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O conceito de agroecossistema
Um agroecossistema é um local de produgao agricola — uma pro-
priedade agricola, por exemplo—compreendido como um ecossistema.
O conceito de agroecossistema proporciona uma estrutura com a qual
podemos analisar os sistemas de produgao de alimentos como um todo,
incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produgao e as inter-
conex6es entre as partes que os compdem.
Como 0 conceito de agroecossistema baseia-se em princfpios ecolé-
gicos e na nossa compreensio dos ecossistemas naturais, o primeiro t6pico
de discussio deste capitulo é 0 ecossistema. Examinamos os aspectos es-
truturais dos ecossistemas — suas partes e as relagGes entre elas — e, entiio,
nos voltamos para seus aspectos funcionais — como funcionam os ecossis-
temas. Os agroecossistemas sao, entéo, descritos em termos de como eles
se comparam, estrutural e funcionalmente, com ecossistemas naturais.
Os principios e termos apresentados neste capitulo serdo aplicd-
veis A nossa discussdo de agroecossistemas ao longo de todo 0 livro.
A estrutura de ecossistemas naturais
Um ecossistema pode ser definido como um sistema funcional de
relagSes complementares entre organismos vivos e seu ambiente, deli-
mitado por fronteiras escolhidas arbitrariamente, as quais, no espago e
no tempo, parecem manter um equilfbrio dinamico, porém estavel. As-
sim, um ecossistema tem partes fisicas com suas relag6es particulares —
a estrutura do sistema —, que juntas participam de Processos dindmicos
—a fungdo do sistema.
Os componentes estruturais mais bisicos dos ecossistemas sao fa-
tores bidticos, organismos vivos que interagem no ambiente, e fatores
61nao vivos do ambiente, como
abidticos, componentes quimicos € fisicos
solo, luz, umidade e temperatura.
NIVEIS DE ORGANIZAGAO
Os ecossistemas podem ser examinados em termos de uma hierar-
quia de organizacaio das partes que os compoem, ed nae 0
corpo humano pode ser examinado em nivel de molécul jas, cé ulas, te-
cidos, 6rgios ou sistemas de drgios. No nivel mais simples esta 0 or-
ganismo individual. O estudo deste nivel de organizagio € chamado auto-
ecologia, ou ecologia fisiolégica. Ele se ocupa de como um unico indi-
viduo de uma espécie se comporta em resposta aos fatores do ambiente
e como o grau de tolerancia particular do organismo a estresses no am-
biente determinard onde o mesmo viverd. As adaptagGes da bananeira,
por exemplo, a restringem a ambientes tropicais, timidos, com um con-
junto particular de condigdes, enquanto pés de morango sAo adaptados
aum ambiente bem mais temperado.
No proximo nivel de organizacao ficam grupos de individuos da
mesma espécie. Tal grupo é chamado de populagdo. O estudo delas é
chamado de ecologia de populagées. E importante entender de ecologia
de populagées para determinar os fatores que controlam seu tamanho e
crescimento, especialmente com relagdo a capacidade do ambiente de
sustentar uma determinada populagao ao longo do tempo. Os agréno-
mos aplicaram os principios da ecologia de populagdes na experimen-
tago que levou ao aumento do rendimento pelo adensamento e arranjo
de espécies cultivadas.
Populagoes de espécies diferentes sempre Ocorrem juntas, mistu-
radas, criando o préximo nivel de organizagio, a comunidade. Uma
comunidade € um conjunto de varias espécies vivendo juntas em um
determinado lugar e interagindo. Um aspecto importante deste nivel €
como as interagGes de organismos afetam a distribuicaio e abundancia
das diferentes espécies que constituem uma comunidade particular. A
padre deci s
BeOS cotah, ne pos de interagdes neste nivel em um
° . nivel de organizagiio da comunidade €
conhecido como ecologia de comunidade.
ee abrangente de organizagio de um ecossistema é 0 ecos-
ite dito, que inclui todos os fatores abisticos do am-
62biente, além das comunidades de organismos que ocorrem em uma drea
especifica. Uma intrincada teia de interag6es acontece dentro da estru-
tura do ecossistema.
