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Suicidio, autolesao, relacdes, fatores con- temporaneos: a vivéncia do desamparo sob o viés da Fenomenologia e a clinica dos trés olhares Ewerton Helder Bentes de Castro Reconhecendo a tematica Suicidio e autolesao cada 40 segundos, a terminalidade do humano se torna efetiva a partir do ato praticado contra si mesmo. Ainda seguindo a mes- 1ma perspectiva epidemiologic, sio 24 casos a cada 24 horas em nosso pais e trés mil a nivel mundial, além do que sio 60 mil tentativas, também diariamente. Percorrer esta senda significa, percebo antes de tudo, ser necessé- rio ousar construir uma possibilidade histérica acerca da temitica. Creio ser necessério que possamos minimamente conhecer 0 que temos de in- formagoes acerca da pratica do suicidio. Conceito varidvel em decorréncia do tempo e cultura, sob o vies 309 —<—<$<—— et weRTON WELDER GENTES DE CASTRO ORGANZADO stimolbgico, o vocibulo suicidio parece ter deriva sao latina a partir de entre © dois termos “sui” (si mesmo) ¢ “eaedes” (agdo de matar) originério do aconte, ‘verbo caedo, is, cadeci, caedere,significando matar-se a si proprio. Ato de de cad suicidar-se, portanto, é 0 entendimento da palavra Suicidio. e ami Fendmeno que atualmente € percebido & conta de social global durar € problema de satide publica, dada sua envergadura, 0 suicidio ocorre afirm desde eras remotas. Relatos descabertos em escritos egipcios Desdea mais remota antiguidade relatos sobre o suicidio surgem sas), em relatos no Egito, 2000 a, C., sendo tratado pelo viés filoséfico-moral- dade ~Teligioso, até o ‘século XVII. Enquanto enfoque cientifico, a questio é Publ abordada a partir do século XIX e vitios estudiosos aprofundaram a te- ‘itica,tais como: Esquirol, em 1827, enfatiza aspectos psiquiatricos; em um 1897, Durkheim estuda sob o viés dos aspectos sociais, Freud, em 1920, cor, Prope uma abordagem psicolégica a respeito do sticidio através de con. het ceitos metapsicolégicos como “pulsio de vida X pulsio de morte” com qu 08 quai tenta explicar a destruigdo do proprio eu. é em 1976, Asberg.e in cols. fazem uma abordagem bioldgica através de estudos sobre o papel da ° serotonina na ideacio suicida, Com o advento da Internet percebe-se um aumento nas publica- e S6es de artigos e livros e outras formas de divulgacio sobre o suicidio que a demonstram o grau de interesse a respeito do assunto, Pesquisas apontam ue o suicidio se encontra entre as dez principais causas de morte na maioria dos paises. Segundo a Organizagio Mundial de Sade - OMS,a mortalidade Por suicidio atingi a cifra de um milhio de pessoas. Estima-se que o ni mero de tentativas de suicidio seja deza vinte vezes superiores ao niimero de mortes. Isto corresponde a uma morte a cada 40 segundos e uma ten- tativa a cada 03 segundos, Esses nimeros ‘Superam as mortes em guerras € sdo superiores ou comparaveis as mortes Pprovocadas por acidentes de transite, De acordo com as tendéncias observadas, a OMS estima que em 2020 tal ntimero de morte no planeta atinja 1,530,000 Os dados da Organizacio Mundial de Saide (OMS), mostram que a média de Suicidio aumentou em 60% nos tiltimos 45 anos, prin- cipalmente nos paises em desenvolvimento, a terceira causa de morte 402. VOLPE, ORREA, H. & BARRERO, P, Epidemiologia do sucidto. tn; COR REA, H. & PEREZ, S. (Orgs,) Sui ‘uma morte evitavel. Sio Paulo: Editors Atheneu; 2006, p. 11-27, 310 PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA FENOMEWOLOGiCO-Eusre € adultos de 15 a 34 anos, embora a maioria das causas pessoas com mais de 60 anos e,a consequencia imediata idio ou tentativa ¢ uma devastagao emocional entre parentes ido um impacto emocional “profundo” que pode pen- anos". Alarmado por esta perspectiva, Diekstra, 1993, o suicidio sera “a morte do futuro", tio primordial & que, independente da causa (ou das cau- to suicida tem elevado a estatistica de morbimortali- icidio em todo o mundo, tornando-se um problema de Satide os paises desenvolvidos. cepeio que a medicina desenvolven a respeito do suic{dio é arraigado ao pensamento filosofico que relacionava 0 fo latina a partir d ‘matar) originirio do seasi proprio. Atode zonta de social global ara, o suicidio segipcios 3 sbre o suicidio surgem_ ca. Pensamento esse que se contrapunha a visio religiosa ‘um crime contra Deus, contra a sociedade e les, ato des- lias, causa da danagio eterna e da infelicidade. Em suma, pecado passivel de punicio. ‘aumento nas publics 0 sobre o suicidio q i do médico e a sua relagio com o paciente suicida, nestas também pode ser afetada de maneira preconceituosa. e necessirio e urgente falar sobre o suicidio. Nao € apenas a envergadura de comprometimento social que resulta. o existe uma faixa etiria especifica, uma classe social es- ima-se ‘que entre 10 e 20 milhées de pessoas atentam contra = € 0 conseguem ~ por ano no mundo. A grandiosidade imeros é assustadora, uma vez que, nesse bojo temos criangas, tes, adultos jovens, homens e mulheres em franco perfodo de idosos. neas, culpa, remorso, depressi, an \siedade, medo, fracasso, in; Guia de Psiquiatria ~ Ba- TJ, Conduta nas tentatvs de suc ts Gul. MO le ~ Série Guias de Medicina Ambulato or Schor, 2005, x In: COR s CORREA, H. & BARRERO,S.P. Epidemiologiy sossi PEREZ, S. (Orgs) Sulcidio, uma morte evitvel Paulo: Editors 6.p. 11-27, 311 EWERTON HELDER BENTES DE CASTRO oneannoioar sito fatores que estdo presentes na vida de quem tenta ou comete o suc. rs et dio numa tentativa de minimizar as pressbes a que esté sendo submetido eosiess cotidianamente, Quando essas situacées estdo presentes, ocorte o que de- des-encontr ‘nominamos de ambivaléncia, ou seja, combina dois ou mais sentimentos emuee.oo ou ideias conflituosas, De um lado, em virtude de se sentir esquecida ou nalque scor ignorada, ela busca a atengao do outro ~ amigos, familiares, ete. e tem a pelo papital sensagio de solitude, de estar s6, a solidao vivenciada & conta de insupor- propria dem tavel. Por outro lado, existe aqueles que tm a vontade de levar 0 outro a Brecisemos sofrer ou a sentir 0 mesmo que estio passando; outros, sentem vontade coerentes. E de desaparecer, de sumir no mundo para algum lugar que lhes possibilite auténticos. E situagdo melhor. Querem, na maioria das vezes, sentem necessidade de _ Vale alcangar paz, possam descansar, sair do desespero em que se