajudou a descer do degray heiro da salinidade amniétiea arvores, atrofiadas pelas ter. as, ea parada do trem ge 24 ee Mar; areia; um céu que derrete is de pastéis enevoados que da aim mente prestes a derreter, Uma monias deliquescentes de Deby para ele, a reverie que estava to da princesa, onde 0 conheci, e eu, a orfa, contratada por cari da musica. E, ah!, 0 seu castelo. A solidao feér ei suas torres de azul nebuloso, seu patio, tas de ferro, o castelo que se localizava n, ~ comaves marinhas lamuriando-se ao re _ caixilhos eesuenclas abrindo-se Para 0 evanescente vaivérn verde e purpura do coat) isolado do continente pela maré du- ranteametade do dia... Aquele castelo, que nao ficava nem na terranem na agua, um lugar misterioso, anfibio, transgredin- doamaterialidade tanto da terra quanto das ondas, coma me- Jancolia de uma sereia que, sobre a pedra, espera para sempre _ peloamado que se afogou muito longe dali, muito tempo atras. ; Aquele lugar belo e triste, feito uma sereia do mar! Amaré estava baixa; aquela hora, tao cedo pela manha, a _ estrada saia de dentro do mar. Conforme o carro fazia a curva para entrar no caminho de pedras molhadas entre as margens vagarosas da Agua, ele estendeu a mao para segurar a minha, ‘que usava seu atraente e magico anel; pressionou meus dedos ou minha palma com ternura extraordinaria. Seu ros- imével como sempre, imével como um lago coberto essa camada de gelo, mas 0s labios, que semPr® elhos e nus entre 0S pelos /estranhamente verm SS me a barba, agora se recurvavam um p as boas-vindas sua casa. nao ou corredor que cs odas as pare ar PLeSsiio de ba Paisagem ‘ Star conti al Ntinua- Pasagem co todas a . SSY, dos études ad Sas har- c ‘@ndo naquela tar ntre as xicarag é dade Para lhes da © eu tocava de no salao 98 bolinhos, T 0 digestivo ‘a daquele lugar, com Seu portao com Pon- © proprio seio do mar, dor de seus SOtdos, os rumorejasse com des em que seus 25 antepassados, com os austeros aparatos da aristocracia, eng. leiravam-se com seus olhos escuros e seus rostos brancos, & tavam pontilhados com a luz refratada das ondas sempre tty movimento; aquele luminoso e murmurante Castelo do qua} eu eraa castela, eu, a simples estudante de mtisica cuja Mie tinha vendido todas as joias, até mesmo 0 ao a casamento, para pagar as mensalidades do Conservatoire. Em primeiro lugar, tive de passar pela pequena Provacag da minha entrevista inicial com a governanta, que mantinh, aquela maquina extraordinaria, aquele transatlantico ancora. do e acastelado, funcionando, nao importava quem estivesse ao leme; como pode ser ténue, pensei, a minha autoridade Por aqui! Ela tinha um rosto inexpressivo, palido, impassivel e an. tipatico por baixo do gorro de linho branco impecavelmente engomado que se usava na regiao. Sua saudacao, correta, mas sem vida, me deu calafrios; devaneando, eu ousara esperar demais da minha posicao... Perguntei-me por um breve ins- tante como poderia instalar a minha velha ama, tao adorada, ainda que graciosamente incompetente, em seu lugar. Maqui- nag6es irrefletidas! Ele me disse que aquela fora a sua mae adotiva; estava atada a familia na mais extrema cumplicidade feudal, “e faz parte da casa tanto quanto eu, minha querida’”. Os labios finos da mulher ofereceram-me entao um sorrisi- ae “in a ae desde que eu fosse dele. ar, ~ ndepinne —_ contentar. Na suite na torre que iettcnaseier se - para fora, Para 0 Atlantico re para mim na sala de on a do Mar. Havia um Bechstein ©, na parede, outro presente de iit eae primitiva de Santa Ceci- een suasbochechas frac mr elegante daquela santa, tanho ondulado, eu me — a onchudas e seu cabelo cas" m0 talvez tivesse desejado ser: Meu coragao se aqueceu diante de ‘t ui eu nao ti -um que até aqui eu nfo tinha suspeitad @AMAVEl sengipy por uma delicada escada em eg ‘ado nele, ies Sibilidade i T eSpiral elem jiscretament atéo e ley pa ian risad te desaparecesse, 4 g aa quarto: antes a risada c i ' *s