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Antropélogos vao ao cinema - observacées sobre a constituigao do filme como campo* Rose Satiko Gitirana Hikiji Mestranda em Antropologia/USP, Bolsista da FAPESP, Pesquisadora do GRAVI Resumo: Este artigo tem como objetivo a identificagao e andlise dos principais trabalhos ntropol6gicos que tm como objeto filmes “de fiegio”, Procura responder & pergunta pela existéncia de uma especificidade do olhar antropol6gico sobre o cinema. A preocupago advém da dificuldade observada - ¢ vivida - pela pesquisadora em encontrar informagies sistematizadas sobre metodologias antropol6gicas para andlises filmicas, bem como exem- plos de pesquisas jé realizadas. O que se apresenta aqui ¢ fruto, sobretudo, de um levanta- ‘mento bibliogréfico. No material encontrado, destaca-se a experiéncia pioneira de um gru- po da Columbia University, que, entre 1947 ¢ 1953, elabora uma série de andlises de filmes ‘no contexto mais amplo dos “estudos de cultura a distancia”. Recentemente, a reflexao a partir do cinema (¢ sobre 0 cinema) volta a ganhar espago no Ambito da Antropologia, com as criticas e problematizagdes colocadas pelas etnografias experimentais. Assim, sem pre~ tender-se cxaustiva, esta pesquisa revela a cxisténcia de uma pequena histéria da antropo- logia do cinema ¢ identifica alguns preceitos metodol6gicos e préticas interpretativas que podem ser levadas em conta pelos antropélogos que se aventuram no campo das imagens. U srmos: Antropologia Visual, cinema, andlise filmica. Cinema e antropologia nascem quase simultaneamente e, no decorrer deste sécu- lo de existéncia, cruzam-se em diversos momentos e influenciam-se mutuamente. As imagens projetadas sobre a grande tela fascinam antropélogos. Alguns perce- bem 0 potencial de comunicagdo — e, por que nao, de sedugiio — da imagem ci- nematogréfica e decidem fazer da pelicula etnografia. Hoje, a maior parte da pro- dugio no campo da Antropologia Visual discute justamente o fazer do filme etnografico, a utilizagao das imagens produzidas ¢ a importancia do registro imagético no trabalho de campo’. Mas o século XX revela, além do antropélogo- cineasta, 0 antropélogo-espectador. Este vé o cinema nao como meio mas, objeto da pesquisa. Diante da imagem, dedica-se & decifraco. Identifico-me com este, que toma o cinema como “campo”, passivel de observacio e interpretacio antro- poldgica*. Portanto, neste artigo, procurarei responder a pergunta pela especificidade do olhar antropolégico diante do objeto-cinema. Para tal, partirei da observagaio de algumas das primeiras “etnografias filmicas” chegando a experiéncias mais recentes, 91 oO O Q = & << CADERNOS DE CAMPO PRIMEIROS ENCONTROS A primeira sesso piiblica do Cinématographe Lumiére ocorre em 28 de dezem- bro de 1895, com a exibicio do filme L’entrée en gare de la ciotat, dos irmaos Lumiére. Como nota o antropélogo e cineasta Marc-Henri Piault (1995: 23), os primeiros filmes j4 eram etnoldgicos: imagens como as saidas de fabricas (em La Sortie des Usines Lumiere) ou as tefeigdes de criangas (em Goitter de bébé) redescobriam 0 cotidiano, com seus gestos, costumes e valores. No mesmo ano, mas ainda sem a cdmera de cinema, Félix Louis Regnault, membro da Sociedade de Antropologia de Paris, realiza cronofotografias “étnicas”, de movimentos corporais de integrantes dos grupos Peul, Wolof, Diola e Madagascan. Ele ird propor, em 1900, a criagdo do Primeiro Museu Audiovisual do Homem (ROUCH, 1995). Os primeiros filmes em que a temitica é 0 “outro” datam de 1897 e sao, segundo Jordan (1995), filmes “sem pretensio etnogréfica” e mais interessados em divulgar 0 exético. No entanto, a parceria entre antropologia e cinema aparecer em seguida. Em 1898, so realizados os primeiros filmes etnogréficos, “pensados como documentagao audiovisual para a pesquisa de campo” (ibidem: 15), duran- te a Cambridge University Expedition to Torres Straits, organizada por A. C. Haddon, da qual participaram C.G. Seligman e W.I. Rivers, entre outros pesqui- sadores. Em 1901, a Companhia de Edison faz um acordo com o Bureau of American Ethnology para filmar os trabalhos, distragGes e as ceriménias dos Pueblo € outras tribos, , no mesmo ano, W. B. Spencer filma as cerim6nias dos aborige- nes australianos. Esta lista poderia continuar e, sem diivida, passar por Flaherty (que, se- gundo Rouch fazia etnografia sem o saber), pelo proprio Rouch e chegar aos dias atuais'. Mas a pergunta que pretendo responder aqui é outra. Diante desta eviden- te potencialidade do cinema para o registro das “singularidades e diferengas do outro” (MONTE-MOR, 1995, grifo da autora), quando e de que forma a antropo- logia percebe o filme enquanto produto cultural, que veicula representacdes e va- lores do grupo que o produziu e também daquele para o qual é destinado? Em sua comunicagio apresentada A Société de Psychologie em maio de 1934 sobre as técnicas corporais, Marcel Mauss j4 via no cinema um espago de representaco e divulgaco de tragos culturais. Uma espécie de revelacdo me veio no hospital. Bu estava enfermo em Nova Torque. Per- ‘guntava-me onde ié vira senhoritas caminharem como minhas enfermeiras. Tinha tempo para refletir sobre o assunto e, afinal, descobri que fora no cinema. Ao voltar a Franga, observei, sobretudo em Paris, a freqiiéncia desse passo; as mocinhas eram francesas andavam também daquela maneira. De fato, as modas do caminhar americano, gragas 0 cinema, comegavam a chegar até nés. (..) Existe, portanto, igualmente uma educa- io no andar. (MAUS, 1974: 213-4) 92 Apesar da “revelagdo” no hospital, Mauss, que estimulou seus alunos a “filmar todas as técnicas corporais” (ROUCH, 1995: 85), nao aprofundou as pos- sibilidades da andlise antropolégica de filmes j4 existentes, tais como os que 0 ilu- minaram em sua descoberta da existéncia da “educago no andar”. PRIMEIRAS ANALISES FILMICAS: 0 OUTRO/INIMIGO NA TELA O estudo antropolégico dos feature films* tem inicio nos BUA durante a II Guerra Mundial (WEAKLAND, 1995). 