encontram, vencia afetiv A exaustio emocional € agravada pela presenca de situagies Burnout exp que originam maiores sensacdes de fragilidade, acarretando no impulso deva ao fato de cometer © suicidio, Percebe-se que a epidemiologia, a nivel mundial, ativem seus mostra que as tentativas sio em maior nimero em mulheres, contudo,a conhecimen’ consecucdo do ¢ maior em homens, e a esse aspecto sio atribuidos ques- Junto as pess tes relacionadas a costumes e preconceitos sociais, Este Enttretanto, diante de situagdes exasperadoras, as pessoas pedem abuso fisico Por socorro, clamam a seu modo, por ajuda, E, nesse momento é crucial dos atuando © trabalho de profissionais, instincias como o CVV. A escuta qualificada s@fisica nas € essencial para que possamos oferecer 0 auxilio necessdrio a esse outro Esta situacao que esté em sofrimento com o qual nao esta sabendo lidar, ndo esta con- ago violenta Seguindo conviver. Encontra-se em desamparo, Como a Fenomenologia- sociais dos e1 ~Existencial pode servir como um olhar uma escuta que possibilitam a contexto soc) ajuda a esse ser? ‘Dent contramos: a ue se tem of Relagdes abusivas tidirecionalic Cionados a to Um« Outro aspecto muito presente na contemporaneidade, diz respe- 405 CASTRO, to as relacbes afetivo-emocionais e como estéo se constituindo cons -encontros truindo em nossa época. A premencia, atualmente, se dé no sentido de Psicologia que a0 psicélogo e as éreas de forma geral, necessitam ir além do quea Na Curitiba :, questdo mididtica tem outorgado para a sociedade, "6 SANTos, tho de pre: % 2019, 312 PPSSPECTVAS EM PSICOLOGIA FeNOMENLdcio ease, 'ao pensar acerca da clinica Psicolégica i que facultardo compreend ote ler a dimensio dos en-contros, ome oy € Feencontros, procura redimensionar o olhar que ve lan deorre o que d stro, Um redimensionamento que equivale, para o profissio- nha pessoas em situacio de relagdo abusiva, a enveredar existencial propriamente dito, indo além da demanda pela ‘mas, executar um mergulho vivencial com esse outro, além de conceitos, hermeticidade teérica, jusifcativasj premente que sejamos continentes, verdadeiros, genuinos, outro requer essa atitude,a vida requer essa atitude ltar que relagdes abusivas nao ocorrem apenas na vi- emocional, Santos“ revela que, muito provavelmente, 0 jenciado por centenas de profissionais em nosso pals, se da ndo-oferta de oportunidades para que os profissionais papéis de expressao, criatividade, reconhecimento ou auto- ‘cada momento em que desempenham suas atividades que os buscam diariamente, de relagdo também tem sido reportadoem dentincias de tal. Existem indicadores de risco severos e diversifica- itensamente no contexto familiar, resultando no uso da for- elagGes pais-filhos, desencadeador da violéncia intrafamiliar. ge 0 processo de desenvolvimento desse outro que sofre cet i tae repercute, diretamente, nos aspectos fisicos, psicolégicos ¢ senomenologi iais dos envolvidos, do sistema em si mesmo e, consequentemente, do lem que o grupo familiar esta sediado. Dentre as formas de manifestacio da violencia intrafamiliar, en- Contramos: abusos fisico, sexual, emocional e a negligéncia, Contudo, 0 ue se tem observado & que estas ages so sobrepostas e expressam mul- ‘idiecionalidade, ou seja, manifestam-se todos os tipos de abuso e dire- ‘ionados a todos os membros da configuracao familiar. f esequilibrio nas relagdes interpessoais est caracterizado icologi 7 des-encontros e re de A clinica psicoldgica em seus en-contros, ; velandoolhaes in: CASTRO, EH.B-de Pridmeriona sa ‘0 contexto amazénico em pesquisa ¢ ci 2020, p. 157-176 A. Resgate das relagdes abusivas em que nos enc Ghinguenrie Rev bras, med. fam. comni sontramos: uma ques dade; 14(41): 1847, 313 EWERTON HELDER BENTES OE CASTRO ORGANIZADOR na violéncia no ambiente de trabalho, centrada no abuso do Poder, em Castro‘ ameacas € aces desrespeitosas, Este tipo de violéncia pode ser Mani. fo de O que é« festa sob dois aspectos: situacdo pontual ou de forma sistematica, 9 ciéncia do fendr chamado assédio moral no trabalho. Nos dois casos, tem-se observa. de Edmund Hu do como resultante varias psicopatologias, doencas psicossomiticas o4 Embasa distirbios do comportamento. “intencionalidad Sabemos que outros tipos de violencia ocorrem no que concerne. dental de Kant, as relagdes afetivo-emocionais, tais como 0 cyberbullying e 0 sexting, en. uma nova visio tretanto, deixaremos estes aspectos para outra pesquisa. laboratérios de mento humano rior, foi o iniciac Fenomenologia e desamparo peeieteicnso fens & possivel expor do fendmeno, a: : 2 e a A fenom O dualismo existente desde ha muito, admite a separaciio do ho- Gextnctaiidsicon mem em corpo e alma, matéria e espirito, Para Platdo, a alma antecede 0 corpo € pertenceu ao mundo das ideias antes de aprisionar-se nesse. 0 intelecto era priorizado diante de trabalhos bracais, os desejos do corpo 20 ser ao mesm« jeto sempre é un eram renegados devido & moral e aos bons costumes, pois prejudicavam a adicionado pela relado da criatura com o seu Criador. Posteriormente, Descartes traré 0 ele adquirido pe dualismo psicofisico instituido por Plato, corpo e alma, que ser questio- através da reduc nado na visio naturalista de considerar o homem como uma maquina. Seja, aquilo que r Reis'* também ressalta as dicotomias existentes dentro do conhe- Castro‘ cimento, como a divisio entre corpo (res-extensa) e alma (res-cogitars) wras de raiz grega corpo € mente, corpo e consciéncia. A ciéncia visa 0 corpo como objetoea ‘mostra a partir d Psicologia, a subjetividade. As duas perdem o foco da corporeidade do ho- cena, mem ¢ da impossivel separacio entre corpo e alma/mente. Merleau-Ponty, Romenologia ¢ em suas obras Fenomenologia da Percepcio, O visivel e o Invisivel,Signos, 2017,p.17-26 vem rebater tais conceitos e ideias que separam 0 homem em fragmen- 410 FERREIRA, CI tos para considerd-lo como um todo, a relagio indissokivel entre corpo © EHB (Org) 1 mente, como agente e reagente na sua constante relagdo com o mundo é (Curitiba : Appri com o Outro. Integrando-se a terceira base da Psicologia: a fenomenologi®- “0 castRo, EH) 407 PEIXOTO, A]. Corpo e Exstncla em Merleau-Ponty. In TOURINHO, C.D.C.