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Didlogo Usa nas cotsas que me Lienno de ter ouvide quando estava comerando a escrever foi a seguinte regra: nao se deve, ¢ na verdade nio se pode, fa~ zer didlogo ficcional — conversa na pagina — soar como fala real. As re- petigdes, expresses sem sentido, hesitagdes e monossilabos disparatados ‘com que expressamos hesitagio, juntamente com os clichés e banalidades que constituem tanto da conversa cotidiana, nio podem e nao devem ser usados quando nossos personagens esto conversando. Em vez disso, eles deveriam falar com muito mais fluéncia do que 0 fazemos, com maior economia ¢ certeza. Diferentemente de nés, deveriam dizer 0 que tm em mente, ir direto ao ponto, evitar circunléquios ¢ digressbes. A ideia, presumivelmente, é que o didlogo ficcional deveria ser uma versio "me- Thorada”, arrumada e depurada da maneira como as pessoas falam. Melhor que 0 didlogo "real Entio, por que tanto didlogo escrito € menos vivido ¢ interessante do que aqueles que podemos ouvir por acaso, diariamente, no cibereafé, no shopping center, no metr6? Muitas pessoas tém um dom para o didlogo, que flui quando estfo falando e seca quando sio confrontadas com uma pagina em branco, ou quando tentam dar voz aos personagens ali ‘Uma ver determinei que uma turma ouvisse conversas de estranhos as escondidas ¢ transcrevesse os resultados. Decidi experimentar isso eu mesma, num café universitério. Dentro de momentos ouvi uma jovem, 14s 146 ara ler como um esritor contando ao seu companheiro sobre um sonho em que vira Liza Minelli usando um manto branco ¢ uma coroa de estrelas, vestida de Rainha do © que tornava a conversa duplamente interessante era que a moga parecia estar romanticamente atraida pelo amigo e usando sua historia como um meio de sedugio, sem perceber que ele, até onde eu podia dis- tinguir, era gay. Esse fato nao deixava de ter relagio com o intenso in- teresse que ele expressava por Liza Minelli, mais uma conexio que sua companheira estava preferindo nao fazer. Como esta, a maioria das conversas envolve uma espécie de sofisti- cada multitarefa, Quando nés, seres humanos, falamos, nao estamos me ramente comunicando informagio, mas tentando causar uma impressio ec alcangar uma meta. E as vezes estamos tentando impedir que o ouvinte pereeba o que ndo estamos dizendo, que pode ser nio apenas perturbador, mas, tememos, tio audivel quanto 0 que estamos dizendo. Em consequén: cia, 0 didlogo geralmente contém tanto subtexto quanto texto, ow mais Mais coisas ocorrem sob a superficie do que nela. Uma marca do didlogo ial escrito é que ele faz apenas uma coisa, no maximo, de cada vez. Um bom conselho que eseritores iniciantes muitas vezes recebem € nao usar 0 dislogo como exposi io, inventando aquelas conversas canhestras improvaveis, artificiais em que fatos sio transmitidos de um personagem para outro principalmente em beneficio do leitor: 16, Joe.” “Bom ver voe# de novo, Sally, “Que anda fazendo, Joe?” “Bem, Sally, voeé sabe, sou investigador de seguros. Tenho vinte seis anos, moro na Filadélfia hi doze anos. Sou solteiro e muito so: litario. Venho a este bar duas veaes por semana, em média, mas até agora ndo conheci ninguém que me agrade em particular.” E assim por diante. Dialogo “7 Em quase todos 0s casos, isso € um erro. Mas hé, como sempre, ex- cegdes a regra, casos em que um escritor emprega o didlogo nio tanto como exposigio, mas como uma espécie de formula resumida que evita a necessidade de paragrafos inteiros de exposigao. Um espido perfeto, de John Le Carré, comega assim Nas primeiras horas de uma tempestuosa manbi de outubro numa cidade litorinea no sul de Devon que parecia ter sido abandonada por seus habitantes, Magnus Pym saiu de seu velho taxi rural e, tendo pago ao motorista e esperado até que ele partisse, atravessou a praga da igreja, © paragrafo prossegue, por fim, acompanhando Magnus Pym, que, segundo somos informados, viajou durante 16 horas ¢ esta a eaminho de uma de vérias “mal-iluminadas pens6es vitorianas". Finalmente Mag- rus Pym toca a campainha e é recebido por uma velha que dit: “Ora, sr Canterbury, é 0 senhor.” Essa tinica linha de didlogo nos informa que Magnus Pym jé esteve ali antes ¢, mais importante, esté viajando sob um nome falso. Mesmo quando escritores novatos evitam 0 tipe de didlogo que é essencialmente exposigio enquadrada por aspas, 0 didlogo que de fato esereveim deve # um tinico propésito— isto é, fazer a trama svanigat — em vez de servir aos numerosos fins simultaneos que pode promover? Para ver quanta coisa 0 didlogo pode realizar ¢ instrutivo examinar os romances de Henzy Green, em que muitos dos importantes desenvolvimentos da trama sio transmitidos através de conversa. Em todaa obra de Green, o didlogo fornece tanto texto quanto sub- texto, permitindo-nos observar 0 amplo espectro de emogées que seus personagens sentem ¢ exibem, o modo como dizem e nao dizem 0 que tém em mente, como tentam manipular seus cOnjuges, amantes, ami- gos e filhos, fazem cobrangas emocionais, demonstram interesse sexual ou indisponibilidade, confessam ¢ ocultam suas esperangas € medos. E tudo isso nos ¢ transmitido em uma pequena conversa tio animada ¢ in —

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