0 objetivo do governo americano era mobilizar © conhecimento dos cientistas sociais para que estes desenvolvessem uma andlise das sociedades estrangeiras, que previsse 0 comportamento de seus membros nas batalhas. Curiosamente, tal como o préprio inicio da disciplina, impulsionado pelo interesse colonizador europeu, a andlise fflmica antropol6gica seria estimulada pelo interesse norte-americano na compreenso do outro, que devia ser conquistado, ou derrotado. E por que o filme? A resposta € quase dbvia. Na guerra, o trabalho de campo nao era possivel e outros meios tiveram que ser explorados, como as entre- vistas com estrangeiros habitantes dos BUA, a andlise de varios materiais escritos — histérias, novelas... e, em particular, 0 estudo de filmes produzidos pelas socie- dades em questdo, principalmente as inimigas Alemanha e Japio. Em comum, além do contexto da guerra, a maioria das andlises desta época tem a marca da Escola Hist6rico-Cultural Norte-Americana. A obra de Ruth Benedict, Patterns of culture, pioneira no campo dos estudos de cultura e perso- nalidade, inspira varias das andlises filmicas realizadas neste perfodo. A busca pelos “padres culturais”, pela compreensao do comportamento humano moldado pe- las tradigdes (BENEDICT, 1934: 1), pelos tragos psicol6gicos das culturas, pelo etos de um povo seré a ténica dos trabalhos produzidos pelo grupo Columbia University Research in Contemporary Cultures. Inaugurado pela propria Benedict —e prosseguido por Mead — o grupo trabalhou entre 1947 e 1953, envolvendo cerca de 120 pessoas, provenientes de 14 disciplinas e 16 nacionalidades (MEAD. & METRAUX, 1953: 6). O livro organizado por Margaret Mead e Rhoda Métraux The study of culture at a distance (ibidem) é a principal publicago desta pesquisa e inclui, em um capitulo especifico sobre andlise filmica, estudos de Martha Wolfenstein, Jane Belo, Geoffrey Gorer, Vera Schwarz, Gregory Bateson, John Weakland, além de artigos das préprias organizadoras. Antes mesmo da formaco deste grupo — cujos trabalhos analiso em seguida —, Benedict, na obra O crisdntemo e a espada (1988), publicada origi- nalmente em 1946, utiliza-se da andlise filmica e da discussio de filmes com seus informantes no seu estudo da cultura japonesa. Assistindo a filmes produzidos no Japiio — de propaganda, hist6ricos e sobre a vida contempordnea em Téquio e nas 93 vaococinema ec Ani ARTIGOS 1998. a Ano VE CADERNOS DE CAMPO aldeias —, a autora percebe que os japoneses com quem comentava os filmes “viam o herdi, a heroina e o vilao” de forma diferente da sua (ibidem: 15). Benedict des- creve seu estranhamento diante de enredos japoneses e as reagdes que os mesmos provocam no ptblico oriental. Freqiientemente aponta as diferengas entre suas interpretagdes e as do espectador japonés. Através dos filmes — e das diferentes reagGes a estes —, a autora acaba compreendendo modos de pensar e de se com- portar dos japoneses, como 0 devotamento filial acima de outras virtudes (ibidem: 104), ou o sofrimento — no cotidiano de uma familia, ou nos sacrificios da guerra —como caminho para o cumprimento do dever (ou, “pagamento” doon) (ibidem: 164-5). Em US/ NOT-US, Geertz (1994) aponta como estratégia retorica de Benedict a justaposigao do muito familiar com o extremamente exético de tal for- ma que eles trocam de lugar. A alteridade extravagante tornar-se-ia autocritica. Na repetigao constante da comparacaio “na América/ no Japdo”, Benedict estaria acen- twando a diferenca e, na avaliagdo de Geertz, o Japio comegaria a parecer menos erratico ¢ arbitrério, enquanto os EUA pareceriam menos razoaveis. O que, segundo 08 criticos da autora, seria um manual de como lidar com o inimigo, é, para Geertz, uma etnografia dcida que desconstr6i a clareza ocidental. Geertz refere-se rapida- mente a utilizagiio dos filmes, dentre as intimeras fontes utilizadas pela autora (len- das, entrevistas, trabalhos escolares, noticias cm jornais ¢ radios, romances etc.), para criar esta relagdio US/ NOT-US. O trecho de O crisdntemo... apresentado a seguir, sobre enredos de novelas e filmes, é bastante ilustrativo desta argumenta- Jo: ‘O heréi com quem simpatizamos por estar apaixonado ou porque nutra ambigdes px soais, eles condenam como fraco por ter permitido que tais sentimentos viessem inter- por-se entre ele e o seu gimu ou giri. Os ocidentais sentem-se inclinados a considerar um sinal de forga revoltar-se contra as convengGes ¢ conquistar a felicidade, a despeito dos obsticulos. Os fortes, entretanto, de acordo com a opinio japonesa, so aqueles que des- prezam a felicidade pessoal e cumprem as suas obrigagées. A forga de carter, acham eles, ¢ revelada conformando-se e nao se rebelando. Conseqiientemente, os enredos de novelas ¢ filmes costumam ter no Japdo um significado bastante diferente do que Ihes emprestamos quando os vemos com os olhos ocidentais. (3ENEDICT, 1988: 177) Este trecho revela, além da estrutura retérica da autora, sua percepgao da potencialidade do cinema como vefculo de representagdes de uma cultura. Nos cenredos de filmes, Benedict encontra, por exemplo, a representaco do carter na cultura japonesa e a interpreta/entende em oposigao & norte-americana, Este uso das imagens filmicas na pesquisa antropolégica sera desenvol- vido pelo grupo Columbia University Research in Contemporary Cultures, coor- denado por Mead. A relagao desta autora com a imagem é mais conhecida através de sua experiéncia de campo em Bali, em 1936, quando, com Bateson, tirou 25 mil fotografias ¢ rodou mais de 22 mil pés de filme 16 mm. Mesmo um critico de seu trabalho como Harris (1968) reconhece esta experiéncia como sua contribui- 94, ¢do mais duradoura para o desenvolvimento da antropologia como disciplina, ape- sar de, em seguida, lembrar que a cmera, em suas mios, agia conforme seus in- teresses e que as fotos nio eram menos subjetivas que seu discurso verbal’. O “pulo” de Mead, da produgiio de imagens para a anilise destas, ocorre no contexto da I Guerra Mundial, marcado pela inacessibilidade espacial 2s socie~ dades inimigas. A anilise filmica serd uma das estratégias do método do “estudo da cultura A distancia”, que Mead detalha na introdugao do livto The study of culture at a distance (1953). Esta obra, qualificada por Mead como “manual”, ira propor métodos para a andlise de regularidades culturais no carter de individuos membros de sociedades inacessiveis & observagio direta, seja por situagdes de guerra (0 caso do Japaio e Alemanha), de barreiras para a pesquisa (como as colo- cadas pela Unido Soviética e a China Comunista), ou de sociedades jé extintas. A novidade da abordagem, segundo a autora, estaria na combinagao de métodos de historiadores — tais quais a pesquisa de documentos como livros, jornais, revis- tas, filmes, didrios, cartas etc. — com os métodos dos antropélogos. O foco dessa metodologia era o estudo do “carater nacional”, ou seja, do papel da nacionalida- de na origem do comportamento na guerra, na politica e em campanhas de educa- ¢4o doméstica e construcao moral, entre outras (ibidem: 4). Mead lembra que os “estudos de cultura 4 distancia” pertencem ao cam- po maior dos “estudos de cultura ¢ personalidade”, que se interessam pela forma como individuos de uma dada tradigao hist6rica aprendem modos particulares de uma cultura e os perpetuam em outros individuos (ibidem: 18). Cultura é entendi- da como um sistema de comportamento aprendido, compartilhado pelos membros de um grupo (ibidem:20). Os estudos de om: personalidade também partem do pressuposto de que sociedade, cultura e personalidade nao podem ser postula- das como varidveis completamente independentes (HALLOWELL, 1954: 600) nem tomadas como objetos de disciplinas separadas (LINTON, 1952: 3). Assim, esta linha de pesquisa vai propor uma abordagem psicolégica da cultura, ou, nas palavras de Hallowell, a busca