& 2017p on BICUDO, M. A. V. (Org,) Fenomenologia: influxos e dissidéncias. Rio de | 42 hides Booklink, 2011p. 156-168 CASTRO, BH.8 2017, p. 17-26 408 REIS, A.C.A subjetividade como corporeidade:o corpo na fenomenologi de Me™ eau Ponty Vivénean, 37,2011, p39, 314 PERSPECTIVAS Em CTVAS EM PSICOLOGIAFENOWENOLOGICO-SISTENCAL of traz. 0 conceito de fenomenol a Fenomenologia? “l...) a fenomenologia ¢ 0 estudo o eno. Essa a Proposta que encontramos no Pensam« oe lusserl, o pai da Fenomenologia, ‘a ido nos estudos de Brentano, Hi em que a consciéncia constitui o mundo, Hussel pr is o de homem, dando margem As ciéncias humanas ean aa € 0 sexting, en- de investigacao, distanciando-se do olhar sobre o comporta- ano como objeto de estudo. Como falado no pardgrafo ante- iniciador do movimento da fenomenologia, e em sua perspect- o fendmeno penetra no pensamento e através do pensamento expor 0 fendmeno. A fenomenologia busca verificar a esséncia 0, correlagdo entre a consciéncia e 0 objeto. logia no primeiro Parigra- é um objeto-para-um-sueito, em que o sentido do objeto & consciéncia. A compreensio do fendmeno, o sentido a pelo ser, precisa ser intencionado, verificado sua esséncia "através da reducdo fenomenolégica, em que o essencial permanece, ou seja,aquilo que nao pode mais ser pensado de outra forma,*? Castro‘ reitera que o termo Fenomenologia deriva de duas pala- ‘as de raiz gregas, a primeira é phainomenon e quer dizer “aquilo que se mostra a partir de si mesmo”; e de logos, “ciéncia ou estuda’: A partir dai, como objetoea oreidade do ho- 49 CASTRO, EHLB. A filosofia de Martin Heidegger. In: CASTRO, E.H.B(Org) Fe- Merleau-Ponty, nomenologia e Psicologia: as) teoria(s e priticas de pesquisa ~ Curitiba : Appris, Invisivel, Signos, 2017, p.17-26 m em fragmen- 410 FERREIRA, C.E & CASTRO, E.H.B.A fenomenologia de Mera Fony. CASTRO, elentre corpo & EHLB, (Org.) Fenomenologia e Psicologia: a(s) teoria(s) e priticas de pesqt Curitiba : Appris, 2017, p.27-32. 411 CASTRO, E.4.B, A filosofia de Martin Heidegger. In: CASTRO, E.H.B(Org) Lg ‘nomenologia ¢ Psicologia: a(s) teoria(s) ¢ priticas de pesquisa ~ Curitiba : Appris, 2017, p.17-26, CASTRO, E.H.B(Org) Fe- OED, flosfe de Matin Hee a Apes (5) teoria(s) e priticas 315 WWERTON HELDER BENTES DE CASTRO ‘ORGANIZADOR temos etimologicamente que o termo Fenomenologia quer dizer ou ciéncia do fendmeno, sendo que fendmeno ¢ tudo que aparece, manifesta ou se revela por si mesmo a consciéncia, A consciéncia pode ser compreendida como a percepcio ime. data mais ou menos clara, pelo sujeito, daquilo que se passa nele mes ‘mo ou fora dele. Como se pode observar a consciéncia sempre est Para algo, isso revela a sua intencionalidade. A intencionalidade, assim, deve set compreendida como a agdo em que atribuimos um sentido, é 9 ‘que Possibilita a unio entre a consciéncia e objeto, sujeito e mundo, A preocupacio da Fenomenologia se dé no sentido de compre. ender aquilo que é captado pela consciéncia, Tal entendimento avanca na busca do sentido para o objeto e na questo no que faz o mesmo ser 9 Que ele é, Para maior contato com o objeto, fenomenologia aponta como caminho a descri¢do deste como uma forma de se evidenciar esse objeto ~ fenémeno - em si mesmo. Descrigéo essa que pode ser compreendida como 0 ato de descrever aquilo que & visto, 0 sentido e a experiencia vie vida pelo sujeito, Um dos seguidores de Husserl, o alemao Martin Heidegger, redi- mensiona 0 método fenomenol6gico e acresce alguns conceitos, que po- demos considerar fundamentais para a imbricacdo acerca da clinica que Proporemos a seguir. Dessa forma, torna-se necessério trazer ao leitor,a Proposta conceitual heideggeriana, especificamente contida na obra Ser € Tempo (1927/2013).** Assim, temos: ser-no-mundo, Dasein ou. Ser-Ai, ‘mundo circundante, mundo humano, mundo préprio, angtistia. Heidegger se propde a tratar da questio do sentido do Ser, ou Sea, buscar a nogdo de homem em sua singularidade a partir do que cha- mou de Dasein (pre-senca, Ser-Ai). O Dasein, como totalidade estrutt- ral, mostra-se na cotidianidade mediana, imprépria e impessoal, sempre, Porém, como abertura Para possibilidades de outras formas de vir a set- ~no-mundo, quais sejam: préprias impréprias. E preciso compreender ‘ue estamos abertos as possibilidades, logo, somos livres em nosso modo de ser. Assim, a expresso ser-no-mundo aponta primeiramente para um fenémeno de unidade, © € desse modo que devemos compreendé-la. Ser no-mundo deve set entendido como uma estrutura de realizagio do Set estudo que se 414 HEIDEGGER, M. Ser ¢ Cavalcante Schuback, 8, ed, Petrdp Universitaria Sio Francisco, 2013, 316 ‘ou seja, én momento p! Que fo uma con a0 entorno « transita e as do humano lece com oc cotidianame como se refe Ao s situagées da compreende vem de subir estas situago nao. Dessa fc nao sabemos angtistia que dera a angis: Ene Paro. Daf ar nao sabemos anos, cada ws cebendo nos: alcangados e €ncontro sio os levar a pe em si mesmo fr stoLoci revonen ‘LOG FENOMENOLicO EusENCIM mundo que estamos, é no mundo que agimos, ate, que devemos entender a homem e sua sin a questo mundo, encontramos na teoria tripartite, «saber: mundo circundant, dit respe 9 homem vivencia o seu cotidiano,espagos pelos quis as ¢ regimentos oriundos do seu contexto social; mun- diretamente relacionado as relacdes sociais que estabe. outro, sio as pessoas - outros Dasein ~ com os quais convive es mundo proprio € 0 ser si mesmo, ele proprio e a forma é nesse Ai, iularidade, desse filéso- et Jangado no mundo, 0 homem (Dasein) fica imerso em s mais variadas perspectivas, A essas situacoes, o pensador como facticidades, ou seja, as situacdes que nos sobre- ta, retirando-nos de nosso lugar seguro, Considerando que es podem nos levar a vivencié-las sob o viés prazeroso ou estamos jogados no mundo sem saber o que nos espera, 0 que poder ocorrer daqui a um minuto, isso é gerador da faz presente no humano, continuamente, Castro“ consi- como a tempestade do Ser. se lugar em que foi langado, o homem sente-se em desam- 4 relagdo existente entre Fenomenologia e desamparo. Como ‘0 que se nos ocorrerd daqui a pouco, daquia dias, meses ou anos cada um de nds vivencia expectativas e, nesse interim, vamos per- cebendo nossas possibilidades, erigimos objetivos que muitas vezes sio alcangados e outras vezes, néo. E quando as situagées que vem a0 nosso encontro sao vividas a partir da dor e do sofrimento imensuraveis, pode ‘os levara pensamentos suicidas, a tentativa de suicidio ou a prOprio ato emsimesmo, , as, Fe | als ‘ i ‘RO, E.H.B.