A gov 0; ante, a : ; asad om) Imagino, alguma oa proven m-casados em s j a i. a rect ; eu nativo bretao, or Ngo lasciva ele, sorrindo, recusou-se a traduzir le eu Nao entend; Para F Ja estava a grande cama in . °ndi. Que propria quase do tamanho do meu as gargulas esculpidas em suas ieuknaaan €m casa, com melhae folha de ouro, e seu cortinad Cles de ébano, laca ver- Jando coma brisa do mar. A nossa ca 0 de gaze branca ondu ma. 2 p espelhos! Espelhos em todas as paredes Erodeada por tantos nentes de ouro contorcido, que + efictacaihaaaa a do que eu jamais vira em toda a minha se lirios braneos J Vi quarto de lirios para saudar a noiva, ae a. Ele enchera o i i} — ; noiva, que se tornara aquela multidao de call Ajovem nos espelhos, idénticas em sua rou i a ss : pa chique azul-marinho feita por alfaiate, para viajar, mad: ; os ‘ ’ lame, ou caminhar. Uma empregada a ou Gate do casaco de peles. Dali em diante, ‘uma empregada cuidaria de tudo. Gi Ve ag i ei ele disse, apontando para aquelas mogas elegan- Adquiri um harém inteiro! conta de que estava tremendo. Minha respiragao _ Eu nao conseguia encaré-lo e virei a cabeca, por idez, e vi uma dezena de maridos se apro- le mim em uma dezena de espelhos e, lentamen- ente, provocadoramente, abrir os botoes da ré-la dos meus ombros. Chega! Nao; mais! de linho de damasco que jnha usado na primeira brilhava delibera- atrimonia ereditaria ela ti 0 ial heredit, ‘I 5 a, a0 sol frio, me parecia a7 damente grosseiros e vulgares. O sangue COrreu para q Mey vo, e 1a ficou. vi canis veja, eu imaginei que men a ~ que deveriamos ter a formalidade de ceiaiiee ae UM Titua) debordel. Abrigada como a mina Yt ea ste ae poderia ter deixado, mesmo no mundo See, nr "emia em que vivia, de ouvir comentarios sobre 0 seu — 0? Ele me despiu, gourmand que era, nie = estivesse des. pindo as folhas de uma alcachofra — eed imagine Muit, finesse no processo; aquela aleachofra nao era UM prato es. pecial para o jantar, nem ele estava ainda com ane Dressa, Aproximou-se de seu familiar deleite com um apetite Cansg. do. Equando nada além do meu escarlate e palpitante nucleo permanecia, vi no espelho a imagem viva de uma gravura de Rops da colecao que ele tinha me mostrado quando o Nosso noivado nos permitira ficar juntos sozinhos... Uma crianca om os membros franzinos, nua a excecao das botas de botio edas luvas, protegendo o rosto coma mao, como se seu rosto fosse o ultimo repositério da sua modésti: demonéculo que a examinava, suaalfaiataria em Londres; deiro. O mais pornografic a; e o velho devasso membro por membro. Ele em ela, nua como uma costeleta de cor- Ainda tard Prazer, eat A expectativaé a parte principal do Eeucomece} t deuma prova, “om també; “mo um cavalo de corrida antes Sentia tanto uma estranh e om uma espécie de medo, pois a Impessoal excitaco ante a ideia 92 livros de formato in octavo em brilhant go amor quanto uma repugnaneia in sua carne branca e pesada que tinha comum com as bragadas de liriog que e em grandes potes de vidro. opolen pesado que cobre seus dedos ¢ sido mergulhados em agafrao, Og lirio: ele; brancos. E que mancham, Aquela cena da vida de um sensualis mente encerrada. Ele tinha negocios a dades, suas empresas — até mesmo e; Mesmo entao, disseram os labios verme| antes que ele me deixasse sozinha com os meus confusos sen- tidos — uma escovadela molhada e sedosa de sua barba; uma sugestao da ponta afiada de sua lingua. Descontente, eu me embrulhei num négligé de renda antiga para tomar o desje- jum de chocolate quente que a empregada me trouxe; depois disso, j4 que era como uma segunda natureza para mim, nao havia nenhum lugar aonde ir além da sala de miisica, e logo me acomodei em meu piano. Apenas uma série de sutis dissonancias, porém, fluiu sob meus dedos: desafinado... apenas um pouco desafinado; mas eu fora abengoada com um ouvido absoluto e nao consegui continuar tocando. A brisa do mar é ruim para os pianos; va- mos precisar