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STATE ALOE OR ETH TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Em homenagem a Ministra Denise Martins Arruda BETINA TREIGER GRUPENMACHER (Coordenagao) ARIANE BINI DE OLIVEIRA NAYARA TATAREN SEPULCRI SMITH BARRENI (Organizadores) Editora Noeses 2014 INTERTEXTUALIDADE ENTRE SUBSISTEMAS JURIDICOS: A “NOVILINGUA” NO DIREITO ‘TRIBUTARIO BRASILEIRO Priseila de Souza" Fernando Gomes Favacho" Quando as palavras perdem seu significado, ‘es pessoas perdem sua liberdade. Conficio O sofista e 0 demagogo florescem muna atmosfera de definigdes vagas e imprecisas. Irving Babbitt INTRODUCAO: 0 DUPLIPENSAR ‘A forca inexorével dos valores faz com que nao hajajuizo tario pela PUCISP e coordenadora do IBET ‘Tributérios Tributario, professor do IBET e da 1033 ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA BLIBERDADE neutro. Fingir a neutralidade, alids, é a melhor forma de esconder as ideias basilares da propria ideologia. “Suizo de valor” nao é 36 uma redundancia, mas também um desrespeito intelectual. 0 juizo “de valor” est em usar um termo que agrada os estadistas (como “contribuinte”) ou os liberais (como “pagador de impos- tos”). Sao palavras diferentes para o mesmo sujeito passivo, mas que, pelo peso dos valores, mudam nossa viséo da realidade. O poder também usa a mesma palavra para moldar realidades divergentes: a palavra “democracia”, tal como “reptiblica”, cos- tuma estar no nome oficial das ditaduras pelo mundo. Na ficg4o politica 1984°, George Orwell chama de “du- plipensar” a capacidade de guardar simultaneamente na ca- beca duas crencas contraditérias ¢ aceité-las a ambas. Ao acusar as autoridades de tentar destruir o pensamento inde- pendente, afirma que uma linguagem com regras aceitas € mutuamente compreendidas é condig&o indispensavel a uma demoeracia aberta. Ainda que do direito ndo se exija coincidir com a rea- lidade, mas sim incidir, seus sobreprincipios ~ seguranga e justica — no sero atingidos sem que haja comunicagao entre os utentes, o que exige previsibilidade das palavras, nem se houver distorcao para além dos limites que o proprio sistema impée. ‘Ao que parece, o valor que norteia a arrecadagéo, no Brasil, faz existir um conceito para cada interesse da maquina estatal. Para cobrarIPTU, uma mera posse precdria passa a ser propriedade. Para que nao se exija a devolucdo do dinheiro desviado dos fins especificos que motivaram certa cobranca, dizemos que a palavra “tributo” no direito tributério tem um sentido diferente no direito financeiro, Receita passa ase equi- parar a faturamento. E, em uma irdnica liquidez da propria 3, Tradugio de Heloisa Jahn e Alexandre Hubner. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2009, ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA £ LIBERDADE linguagem, “&gua” pode ser insumo ou nao a depender de seu contexto! E 0 inicio da distopia orwelliana? Este trabalho trata sobre a definicao de conceitosjuridicos, e como se estabelecem critérios para uso dos conceitos quan- do ocorrem conflitos entre conceitos. Apresenta 0 estudo da “intertextualidade” como um facilitador da interpretacdo legal, estabelecendo os limites textuais e contextuais do discurso nor- mativo na resolucao de conilitos. Postas essas premissas, apli- camos 0 estudo da intertextualidade em conhecidas controvér- sias sobre definigdes de trés conceitos do direito tributério brasileiro, quais sejam, “receita”, “tributo” e “insumos”, Este trabalho é motivado pela busca de limites contextuais ao poder de impor, simultaneamente, sentidos contrarios e até mesmo contraditérios, tal como 0 “duplipensar” de George Orwell. 