(Org.) CASTRO, 2118, A flosofia de Matin Heidegger aacuacer sien € Psicologia: as) teoria(s)¢ priticas 2017, P. 17-26 317 EWERTON HELDER BENTES DE CASTRO ‘ORGANIZADOR Perspectiva dos trés olhares: a clinica em movimento! A dinica psicolégica tem como fundamento acolher esse outro que nao est conseguindo conviver com as situagdes que vem ocorrendo ‘em sua vida. Esse outro traz, sob um prisma muito préprio e singular, 0 olhar que langa sobre essas situagdes causadoras de sofrimento e angustia, sentindo-se em desamparo e, nisso, o acolhimento por parte do terapeut € fundamental, a escuta deixa de ser apenas 0 ouvir e torna-se algo mais grandioso, uma vez que, é no presentificar-me junto a0 outro que o aco- Iho em sua estranheza do mundo. Ora, o mundo se transformou em algo estranho, ja nao consigo mais me perceber, dado sofrimento pelo qual estou passando e nem me sentir pertencendo a um lugar que antes me era caro, seguro. O que fora até aquele momento, vivenciado & conta de caminho permeado por cores, Passa a ser um lugar sombrio, cinza e sem perspectiva, a nao ser a dor e © sofrer que me enclausuram em certezas herméticas e, nesse processo, no me permito ir além, Meu caminhar se torna célere e preenchido pela anguistia, a ansiedade, pelo olhar negativo sobre a vida. © percurso inicial desse outro na clinica me trazem questes ‘que o terapeuta deveria, a meu ver, observar. A primeira, o ndo-pertenci- mento ao possibilitar que o outro atue de modo a cercear sua autonomia ¢ liberdade em realizar suas escolhas; e a consequéncia desta primeira, nao conseguir tomar decisdes pertinentes a prépria vida, Dessa forma, a Pessoa chega até a sessdo teraputica, muitas vezes, sentindo-se um lixo, incapaz, com baixissima autoestima, autoconceito e autoimagem. Foi, li teralmente, lancada em um turbilhio de desencontros ¢ sente que nao pode ~ e nem consegue — contar com outras pessoas de sua rede social Tudo se torna estranho, A vida se torna estranha, © outro se torna estra- nho. E a prépria estranheza, inicin OTT COM essa pessoa o caminho até entdotrilhado, signif serinicialmente, se colocar na condigao de “escutador” O que seria isso? Seria eu, como terapeuta, conseguir ir além de minhas préprias vivencias Vivido desse outro, junto a ele, continente. Sign © muito dele de olhar o entorno, olhar 0 outro € \ olhar para sobre mim sobre 0 olh: Inic mesmo. At nhego com: atingindo o atinjo meus adiante, bus de continua mo. Entreta: seguir elabo além da fru: rem em min Trar nal infrene, conhecimen Passo a nao mo. Maioria “se umas as © to,dadored Possibilidadk em si mesmz distancio de considerada Sobre mim rr ‘OGIA FENOMENOLOSICO-EMsTENCAL outro. Trés dimensées, trés perspectivas, 10s a proposta de clinica pelo olhar M 0 ercebendo capaz caminhada. Consigo me ver, a mim mesmo, sendo eu mes- to, para alguns, nao é assim que ocorre, Esse processo de con- estratégias de enfrentamento para atingir os objetivos e ir agdo é vivenciado sob outro aspecto, assim, mudancas ocor- smo diante da nao-realizacdo de minhas possibilidades. es no dia a dia me langam em redemoinho emocio- catapulta em verdadeiro fosso emocional, onde o autorre- 0 ocorre, ou se acorre,é de modo distorcido, uma vez que, e-ver-mais, a ndo-me-perceber-pertencendo-a-mim-mes- vezes, vivencio um emaranhado de situagées que, unindo- ras, me joga para a vivencia da tristeza, do ensimesmamen- toda dor e do sofrimento. Nao consigo mais me perceber. Néo consigo ver possibilidades. Sou “aquele problema’, que me travisto da problemética 10 ndo-pertenci- em si mesma, me travisto da situagao dificil pela qual estou pasando, Me ur sua autonomia distancio de mim mesmo, Nao sou mais eu, sou apenas a situacao dificil e a desta primeira, considerada intransponivel que estou experienciando. O olhar que lango a. Dessa forma, a sobre mim mesmo é um olhar de pena, de magoa, de estranheza. tindo-se um lixo, Como podemos estar trabalhando na clinica? A partir do discur- oimagem. Foi, li- 40 desse outro que sofre, mergulharemos com ele em sua histéria de vida, € sente que no seltamos com ele no abismo de dor e de sofrimento, vamos junto com ele 2 sua rede social. compreender os sentidos e significados que atribui a determinada situa- to se tomes $#0.Langamo-nos junto com ele no emaranhado de experienciagdes que "Tavaté nds, Possibilitamos que ele caminhe, experiencie verdadeiramen- trilhado, signifi- 'Sovazio em que se transformou sua vida e o impelimos a0 auto resgate, jo resgate que se efetivard para ele por ele e com ele mesmo. 10, os casos de autolesdo, Tenho acompanhado ae e adultos jovens, género feminino, estudantes do ae o, praticantes do ato de cortar-se,o cuttings 3 D que seria isso? ‘éprias vivencia ‘ontinente. olhar 0 0 319 eel EWERTON HELDER BENTES DE CASTRO (ORGANIZADOR lesto, O antebraco, a0 nivel das costelas e a lateral externa e/ou interna das coxas sto os pontos mais comuns do corte. Como pode-se observar, locais dificeis de os pais perceberem o que esti sendo feito. Conforme as sessdes vio stucedendo, percebo que 0 véu vai sendg retirado a pouco € pouco, uma vez que, ao caminharmos juntos, a per- cepgio de que podem confiar em mim enquanto terapeuta, um vinculo sendo construfdo de forma sélida, nos leva a momentos em que o discur- so vem trazendo um misto de sentimentos relacionados a elas préprias, em que o olhar é voltado para si mesmas tendo como base, o olhar do outro, Resultando na autoagressio, Algumas questdes slo trazidas como elementos que originam 0 processo. Discorro em seguida sobre algumas que me tem sido trazida com maior frequéncia na psicoterapia. A sensagao de incompeténcia ¢ algo subjacente aos discursos, tendo em vista que, 99% dos casos (21 dos 22 casos) esté relacionado @ cobrancas excessivas para “serem as melhores” em todas as instancias; precisa compreender “tudo 0 que foi feito por elas”; entender “todo 0 sacrificio” para que elas pudessem ter tudo; que eles ~ os pais - “abriram mio dos sonhos” por elas. So obrigadas a tornarem-se o que os pais querem ou muitas vezes, 0 que gostariam (os pais) de ter sido, dai minha concepgao de que talvez a incompeténcia pertinente a eles enquanto pais é trazida sob a forma da emissio de julgamentos. Consequéncias? Lazer, estar em paz consigo mesmas, trang dade de transitar em questdes corriqueiras, estudo, relagdes