da base estrutural dos diversos caminhos pelos quais © homem constr6i modos distintos de vida para si (HALLOWELL, 1954: 609).. Este tipo de abordagem est presente nas andlises filmicas publicadas no “manual” de Mead e Métraux. A introdugdo a parte sobre andlise filmica, escrita por Martha Wolfenstein (1953a), explica que a antropologia cultural interpreta produces artisticas buscando as regularidades nessas produg6es ¢ relacionando- as ao material psicolégico genético (genetic psychological material) derivado do ciclo de vida tipico de individuos da cultura em questo. O procedimento para a andlise de contetidos filmicos proposto por Wolfenstein explicita a forte presenga das teorias psicolégicas — especialmente freudianas — na andlise antropol6gica: Uma abordagem geral para a interpretacdo de contetido filmico é a seguinte: (1) N6s temos lum grupo de conceitos e proposigdes da psicologia dindmica (por exemplo, aqueles rela- cionados ao complexo de Edipo). (2) Esses sugerem um nimero de varidveis que podem 95. Rose, G. Hikij y 2 gosvGe ao ciner Ann ARIIGOS 27-1998 Ano Vii- CADERNOS DE CAMPO serilustradas no contetido filmico (por exemplo, relagbes pai-filho). (3) Um modo parti- cular de lidar com tal variavel em um filme constitui um tema (por exemplo, a figura paterna atacando a figura filial). (4) Tal tema pode ser interpretado através da aplicago de proposigdes da psicologia dindmica... (Ibidem: 269, grifos da autora, traducio minha) Wolfenstein explica em seguida que a variével indica uma 4rea geral a ser observada e o tema é o modo no qual uma variavel particular é repetidamente concretizada nas produgées de uma cultura particular. O seu exemplo pritico de andlise filmica advém de um estudo de filmes americanos que realizou com Lei- tes, em 1950, do qual resume as principais conclusdes. Em todas elas, 0 objetivo dos autores € claro: ap6s observar os temas recorrentes, interpretam-nos em ter- mos psicolégicos. Um dos principais temas recorrentes, 0 das falsas aparéncias, é interpretado como expressao de desejos proibidos. O ussassinato de um pai crimi- noso por um terceiro é visto como uma variedade da solugao do conflito de Edipo. A situagao em que um personagem é 0 observador da relagio entre um homem e uma mulher “€ obviamente relacionada ao Complexo de Edipo” (ibidem: 273, tra- dugao minha). Apesar de enfética nas interpretacées psicol6gicas que faz dos filmes e de seus personagens, bem como do caréter de toda uma nagao (os EUA, a Fran- ¢a), Wolfenstein é mais cuidadosa na hora de transpor suas avaliagdes para a “vida real”: os processos psicolégicos que toma como caracterfsticos de uma cultura particular no desenvolvimento do filme nao podem ser transferidos diretamente para a realidade. Para a autora, hd possiveis conexdes entre as fantasias filmicas ¢ 0 comportamento real, mas estas podem ser complementares ou similares. Como exemplo das relagdes entre vida real e fantasias de determinada cultura, ela apre- senta a relagdo pai/filho nos EUA e Franga, Na “vida real”, as criangas america- nas seriam encorajadas a ultrapassar seus pais, enquanto na Franga elas teriam que esperar até a meia-idade para adquirir independéncia, Esta relagao contribuiria para varias fantasias recorrentes nos filmes, entre elas: fantasias sobre figuras paternas em filmes americanos podem estar em um nivel mais infantil porque, na vida, a preocupagdo consciente do filho com o pai tende a terminar Jogo que o filho cresga, Na Franga, onde o filho j& crescido era ainda muito envolvido com sua familia de origem, a imagem do pai pode ter sido trabalhada a luz da experién- cia adulta, ¢ as figuras paternas mais complicadas e simpatizaveis dos filmes franceses (...) poderiam ter-se desenvolvido daf. ([bidem: 280, tradugaio minha) A rapida exposigao de Wolfenstein sobre sua concepeaio de andlise filmica (em 13 paginas do livro) nao permite uma avaliagdo profunda, mas abre espago para algumas consideragées. Os criticos da psicologizagiio das etnografias culturalistas? teriam farto material nas andlises da autora. Tudo parece ser “obvia- mente relacionado com o complexo de Edipo”. Para estes autores, filmes revelam mais do que tragos estruturantes da personalidade de seus personagens: pdem no diva os cardteres nacionais — e de uma forma que os proprios psicanalistas po- dem repudiar. Por outro lado, a autora ganha, no meu entender, quando suas ob- 96 servagdes aproximam-se do que Geertz (1983) chama de common sense. Apesat de buscar as estruturas psicolégicas que governam o comportamento de diferen- tes grupos humanos, a autora recorre a fatos da superficie. Como lembra Geertz, 0 senso comum esta em provérbios, piadas, anedotas'®. E — sugiro — também em filmes. Principalmente no tipo de filme que Wolfenstein analisa: filmes ficcionais populares. Quando a autora fala das recorréncias de situagGes, personagens e te- mas encontrados nos filmes, ela parece estar falando do senso comum, af talvez ela faga suas melhores andlises. Quando se afasta da “superficie”, perde-se em busca das “tartarugas demasiado profundas”. A segunda andlise filmica de The study of culture... € também de Wolfenstein e diz respeito ao filme italiano The tragic hunt (WOLFENSTEIN, 1953). Para realizé-la a autora assistiu a mais de 20 filmes da mesma nacionali- dade. As criticas que fiz anteriormente continuam validas. Se, durante a descrigao filmica (que é também uma interpretagao), a autora faz varias observagdes inte- ressantes (a associagao do noivado - especialmente da noiva virgem — com uma dédiva para a comunidade; a atragdo do homem italiano pela boa mulher, ao con- trdrio de outros ocidentais, que seriam seduzidos pela “bad woman” etc.), a con- clusdo — psicologizante - é decepcionante (porque reducionista): o filme expres- saria um tema caracteristico italiano, que € o distirbio emocional diante da perda de sua virgindade, momento de transig&o na vida da garota (ibidem: 287). Uma das principais preocupagées dos estudos de cultura e personalidade — as relagées familiares como elemento constitutivo do carter — est presente em varios dos artigos. Jane Belo (1953) e Geoffrey Gorer (1953) tematizam o tra- tamento dado a figura do pai em filmes franceses. Weakland (1953), que partic pava do Chinese group in Research in Contemporary Cultures, realiza um deta- Ihado estudo de sete filmes ficcionais cantoneses, escolhidos entre todos os filmes chineses aos quais assistiu em um periodo de quatro meses em um cinema comer- cial de Chinatown, em Nova Iorque''. Weakland destacaré como tema central dos filmes as relagdes homem-mulher e caracterizard os personagens em tipos: 0 jo- vem, o velho, a mulher séria, a “perigosa”. Entre as recorréncias que encontra, esto a importancia do destino, sua inexorabilidade e a estrutura climatica comum aos filmes. Mas 0 mais interessante em seu trabalho é a descrigdio minuciosa que faz da metodologia que utilizou, e que inclui: a leitura das tradugdes inglesas das si- nopses (ele no compreendia cantonés); a tomada de notas das cenas que desper- tavam interesse especial, pela repeticao de assuntos, objetos, expressdes, detalhes de técnicas etc.; a busca de tematicas recorrentes; a verificagao da visdo “nativa” do filme através de exibig&io para membros da cultura na qual foi concebido ou a qual representa; e a pergunta inevitivel pelos “padrdes de cultura”, que, segundo Weakland, seriam mais nitidos em filmes do que na vida cotidiana por represen- tar uma unidade mais ordenada e definida. 