de um afinador morando aqui se eu for conti- nuar meus estudos! Fechei o piano com um rasgo um tanto furioso de decepeiio; 0 que faria agora, como passaria as horas longas iluminadas pelo mar até o meu marido me levar para acama? Tremi ao pensar naquilo. _ Sua biblioteca parecia ser a fonte de se de couro russo, Fileiras de volumes encader st Marrom e verde-oliva, com letras douradas e e le ps como S€ tive: 5 essem que sempre 48S0ci0 4 ta foi entao abrupta- tratar; suas proprie- ™ nossa lua de mel? Thos que me beijaram u odor habitual nados em couro obre a lombada, ro marroqui- 29 i e recli no escarlate. Um sofa de couro macio ond nar. Um Atri, esculpido como uma dguia de asa’ ia oe a edigdo de La-bas, de Huysmans» aa one Privad i uintada; fora encadernada como um missa}, , e muito oe yedras de video colorido. Os tapetes no chao, e ane mainte profundo, — - um a= Verme. tho sanguineo, vinham de Isfahan e Bucara; 08 Paineis ego, ros brilhavam; havia a musica acalentadora do mar e uma Jareira com toras de macieira. As chamas tremulavary a0 Jongo das lombadas dentro de uma estante com fachada de vidro que continha livros ainda estalando de novos. Eliphas Levy; 0 nome nao significava nada para mim. Li um titulo oy dois: A iniciacao, A chave dos mistérios, O segredo da caixa de Pandora, e bocejei. Nada ali que interessasse a uma garota de dezessete anos de idade a espera de seu primeiro abraco. Ey gostaria, mais do que tudo, de encontrar um romance de fo- thas amareladas; queria me enroscar no tapete diante do fogo ardente, perder-me num romance barato, mastigar chocola- tes recheados com licor pegajoso. Se eu tocasse 0 sino, empregada me traria chocolates. Nao obstante, abri indolentemente as “ente para espiar. E acho que sabia, por algum formigamento ‘dosdedos, mesmo antes de abrir aquele volume fino sem titu- ©que encontraria no seu interior, Quando ele mémostrou10 Rops, recém-comprado, muito valorizado, acaso ‘nao tinha sugerido — €raum conhecedor de tais coisas? Mas sepmecine Com lagrimas penduradas Ssem pérolas, sua vagina um figo -estava prestes a q cealebon das nddegas em que o chi- a Pretatocavacomamioliviep cent” Um homem de mésca’ ele seguraya, inte mnie para cima como uma Portas daquela es- gesu@ excentricidade, ae ae dito 0 que os theta teotiges euera jnocente, mas Sd ee sind aventuras de Eul Pre im do Grande Turco tinha sido impresso, de aan lalie no rosto, em Amsterda, em 1748, uma pen a lo com a _ Teria algum antepassado comprado e mane de aa gaquela cidade do norte? Ou tinha o meu marido aa ivro mesmo, numa daquelas pequenas e empoeiradas | ae rgem esquerda do Sena, onde um velho inti -prasde gculos de dois centimetros de espessura, idee ba jnspecionar suas mercadorias... Virei as paginas com a he 7 tiva do medo; a impressao estava oxidada. Havia ali outra em metal: A imolagao das esposas do Sultao. Vio sufi- ciente naquele livro para me deixar boquiaberta. _ Houve uma intensificagao pungente do odor de couro que _jmpregnava sua biblioteca; a sombra dele caiu por cima do "massacre. — Minha freirinha encontrou 0s livros de ora¢ao, foi? — ele guntou, com uma curiosa mistura de escarnio e prazer; en- tio , vendo aminha dolorosa e furiosa confusao, riu de mimem alta, arrancou 0 livro das minhas mios e colocou-o no sofa. _ —As imagens feias assustaram 0 meu bebé? O meu bebé brincar com brinquedos de gente grande enquanto endido a lidar com eles, nao é mesmo? e beijou. E dessa vez sem reticéncias. Ele me ‘amao imperativamente sobre 0 meu sei0, por de renda antiga. Tropeceina escada em cara- uarto, para a cama esculpida e doure: sido concebido. Gaguejei feito tola: m; e, além disso, esta dia claro... a, a reliquia de fami- iJhotina. Com os 0. Estava 1a gargantilh escapado da gu! i omeu pescog 31 gelada e me causou um calafrio. ‘ rags Cabgy numa corda e levantou-0s os alae das minhas mal 0 ijar OS § ¢ ; a en penugem; isso me fez estremecer, p ; cobertos bis