interpessoais, sto deixados de lado e assim, sem saber lidar com a situagio, na escola co- nhecem outras aluunas que também praticam a autolesio e lhes ¢ indicado entrar em paginas da internet que orientam como fazer os cortes. Inicial- mente, elemento utilizado sio as préprias unhas que, de tanta friccio no mesmo local, provoca descamagio e sangramento. Contudo, nao param por ai, Em seguida, se munem de elementos cortantes (laminas de barbe- ar, laminas de apontador de lipis, instrumentos cortantes de forma geral) © praticam a autoleséo, Em suas falas sio undnimes|: quando o sangue escorre aqui (apontam o local), a dor daqui (levam a mao ao peito), pass Neste momento lango um questionamento aos leitores: de quais dores tao profiundas estas meninas - diria mesmo criangas ~ esto viven” ciando. De que existir experienciado sob a égide da dor, do sofrimento € consequente distanciamento de si mesmas esta ocorrendo com elas? Gente, pertencem a faixa etdria de 12 anos (sim, senhores e senhoras, 12 320 anos) a 20 ano & premente cor esse grito se tor Um do: de autolesio, é mio das caract. de ser. O uso ¢ nessa mesma F finalidade? De ralmente af se i similaridade co ‘© conceito que riana. O olhar, iniciamos um r concepgoes, err des e na comp ‘mentos, precon brilhantemente ‘esse 6.0 maior { Oolhar Minha trajetéri Perceber em m §0,me apropric Como: Tefletir essa ma Perspectiva rel: necessério que Sentorno, e ne NOs mais variac Colegas de estui Com as quais « nhando, me sin Eoqu €stabeleco com interna observar, vai sendo, tos, a per- n vinculo eo discur- s préprias, > olhar do idas como e algumas “ discursos, alacionado instancias, ler “todo 0 -“abriram: ue 08 pais .da{ minha quanto pais s, tranquili- sterpessoais, aa escola co- s€indicado ortes. Inicial- a friccdo no yndo param tas de barbe- forma geral) do o sangue peito), passa. res: de quais - estao viven- > softimento Jo com last senhoras, 12 ERSPECTIVAS EW PSICOLOGIA )« 20 anos. E aqui lango meu grito an fpremente compreendermos essas dimen ses gto se torn atitude, agao, Um dos aspectos que tenho utilizado na clinica, diante de casos castles, é 0 trabalho a partir de personagens de files, ancande nfo das caracteristicas desse personagem e a semelhanga com seu modo de ser. 0 uso de animes também ¢ algo que venho usando na pratica nessa mesma perspectiva (caracteristicas, cores, dentre outros). Qual a finalidade? De que ao descrever as caracteristicas do personagem - e ge- ralmente ai se identificam ~ é possibilitado, nesse momento, perceber a sinilaridade com suas préprias caracteristicase,a partir dai, percorrerem oconceito que tem de si, o ser-si-mesmo trazido pela teoria heidegge- riana, 0 olhar, nesse momento, se volta para si mesmas e dai por diante, {niciamos um mergulho gradativo em suas vivencias cotidianas, em stias concepgdes, em suas perspectivas, expectativas de vida, suas possibilida- dese na compreensio do que esté ocorrendo com cada uma sem julga- rmentos, preconcepges ou pré-conceitos. Somos duas almas como dizia brilhantemente Jung ou como revela Castro**“somos ser-com-o-outro e esse 60 maior fundamento do existir humano” O olhar que lanco sobre o outro é a segunda perspectiva na clinica. Minha trajet6ria de vida se dé com o outro, é com o outro que consigo me perceber em meu préprio caminhar. E a partir do outro que me reconhe- ¢a:me eproprio de mim mesmo, me sinto quem sou. Como nos diz Heidegger, ser-no-mundo é ser-com-o-outro.Como tefletiressa maxima? O filésofo da Floresta Negra nos brindou com uma Petspectiva relacional que remete ao cotidiano, uma vez que, torna-se Hecessirio que cada um de nds ~ existentes ~ busque predispor-se a olhar Sentorno, e neste, perceber que af estéo presentes companheiros de vida ‘os mais variados niveis de relagdo: familiares, familia extensa, amizades, ‘legas de estudo e de trabalho, amores e desafetos. Enfim, esto pessoas Som as quais convivo cotidianamente € junto as quais me sinto cami- ido, me sinto e sou afetado por elas. " Bo que seria sentir-me afetado por esse outro? Nas relagdes que Stubele com esse outro, ele imprime em mim 0 seu proprio olharscle me ngustiado no sentido de que Ses ai presentes. E na clinica, CASTRO, E.H.B(Org) Fe- Ss GASTRO, EHLB, A flosofia de Martin Heidegger. In ‘Curitiba : Appris, Romenolo, ia: s) e prticas de pesquisa ~ ani ages Peiclopa (6) tora) «pias dep 321 ———h LEWERTON HELDER BENTES DE CASTRO ORGaNIZAD0R possibilita - ou ndo ~ ser quem sou; me possibilita ~ ou no ~ sentir-me aceito, acolhido por ele e isso me faculta perceber a dimensao de quem sou a partir de minhas relacées interpessoais. E 0 outro mostrando a forma como me vé, como me concebe enquanto humano, enquanto ser relacional Eis,a meu ver, mais um elemento presente na pluralidade do existir. Hi de se considerar que nem sempre as relagdes sio saudaveis, impulsionadoras de crescimento ¢ de probabilidades existenciais. Sabe- mos disso. © con-viver didrio, dadas varias questdes que se apresentam, pode-se tornar uma experiéncia em que dor, sofrimento e angistia per- meiam as ligagdes amorosas, de amizade, fraternais, enfim, todas as rela- Bes em que a afetividade se torna o centro de todo o proceso. Sim, afeti- vidade. Mesmo quando o outro me causa dor e temor, sofrimento e injiria, desprezo e alijamento, nesse olhar est presente o afeto. Poderia colocar aqui distorcido, mas vem um questionamento: distorcido para quem? Dis- torcido por qué? So nuances da vivéncia, do viver, do relacionar-se. Contudo, 0 olhar do outro pode ser amordvel e amoroso, pre- nhe de motivacées para que eu consiga atingir meus objetivos, minhas metas, Percebo 0 cuidado que me ¢ direcionado no sentido de expressar: Ei! Estou aqui, podes contar comigo, sim! Conquanto afetividade, esse modo de olhar me motiva a ir bem além do que estou vivenciando, me plenifica a conceber que esse outro caminha comigo, esté a meu lado, me possibilita crescer. Entretanto, se por um lado esse “amor” me lanca a ser eu mesmo por outro lado, pode ser encarcerador, jé que em alguns momentos & compreendido apenas como 0 que solicita de mim, o que me pressiona @ agir desse ou daquele modo, o que me impede de ser eu mesmo, o que me aprisiona, como tem ocorrido nas relagdes contempordneas, familiares, afetivo-emocionais, no trabalho. Na clinica tenho percebido em casais que acompanho ¢ viver™ ciam na