: Estes quatro niveis podem ser diretamente aplicados a agroecos-
sistemas, como mostrado na figura 2.1. Ao longo deste texto, serio fei-
tas teferéncias a estes niveis: plantas cultivadas individuais (0 nivel do
organismo), populagées de espécies cultivadas ou outros organismos,
comunidades de dreas cultivadas e agroecossistemas como um todo. ,
A unidade produtiva
no contexto
de sua bacia hidrografica
Comunidade
I7\I \ 703 \\-00 \ Policultura de plantas
| / Vy \ y / ¥ } intercaladas
J i | | e outros organismos
Populagado
FELL LELET versa
Organismo ¥ Planta cultivada
individual
Figura 2.1 - Niveis de organizacao do ecossistema aplicados a um agroecossistema. O diagrama
poderia ser estendido para cima, para incluir niveis de organizagao regional, nacional e global, que
envolveriam coisas como mercado, politica agricola e mesmo modificagdo climatica global. Para
baixo, o diagrama poderia incluir os niveis de organizagao celular, quimico ¢ atémico.
63sistemas é que em cada ni-
Uma caracteristica importante dos ecos
ue nao estavam presentes
vel de organizagao emergem propriedades q
no anterior. Essas propriedades emergentes sio o resultado da intera-
cao das “partes” componentes daquele nivel de organizagao do ecos-
sistema. Uma populacao, por exemplo, é muito mais do que uma cole-
cao de individuos da mesma espécie € tem caracteristicas que N40 po-
dem ser compreendidas em termos de organismos individuais sozinhos.
No contexto de agroecossistema, este principio significa, em essencia,
que a unidade agricola € maior do que a soma de seus cultivos indivi-
duais. A sustentabilidade pode ser considerada a qualidade emergente
maior de uma abordagem de ecossistema a agricultura.
PROPRIEDADES ESTRUTURAIS DE COMUNIDADES
Uma comunidade existe, por um lado, como resultado das adapta-
ges das espécies que a compoem aos gradientes de fatores abidticos
que ocorrem no ambiente. E, por outro, como resultado das interagdes
entre populagGes dessas espécics. Uma vez que a estrutura da comuni-
dade desempenha um papel tio importante na determinaciio da dinami-
ca € estabilidade do ecossistema, é valioso examinar-se mais detalha-
damente diversas propriedades das comunidades, que aparecem como
resultado de interagdes neste nivel.
Diversidade das espécies
Compreendida em seu sentido mais simples, a diversidade das
espécies € ondmero de espécies existentes em uma comunidade. Algu-
mas comunidades, como aquela de um agude, sao extremamente fe
sas; outras sao constitufdas de ntimero reduzido de espécies.
Dominancia e abundancia relativa
Em qualquer comunidade, algumas espécies podem ser relativa-
mente abundantes, e outras, menos. A espécie com maior impacto fe te
nos componentes bidticos quanto nos abiéticos da comunidade é veferi,
da como a espécie dominante. A dominincia pode ser resultado da =
lativa abundancia do organismo, seu tamanho, seu papel ecolégico, ou
de quaisquer desses fatores combinados. Por exemplo, uma vez que. mane
jardim, algumas poucas arvores grandes podem alterar dramaticamente
64o ambiente luminoso para todas as outras espécies ali presentes, a es-
pécie da arvore é dominante na comunidade do jardim ainda que possa
nao ser a espécie mais abundante. Os ecossistemas naturais sao nor-
malmente batizados de acordo com sua espécie dominante. A comuni-
dade da floresta de sequdias da costa da Califérnia é um bom exemplo.
