You are on page 1of 8
2 O conceito de agroecossistema Um agroecossistema é um local de produgao agricola — uma pro- priedade agricola, por exemplo—compreendido como um ecossistema. O conceito de agroecossistema proporciona uma estrutura com a qual podemos analisar os sistemas de produgao de alimentos como um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produgao e as inter- conex6es entre as partes que os compdem. Como 0 conceito de agroecossistema baseia-se em princfpios ecolé- gicos e na nossa compreensio dos ecossistemas naturais, o primeiro t6pico de discussio deste capitulo é 0 ecossistema. Examinamos os aspectos es- truturais dos ecossistemas — suas partes e as relagGes entre elas — e, entiio, nos voltamos para seus aspectos funcionais — como funcionam os ecossis- temas. Os agroecossistemas sao, entéo, descritos em termos de como eles se comparam, estrutural e funcionalmente, com ecossistemas naturais. Os principios e termos apresentados neste capitulo serdo aplicd- veis A nossa discussdo de agroecossistemas ao longo de todo 0 livro. A estrutura de ecossistemas naturais Um ecossistema pode ser definido como um sistema funcional de relagSes complementares entre organismos vivos e seu ambiente, deli- mitado por fronteiras escolhidas arbitrariamente, as quais, no espago e no tempo, parecem manter um equilfbrio dinamico, porém estavel. As- sim, um ecossistema tem partes fisicas com suas relag6es particulares — a estrutura do sistema —, que juntas participam de Processos dindmicos —a fungdo do sistema. Os componentes estruturais mais bisicos dos ecossistemas sao fa- tores bidticos, organismos vivos que interagem no ambiente, e fatores 61 nao vivos do ambiente, como abidticos, componentes quimicos € fisicos solo, luz, umidade e temperatura. NIVEIS DE ORGANIZAGAO Os ecossistemas podem ser examinados em termos de uma hierar- quia de organizacaio das partes que os compoem, ed nae 0 corpo humano pode ser examinado em nivel de molécul jas, cé ulas, te- cidos, 6rgios ou sistemas de drgios. No nivel mais simples esta 0 or- ganismo individual. O estudo deste nivel de organizagio € chamado auto- ecologia, ou ecologia fisiolégica. Ele se ocupa de como um unico indi- viduo de uma espécie se comporta em resposta aos fatores do ambiente e como o grau de tolerancia particular do organismo a estresses no am- biente determinard onde o mesmo viverd. As adaptagGes da bananeira, por exemplo, a restringem a ambientes tropicais, timidos, com um con- junto particular de condigdes, enquanto pés de morango sAo adaptados aum ambiente bem mais temperado. No proximo nivel de organizacao ficam grupos de individuos da mesma espécie. Tal grupo é chamado de populagdo. O estudo delas é chamado de ecologia de populagées. E importante entender de ecologia de populagées para determinar os fatores que controlam seu tamanho e crescimento, especialmente com relagdo a capacidade do ambiente de sustentar uma determinada populagao ao longo do tempo. Os agréno- mos aplicaram os principios da ecologia de populagdes na experimen- tago que levou ao aumento do rendimento pelo adensamento e arranjo de espécies cultivadas. Populagoes de espécies diferentes sempre Ocorrem juntas, mistu- radas, criando o préximo nivel de organizagio, a comunidade. Uma comunidade € um conjunto de varias espécies vivendo juntas em um determinado lugar e interagindo. Um aspecto importante deste nivel € como as interagGes de organismos afetam a distribuicaio e abundancia das diferentes espécies que constituem uma comunidade particular. A padre deci s BeOS cotah, ne pos de interagdes neste nivel em um ° . nivel de organizagiio da comunidade € conhecido como ecologia de comunidade. ee abrangente de organizagio de um ecossistema é 0 ecos- ite dito, que inclui todos os fatores abisticos do am- 62 biente, além das comunidades de organismos que ocorrem em uma drea especifica. Uma intrincada teia de interag6es acontece dentro da estru- tura do ecossistema. : Estes quatro niveis podem ser diretamente aplicados a agroecos- sistemas, como mostrado na figura 2.1. Ao longo deste texto, serio fei- tas teferéncias a estes niveis: plantas cultivadas individuais (0 nivel do organismo), populagées de espécies cultivadas ou outros organismos, comunidades de dreas cultivadas e agroecossistemas como um todo. , A unidade produtiva no contexto de sua bacia hidrografica Comunidade I7\I \ 703 \\-00 \ Policultura de plantas | / Vy \ y / ¥ } intercaladas J i | | e outros organismos Populagado FELL LELET versa Organismo ¥ Planta cultivada individual Figura 2.1 - Niveis de organizacao do ecossistema aplicados a um agroecossistema. O diagrama poderia ser estendido para cima, para incluir niveis de organizagao regional, nacional e global, que envolveriam coisas como mercado, politica agricola e mesmo modificagdo climatica global. Para baixo, o diagrama poderia incluir os niveis de organizagao celular, quimico ¢ atémico. 