relagdo afetivo-emocionais (ficar, namorar, noivar, casar), expres” s6es diversas acerca do que 0 outro pode ~ e consegue ~ fazer comigo & eu com ele, onde sao experienciadas situagdes permeadas pelo que ha d& mais desrespeitoso, incoerente e consequentemente, abusivo. q © abuso a que me refiro diz respeito ao critério de invasibilida- de que um perpetra ao outro, O interessante ¢ que - e parece nao estar relacionado ao tempo em que esto juntos - todo o processo inicia sob © viés do citime, que a pari passu, torna-se danoso, mesquinho, cruel B 322 em nome dar vyezes, alimenti Umer redes sociais n gunta boba, tr Percebo, quan: mesas em sho cagdo de mens panha quem n acrobacias vist e, quem sabe, ir Ponto sido também fi acha legal esta: filo com ele?” recebe mensag ciam, um tenta: fragilizando ca: Em cor continuamente de seu celular e mento. “Esta ce quadro, Privacic outro. Comega tuagdo em que i mensagens, dud de justificativa ¢ me falar, em noi Em que interveniente nz Servo casais que 80 0 viés do “a com acusagies Vado ao ponto n autonomia, man eito, da c Partir daqui de o vu ndo ~ sentir-me ensio de quem sou aostrando a forma santo ser relacional, de do existir. Wes sio saudaveis, existenciais. Sabe- que se apresentam, nto e angtistia per- nfim, todas as rela- srocesso. Sim, afeti- ofrimento e injiria, to, Poderia colocar do para quem? Dis- relacionar-se. rel € amoroso, pre- objetivos, minhas ntido de expressar: 0 afetividade, esse u vivenciando, me ‘sté ameu lado, me gaaser eu mesmo; Iguns momentos & que me pressionaa mesmo, o que me ordneas, familiares, sompanho e viven- sivar,casar), expres- te ~ fazer comigo € das pelo que hé de busivo. ‘rio de invasibilida- e parece nao estar processo inicia sob nesquinho, cruel. E et GIA FENOMENOLOGICO Es anomeda reae30,0 GUE Soft abuso se dea fa, slimenta a toxicidade ai presente, Um exemplo dese fato &0 que esté ocorrendo acerca do uso de socais nos telefones celulares:“voct esta falando com quem?” Per- ta boba, trivial e que vai ocorrenclo com frequéncia cada ver maion quando estou em ambientes coletivos - restaurantes ou eome, meas em shoppings centers ~ que no momento da recepcdo de notife {acto de mensagem ~ de quaisquer uma das redes -,0 outro que acom. quem recebeu a mensagem, muitas das vezes realiza verdadeiras crobacias visuais e contorcionismo na busca de ler quem é 0 remetente e,quem sabe, inclusive le 0 teor do que foi recebido, Ponto bastante substantivo que tenho acompanhado, e que tem sido também frequente, &0 citime relacionado ao passado do outros“ voce acha legal estar recebendo mensagem do fulano, mesmo que tenha um fiho com ele?” O outro justifica, langa mao da fala: “mas, vocé também recebe mensagens de seu relacionamento anterior!” E as dissensdes ini- ciam,um tentando mostrar ao outro que esta equivocado. E a relagdo vai fraglizando cada vez mais e a confianca, preterida. Em continuidade terapia percebo que se faz presente uma fala continuamente expressa: “Entéo facamos o seguinte: vocé me dé a senha deseu celular e eu te dou a senha do meu’ Reflexao. Titubeio, Convenci- mento, “Esté certo, vou mostrar 0 quanto eu te amo’. Locupletado esti 0 ‘quadro.Privacidade é algo nao mais vivenciado tanto por um quanto pelo outro, Comega a guerra fria, o que denomino “espionagem relacional” Si- tuagio em que iniciam os questionamentos, os porqués de determinadas, mensagens, Audios, videos, fotos. Tudo passa a ser “printado” para servir de justificativa a uma posstvel traigao. E, conforme os casais insistem em me falar,em nome do “amo voce’. Em que isso tem resultado? De que forma esté sendo um fator interveniente nas relagées, no sentido do dano que tem provocado? Ob- $21¥0 casais que estio juntos a 5, 10, 12 anos, ¢ essa condigdo de “te amo’ 0b 0 viés do “apenas uma prova de amor’, tem levado a crises jintensas, com acusagées de ambas as partes, mégoas, decepcdes. E 0 amor é lex ado 20 ponto méximo da violéncia: eu ndo permito que 0 outro tenha *tonomia, mantenha sua privacidade. Preciso manté-lo sob a égide do speito, da desconfianga e do desespero, o que passarei a chamar 2 Pantirdaqui de os 3Ds. Permanece e muitas 323 WERTON ALDER BENTES De CASTRO Desrespeitoem virtude de uma fantasia que coloca 0 outro na con, digdo de refém, prisionero virtual do parceiro,Legitimado, neste momen to, 0 cardter de abuso para com esse outro que compartilha a relacto co. ‘igo, caminha cotidianamente junto a mim e que, diante de minha acag infrene, se permite subjugar, se permite nao ter autonomia, se permite cotempot ‘no questionar o objetivo verdadeiro do que esta sendo vivido. E, nesse ‘vocé con, ‘momento, sempre lango uma pergunta:“como € para voce se desvalorizar mitiu viv para se sentir valorizado?”: Maioria das vezes 0 resultado & apenas a lagi. do que é ‘ma que escorre pela face, 0 baixar a cabeca, o mergulho necessitio em si ‘frustrag ‘mesmo ¢ em seu relacionamento. Inicia 0 processo de reflexao, elemento mente, fundamental para que essa pessoa busque em si mesma a resposta e tome magert ara si a responsabilidade por sua vida, por sua relacio, por sew caminhiar, imergi Tornando o quadro ainda com maior caracteristicas de insensatez, amore © segundo D, a desconfianga, torna-se um elemento que fomenta maior redir gravidade a relagao. O outro nio pode, sim, esse é 0 termo utilizado,“ndo lindo ode” ter passado, nio pode ter lembrangas de outros relacionamentos, cia mesmo aqueles que sio de amizade. Observo que, maioria dos casos, ni- see ia com uma leve ironia acerca do fato: “hum, lembrando quem?”;"pare- Pro C= que essa miisica marcou mesmo, né? “sofrendo ainda hoje?” Percebo que essa atitude vai aos poucos tomando proporgbes de uma dimensio ey impensivel,atingindo o patamar experienciado nas falas seguintes:"serd de ue nao dé pra vocé pensar um pouco e ver que sou eu que estou em sua m vidat"; “nao gosto dessa playlist que vocé montou. Tem algumas misicas ° que nao curto mesmo, vocé poderia retirar, pelo nosso amor?”; “eu 10 t aguento mais voce fazer essa cara de quem est sofrendo ‘por lembrancas de sei lé quem seja. Voctesté comigo, sua vida me pertence agora, dé para entender?” Percebamos:“sua vida me pertence agora’ E o outro desiste de escutar sua miisica preferida para nio magoar ou ferir o (a) parceito (a) ue Por sua ver, fica satisfeto (a) por ter seu desejo atendido, Quando in- quirido no setting terapeutico; “Em. que momento vocé se permitiu fugit de vocé mesmo eda tua vida, O olhartorna-se sombrio,acinzentado,d¢ lima expressividade de dor e desafetoinexplicivel, Muitas vezes titubeit,® Vou torna-se trémula e sem Quaisquer argumentos, Possibilito que o silén CiO~ que nesse momento é um grito ~ seja vivenciado em toda a sua ma nitude, Possbilit refltir sobre algoz de i mesmo (a) no qual se toro. O terceiro D, 0 desespero, & expresso: “Nao consigo mais sabet Por onde caminhar. Minha vida esté um inferno" que aconteced 324 ‘outro na con- neste momen- aa relacao co- le minha acao ia, se permite ivido. E, nesse ve desvalorizar apenas a lagri- cessirio em si sxdo, elemento sta e tome seu caminhar, sdeinsensatez, ‘omenta maior utilizado, “nao lacionamentos, « dos casos, ini- quem?”; “pare- aoje?”