flamejantes, também. Beijou-os antes 4, neta rebatado, ele entoou: . ela guarda / apenas as joias que ¢ but. 5 beijo beijar minha boca. Ar — De seu vestuario io inquieta. c i dezena de maridos empalava uma dezena de Novas enquanto as gaivotas lamuriosas balangavam-se em trapézio, invisiveis no ar vazio 1a fora. Pui trazida de volta aos meus sentidos pela campainha jn. sistente do telefone. Ele estava deitado ao meu lado, tal um carvalho derrubado, a respiracgdo pesada, como se tivesse lutado comigo. No curso dessa luta unilateral, eu tinha visto Sua compostura mortal quebrar como um vaso de porcelana arremessado contra a parede; eu 0 ouvira gritar e blasfemar no instante do orgasmo; e sangrara. E talvez eu tivesse vistoo Seu rosto sem a mascara, ou talvez nao. Estava, contudo, toda desgrenhada apés a perda da minha virgindade. Ajeitei-me, estendi a mao para 0 armario esmaltado ao lado da cama, onde ficava guardado 0 telefone, e falei no bocal. Oagente dele em Nova lorque. Urgente, Sacudi-o até que acordass e me virei de lado, embalan- do meu corpo extenuado em ’ Sonolentos, que ondul, z fase das, distribuindo seu j avam suas cabegas P neenso exuber; # te, remi- de uma pele bem tr, ants e insolente, yando terminou de falar com 0 agente mim e acariciou 0 colar de rubi que atorme go. mas com cane cee agora que eu par acariciou meus seios. Minha querida, mey q erianca, sera que ele a machucou? Ele sen quanta impetuosidade, ele néo pode evitar; entenda,o anto..e aquele recitativo de amante fez, ag deta le aama dos meus olhos. Agarrei-me a ele como ge .s4 a aoc fligido a dor pudesse confortar-me por té-la sentido, oad in- . Vurante algum ae ele murmurou para mim numa voz que eu nun- catinha ouvido antes, uma voz como 0 suave bélsamo do mar Mas entao desenrolou os tentaculos do meu cabelo dos botées do paleté de seu smoking, beijou meu rosto rapidamente e me disse que 0 agente de Nova Iorque tinha telefonado com assun- tos tao urgentes que ele teria que se ausentar assim que a maré baixasse o suficiente. Ausentar-se do castelo? Ausentar-se da Franca! E ficaria fora por pelo menos seis semanas. —Mas é nossa lua de mel! Um acordo, um negocio arriscado e fortuito envolvendo varios milhées, estava em jogo, ele disse. Ele se afastou de mim, recolhendo-se naquela sua imobilidade de cera; eu era apenas uma garotinha e nao entendia. E, ele disse sem pala- yras a minha vaidade ferida, ja tive luas de melo bastante para considera-las compromissos prementes. Sei muito bem que esta crianca que comprei com um punhado de pedras colori- dase peles de animais mortos nao vai fugir. Mas depois ave para o seu agente em Paris instruindo-o a reservar aos Estados Unidos para o dia seguinte — 0 ena —> teriamos ele se viroy Para ntava Meu pesco- ei de recuar e ele ™orzinho, minha te tanto por isso, muito breve, minha ped ocolate; sala- catel e Asti re de uvas mos 33 de Krug explodiu festiva, g ,, sos copinhos tao finos que tag a bel adas. Tomei Cointreau, ele He i. s cortinas de veludo rox no eq y ha, espumante. Uma garrafa café preto e acre em precio da sombreava as aves ali pint conhaque na biblioteca, coma das sobre a noite, € ali ele me puxou para que eu me sent, ~ A88@ sobre o seu joelho numa poltrona de couro a0 lado da Jane: cintilante. Tinha me feito mudar de roupa e vestir aquele me Poiret de musselina brancas parecia especialmente afej ; wh iat ©1G0ado ao vestido, através de cujo material fragil meus seios se fere4 0 vam, disse ele, como pombinhas brancas macias que dorme . cada uma com um olho cor-de-rosa aberto. Mas ele nao a deixou tirar minha gargantilha de rubi, embora 0 uso cation seficando desconfortavel, nem prender meu cabelo solto, aa de uma virgindade tao recentemente rompida que ainda havia uma i j eoenca ferida entre nos. Ele entrelagou os dedos no mey cabelo até eu estremecer; lembro-me de que falei muito pow —Aempregada ja t 56 am disse ele. - B rocou os nossos len¢éis a esta altura — — Nos nao penduramos os lengdis ‘sangue do lado de fora dajanela Smead ‘que vocé é virgem, nao nest one provar a toda a Bretanha , es eras lhe dizer que teria sid *s tempos civilizados. Mas devo - 0 a primeira vez em tod ; vidas de casado que eu poderia te clianminias vessados inquilinos uma bandei r mostrado aos meus inte- Entao : andeira dessas, ter sido Pereebi, com um choque de minha inocéncia que surpresa, como devia Ciosa, 0 cati aeae i ele disse, do meu desconhe eativara — a musica silerr audiences C eter, au clair de lune nana eee tres a do quao pouco 4 i. num piano com teclas de nheira » COMO a inquietaca ontade eu estava naquele constante agao tinha si P sido minha comp® aquele durante t Brave Sitiro que ini © periodo de corte feita po" ®. Saber que minha artirizava delicadamente meu me fez, inge Tecobrar 0 animo, nels The dera algum praze" ™! Um dia vou acabar ™° do como uma grande coe por falta de opgao. Gama que jé nascey assim w tio, Jenta, mas provocativamente, ¢ i genau grande e misterioso presente a sirou um molho de chaves de algum betes palet6 —chave apés chave, uma chave, disse ele fechadura da casa: Chaves de todos 08 tipog seinen cada mese antigos de ferro preto; outras delgadas, idea enor- parrocas: chaves Yale, finas como biscoitos, oa a qua- caixas. B, durante a sua auséncia, era eu quem domatinda ; de todas elas. ar fu olhei para 0 pesado molho com circunspeceao. Até aquele momento, nao tinha pensado uma vez sequer nos as- praticos de um casamento que envolvia uma mansao. uma grande riqueza, um grande homem, cujo molho de che yes era tao abarrotado quanto o de um guarda da prisao. Ali estavam as chaves desajeitadas e arcaicas para as masmor- ras, para as masmorras que tinhamos em abundancia apesar de terem sido convertidas em caves para os seus vinhos; as garrafas empoeiradas habitavam prateleiras em todos aque- les buracos profundos de dor na rocha em que 0 castelo fora construido,. Estas sao as chaves para as cozinhas, esta éacha- ve para a galeria de quadros, um tesouro acumulado ao longo de cinco séculos por avidos colecionadores — ah!, ele previu que eu passaria horas ali. Ble se entregara sem restrigdes ao seu gosto pelos simbolis- iin ne, com um qué de cobica. Ali estava o grande etree esposa de Moreau, a famosa Vitima sacrificial melhantes & renda em sua pele a historia daquela pintur a ven para ele, recent” se vestira jnvolunta- |nava seus seios, seus 0 Se estivesse a crianea, ele Secreto de sey 35 odo seu corpo? Ele pensara ng Ue} doravel moga, a0 me despip ~ le Ensor, suas telas MONOlitig,, ombros, seus bragos, t cs historia, na historia daquela di ensor, ogran ‘ { Mn .Ens' ou trés Gauguins do periodo tardig c ‘ ; rena, num transe py primeira vez.. As virgens tolas. Dois ) A arota me Ag; . ndo o da g i ‘ ‘ ‘ seu favorito se! va Da noite viemos, a noite "ero, hamal ja, que se C . »SMO, sua abandonad a adicdes feitas por ele mesmo, sua Marayj, samos. B, além das s, Poussins e um par de Fragonard, teaus ‘ heranca de Wat! dado por um ancestral licenciog, : iais, encomen on” posado para 0 pincel do mestre com Suag que, dizia-se, duas filhas... Ble interrompeu abruptamente o seu Catalogs a brancoe magro, chérie, ele disse, como se 0 vigge pela primeira vez. Seu rosto branco e ae com sua pro- messa de devassidao que so um perito poderia entrever. Uma lenha caiu no fogo, provocando uma chuva de faiscas; ‘uma chama verde jorrou da opala no meu dedo. Eu me sentia tonla, como se estivesse a beira de um precipicio; estava com medo, nao tanto dele, de sua presenga monstruosa, pesada ‘omo se ele tivesse sido dotado, no nascimento, de maior gravidade do que o resto das Pessoas, a presenga que, mesmo estar mais apaixonada por ele, sempre meoprimia... Nao. Eu nao tinha medo dele, mas de mim mes- ‘ma. Eu parecia renascer em seus olhos bagos, renascer em formas desconhecidas, Quase ndo me reconhecia nas descr: nO entanto, no entanto — nao Poderia