63 sistemas é que em cada ni- Uma caracteristica importante dos ecos ue nao estavam presentes vel de organizagao emergem propriedades q no anterior. Essas propriedades emergentes sio o resultado da intera- cao das “partes” componentes daquele nivel de organizagao do ecos- sistema. Uma populacao, por exemplo, é muito mais do que uma cole- cao de individuos da mesma espécie € tem caracteristicas que N40 po- dem ser compreendidas em termos de organismos individuais sozinhos. No contexto de agroecossistema, este principio significa, em essencia, que a unidade agricola € maior do que a soma de seus cultivos indivi- duais. A sustentabilidade pode ser considerada a qualidade emergente maior de uma abordagem de ecossistema a agricultura. PROPRIEDADES ESTRUTURAIS DE COMUNIDADES Uma comunidade existe, por um lado, como resultado das adapta- ges das espécies que a compoem aos gradientes de fatores abidticos que ocorrem no ambiente. E, por outro, como resultado das interagdes entre populagGes dessas espécics. Uma vez que a estrutura da comuni- dade desempenha um papel tio importante na determinaciio da dinami- ca € estabilidade do ecossistema, é valioso examinar-se mais detalha- damente diversas propriedades das comunidades, que aparecem como resultado de interagdes neste nivel. Diversidade das espécies Compreendida em seu sentido mais simples, a diversidade das espécies € ondmero de espécies existentes em uma comunidade. Algu- mas comunidades, como aquela de um agude, sao extremamente fe sas; outras sao constitufdas de ntimero reduzido de espécies. Dominancia e abundancia relativa Em qualquer comunidade, algumas espécies podem ser relativa- mente abundantes, e outras, menos. A espécie com maior impacto fe te nos componentes bidticos quanto nos abiéticos da comunidade é veferi, da como a espécie dominante. A dominincia pode ser resultado da = lativa abundancia do organismo, seu tamanho, seu papel ecolégico, ou de quaisquer desses fatores combinados. Por exemplo, uma vez que. mane jardim, algumas poucas arvores grandes podem alterar dramaticamente 64 o ambiente luminoso para todas as outras espécies ali presentes, a es- pécie da arvore é dominante na comunidade do jardim ainda que possa nao ser a espécie mais abundante. Os ecossistemas naturais sao nor- malmente batizados de acordo com sua espécie dominante. A comuni- dade da floresta de sequdias da costa da Califérnia é um bom exemplo. Estrutura vegetativa Comunidades terrestres so freqiientemente caracterizadas pela es- trutura de sua vegetaciio. Isso € determinado sobretudo pela forma da espécie dominante, mas também pela forma e abundancia de outras es- pécies de plantas e seu espacamento. Assim, a estrutura vegetativa tem um componente vertical (um perfil com diferentes camadas) e um com- ponente horizontal (agrupamentos ou padrées de associagao), e apren- demos a reconhecer como espécies diferentes ocupam lugares distintos nesta estrutura. Quando as espécies que compéem a estrutura vegetativa assumem formas semelhantes de crescimento, nomes mais gerais sao dados a esses conjuntos (por exemplo, pradaria, floresta, capoeira). Estrutura tréfica Cada espécie em uma comunidade tem necessidades nutritivas. Como essas necessidades sao satisfeitas ante outras espécies, determi- na aestrutura de relagGes alimentares. Essa estrutura é chamada estru- tura tréfica da comunidade. As plantas sao a base da estrutura tréfica de cada comunidade devido & sua habilidade de captar energia solar e converté-la, através da fotossintese, em energia quimica armazenada na forma de biomassa, que pode, entao, servir como alimento para outras espécies. Devido a esse papel trofico, as plantas sfio conhecidas como produtoras. Fisiologicamente, as plantas sao classificadas como auto- tr6ficas porque satisfazem suas necessidades de energia sem serem pre- dadoras de outros organismos. A biomassa produzida pelas plantas torna-se disponfvel para uso pelos consumidores da comunidade. Os consumidores incluem os her- bivoros, que convertem a biomassa das plantas em biomassa animal, predadores ¢ parasitas, que atacam os herbivoros e outros predadores, e parasitdides, que atacam predadores e parasitas. Todos os consumi- dores sao classificados como heterotréficos, porque suas necessida- des nutritivas so satisfeitas consumindo outros organismos. 65 Cada nivel de consumo é considerado como um nivel tréfico dife- rente. As relagGes troficas entre as espécies de uma comunidade podem ser descritas como uma cadeia alimentar, dependendo de sua complexi- dade. Veremos adiante que as relagoes tréficas podem se tornar bastan- te complexas e saio de importancia consideravel nos processos de agro- ecossistemas, como o manejo de pragas € doengas. Estabilidade Normalmente, a diversidade das espécies, a estrutura de domi- nancia, a vegetativa e a trofica de uma comunidade permanecem razo- avelmente estaveis ao longo do tempo, embora organismos individu- ais morram e deixem a rea, e 0 tamanho relativo das populagdes mude. Em outras palavras, se vocé visitasse e observasse uma comunidade natural e, entio, a visitasse novamente vinte anos depois, ela parece- ria relativamente inalterada em seus aspectos basicos. Mesmo se al- gum