. Percebo uma dimensio seguintes: “sera ie estou em sua gumas miisicas mort”; “eu ndo por lembrangas agora, dé para gutro desiste de (a) parceiro (a) ido, Quando in- > permitiu fugit acinzentado, de -vezes titubeia, @ ilito que o silén- toda a sua mag 0 qual se tornou. sigo mais saber ve aconteceu em PERSPECTIVAS EW Ps GIA FENOMENOLOGICO-8 relagio? Simplesmente, a vida esta completamente diferente ¢ di- ferente no sentido pior do termo, entende’; “Js nao sei como agin, ele(a) uum guarda, no posso muitas vezes olhar para o lado, falar com tym onhecido.A cara fecha, o resmungo comeca, quando chega em casa tempo fecha Neste moment, realizo 0 confronto necessri."E quem oct considera que possibilitou isso? Quem vocé considera que se per- mitiu viver essa situaio?” E assim, o amor ou a compreensio distorcida do que €0 amor, langa esse outro em um redemoinho de impedimentos, frustragdes, im-possibilidades, des-encontros. A nés cabe, peremptoria- mente, possibilitar o auto resgate, a autoestima, o autoconceito, a autoi- sagem, 0 refletir sobre si mesmo (a). E isso se dara, certamente, quando mergimos com essa pessoa naquilo que cla traz até nds, suas dores, seus amores, suas duividas, suas certezas, e dessa forma, junto com ela e a ela, redimensionar o olhar que lanca sobre si mesma e o olhar do outro, impe- lindo a0 fortalecimento do ser-si-mesmo, no sentido de buscar experien- ciara autenticidade e refletir sobre a inautenticidade inerente ao colocar- -se em demasia em disponibilidade para com o outro que se compraz em propiciar dor e sofrimento, mégoa e tristeza, Continuando a sequéncia dos olhares, como vimos dois foram expostos: 0 olhar que lango sobre mim mesmo eo olhar do outro. partir de agora, falarei sobre o olhar que lango sobre o olhar do outro que, dada minha experiéncia na clinica é um ou mesmo, maioria das circunstancias, mais nocivo para o existir. Como tenho percebido isso? Como caracte- rizo esse olhar a partir da perspectiva da clinica? As relagdes de forma geral so constituidas e construidas a partir do envolvimento com esse outro que me é importante, que amo e torno 4 pessoa com relevancia impar em meu existir. Assim, tenho percebido ue - ainda em nome do amor - algumas pessoas se anulam, se deixam Acar longe de si mesmas, justificando que 0 outro gostaria que elas agis- Sem dessa ou daquela forma. Em que expresses tenho observado isso? “Tetho feito tudo 0 que ele(a) me pede apenas com o olhar”s “Sei o que Pensa e como pensa, entao busco fazer 0 que esta me sendo solicitado’s Vida tem sido girar em torno dele (a) e fazer tudo 0 que acredito Re le (a) queira que eu faca’: Minha atengao volta-se ~ e busco eer mesmo desse outro - para o fato de que a pessoa deixa de viver sus Vi la Para viver o que ela acha que o outro quer ou requisita dela. Dessa Coe PasSaa experienciar 0 que ela acredita que 0 outro pensa em relagso 2 cla 325 ———th € a0 vinculo afetivo, muitas das vezes ~ para ndo citar a totalidade ~ yo). ta-se para uma concepgio de mundo e de vida voltada a responder ao que julga que esse outro deseja, Essa atitude ¢ auto repressora, designa o auto apr amento, automutila emocionalmente. Obviamente como nos outros aspectos jé relacionados, alguns questionamentos sio trabalhados no processo: “Entdo sua vida deixou. de ser sua desde quando?”; “Em que momento seu (sua) companheiro, (a) exigiu que vocé aja dessa forma?”; “Como & para vocé viver 0 que achas que o outro quer de vocé?”; “Voce esta me dizendo que 0 outro & © responsivel por voct estar da forma como voce est se vendo hoje?” As respostas sio desencontradas, incoerentes, uma tentativa continua de justificar as atitudes que ela prépria tomou a partir do que considera ser 0 desejo do outro, Conforme a reflexao se torna mais profunda, uma profu- so de sentimentos aflora ¢ esse outro comeca a brotar de si mesmo. Hao ressurgimento dos préprios desejos e vontades; a vida é percebida como sendo sentido - sim, sendo e nao tendo, afinal vida é sentido - surge Nar- iso, a flor cujo mito é compreendida de forma diferente por mim. Sempre falo que 0 mito de Narciso vai além do reflexo no espe- Iho. Busquemos a compreensio, O homem de beleza imensurivel, ficou Prisioneiro de sua prépria beleza, Foi confinado a um local em que nem as ninfas dos bosques ousavam aproximar-se. © tempo, sempre 0 tempo, propiciou o esgotamento por se saber e se ver sozinho, a solitude pesa. Foi quando em determinado momento, encontra um espelho agua e vé seu reflexo, pensa que € outro ¢ inicia 0 didlogo ~ ou o que poderiamos entender como tal ~ e, nesse processo, sofrendo pela solidio que lhe fora impugnada, vai em busca desse outro refletido e se lanca no poco onde std espelho que reflete sua imagem, Narciso se afoga e ressurge como uma das mais belas flores que conhecems, Como podemos redimensio- nar esse mito? Vamos adiante! As relagdes me fazem perceber a grandiosidade de quem so, amo ¢ sou amado em uma proporcdo inimaginével (a beleza de Narciso). Entretanto, quando passo a viver minha vida a partir do que eu acredito 4u¢ © outro quer de mim - em realidade inicio o processo de afastamen to daqueles que convivem comigo sob outra égide (familia, amizade, € Como nos diz o conto, as ninfas ndo ousavam aproximar-se), me lan na solidio. Ora, ao esquecer-me de mim, a relagio em que estou cst dor, sofrimento, angistia. A clinica ~ © espelho d’dgua - com seus 4 acraee 326 PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIAFENOMENOL O-BUSTENCIAL e reflexdes, propicia percorrer minha historia de vida e faz