1. DEFINICAO DE CONCEITOS JURIDICOS 14. Averdade nao é absoluta, mas dependente do contexto © conceito de verdade como correspondéncia entre 0 conhecimento e a coisa remonta aos antigos pensadores gregos. ‘Acreditavam que existia uma “verdade universal”, em contra- posigao a verdade aparente, @ ilusdo. Como se aereditava em um ser ideal que independia do utente, verdade absolute era uma redundancia aos paradigmas da época. Para uma senten- caser verdadeira, deveria corresponder a verdade. “Verdadei- ro € 0 discurso que diz as coisas como sao; falso é aquele que diz como nao s40”, discorria Platao.* Com o advento da filosofia da linguagem, encontramos uma séria mudanga de pensamento.' A verdade passa a ser 4. Nicola Abbagnano, Diciondrio de Filosofia, 5# ed. rev. e ampl. So Paulo: ‘Martins Fontes, 2007, p. 1183. 5. Dardo Scavino, La filosofia actual: pensar sin certezas. Santiago del Bstero: Paidés Postales, 1999, p. 90. ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE consensual, pois deveré haver um consenso prévio: qualquor’ afirmacio s6 sera verdadeira conforme as regras de um sisi tema. Parafraseando Plato, nesse novo contexto intelectu: verdad das; falso € aquele que diz como no foram acordadas. As verdades “fortes”, tinicas e incontroversas, néo possuem lugar’ ante a necessidade do consenso. A determinagdo do aleance de qualquer termo depende de um acordo entre os membros da comunidade. Na teoria do conhecimento, dizer que a verdade é abso~ luta é nao admitir os diferentes sistemas existentes, os diferen- tes pontos de referéncia. A verdade muda conforme o contex: to, de tal forma que s6 é possfvel pensar em algo “absoluto”, no sentido de atemporal e aterritorial, se adotarmos a filosofia do ser, de tradicéo grega. Assim é a visdo de Flusser, quando fade." Como ha uma multipli de linguas, a realidade é relativa - relativa a cada lingua, ou relativa conforme cada sistema linguistico. Nao h uma mesma realidade para os diferentes idiomas, e néo h4 uma mesma realidade juridica para os diferentes contextos juridicos. Ter mos como ‘receita’ ou ‘tributo’ podem ter significaga Direito Tributério deveras divergente do Direito Ci Direito Financeiro. Para que se possa esperar um consenso sobre determinado conceito, ha que se estabelecer primeira- mente sobre qual contexto se aplica, em nome de qual realida- de se esté falando. : Importante ainda dizer: no caso do direito, a verdade 6 valor inaplicavel. As decis6es dos Tribunais Suy res, quan- do discorrem sobre “o que diz a lei”, tratam da validade das interpretagdes dos termos, e nunca da verdade. Dizer que algo € verdadeiro ou falso é papel da Ciéncia do Direito, que des- creve seu objeto (direito). 6. CE, Vilém Flusser, Lingua e realidede. 2 ed. Sio Paulo: Annablume, 2004, passim. € odiscurso que diz as coisas como foram acordi» ‘TRIBUTAGAQ: DEMOCRACIA E LIBERDADE, 1.2. Nossa realidade é feita de linguagem Para conhecer € preciso representar. Para representar, é preciso linguagem.” Essa representacéo através da linguagem_ mostra que nao descrevemos propriamente a realidade, mas sim a constituimos®: que sao 0s dados brutos, para nés, senao ‘0 que conhecemos, ou seja, sua representagao, 0 cosmos lin- guistico? Esté posta, portanto, a necessidade da compreensao da linguagem’, que é nossa forma de constituigao (e descons- tituigdo) do mundo. Arealidade do direito é assim. $6 existe pela linguagem, mas agora com uma diferenca espeeffica: linguagem juridica, competente segundo as regras do sistema normative. Nao existe direito fora da linguagem juridica, ou, nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho”, 0 real juridico “é construido pela linguagem do direito positivo, tomado aqui na sua mais empla significacio, quer dizer, conjunto dos enunciados prescritivos emitidos pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judi pelo Poder Administrativo e também pelo setor privado”. Nada existe sem linguagem, nem existe direito sem lin- guagem juridiea, Conforme Clarice von Oertzen de Araiijo”, “a linguagem incl e entre as instituigdes resultantes da vida FG Widn Fie Linge ved io Pe Anau 20 shel toria da lt ito designos) 9. Esclarecemos que a linguagem é a somatéria da lingua (conjunto de: 8 aaa shatsaling: Angunce cig cma total ‘rin timano stn tno pa omar Sn ete end te Susur, Camo de ioe a in oh enoas eho aes 08 Buon ie Eliot naa bi. 50 ‘brats array md, 28 Sto Po Noses 20 seo Oezen de rai Sein do it So Puls arr ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA B LIBERDADE em sociedade. O direito é apenas uma das formas sociais ins+ titucionais que se manifesta através da linguagem, a qual possibilita e proporciona sua existénci Interpretar é construir o sentido a partir do contato com 0 objeto. £ atribuir valor. A linguagem, como visto, é inafasté+ vel, posto que participa da constituigéo do objeto: construimos sentido com o uso de nossa lingua. 1.3. A dificuldade em se determinar conceitos A linguagem natural é mareada por problemas seman- ticos flagrados nos coneeitos, seja porque estes podem representar varios objetos ou por ndo terem seu sentido. delimitado. Luis Alberto Warat” discorre sobre estes dois problemas semAnticos: a ambiguidade e a vaguidade, presentes na sig- nificacéio que criamos ao entrarmos em contato com qualquer signo lingufstico. Tais problemas so 0 que chamamos de ruidos comunicacionais, e podem embaracar e dificultar a comunicagao. A ambiguidade ocorre quando nao sabemos quais das duas ou mais significagées que podemos construir a partir do texto é a melhor para utilizarmos em dado contexto. Ja a vaguidade ocorre por inexisténcia de parametros (convengées) para sua denotacao. Hé ambiguidade quando se lé “tributo”, pois a palavra pode ser conectada a diferentes significados, ‘Tributo como relagao tributdria? Como relagio financeira? Como dinheiro? E h4 vagueza quando se utiliza “tribut podendo a classe denotar varias espécies de exacdes. Qual tributo? Imposto? Taxa? Contribuicdo de melhoria? 12. Luis Alberto Warat, O Direito e sua Linguagem. 28 ed, aumentada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 76-79. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, Na lingua portuguesa, como em todas as outras néo- -formais, néo hé uma tinica palavra que s6 tenha um sentido, em especial quando usada coloquialmente. Nem ha, sem prévia convengao, duas ou mais palavras que signifiquem exatamen- te a mesma coisa. S6 encontraremos sindnimos perfeitos em uma linguagem totalmente artificial, que nao sofra a influéncia de contextos pragmiticos: é 0 caso da légica formal. ‘Tais rufdos comunicacionais sempre permanecem nas linguagens nao formais, mas podem ser diminufdas por um conjunto de palavras maior, em que cada uma somaré critérios de-uso e restringiré a possibilidade de elementos serem inclui- dos. Com a excecao da Légica, nao existe na linguagem a cer- teza da luz e do creptisculo. Morris R. Cohen alerta sobre conceitos extremamente vagos, que “engolem seus negatives”, como realidade, expe- riéncia, existé: e universo.” Exemplos no direito positivo “seguranca juridica”, valores que, por caracteristica, sao is e por isso mesmo, mais facilmente manipulaveis. ‘A penumbra, assim, passa a dar maior liberdade a inter- pretacao do utente, revelando-se mais permeével & influéncia das ideologias, Para Cohen, a eficiéncia da lei depende de con- ceitos cada vez mais definidos, mas que trazem a maldicéo do legalismo inadequado e perigoso."** 13, Morris R. Cohen, Concepts and Twilight Zones. In: Journal of Philosophy 24, N.25, p, 673-683. New York: The Journal of Philosophy, 1927, p. 678. 