haver um prio de bestial fog0 vermelho, core Verdade neles? &, 4 luz do Weele poderia ior novamente, sem Ser notada, ao pensar Pressentia um talento Porque, na minha inocéncia, matt achave do arma HP, focal Oequivalonie gr lug —~ ngo ria, minha uM rei em porcelana ss uma rainha em Li- uma chave para a sala trancada A € blo ges de placas comemorativag crx queada onde Suardada; as. moges- inc? gera¢ haves: chaves, chaves. Ele estava confiand aves para o seu escritorio, embora ey fn 0 a mim ag neb eas chaves para seus cofres, onde Pies apenas um euusaria, ele me prometeu, quando voltasser,.. eM soias! Ora, CU seria capaz de t) j Que joias o di rocar de brincos e cola gresve7es POT dia, do mesmo modo como a inp colares riz J 1 nacostumava trocar sua roupa de baixo. Ele disse we Josefi- FE : com » - jesom oco e percutido que lhe fazia as vezes de ea 3 — |, que duvidava que eu facabia tao interessada em seus certificados de acoes, embora, € claro, valessem infinitamente mais. s Para la de Bossa intimidade junto 4 lareira, eu podia ou- yirosom da mare Becuando sobre os seixos, no litoral. Estava quase na hora dele me deixar. Uma unica chave nio fora ex- plicada, no molho, e ele hesitou diante dela; por um momento. pensei que ia separa-la das irmas, coloca-la de volta no bolso eleva-la com ele. —Que chave é essa? — eu quis saber, pois suas brincadei- ras me deram certa audacia. — A chave para 0 seu coragao? Dé aqui! Ele balancou a chave provocantemente acima da minha cabega, fora do alcance dos meus dedos tensos; aqueles labios vermelhos nus se abriram na fenda de um sorriso. —Ah, ndo— disse ele. — Nao é a chave para omeu coragao. £, eudiria, a chave do meu enfer. _ Elea deixou no anel, fechou-o e 0 sacudiu musicalmente, mo um carrilhdo, Em seguida, jogou as chaves eel f . ‘ as meu colo, Eu podia sentir o metal frio contra min! . i i so- és do vestido de musselina fina. Ele s¢ inclinou 2 10 ; i i sta. ar um beijo barbado em On ee deve ter um segredo, ainda que sj sailed isso, minha pl + ail Prometa-me isso, assemos para Paris, 37 nista de rostinho de leite; prometa-me que vai usar todas a, chaves no anel exceto essa tiltima que Ihe mostrei. Bringy, contrar, joias, placas comemorat vas de prata; faca barquinhos de brinquedo com a “yotane Cep tificados de acdes, se quiser, ¢ mande-os pa oo mérica, ng minhaesteira. Tudo é seu, todos 08 lugares esto abertos par, yore — exceto a fechadura onde esta nica chave se encaiy, Mas ela nada mais édo que a chave para uma saleta a0 pé da torre oeste, atras da sala onde guardamos conservas e licores ao final de um corredorzinho escuro cheio de horriveis teiag de aranha que entrariam em seu cabelo e iriam assusté-|g ‘se vocé se aventurasse ali. Ah, e vocé acharia uma saleta tao aborrecida! Mas tem que me prometer, se me ama, que nao vaise aventurar ali. £ sé um estudio privado, um refigio, uma “toca”, como dizem os ingleses, aonde posso ir, as vezes, nessas vraras, mas inevitaveis ocasides em que 0 jugo do casamento parece pesar por demais em meus ombros. Posso ir para la, ‘entenda, saborear o raro prazer de me imaginar sem esposa. Havia uma fraca luz de estrelas no patio quando, envolta em meu casaco de pele, fui leva-lo ao seu carro. Suas ultimas palavras foram que ele telefonara para o continente e con- ‘watara um afinador de pianos para 0 castelo; esse homem ‘chegaria para assumir suas fungées no dia seguinte. Ele me ‘@pertou contra aquele peito de vicunha uma tinica vez e de- com qualquer coisa que en ° oa das flores, continha q wen feito ade um anfibio reten - ‘ gesolacao que, dentro de mim, ieee “SCO, senti uma e feme? tinha se curado, despertara tera minha ferida como 08 desejos as mulheres BrAvidag ode Nseio Nauseado, pu dogiz ou oy ota Podres, por ins we do carvag qaricias. Ble ndo me sugerira, tanto na sua ¢ seu discurso © aparencia, ae mil cruzamen carne junto a manne? peauwl deitada na no comuma companheira insone, minha g om