tipo de perturbagdo - como fogo ou enchente — matasse muitos membros de muitas espécies na comunidade, ela finalmente se recu- peraria, ou retornaria a algo préximo da condig&o e composi¢ao ori- ginal de espécies. Tabela 2.1 Niveis troficos e papéis em uma comunidade Tipo de organismo Papel tréfico Niveltréfico _Cllassificagiio fisiolégica Plantas Produtores Primeiro Autotréfico Herbivoros Consumidores Segundo Heterotréfico de primeiro nivel Predadores e Parasitas Consumidores Terceiro Heterotréfico de segundo nivel emais alto (e mais altos) Devido a essa habilidade de resistir a mudanga e de ser resiliente em resposta a perturbages, as comunidades —e os ecossistemas dos quais elas fazem parte — so, ds vezes, considerados possuidores da proprieda- de de estabilidade. A estabilidade relativa de uma comunidade depende enormemente do seu tipo e da natureza das perturbagdes as quais ela esté sujeita. Os ecologistas discordam sobre se a estabilidade deve ou nao set considerada uma caracteristica inerente de comunidades ou ecossistemas. 66 O funcionamento de ecossistemas naturais A fungao dos ecossistemas refere-se aos processos dinamicos que ocorrem dentro deles: 0 movimento de matéria e energia € as intera- goes e relagdes dos organismos e materiais no sistema. E importante entender esses processos a fim de tratar dos conceitos de dindmica, eficiéncia, produtividade e desenvolvimento de ecossistemas, espe- cialmente de agroecossistemas, onde a fungao pode determinar a di- ferenga entre o fracasso € 0 sucesso de um cultivo ou de determinada pratica de manejo. Os dois processos mais fundamentais em qualquer ecossistema sao 0 fluxo de energia entre suas partes e a ciclagem de nutrientes. O FLUXO DE ENERGIA Cada organismo individual, em um ecossistema, esté constante- mente usando energia para executar seus processos fisiol6gicos, e suas fontes de energia devem ser reabastecidas regularmente. Assim, a ener- gia num ecossistema é como a eletricidade numa casa: ela flui cons- tantemente de fontes externas para dentro do sistema, abastecendo seu funcionamento basico. O fluxo de energia num ecossistema esta dire- tamente relacionado & sua estrutura tréfica. Contudo, pelo exame do fluxo de energia, focalizamos mais as fontes de energia e seu movi- mento dentro da estrutura, do que a estrutura propriamente dita. A energia flui para dentro de um ecossistema como resultado da captagao da energia solar pelas plantas, as produtoras do siste- ma. Essa energia fica armazenada nas ligagdes quimicas da biomas- sa que as plantas produzem. Os ecossistemas variam em sua habili- dade de converter energia solar em biomassa. Podemos medir o to- tal de energia que as plantas trouxeram para dentro do sistema, num dado momento no tempo, pela determinagio da quantidade de bio- massa viva neste periodo ou a biomassa das plantas no sistema. Tam- bém podemos medir a taxa de conversio de energia solar em bio- massa: a chamada produtividade primdria bruta, que € expressa usualmente em termos de quilocalorias por metro quadrado, por ano. Quando a energia que as plantas usam para manter a si mesmas é subtrafda da produtividade primaria bruta, é obtida a produtividade primdria liquida do ecossistema. 67 Os herbfvoros (consumidores primarios) consomem a bioma sa das plantas e a convertem em biomas animal, e os predadores e parasitas (consumidores secundarios e de nivel mais alto), que ata- cam herbivoros ou outros consumidores, continuam 0 processo de conversiio de biomassa entre os nfveis tréficos. Apenas um pequeno percentual da biomassa de um nivel trofico, contudo, € convertido em biomassa no préximo nivel. Isto porque uma grande quantidade de energia é gasta na manutengao dos organismos em cada nivel (cerca de 90% da energia consumida). Além disto, uma grande quantidade de biom em cada nfvel nunca € consumida (e parte da que € con- sumida nao é totalmente digerida); esta biomassa (na forma de orga- nismos mortos e matéria fecal) € posteriormente decomposta por detritivoros e decompositores. O processo de decompo: i (na forma de calor) muita da energia que entrou na produ massa, e a biomassa remanescente é devolvida ao solo como maté- ria organica. Em ecossistemas naturais, a energia deixa o sistema principalmente na forma de calor, gerado tanto pela respiragdo dos organismos, nos varios niveis troficos, quanto pela decomposigao de biomassa. Outras formas de emissao de energia sio muito pequenas. A emissio total de energia (ou perda) de um ecossistema é usualmente equilibrada pela entrada, através das plantas que captam a energia solar. . SE = < [ Heroivercs | —<—— — eT a Decomposic 3 \biomassa @ calor) (ecompostor, Hlomasiva o Calo Decoury deny Figura 2.2 -O fluxo de energia no ecossistema. O tamanho de cada caixa representa a quantid: de relativa de energia que flui através daquele n(vel trolico. No ecossistema médio, somente cen. cade 10% da energia de um nivel tfico é transferida para o seguinte. Quase todas ements entra em um ecossistema 6, no final, dissipada como ealor. eae 68

You might also like