14. No original: Hard and fast rules also depress social initiative and make legalism a curse. Ibidem, p. 15, Da mesma forma pensa Arthur Kaufmann: Os conceitos juridicos indeterminados deixam uma margem de livre apreciagdo e oferecem a possibilidade de se terem em conta as particularidades do caso concreto, ‘mas existe 0 perigo do arbitrio e da inseguranca juridica, Filosofia do Direito. 3* ed. Preffcio ¢ traducdo: Antonio Ulisses Cortés. Lisboa: Bd. Calouste Gulbenkian, 2008, p. 150. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE A possibilidade de significagao dos termos, que poderli_ ser dbvia ~e talvez necessaria para a seguranca juridica ~ ¢ indissociavel dos valores. Trata-se, portanto, de um problemi enorme: a definicao de conceitos depende de ent E assim perduram os problemas, buscando bal tem a nossa interpretagao. Soma-se ainda a dificuldade das diferengas de definicd pela forma e pelo uso: uns pelos acordos sobre as caracteristi cas (0 relogio deve possuir de dois a trés ponteiros), 0 pelos acordos sobre as fungées (0 relégio deve marcar as horas), As grandes discussées em matéria tributaria levadas a08 Tribunais Superiores versam sobre conflitos decorrentes di interpretacdo dos conceitos utilizados no gozo da competéncia para instituir e, principalmente, para cobrar tributos. Taig demandas decorrem tanto das diversas definigdes que se atri- buem aos conceitos nos varios ramos do direito, como aconte- ce entre direito tributario e direito privado, nos conceitos de servigo, receita, faturamento, folha de salério, propriedade, mereadoria e também dentro do préprio direito tributario, ‘como se deu com a determinacao do coneeito de insumo para aincidéncia da contribuicao PIS/COFINS, em muito diferindo daquele utilizado para a incidéncia do IPI. Em matéria tributéria, a regulagao da intertextualida- de se concentra apenas nos conflitos gerados por conceitos, tendo em vista duas areas diferentes do direito, no mesmo ordenamento", pelo artigo 110 do CTN”, determinando o 16. Afirmamos ser o direito um sistema tinico, cuja divisio se apresenta com fins exclusivamente didéticos. Nao se pretende aqui contradizer tal afirmacio, ‘mas apenas confirmé-la, visto ser o direito um corpo tnico de linguagem, ‘mas que, por ser prescritivo, estd regulado pela logica dedntica, submetendo, ‘suas proposicées aos valores de validade e invalidade e permitindo, com isso, a presenga de contradicbes em seu interior, o que nia se poderia conceber ‘com a Ciéncia do Direito. 11. Art. 110, CTN~ A lei tributaria ndo pode alterar a definicéo, 0 conteside 0 alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE respeito aos conceitos de direito privado quando esses forem previstos constitucionalmente. A dificuldade esta em determinar quais conceitos de di- reito privado foram determinados constitucionalmente, para atribuigao das competéncias tributarias e como se da esse processo. £ 0 que tentaremos desenvolver deste ponto em diante. O termo “definigdo” seré aqui encarado como uma cate- goria l6gica: a compreenstio do aspecto seméntico de um termo ocorre quando estamos aptos a incluir objetos nesta classe (pelos seus eritérios) e distingui-lo de outros objetos (que néo possuem as caracteristicas exigidas). A criagao de um nome para uma classe, nesse pensamento, se assemelha a definicao. A palavra torna-se inteligivel gracas a outras palavras contidas em nossa experiéncia colateral. Para delimitar uma ideia é preciso fixar os critérios de uso da palavra que repre- sentam essa ideia. Ou seja, inicialmente temos uma palavra que representa um conceit. Posteriormente, buscamos quais, palavras podem ser associadas aquela palavra-conceito, para assim