scida. Figuei deitada na cama sozinha. E ansiava Por ele. E ele me repugnava. : Haveria joias suficientes em todos os seus cofres parame recompensar por aquela desagradavel situacao? Sera que na- quelecastelo haveria riquezas bastantes para me recompensar pelacompanhia do libertino com quem eu devia compartilha- 4o? E qual era precisamente a natureza do meu ctipido pavor por aquele misterioso ser que, para mostrar seu dominio so- bre mim, tinha me abandonado na minha noite de nuipeias? Entao eu me sentei na cama, sob as mascaras sarcasti¢as das gargulas esculpidas acima de mim, dividida por uma ar- rebatadora suspeita. Poderia ele ter me deixado nao para ira ‘Wall Street, mas para se encontrar com uma amante inconve- niente escondida sabia Deus onde, e que tinha condigdes de lhe dar muito mais prazer do que uma menina cujos dedos tinham ‘sido exercitados, até entao, somente pela pratica de esealas & acalmando-me, afundei de volta na Pr me conta de que 0 enciumado sobres: Bajosa SUgestao de ovamente suag arne quanto no tos barrocos da ssa ampla cama bria Curiosidade lado da cama e 0 modo como 0 vidro grosso distorcia Suags das hastes, que ficavam parecendo bragos, bracos deg, brados, 4 deriva em agua esverdeada. ee Café e croissants para consolar 0 meu Solitério dese, tar nupcial. Delicioso. Mel, também, Se Peeayords faye, num pires de vidro. A criada espremla 0 SUCO aromatics 4. uma laranja num cdlice gelado enquanto Sa observaya, dei. tada na cama preguicosa dos ricos, a manha alta. No entanto, nada naquela manha me deu mais do que a ae fugay, exceto ser informada de que 0 afinador de piano ja estiverg trabalhando. Quando a criada me disse isso, pulei da cama vesti As pressas minha velha saia de sarja e minha blusa de flanela, traje de uma estudante, em que eu me sentia muito mais a vontade do que em qualquer uma das minhas finas roupas novas. Depois de minhas trés horas de estudo, mandei chamar 0 afinador para lhe agradecer. Ele era cego, claro; mas era Jovem, tinha uma boca delicada e olhos cinzentos que fixa- vaem mim, embora nao pudessem me ver. Era filho de um ferreiro da aldeia que ficava do outro lado da passagem; um integrante do coro da igreja, a quem o bom padre tinha en- Sinado um oficio para que ele pudesse ganhar a vida. Tudo bastante satisfatorio, Sim, Ele achava que seria feliz ali. E se, pudesse As vezes ser autorizadoa me ouvir tocar... pois, veja, ele amava isi i ? ’ a musica. Sim. Claro, eudisse, Certamente - Ele parecia saber que eu tinha sorrido. iene Sotto, mesmo eu tendo acordado tao tarde, que, atenciosamente aay emeu"ehé das cinco”. A governanta, terromperamintn elds Pelo meu marido, evitara in- Com um longo cards Sica, agora me fazia uma visita solene Ihe disse que nag os -- um almogo tardio. Quando eu enviesado, de cima do mocar, ela me langou um olhar Nariz, Compreendi 'imediatamente que Ror. em, go das minhas principais funcoeg e S Co palho para os eMpregados, Mag s castela 8, Meg yma ‘era forne. i disse que esp’ «mpor e al atone eas imp até a hop, sim, Pesolyi rdasse com nervosa ansiedade q wwlad do ja tar, emb, c ; Solitar; 7 ora » que tinha que lhe d ma refej descobr! 4 : en, ee Oe a “1940. Entig arasser™ para mim; minha imaginacao, ai. 4 ‘ hou asas. Um ainda dante coe ar o Natal 5 phere. Se r nesta on Um Pert laqueg cidi. ai ; eguida, M Sec principal em seg! ” aS para a sobremega todos os sorvetes ile tiver na geladeira, Ela a pufou; eu a escandalizara. Que gosto! elase foi. Mas agora... 