Estrutura vegetativa
Comunidades terrestres so freqiientemente caracterizadas pela es-
trutura de sua vegetaciio. Isso € determinado sobretudo pela forma da
espécie dominante, mas também pela forma e abundancia de outras es-
pécies de plantas e seu espacamento. Assim, a estrutura vegetativa tem
um componente vertical (um perfil com diferentes camadas) e um com-
ponente horizontal (agrupamentos ou padrées de associagao), e apren-
demos a reconhecer como espécies diferentes ocupam lugares distintos
nesta estrutura. Quando as espécies que compéem a estrutura vegetativa
assumem formas semelhantes de crescimento, nomes mais gerais sao
dados a esses conjuntos (por exemplo, pradaria, floresta, capoeira).
Estrutura tréfica
Cada espécie em uma comunidade tem necessidades nutritivas.
Como essas necessidades sao satisfeitas ante outras espécies, determi-
na aestrutura de relagGes alimentares. Essa estrutura é chamada estru-
tura tréfica da comunidade. As plantas sao a base da estrutura tréfica
de cada comunidade devido & sua habilidade de captar energia solar e
converté-la, através da fotossintese, em energia quimica armazenada na
forma de biomassa, que pode, entao, servir como alimento para outras
espécies. Devido a esse papel trofico, as plantas sfio conhecidas como
produtoras. Fisiologicamente, as plantas sao classificadas como auto-
tr6ficas porque satisfazem suas necessidades de energia sem serem pre-
dadoras de outros organismos.
A biomassa produzida pelas plantas torna-se disponfvel para uso
pelos consumidores da comunidade. Os consumidores incluem os her-
bivoros, que convertem a biomassa das plantas em biomassa animal,
predadores ¢ parasitas, que atacam os herbivoros e outros predadores,
e parasitdides, que atacam predadores e parasitas. Todos os consumi-
dores sao classificados como heterotréficos, porque suas necessida-
des nutritivas so satisfeitas consumindo outros organismos.
65Cada nivel de consumo é considerado como um nivel tréfico dife-
rente. As relagGes troficas entre as espécies de uma comunidade podem
ser descritas como uma cadeia alimentar, dependendo de sua complexi-
dade. Veremos adiante que as relagoes tréficas podem se tornar bastan-
te complexas e saio de importancia consideravel nos processos de agro-
ecossistemas, como o manejo de pragas € doengas.
Estabilidade
Normalmente, a diversidade das espécies, a estrutura de domi-
nancia, a vegetativa e a trofica de uma comunidade permanecem razo-
avelmente estaveis ao longo do tempo, embora organismos individu-
ais morram e deixem a rea, e 0 tamanho relativo das populagdes mude.
Em outras palavras, se vocé visitasse e observasse uma comunidade
natural e, entio, a visitasse novamente vinte anos depois, ela parece-
ria relativamente inalterada em seus aspectos basicos. Mesmo se al-
gum tipo de perturbagdo - como fogo ou enchente — matasse muitos
membros de muitas espécies na comunidade, ela finalmente se recu-
peraria, ou retornaria a algo préximo da condig&o e composi¢ao ori-
ginal de espécies.
Tabela 2.1
Niveis troficos e papéis em uma comunidade
Tipo de organismo Papel tréfico Niveltréfico _Cllassificagiio fisiolégica
Plantas Produtores Primeiro Autotréfico
Herbivoros Consumidores Segundo Heterotréfico
de primeiro nivel
Predadores e Parasitas Consumidores Terceiro Heterotréfico
de segundo nivel emais alto
(e mais altos)
Devido a essa habilidade de resistir a mudanga e de ser resiliente
em resposta a perturbages, as comunidades —e os ecossistemas dos quais
elas fazem parte — so, ds vezes, considerados possuidores da proprieda-
de de estabilidade. A estabilidade relativa de uma comunidade depende
enormemente do seu tipo e da natureza das perturbagdes as quais ela esté
sujeita. Os ecologistas discordam sobre se a estabilidade deve ou nao set
considerada uma caracteristica inerente de comunidades ou ecossistemas.