97 SG.Hig SVAN. CO CINEMA: Anirood) ARTIGOS E CAMPO 5 CADERNO Weakland 6, talvez, 0 tinico dos integrantes do grupo de pesquisas da Columbia University que deu continuidade a pesquisa com filmes. Em artigo de 1974, atualizado em 1995 (WEAKLAND, 1995), ele detalha sua metodologia de andlise antropolégica de filmes. Defende 0 estudo dos filmes ficcionais por sua proximidade com interesses e métodos antropolégicos tradicionais. Os filmes se- riam documentos culturais que projetam imagens do comportamento humano so- cial por serem ficcionais. Para o autor, estas imagens podem refletir premissas culturais e padres (patterns) de pensamento e sentimento. Elas podem influenci- ar 0 comportamento dos espectadores e iluminar o atual comportamento, se forem similares ou diferentes dele. Mas a principal proximidade entre o estudo de filmes ea antropologia estaria na possibilidade da analogia entre os filmes ficcionais os mitos ritos: ‘Ao projetar imagens estruturadas de comportamento humano, interagao social e da na- tureza do mundo, filmes ficcionais nas sociedades contempordneas sao andlogos em na- tureza e significdncia cultural 3s hist6rias, mitos, rituais e cerimOnias em sociedades px mitivas... (Ibidem: $4, tradugzio minha) A cortespondéncia entre 0 novo objeto (o cinema) e 0 tradicionalmente estudado pelos antropélogos (0s mitos e ritos) possibilita também a “construgaio” de uma dificil ponte: a que liga a andlise da ficcio & realidade, sem no entanto confundir estas dimensées. podemos ver os realizadores de filmes hollywoodianos e suas audiéncias como membros de uma cultura americana comum (...)¢ considerar os filmes que fazem e véem como algo que, de algum modo, embora provavelmente nao realisticamente, reflete a vida Ame- Ficana — assim como xamas ¢ contadores de hist6rias podem ser especialistas, e mitos nao so descrigdes da vida cotidiana. (Ibidem: 60, tradugio minha) Em resumo, Weakland estabelece os seguintes pontos em comum entre filmes e mitos: ambos projetam imagens estruturadas do comportamento huma- no, da interagao social e da natureza do mundo € refletem a vida social, sem ser, necessariamente, descrigées realistas da vida cotidiana, Destaco aqui a percepcaio de Weakland para estas propriedades dos filmes ficcionais. Sua andlise, adiciona- daa de Benedict (1934), comega a formar uma base inenos movedica de sustenta- do para o trabalho antropolégico com filmes. A participagdo de Mead neste capitulo € curta. Consiste em uma sinopse do filme russo The young guard, realizada em um trabalho do grupo de estudos da Columbia University sobre os soviéticos (MEAD, 1953). Este trabalho, junta- mente com o de Schwarz (1953), que é uma comparagio entre o mesmo filme e 0 romance no qual é inspirado, € ilustrativo das diferentes estratégias de anilise filmica: descrigao, comparagao entre duas versdes do mesmo tema (o filme e 0 li- vro), a visio do membro da cultura analisada (Schwarz é russa). A tiltima andlise publicada no livro € uma das mais ricas, apesar de ser, provavelmente, a primeira andlise antropolégica de filme ficcional realizada na 98. hist6ria da disciplina. Trata-se da andlise do filme nazista Hitlerjunge Quex", re- alizada em 1942 por Gregory Bateson (1953)"". Reconhecido pelas organizadoras do livro como o esforgo inicial de um antropélogo cultural em aplicar técnicas antropolégicas ao exame de filmes ficcionais, o texto de Bateson procurava res- ponder A seguinte pergunta: que tipo de pessoas eram os nazistas? Bateson justifi- cou aescolha de um tinico filme — e deste especificamente — por considerar ne- cessirio estabelecer equacdes simbélicas basicas e isso tornava-se mais facil com um filme que mostrasse os nazistas e seus inimigos explicitamente (outros filmes da década de 30 utilizavam formas indiretas de propaganda nazista). Além disso, © autor encontrou no filme caracterizagdes da paternidade, adolescéncia, maturi- dade, limpeza, sexo, agresso, passividade e morte na visdo de vida nazista. Para completar, o filme carregava o selo da aprovagio oficial nazista e tinha obtido sucesso junto ao ptiblico “Nazi”. A justificativa metodol6gica de Bateson para a escolha de filmes ficcionais como meio de conhecer a outra cultura caminha na direco da comparagio filme/ mito e antecipa, neste sentido, as proposicdes metodolégicas de Mead e Métraux, de Weakland, além de permanecerem, em minha opiniao, validas e atuais. O pa- ragrafo de sua introdugo, que reproduzo a seguir, é extremamente relevante, a0 apontar esta opcaio metodolégica e demonstrar 0 caminho da ligagao arte/ficgdo/ realidade. ‘Uma pintura, um poema ou um sonho podem fornecer uma imagem excessivamente fal- sado mundo real, mas na medida em que o pintor ou o poeta sao artistas, e na medida em que eles tenham completo controle de seus meios, a produgio artistica deve necessaria- ‘mente nos falar sobre o homem em si. Do mesmo modo, este filme (..) deve nos falar da psicologia de seus realizadores e, talvez, mais do que eles planejavam dizer. Nao é pos- sfvel, no entanto, dizer em nenhum caso particular se os realizadores estavam totalmente conscientes, parcialmente, ou inconscientes do que eles estavam fazendo. Na andlise, 0 Ime € tratado nao somente como um sonho ou trabalho artistico individual, mas tam- bem [porque ele € criado por um grupo ¢ com um olhar para o apelo popular] como um mito. N6s temos aplicado ao filme o tipo de andlise que os antropélogos aplicam & mito- ogia de povos primitivos ou modernos. (Ibidem: 303, tradugdo minha) A andlise de Bateson nao € reproduzida integraimente no livro de Mead e Métraux. Apenas 11 paginas de sua obra foram publicadas. Isso impossibilita 0 acompanhamento de todo seu procedimento de andlise e interpretacZo. No entan- to, alguns de seus princfpios ficam claros nos trechos selecionados pelas organizadoras. E um dos mais importantes, sem dtivida, é 0 do tratamento do fil- me como mito. Bateson percebe que a origem do filme é grupal e nfio individual. A criti- cade arte e a imprensa especializada ocidental tendem a tomar o filme como obra de um diretor (“o filme de Spielberg”, “a obra de Scorcese”). Esquecem-se de que 0 produto final é resultado de um trabalho de equipe, em que varios olhares unem- se na confec¢ao do material (0 olhar do fot6grafo, a sensibilidade do miisico que » nema Rose SG. Hidi IOGOS VG0.COCr Antroook 1998 CADERNOS DE CAMPO