definirmos 0 conceito. Podemos definir um termo de duas formas: ao indicarmos os critérios de seu uso (definigdo conotativa ou intencional), ou a0 indicarmos os objetos significados pelo termo (definicéo extensional ou denotativa)." Fica clara, aqui, a utilidade entre estudar a légica das classes para a definigdo de conceitos. Vale lembrar que, como os “esclarecimentos” relativos a uma ex- presso so também outros termos que precisam ser interpre- tados, contextualizados e compreendidos, as elucidacées séo expressa ou implicitamente, pela Constituigéo Federal, pelas Constituigées: dos Estados, ou pelas Leis Organicas do Distrito Federal ou dos Municipios, para definir ou limitar competéncias tributarias. 18. Guibourg, Ghighliani e Guarinoni, Introducién al conocimiento cient{fico, 3*ed. Buenos Aires: Eudeba, 1998, p. 41-42. ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE plicatum s6 existe na légica formal. O termo é uma representagao de suas caracteristicas Ganhamos com isso uma certa praticidade por nao termos quie exibir, a todo tempo, tais caracteristicas. Mas esta substituigo do definiendum pelo definiens tem um prego. E, justamente, a néo-visualizagéo completa de todos os detalhes das notus definidoras.'* Como em uma molécula, 0 acréscimo ou deerés~ cimo de um atomo torna-a uma espécie totalmente diferente, A diferente interpretacao do termo “prestagao”, “pecunidria “compulséria” etc. pode também diferenciar uma prestacio tributéria de uma obrigagdo sem essa nota. Assim, além de no sabermos quando a palavra “tributo” se refere & norma, pectinia ou a receita, ainda ha termos como jue nao constitua sangao de ato ser elucidados. Observamos que a Constituigdo de 1988 possui poucos conceitos juridicos tributarios. Dentre eles encontramos “nao -cumulatividade” (art. 155, §2°) e “imposto” (art. 145, §19). As especificidades da maioria dos termos foram deixadas para 0 legislador infraconstitucional, no ambito tributério, o CIN (por isso, tido como um cédigo “didatico”). E claro, nao € porque certos coneeitos nao estdo definidos que nao conse- guimos emitir juizos sobre ele ~ nossa experiéncia colateral © permite ~ mas quanto mais palavras, menor a zona de pe- numbra, como dito antes. Por fim, vale lembrar nao ser possivel dizer que o sentido esti no texto; a lei é somente 0 suporte fisico, de onde surgirdo as interpretagées do hermeneuta em contato com esse supor- te. Nem é possivel, por isso, a “extracao da esséncia do text: 19, “Palaveas so uma coisa no lugar de out Paulo: Annablume, 2004, op. cit, passim. 1", CE. Vilém Flusser. 2% ed. Sao itadas, e esta equivaléncia “pura” entre explicandum @ ea "TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE JA que 0 “espirito” do texto nao esté escondido nas marcas do papel. Toda subsuncdo equivale a interpretacao, que equivale & tradugao. O direito nunca é somente aplicado, ele é interpre- tado, traduzido. H4 mais do que mera aplicago: hé uma cria~ cio. 2, INTERTEXTUALIDADE ENTRE SISTEMAS JURIDICOS 2.1. O sistema juridico cria sua(s) prépria(s) realidade(s) Sistema é 0 conjunto de elementos que possuem uma ou mais caracteristicas identificaveis em todos eles e que mante- nha um minimo de organizagao estrutural. Para Tarek Moysés Moussallem: “o sistema (classe - extenso) existe onde seus elementos (denotagao) s4o proposigées preenchedoras do cri- tério de pertinéncia, estipulado pela conotagao, as quais, por sua vez, mantém relagées de subordinagao e coordenagio”.” 