66O funcionamento de ecossistemas naturais
A fungao dos ecossistemas refere-se aos processos dinamicos que
ocorrem dentro deles: 0 movimento de matéria e energia € as intera-
goes e relagdes dos organismos e materiais no sistema. E importante
entender esses processos a fim de tratar dos conceitos de dindmica,
eficiéncia, produtividade e desenvolvimento de ecossistemas, espe-
cialmente de agroecossistemas, onde a fungao pode determinar a di-
ferenga entre o fracasso € 0 sucesso de um cultivo ou de determinada
pratica de manejo.
Os dois processos mais fundamentais em qualquer ecossistema sao
0 fluxo de energia entre suas partes e a ciclagem de nutrientes.
O FLUXO DE ENERGIA
Cada organismo individual, em um ecossistema, esté constante-
mente usando energia para executar seus processos fisiol6gicos, e suas
fontes de energia devem ser reabastecidas regularmente. Assim, a ener-
gia num ecossistema é como a eletricidade numa casa: ela flui cons-
tantemente de fontes externas para dentro do sistema, abastecendo seu
funcionamento basico. O fluxo de energia num ecossistema esta dire-
tamente relacionado & sua estrutura tréfica. Contudo, pelo exame do
fluxo de energia, focalizamos mais as fontes de energia e seu movi-
mento dentro da estrutura, do que a estrutura propriamente dita.
A energia flui para dentro de um ecossistema como resultado
da captagao da energia solar pelas plantas, as produtoras do siste-
ma. Essa energia fica armazenada nas ligagdes quimicas da biomas-
sa que as plantas produzem. Os ecossistemas variam em sua habili-
dade de converter energia solar em biomassa. Podemos medir o to-
tal de energia que as plantas trouxeram para dentro do sistema, num
dado momento no tempo, pela determinagio da quantidade de bio-
massa viva neste periodo ou a biomassa das plantas no sistema. Tam-
bém podemos medir a taxa de conversio de energia solar em bio-
massa: a chamada produtividade primdria bruta, que € expressa
usualmente em termos de quilocalorias por metro quadrado, por ano.
Quando a energia que as plantas usam para manter a si mesmas é
subtrafda da produtividade primaria bruta, é obtida a produtividade
primdria liquida do ecossistema.
67Os herbfvoros (consumidores primarios) consomem a bioma
sa das plantas e a convertem em biomas animal, e os predadores e
parasitas (consumidores secundarios e de nivel mais alto), que ata-
cam herbivoros ou outros consumidores, continuam 0 processo de
conversiio de biomassa entre os nfveis tréficos. Apenas um pequeno
percentual da biomassa de um nivel trofico, contudo, € convertido
em biomassa no préximo nivel. Isto porque uma grande quantidade
de energia é gasta na manutengao dos organismos em cada nivel (cerca
de 90% da energia consumida). Além disto, uma grande quantidade
de biom em cada nfvel nunca € consumida (e parte da que € con-
sumida nao é totalmente digerida); esta biomassa (na forma de orga-
nismos mortos e matéria fecal) € posteriormente decomposta por
detritivoros e decompositores. O processo de decompo: i
(na forma de calor) muita da energia que entrou na produ
massa, e a biomassa remanescente é devolvida ao solo como maté-
ria organica.
Em ecossistemas naturais, a energia deixa o sistema principalmente
na forma de calor, gerado tanto pela respiragdo dos organismos, nos
varios niveis troficos, quanto pela decomposigao de biomassa. Outras
formas de emissao de energia sio muito pequenas. A emissio total de
energia (ou perda) de um ecossistema é usualmente equilibrada pela
entrada, através das plantas que captam a energia solar.
.
SE = <
[ Heroivercs | —<—— — eT a
Decomposic 3
\biomassa @ calor)
(ecompostor,
Hlomasiva o Calo
Decoury
deny
Figura 2.2 -O fluxo de energia no ecossistema. O tamanho de cada caixa representa a quantid:
de relativa de energia que flui através daquele n(vel trolico. No ecossistema médio, somente cen.
cade 10% da energia de um nivel tfico é transferida para o seguinte. Quase todas ements
entra em um ecossistema 6, no final, dissipada como ealor. eae
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