faz a trilha sonora etc.), Além disso, quando Bateson fala do seu desinteresse na intengiio dos realizadores do filme (nao Ihe importa se so conscientes ou nao do que esto fazendo), esté alertando para uma autoria que, como no caso dos mitos, écoletiva, por estar trabalhando com representagées nao necessariamente consci- entes e comuns a um grupo amplo na sociedade. Ao analisar o filme nazista, Bateson também mostra a propriedade filmica de registrar mitos: 0 mito nazista, e suas varias manifestagdes de valores, idéias, imagens. Assim, as intimeras exibigdes de um filme equivaleriam ao recontar do mito nos rituais, que serve & fixacdo das representagées veiculadas na historia. Bateson apresenta inicialmente um resumo do roteiro do filme, com des- crigdo dos personagens e o desenrolar da historia. A partir dai analisa as relagdes familiares'*, as perspectivas temporais, os grupos politicos e a manipulagao de simbolos presentes no filme. Para tragar a perspectiva temporal do filme, Bateson faz uma investigacao detalhada da forma como 0 protagonista é submetido a duas mortes. Para tal, 0 autor utiliza-se da andlise da iluminagao, de objetos de cena, do roteiro, das falas, da montagem. Para pensar a raziio da dupla morte, Bateson busca subsfdios na andlise antropolégica dos rituais de passagem e conclui que ao “dar” ao protagonista as duas mortes, os nazistas sintetizam um sistema social € uma perspectiva temporal que visualiza repetidas mortes simb6licas, representando promogoes de faixas etirias, que chegam ao climax na morte real ¢ na miiltipla reencarnagao, representada pela imagem de soldados nazistas em marcha, sobre- posta ao corpo do morto. ‘Ao analisar os grupos politicos representados, Bateson conclui que os nazistas representam nos comunistas as suas caracteristicas indesejaveis. Haveria um habito de atribuir a0 outro seus proprios vicios. Resume: “esses ‘Comunistas’ nao sao simplesmente diferentes dos Nazistas, eles so um oposto sistematico do ideal Nazista” (ibidem: 313; grifos do autor, tradugdo minha). E interessante que, para chegar aesta conclusio, o autor nfo se utilize somente de situages do rotei- ro, agdes. Ele analisa desde a forma como sao representados os habitos alimenta- res de cada grupo, sua sexualidade, até a caracterizagiio das personagens. Sobre 0 figurino de duas personagens femininas, nota que a garota comunista é mais sexualizada na cabega € torso, enquanto a nazista teria as caracteristicas mais fe- mininas em suas pernas, Assim “elas ndo sao apenas duas pessoas, diferentes uma da outra; elas so um par de pessoas, cada uma sistematicamente relacionada & outra, (...) a descrigio dos Comunistas é uma fungao do caréter Nazista” (ibidem). Este jogo de oposicGes, no estilo us/not-us, desta vez presente na propria tela, caracterizar-se-4 também na iluminagdo (escura para os comunistas e clara para os “Nazi”) e nos objetos simbélicos associados aos grupos (as ondas, associ- adas a figura dos nazistas, remeteriam a uma marcha sem fim, enquanto os carrosséis € roletas, associados aos comunistas, lembrariam uma sensagao de ton- tura e um movimento que nao leva a nenhum lugar). 100 Acredito que a riqueza do trabalho de Bateson esta nessa exploragio dos diversos aspectos do cinema. Ao ndo se prender na andlise da hist6ria, ou do ro- teiro, pensando também os elementos imagéticos, ele ganha em contetido e densi dade. A maior liberdade com relagao aos “temas-padrdes” da escola culturalista 0 leva a perceber dimenses muitas vezes ignoradas por aqueles que buscam em filmes somente os complexos de Edipo dos personagens e suas nagdes. E como se Bateson nao se contentasse com a utilizagao do filme como pista de acesso & cul- tura desconhecida, mergulhando no filme em si. Ao analis4-lo em seus detalhes constitutivos, o autor apreende mais do que 0 comportamento padrao do “outro”: ele entende o modo de ver deste grupo, suas representagdes de si e do inimigo. OuTROS OLHARES No artigo de 1995, Weakland afirma ser pequeno e negligenciado o interesse an- tropolégico em filmes ficcionais como documentos culturais. Em 1994, 0 autor fez. um Ievantamento de trabalhos antropol6gicos de andlise filmica junto a varias ins- tituigdes € grupos de pesquisa em Antropologia Visual e descobriu que muito pouco foi produzido apés a experiéneia dos anos 40 e 50. Espantado, acredito, com o niio- desenvolvimento da andlise filmica na antropologia, alerta para 0 6bvio: a com- preensao cultural é importante tanto na cooperagdo quanto no conflito, esta apro- ximagdio via andlise filmica pode ser usada até mesmo para o entendimento dos padres culturais de nossa propria sociedade. De fato, a andlise filmica do grupo de estudos de cultura & distancia pa- rece, olhando daqui, uma iniciativa isolada, em termos programaticos, na hist6ria da disciplina, Entretanto, outros autores dedicaram-se A andlise filmica nas tilti- mas cinco décadas'’. Trabalhos significativos surgem em um universo de escassa produgao. Contemporaneo dos culturalistas'®, Siegfried Kracauer publica, em 1947, De Caligari a Hitler (1988), uma obra na qual tenta compreender como o cinema dos anos 20, produzido na Alemanha durante a reptiblica da Weimar, anunciavao nazismo. Algumas de suas idéias sao bastante proximas &s da escola de Benedict: © autor acredita que os filmes “refletem” dispositivos psicoldgicos de uma nagao, por serem resultado de um esforgo coletivo e destinados a multiddes. Em 1956, o antropélogo franeés Edgar Morin publica Le cinéma ou Uhomme imaginaire - Essai d’ anthropologie, obra na qual dirige ao cinema o olhar do antropélogo perguntando pela especificidade deste meio que “ressuscita 0 uni- verso arcaico do duplo” (1995 [1956]: IX, traduco minha). Nesta obra, o interes- se de Morin nao se dirige ao produto-filme, mas aos processos peculiares do cine- mam suas relagdes com o espectador. Cinema aqui € pensado em relagdo a magia, sonho e imaginério. Jé na década de 70, o historiador francés Mare Ferro € talvez 0 mais im- 101 ARTIGOS | 2 & CADERNOS DE CAMPO portante defensor do objeto-cinema. Encontra na hist6ria as razGes para a discri- minagdo da imagem como fonte: para os juristas, para as pessoas instrufdas, para a sociedade dirigente e para 0 Estado, aquilo que nfo € escrito, a imagem, nao tem identidade: como os historiadores poderiam referir-se a ela, e mesmo cité-la? Sem pai nem mae, 6rfa, prostituindo-se em meio a0 povo, imagem nao poderia ser uma companheira dessas grandes personagens que constituem a sociedade do historiador: artigos de leis, tratados de comércio, declaragées ministeriais (..). Além do mais, como confiar nos jornais cinematograficos, quando todo mundo sabe queessas imagens, essa pseudo-representagdo da realidade, sao escolhidas, transforméveis, 4 que so reunidas por uma montagem nao controlvel, por um truque, uma trucagem, (..) Mas ninguém diria que aescolha desses documentos [os tradicionalmente usados pelos