0 que vou fazer agora? leria ter passad Bu pod : p ‘© momentos alegres desembalando ‘os batis que continham o meu enxoval, ma jada ja ti bai a ; » Mas a criada ja tinha feito isso, os vestidos de costureiro pendurados no guarda- -roupa no meu quarto de vestir, os chapéus em cabeeas de madeira para manter a forma, os sapatos em pés de madeira como se todos aqueles objetos inanimados estivessem imitan- doa aparéncia de vida, para zombar de mim. Eu nao gostava de ficar no meu abarrotado quarto de vestir, nem em meu quarto com seu lugubre perfume de lirios. Como vou passat Otempor) Vou tomar um banho no meu proprio banheiro! E deseo” is eram pequenos golfinhos feitos de ouro, que de 4 de uma o- "Sera que ey do? Nao: j4 de. Nenhum prato Pode me trazer F notou tudo, mas Crianca como cnet os olhos. E havia um tan am esaiam por entre asalgas 1. Como eu queria que ele nao ivel conver fosse possive! c¢ oafinador de piano... proibia demonstra- as de adiar 0 telefonema tanto quant, i ran i Eu tinha esperan¢ ie desolacio de tem, 2 siar pudesse, de modoa ter algo para ans eta . i i orm Jantar, mas, qu; i ue tivesse ter! a ‘ e antevia, depois q - see tosantes das sete, quandoaescurid io JA cercara g o,, ze minutos s ss “ tiie , : ze ao pude mais me conter. Telefonei para minha mie, R telo, nao p er em lagrimas quando ouvi sua Vor, jao irromp' surpreendi ao irt rf ad ma nenhum. Mae, eu tenho tornej. Nao, nao havia proble na banheira. —_ aan torneiras de ouro na banheira! i Nao; acho que isso nao é motivo Mi puna nee A ligacao estava ruim, eu mal podia distinguir seus para. béns, suas perguntas, sua preocupagao, mas eu estava um pouco reconfortada quando coloquei 0 fone no gancho. Ainda havia, contudo, uma hora inteira antes do jantar, eo inimaginavel deserto do resto da noite. O molho de chaves estava onde eu o deixara, no tapete diante da lareira na biblioteca, que tinha aquecido seu metal aponto de nao estar mais frio ao toque, mas quase tao quente Quanto a minha propria pele. Como eu era descuidada; uma criada que arrumava a lenha me lancou um olhar de censura, como se eu tivesse armado uma armadilha para ela, quando Peguei o molho tilintante de chaves, as chaves para as portas internas daquela linda prisao da qual eu era tanto a prisionei- ¥a quanto a senhora e que ainda mal tinha visto. Quando me Jembrei disso, senti a excitacao do explorador. Luzes! Mais luzes! Ao toque de um interruptor, minou. Corri feito louca pelo ea es que sein encontrar — ordenei aos criados que acen- fete panies 8 seus aposentos também, para que os ced um bolo de aniversario langado a0 Ttoem sernags Para cada ano de sua vida, e toda a maravilhasse, Quando tudo estava tao ilu- a sonolenta biblioteca se ilu- stelo, acendendo todas as lu 4 snado quanto 0 café da Gare du Nord, 0 ¢; mimplicitas naquele motho de chayeg ve ienificado das pos. ois eu estava determinada agora a proc ‘0 me intimidaya elas: provas da phere natureza do see eae de todas seu escritorio em primeiro lugar, vita marido, uma mesa de mogno de um quilémen nemt®- am mata-borrao impecavel e um ¢ maha te miti-me 0 luxo de abrir 0 cofre que continh gulhei entre as caixas de couro 0 suficient como o meu casamento tinha me dado ace um génio — conjuntos de joias, pulseiras, anéis Ei eu estava assim, rodeada por diamantes, uma cian na porta e entrou antes que eu respondesse: uma int cortesia. Falaria com o meu marido sobre isso. Ela olhou alk - ae de a com desdém; a madame pretendia se ojantar? Fez uma careta de desprezo quando eu, ao ouvir isso, ri: ela era muito mais dama do que eu. Mas, imagine — vestir- -me com uma das minhas extravagancias de Poiret, com o tur- ante de joias e tiara na cabe¢a, cheia de pérolas ate a altura do umbigo, e me sentar sozinha no salao de jantar baronial, na cabeceira daquela mesa imponente em que, dizia-se, 0 Rei Mareos servia os seus cavaleiros... Fiquei mais calma sob o frio de sua desaprovagao. ei as inflexdes nitidas da filha de um oficial. Nao, eu vestir para o jantar. Além disso, eu nao estava nem fome suficiente para jantar. Ela devia dizer & go- classe o banquete que eu pedira. Sera que xar uns sanduiches e um bule de caf a minha 4? E que todos eles fossem se recolher® desolada, que o decepeiona- , ava; com 0 prilho daque- © largura, com € telefones, Pep. 2 88 joias e mer- © para descobrir ‘SSO a0 tesouro de 43

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