uanto renunciei a mim em nome de justificativas extempora- rentes. Mergulho em mim e travoa maior luta que o humano com ele mesmo. E muitas vezes quase me afogando em Bein: por mim propostas, a clinica me propicia, lteralmente, ir a0 Feros inns 0 ¢,a partir dal, me perceber com possibilidades de viver as mes pluridimensional, sendo eu mesmo com minhas difi- fe tencialidades, Ressurgi para mim, ressurgi para a vida, res- ae ng do, Bis Narciso, flor que para mim e na clinica na qual Saree fica a possibilidade do existr. tentativa continua de loque considera ser o profunda, uma profu- tar de si mesmo. Hi 0 ida € percebida como € sentido - surge Nar- rente por mim. m do reflexo no espe- za imensurivel, ficou tum local em que nem tar a totalidade - yo. laa responder ao que ‘ssora, designa 0 auto quer, inicialmente, se perceber langado no mundo, em de- iclusive eu mesmo enquanto terapeuta, Significa ir além de letas construidas para outros locais equidistantes, cons- outros povos em outros momentos da humanidade. Por partir de minha experiéncia, redimensionar a perspectiva ica. afoga e ressurge como ; podemos redimensio sua caminhada, Desculpe-me um autor nacional, mas é pre~ de detalhes ¢ nuances, torna-se fundamental, a meu ver, osidade de quem 1 (a beleza de Narciso) ¢ significados. Trabalhar com pessoas que ja vivenciaram tentativas de suicidio proceato de afastamea am, teimpelem air além do teu lugar seguro, da tua “teoria 4e (familia, amizade, te chama ~ sim, vocé & convidado ~ a seguir com esse ou- trilha de desamparo. Voce, enquanto terapeuta, é invitado a0 tencial com essas pessoas cujo olhar sobre si mesmas é um dlesamparo e desengano. Muitas vezes,culminam em io em que estou caus “agua - com seus ques 327 [EVERTON HELOER BENTES DE CASTRO ORGANTZADOR desespero diante da vida que te langam a questionamentos acerca de ¢ ‘mesmo e da tua pratica clinica. Passamos por uma espécie de forja, somos transeuntes, juntamente com eles, de um processo de nio-aceitagio de s ‘mesmos, nio-aceitagao do outro, nao- aceitacdo da vida. E nesse momen to, realmente inicia 0 proceso terapéutico que se dé no sentido heideg. geriano de Cura, ou seja, de Cuidado para com essa pessoa cuja vida est transformada e nao cabe mais em sua visada sobre 0 mundo, Precisamos caminhar com eles, precisamos nos tornar continentes, precisamos nos perceber continuos aprendizes de nosso fazer profissional. O viés da relagao afetivo-emocional tratado neste capitulo, pode ser considerado como um marco na contemporaneidade, uma vez que, 0 relacionamentos estdo, muitas vezes, construfdos € constitufdos com base na desconfianca, com base na crenga de que 0 outro é meu utensflio ~ como dizia 0 pensador da Floresta Negra -,em que o olhar de um esta so- bremaneira pensado como o mais importante; o que melhor sabe acerca da experiéncia afetiva, e consequentemente manipula 0 outro ¢ esse outro, por sua vez, se permite ser manipulado. A relagdo abusiva esté estabele- cida. A ruina é vivenciada, a inautenticidade relacional é experienciada, Precisamos enquanto terapeutas ir além do prescrito, ir além da norma e da normatividade que enquadra, que reprime, que nao sustenta a relacio terapéutica em sua pluridimensionalidade. Obviamente estes temas merecem outros olhares e outros estu- dos.A clinica dos trés olhares merece maior aprofundamento por parte de ‘quem a viabiliza na pratica. E preciso refletir sobre nosso papel de psicé- logos na atualidade, a vida é feérica, importante caracteristica da contem- poraneidade. Precisamos ir além, muito além do que ai esta posto, como jé expressei a vida merece resposta que nao est mais na possibilidade de anos de acompanhamento psicoterépico. Esse outro, dadas as devidas di- -mensOes, merece nosso respeito no sentido de ser motivado a “viver” em seu campo relacional, a seguranga que a psicoterapia proporciona. E ne- cessério nos desafiarmos e sair dos lugares seguros de teorias que teimam em patologizar, teimam em medicalizar, teimam em “consertat’ teimam em “curar” e, ao final apenas criam pessoas sem responsabilidade por st préprias e, 0 que considero mais grave, que nao conseguem se percebet como seres possiveis. BOTTEGA, NJ. Cor Barueri, SP: Manole - da série Nestor Schor CASTRO, E.H.B. A Fenomenologia e P: Appris, 2017. CASTRO, EH.B. de reencontros: des-ve dade em psicologia nica. ~ 1* ed. ~ Curit FERREIRA, C.F & C ‘TRO, EH.B. (Org): quisa ~ Curitiba : Ap HEIDEGGER, M. Se Cavalcante Schubacl Universitaria Sao Fr: PEIXOTO, A. J. Cory & BICUDO, M. A. Janeiro: Booklink, 2( REIS, A.C. A subjet Merleau-Ponty. Vivé SANTOS, J. A. Res questio de preveng? 1847, fev. 2019, ntos acerca de ti ie de forja, somos fo-aceitagao de si \Enesse momen 10 sentido heideg. soa cuja vida esta undo. Precisamos , precisamos nos NJ, Conduta nas tentativas de suicidio In; Guia de Psiquiatria, nal. . ~ Série Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalareditor zste capitulo, pode or Schor, 2005. Referéncias lade, uma vez que, + constituides com ro meu utensiio ~ shar de um esté so- melhor sabe acerca outro e esse outro, A filosofia de Martin Heidegger. In: CASTRO, E.H.B (Org) ¢€ Psicologia: a3) teoria(s)e priticas de pesquisa - Curitiba: B.de A clinica psicolégica em seus en-contros, des-encontros ousiva est estabele- -yelando olhares. In: CASTRO, EHLB. de Pluridimensionali- nal é experienciada, fenomenologica: 0 contesto amazinico em pesquisa ¢ cli ir além da normae {Curitiba : Appris, 2020, p. 157-176 vo sustenta a relagdo ‘& CASTRO, E.H.B. A fenomenologia de Merleau-Ponty. CAS- Ihares € outros estu- Fenomenologia e Psicologia: a(s) teoria(s)e préticas de pes- amento por parte de Appris, 2017, p.27-32. ‘aosso papel de psicé- ccteristica da contem- IM, Ser e Tempo. Traducio revisada ¢ apresentagio de Marcia Si eal esta posto, como nuback. 8. ed, Petrépolis, RJ Vozes: Bragana Paulista, SP: Editora isna possibilidade de 0 Francisco, 2013, d,dadas as devidas di- notivado a“viver” em sia proporciona. £ ne- de teorias que teimam m*consertar’, teimam ssponsabilidade por si subjetividade como corporeidade: o corpo na fenomenologia de ‘onseguem se perceber onty. Vivencia, n, 37,2011, p.37-48. b 1. A. Resgate das relagdes abusivas em que nos encontramos: uma Prevencio quinquenéria, Rev. bras, med, fam. comunidade; 14(41);

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