jores] so também uma montagem, um truque, uma trucagem. (FERRO, 1992: Diversamente de Kracauer, Ferro vé 0 cinema néio como reflexo da soci- edade, mas seu avesso, “seus lapsos”, ou seja, uma “contra-anéllise da sociedade” (ibidem: 86). O lapso revela o latente por tras do aparente, o “ndo-visivel através do visivel” (ibidem: 88). “Cinema é Hist6ria”, defende Ferro. E também o sio as crengas, as intengdes, o imagindrio do homem, adianta o historiador. Resta, en- tdo, “partir da imagem”, “Imagem-objeto, cujas significagdes ndo sao apenas ci- nematogriificas” (ibidem: 87). O autor propde métodos: é possfvel analisar a obra em totalidade, extratos, “séries”, compor conjuntos. Além da natrativa, € preciso observar cenfrio, escritura, relagGes do filme com o nao-filme: autor, produgo, pi- blico, critica, regime de governo. i Ferro também justifica a op¢do pela andlise filmica por consideré-la um método aplicavel ao estudo da Historia contemporanea, j4 que resolve o problema da falta de distanciamento. No caso, o distanciamento de que fala é sobretudo 0 temporal. F interessante notar que, na andlise antropolégica, o filme pode ser um meio de estranhamento do préximo, tanto temporal quanto espacial. Passando em revista a sociologia, a histéria e a semiologia do cinema, 0 historiador Pierre Sorlin (1985) propde, na década de 70, uma anélise que consi- dere os filmes — isoladamente, em grupos ou globalmente — como priticas significantes, estudando seus mecanismos, sem iso!4-los da configuragao ideol6- gica ou do meio social no qual se inserem. Leva em conta o aspecto ritual do cine- ma; as diferengas entre mensagem verbal e ic6nica, filme em movimento ¢ foto, 0 “dizer” ¢ o “ver”; a imposigao de sentidos no cinema comercial; 0 nascimento de signos O cinema volta 4 pauta da Antropologia a partir dos anos 80. Agora, a abordagem difere bastante daquela praticada pelos culturalistas!”. O cinema pas- saa ser objeto de pesquisa e fonte de reflexao. E proposta a transposigao de prin- cipios cinematograficos para a escrita etnografica (MARCUS, 1994). Sio realiza- das leituras etnograficas de documentérios (MACDOUGALL, 1994) de diretores (TOMAS, 1994). O cinema é pensado como rito de passagem (ibidem). As repre- 102 sentagdes étnicas impressas em celuldide sao tematizadas (ex.: STAM & SHOHAT, 1995). O cinema “é bom para pensar”. Em uma das principais criticas ao realismo etnografico, que caracteriza- tia a maior parte das etnografias classicas e modernas, Marcus e Cushman (1982) chamam a atengo para a forma como é constituida a “autoridade” nas etnografias realistas: a auséncia da primeira pessoa, a supressdo do individuo, o generalismo do texto (apesar do trabalho de campo ser restrito no tempo € no espago), 0 uso dos jargdes (demonstragio simbélica da competéncia antropolégica do autor). Em contraposi¢ao, eles apresentam os textos experimentais, que incluiriam a auto-re- flexaio do autor, as marcas da enunciagao (escrita em primeira pessoa) e a negocia- cdo entre 0 etnégrafo e 0 sujeito analisado, e que teriam como resultado nao uma interpretago coerente do outro, mas um misto de miiltiplas realidades negociadas em textos etnograficos de autoridade dispersa. As etnografias experimentais subs- tituiriam 0 us-them pelo me-them. Esta reflexao sobre a escrita etnografica marca o pensamento antropol6- gico sobre o cinema de diversas formas. O trabalho recente de Massimo Canevacci, um dos antropélogos contemporfineos que mais escreveu sobre cinema e meios de comunicaciio — autor de Antropologia do cinema (1990), Antropologia da comu- nicagao visual (1990b) e Sincretismos (1996), entre outros ~ é um exemplo. Pensador extremamente dinamico, Canevacci afirma ter modificado vé- rias das premissas te6ricas e conceitos que o guiavam na anilise dos produtos da CVR (Comunicagao Visual Reprodutivel)'®. Em Antropologia da comunicagao Visual, por exemplo, 0 autor propde uma interpretagdio semistica dos filmes de Pasolini, que implica, como primeiro passo, a descri¢do ¢ interpretacao dos filmes como um texto, no sentido que Geertz (1989) dé a esses termos. Em Antropologia do cinema, Canevacci explica o porqué da necessidade da andlise antropoldgica do cinema: ‘O cinema —como subcultura interna ao sistema das novas ideologias —tem necessidade de reflexées globais e radicais para responder As perguntas Sobre sua relagiio entre mé- quina-cinema e as modificadas categorias centrais da humanidade: 0 tempo, 0 espago, 0 Fito, a fébula, a vida, o riso, o comportamento na sala, 0 trabalho, o corpo, a morte, as classes sociais. E, por isso, uma nova tentativa de compreensiio do cinema pode ser colo- cada num plano antropolégico... (CANEVACCT, 1990: 29) E, finalmente, em Sincretismos, que é também uma reavaliagao dainfluéncia da Escola de Frankfurt em sua obra, o cinema sera abordado com “uma lingua- gem diferente, muito subjetiva”. Sobre sua andlise do filme Antes da chuva, pre- sente no livro, Canevacci comentou"”: Pela primeira vez.eu achei que era o momento de toda a minha subjetividade estar den- tro do texto, Feu falei em primeira pessoa. Nunca havia pensado em fazer isso antes. Fazer do meu problema muito fortemente presente If. (..) A linguagem da escrita, do visual... 0 momento fundamental de renové-la completamente. Como? E aqui que vai nascer a 103 S.C.Hi OGOSVa0 Ge cinemMa Antropak ARTIGOS 1998 Ano Vil me 7 CADERNOS DE CAMPO dimensio experimental da forma de representagio. Aqui é nitido o encaminhamento da obra de Canevacci em direciio as inovagGes da etnografia experimental, apontadas anteriormente. Questionado, na entrevista, sobre a especificidade do objeto-cinema, com 0 qual no se poderia dialogar, Canevacci foi radical: ‘Uma vez eu pensei assim, mas minha visio atualmente € diferente, O didlogo é funda- ‘mental, porque 0 que se vai colocar na relagdo de produgao filmica sao trés subjetivida- des. A primeira, a subjetividade do diretor. A segunda € a subjetividade de quem é fil- mado, que nao é s6 um objeto, mas esse objeto que interpreta também 0 intérprete, 0 antropélogo. O terceiro € 0 consumidor, que é também um intérprete. (...) Sao trés irredutiveis subjetividades. Pergunta - Entio existe didlogo? Canevacci - E dialdgica, trialégica. (Risos.) Pergunta - Vocé 6 0 quarto... Canevacei - (Risos) Uma tetral6gica. Essa é a polifonia para mim, para entender minha terminologia. Uma multiplicago da maneira, do jeito de enfrentar este tipo de coisas. Interessam-me dois pontos colocados por Canevacci: a andlise semistica do cinema e a “dimensao experimental da forma de representagdo”. Seguindo a referéncia do proprio autor, releio Geertz para pensar o primeiro ponto. Em Art as a cultural system (1983), Geertz propde-se a enfocar a “significancia cultural” dos objetos artisticos, j4 que a definicao de arte em qualquer sociedade nao seria nun- ca inteiramente intra-estética. Estudar arte seria a exploragio de uma sensibilida- de essencialmente coletiva. A capacidade de perceber significado em pinturas (ou poemas, melo- dias, construgdes, potes, pegas, estétuas) — e completo, também no cinema — seria, como todas as outras capacidades humanas, produto de uma experiéncia co- letiva que a transcende. Desta forma, ‘Uma teoria da arte é portanto ao mesmo tempo uma teoria da cultura, nfo um empreen- dimento aut6nomo. E se é uma teoria semidtica da arte, deve tragar a vida dos signos em sociedade, nao em um mundo inventado de dualismos, tranformagies, paralelos e equi- valéncias. (Ibidem.: 109, tradugdo minha) Para Geertz, a conexo central entre arte e vida coletiva nao estaria em um plano instrumental, mas no semi6tico. Nos estudos culturalistas, a relago entre atte (filmes, no caso) e vida coletiva se dava ainda naquele primeiro plano: a arte reflete a vida; os filmes revelam os comportamentos de quem os produz. Com Geertz, a mesma relagdo vai para o plano semiético: a arte nfo é reflexo, mas um modo de pensamento sobre a vida, que pode ser interpretado. A relagdo dé-se en- to entre 0 cinema/arte e as “categorias” através das quais os homens pensam e claboram a vida. Desta forma, estudar arte é explorar uma sensibilidade coletiva; 104 e, no meu caso, estudar a forma como o cinema representa a violéncia significa desvendar tracos do imaginério contemporaneo sobre a violéncia. Geertz propde, em sua semidtica da arte, uma “etnografia dos vefculos de significado”, que considere os signos no como cédigos a serem decifrados, mas modos de pensamento, idiomas a serem interpretados. Uma semistica do cinema certamente poderia caminhar nesta direco. Asetnografias experimentais t¢m como um dos focos de atengao o segun- do ponto apresentado por Canevacci, ou seja, a criagdo de uma nova forma de re- presentagdo da propria escrita etnogréfica. Em Visualizing theory (TAYLOR, 1994), uma coletanea de ensaios publicados na Visual anthropology review, en- tre 1990 e 1994, Marcus (1994) trabalha com uma das possibilidades de mudan- ca nesta representagdo: a influéncia da imaginagao cinematografica na escrita etnogréfica experimental. Os aspectos cinematogréficos da simultaneidade, “multiperspectivismo” e descontinuidade narrativa estariam sendo praticados nas etnografias experimen- tais, em nome da polifonia, fragmentago e reflexividade. Os artificios da monta- gem em cinema, aplicados & escrita etnogréfica, permitiriam a ruptura com a nar- rativa linear e, conseqiientemente, a critica cultural. Entre as recentes abordagens do cinema estio os trabalhos de Tomas, McDougall e Stam e Shohat. Tomas (1994), que faz uma leitura etnografica da obra de Dziga Vertov, também caracteriza 0 cinema como rito de passagem: como a fotografia, o filme cinematografico seria um sistema de transformagées — ética, mecanica e quimica — que seria sua passagem entre o mundo cotidiano e mundos paralelos de representagao pictérico. O autor vai propor uma pesquisa ritual da tecnologia de fotografia e cinema, que possibilitaria uma explorago da imagina- 40 industrial ocidental de um ponto de vista “antropolégico”. Esta responderia a questées como: com que tipo de transformagdes simbélicas e sociais essas tecnologias so designadas para lidar? Para quem e em termos de quem elas ope- ram? Outra tematica presente nas andlises filmicas antropol6gicas contempo- rdneas a da investigagdo da representagao da etnicidadeem filmes. Autores como Ella Shohat e Robert Stam (1995) dedicam-se a examinar como 0 “outro” (ndo nor- te-americano-branco) foi e é representado em filmes de Hollywood, concluindo, por exemplo, que “a estrutura narrativa e as estratégias cinematogréficas continuam eurocéntricas” (Ibidem: 77). A preocupacao com a historicidade dos filmes € uma marca do trabalho do critico marxista Fredric Jameson, que trago para perto dos antropélogos para completar este quadro. Ao afirmar que “a tinica maneira de pensar o visual (...) € compreender sua emergéncia hist6rica” (1995: 1), o autor defende uma estética do cinema que leve em conta a historicidade da percepgao. Lembrando que a “estéti- ca pode ser vista como outra forma de ética” (ibidem: 5), o autor introduz a dimen- (0 politica na andlise filmica, encarada como critica cultural. Sem cair em um 105 RoseS. G. Hig VOOCOCINEMaA Anirc ARTIGOS CADERNOS DE CAMPO maniquefsmo simplificador, o autor afirma que toda obra da cultura de massa tem uma fungao ideolégica, mas também tem uma ut6pica, que € enfatizada quando 0 filme é reescrito “em termos de mito” (ibidem: 27). E sio essas duas dimensées que o autor vai buscar em filmes como Tubardo, O poderoso chefao, ou O ilumi- nado. REFLEXOES A PARTIR DESSES OLHARES Trilhar esta diversidade de pesquisas que tomam 0 cinema como objeto resultaem sentimentos tio dispares como 0 estimulo e a perplexidade. Por um lado, as cién- cias humanas ~ e, especialmente, a antropologia — revelam-se, nestes trabalhos, “Jentes” poderosas para o exercicio do olhar. Por outro lado, espanta-me a falta de sistematizagdo dos conhecimentos produzidos na drea. Ainda hoje € dificil expli- car para um colega o fato de ter escolhido filmes como objeto de pesquisa antro- pol6gica. A iniciativa dos antropélogos da Columbia University é, provavelmen- te, omomento em que a disciplina, de forma programitica, mais se aproximou de uma reflexao coesa sobre 0 campo-cinema. Os trabalhos da escola culturalista tém em comum 0 caréter experimental, mas, observados em conjunto, revelam algu- mas proposigGes tedricas e metodoldgicas consistentes, embora pouco exploradas posteriormente. ‘As observagdes de Ruth Benedict, em O crisdntemo e a espada, apon- tam para a potencialidade do cinema enquanto veiculo de representagées. Martha Wolfenstein, apesar da insistente psicologizacao, sugere a busca de recorréncias nas produgées cinematogréficas ¢ as relaciona com tragos culturais. Weakland propde uma metodologia de abordagem de filmes com base no conhecimento an- tropolégico da andlise de mitos, provavelmente, dando prosseguimento & analo- gia sugerida por Bateson, em sua andlise pioneira de um filme ficcional Estas primeiras abordagens antropoldgicas do cinema deixaram, em meados do século XX, as portas abertas para a investigagiio do fascinante objeto. Os filmes ficam, desde entao, caracterizados como produtos culturais, passiveis de observagiio, cuja interpretagao revela modos de pensamento de culturas “outras” e da nossa propria. Como os mitos, os filmes apresentam recorréncias que podem ser interpretadas, veiculam representagées sociais, t¢m origem “coletiva” Talvez seja a analogia filme/mito um dos aspectos mais interessantes apontados nessas primeiras andlises. Filmes ficcionais siio formas de recorte, apreensiio e organizagiio do mundo. As imagens contam histérias, tempos, lugares, sentimen- tos, perspectivas. Os filmes registram mitos e também mitificam representagdes. Sintetizam uma série de visées de mundo. Filmes, como mitos, sao narrativas so- cial ¢ culturalmente construfdas. Nao sio relatos realistas, mas “dramatizagdes” da realidade. O filme, como um mito, relaciona-se com a realidade de forma dialética, estabelecendo parametros ao espectador™. 106 Essas consideragdes apontam para os caminhos que podem seguir uma discussio aprofundada das relagdes analégicas entre filme e mito. Por um lado, elas ajudam a pensar as interfaces entre cinema e sociedade e, por outro, permi- tem vislumbrar uma metodologia para andlise filmica inspirada na anélise antro- poldgica de mitos. Sem a mesma coesio de princfpios te6ricos e metodolégicos, os demais trabalhos aqui apresentados apontam para as diversas possibilidades de aborda- gens do cinema a partir das humanidades, em geral, e da antropologia, particular mente. E interessante notar como George Marcus, ao propor a influéncia da lin- guagem cinematografica na escrita etnogréfica, de certa forma, retoma a aspiracao de Morin a nao apenas considerar o cinema a luz da antropologia (como o faz Tomas, por exemplo), mas também de considerar anthropos a luz do cinema (1994: X). Com outras perspectivas, os trabalhos de Sorlin, Kracauer, Ferro ¢ Canevacci tém em comum a preocupagio com as relagées entre cinema e sociedade. A variedade de possiveis olhares é indicativa do terreno fértil que ha para explorar. Mas, curiosamente, as imagens em movimento, que hé mais de um sé- culo brilham no écran, nao receberam ainda a devida atengo da nossa disciplina. Talvez, a resposta para tal “desvio” de olhar esteja na dupla face das imagens, inspiradoras do fascinio e terror que José Miguel Wisnik (1992) canta em “A pri- meira vez, mamic, que cu fui ao cinema”: (...) uma tela enorme e vazia/ eu tive medo/ do que enxergaria ali mais tarde/ ou mais cedo/ as poltronas frente & cena nua/ igreja sem Deus/ adoravam as imagens numa/ are~ na cruel/ serd que eu pensava assim/ que alguém seria imolado/ em sacrificio/ ali/ quem sabe eu? Notas 1 Este artigo foi desenvolvido a partir do trabalho final que realizei no curso Teorias Antro- pol6gicas Modernas, ministrado pelo professor Roberto Cardoso de Oliveira, no segundo semestre de 1996. Agradeco as suas observagGes e sugestdes, bem como as de minha orientadora, Sylvia Caiuby Novaes, is dos professores Lilia Schwarcz ¢ Paulo Menezes, que puderam ler parte deste artigo como membros de minha banca de qualificagdo, ¢ ainda aos comentarios sempre instigantes dos colegas do GRAVI-USP (Grupo de Antropologia Visual). 2 Ver, por exemplo, CRAWFORD & TURTON, 1992; LOIZOS, 1993; CRAWFORD & SIMONSEN, 1992 e COLOMBRES, 1985. 3. Desde meu ingresso no PPGAS da USP, em fins de 1995, pesquiso as representagdes da violéncia no cinema industrial recente. 4 Arevista Cadernos de Antropologia e Imagem, v.1, aprofunda esta discussdo em seus ar- tigos, que apontam as origens e desenvolvimentos do filme etnogrifico no Brasil e no exte- rior. Dedicada aos primeiros contatos entre antropologia e cinema, a revista ndo tematiza a andlise antropol6gica dos filmes. 107, igi VOD GOCINEMA. (OPO gOS: ik ARTIGOS - RoseSGH CADERNOS DE CAMPO Feature film & traduzido no Oxford Advanced Learner's Dictionary e em The American Heritage Dictionary como a atracio principal de um cinemae no Diciondrio Inglés-Por- tugués Leonel Vallandro e Lino Vallandro como filme de longa-metragem. Weakland es- creve: Feature films are fiecional (1995: 47), limitando 0 objeto a que se refere. Assim optei por traduzir a expressio feature film utilizada pelo autor como filmes ficcionais. Cabe no- tar que 0 uso do termo “ficcional” é problemdtico. Menezes (1995: 113) afirma ser “todo filme” uma “ficg0", inclusive aqueles denominados documentérios. Outro aspecto 6 levan- tado por Ferro (1992: 77): “Na verdade, nao acredito na existéncia de fronteiras entre os dliversos tipos de filmes [filmes de fice e cine-jornais}, pelo menos do ponto de vista do olhar de um historiador, para quem o imaginério € tanto hist6ria, quanto Hist6ria”. Con- cordo com os autores e ressalto que utilizo o termo “ficcional” aqui como categoria narrati- va: o senso comum divide filmes entre documentérios e ficgdo. Interessam-me os “enqua- drados” na segunda categoria. artigo de Weakland “Feature films as cultural documents”, que integra Principles of Vi- swal Anthropology,uma coletanea organizada por Paul Hockings, publicada em 1974, ¢ reeditada em 1995, foi o ponto de partida para a investigagao da hist6ria da andlise flmica na disciplina. O autor faz, um bom levantamento de trabalhos realizados até a década de 70 c oalualiza no posfacio da tiltima edigao. Cabe notar que esta subjetividade, problemdtica para Harris — que acredita na objetividade ~ ser defendida no projeto da Antropologia Interpretativa. WOLFENSTEIN & LEITES. Movies: a psychological study, Glencoe, The Free Press, 1950, Nao tive acesso a este material, que, segundo Weakland (1995), examina os filmes americanos, britdnicos e franceses em suas regularidades no trato de relages amorosas, familiares, entre assassinos, vitimas ¢ agentes de justiga, e entre atores e audiéncia, Marvin Harris (1968: 393-421), um destes eriticos, aponta o que chama de “habito” dos antrop6logos culturalistas de “psicologizar” as etnografias afirmando, por exemplo, que Benedict, em Patterns of culture, prope que a descrigo de culturas inteiras pode ser inte- grada ao redor de dois ou tréstragos psicolégicos. “Os fatos realmente importantes da vida esto abertamente espalhados em sua superficie ¢ ndio engenhosamente segregados em suas profundezas. Nao hd necessidade — de fato é um erro fatal — de negar, como fazem freqiientemente poetas, intelectuais, padres e outros complicadores profissionais do mundo, a obviedade do Sbvio.” (Geertz, 1983: 89, tradu- 40 minha). Este estudo esti resumido em trés pAginas do livro organizado por Mead e Métraux. Filme exibido pelos nazistas pela primeira vez.em 1933, no perfodo de sua ascenso ao poder. Analiso aqui a versdo reduzida publicada no livro The study of culture ata distance. A ver- sao original, datada de 1943, é um manuscrito mimeografado, segundo Weakland (1995), eencontra-se em Nova Iorque, no Institute for Intercultural Studies e na Museum of Modern Art Film Library. 108 14 15 18 20 A preocupagio com as relagdes familiares, que nos demais artigos do livro (escritos poste- riormente a este) aparece como fio condutor da andlise, aqui é apenas mais um dado que ‘conduziré a interpretagdo da ideologia nazista como anti-familiar, por substituir a familia — ‘que € destruida — por um sistema de faixas etarias. Nao pretendo que este artigo seja um levantamento exaustivo de abordagens antropolégi- ‘cas sobre 0 cinema. Tendo como base o levantamento de Weakland (1995), optei por dedi- ‘car maior atengdo ao que identifiquei como dois “momentos” representativos do esforgo antropolgico em pensar o cinema: as décadas de 40 e 50, com os estudos culturalistas, e as

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