0 direito positivo é um sistema autopoiético”, por pro- duzir seu proprio modo de criacao e organizacao, sendo aut6- nomo em relacdo ao ambiente que o cerca, ou seja, aos demais sistemas sociais e nao aceitando inclusao de esquemas de forma natural, sem que sobre essas inovacdes possa exercer sua forca. Nao ha como negar a comunicacao estabel sistema normativo e os demais sistemas sociais, j4 que ao di- reito incumbe a tarefa de propiciar a vida em sociedade, ao imprimir os valores que considera necessérios aos seus indi duos; 0 que nao se afirma, com isso, é que essa intertextuali- dade intersistémica ocorra de forma indiscriminada, num ire vir de conceitos e valores, sem regras ou procedimentos, 20, Revogagdo em matéria tributéria. Sdo Paulo: Noeses, 2005, p. 127 21, Vide Niklas Luhmann, Social Systems. Stanford: Stanford University Press, 1995. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, ‘Trabalharemos aqui com questées de intertextualidade intrassistémica”, ou seja, a conversacdo entre subsistemas de um mesmo sistema. No que diz respeito ao seu aspecto regu- lador 0 direito € monolégico porque nao permite a concorrén- cia de nenhuma outra forma de comando, sempre asseguran- do a sua prépria prevaléncia.* Ainda que as varias areas do direito formem uma sé rea- lidade, as peculiaridades de cada ramo podem definir de forma diversa o sentido de uma mesma palavra. ‘Culpa’ no Direito Penal se subdivide em ‘dolo eventual’, ‘culpa consciente’ e outras categorias necessdrias para o rigor da dosimetria da pena. No Direito Civil, ndo ha a necessidade desta diferencia- ‘cao. No Direito Tributério, a palavra ‘propriedade’, no momen- to da incidéncia dos impostos sobre a propriedade, nao costu- ma ser tratada com o rigor do Direito Civil, que diferencia 0 termo de ‘posse’, ‘usufruto’ ete. 2.2. Existem limites a interpretacao? O intérprete parte do texto para construir os contetidos de significacao. Se o suporte fisico apresenta problemas que dificultam essa construgao, a possibilidade de dois ou mais intérpretes terem uma discussao proveitosa referente ao texto se torna impossfvel, visto que cada intérprete estabelecer premissas muito diferentes para seu raciocinio. Ao intérprete, éntretanto, ¢ imposta restri¢ao nos limi- tes do que pode atribuir aos conceitos, limites impostos a fim de garantir um minimo de consenso viabilizador do eédigo comum no processo comunicacional. Fabiana Del Padre , ainda, a intertextuslidade intersistémica, compreendida pela conver istema jurfdico e dos demais sistemas sociais, que se relacionam com o direito, entretanto. 23, CE. Clarice de Araiijo, Incidéncia juridiea: teoria e critica, p. 15-16. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE ‘Tomé* e Tarek Moysés Moussallem®: assumem que ha uma liberdade estipulativa, porém limitada pelos horizontes da cultura. O direito positivo, por meio de regras de estrutura, limita a atividade do intérprete/aplicador. Por isso nao € qual- quer sentido que pode ser atribuido as palavras e, se assim fosse, de nada valeriam os textos legais. Ao direito cabe estabelecer os limites dessa intertextualida- de, mediante a edigao de normas que determinem a forma como a intertextualidade pode/deve atuar no ordenamento juridico. A mais comum das normas de estrutura que expressa a interlex- tualidade em matéria tributaria 6 a das regras de competéncia. Afirmando essa limitagdo que vem o artigo 110 do CTN. As. normas de intertextualidade sempre devem ser postas pelo jogo juridico, é regra do jogo de fundamental importancia e, como tal, ‘no poderia se apresentar de modo diverso do nivel constitucional. Cada ramo do direito faz parte de um mesmo todo, rece- bendo nomes especificos para facilitar a andlise e aplicagao de textos jurfdieos, conforme as pretensdes e 0 uso que se faz deles. Assim, alguns conceitos podem ser utilizados/definidos em varios desses ramos, de acordo com 0 que cada um deles pretende regular. Indispensdvel, entretanto, reforcar a ideia de que todos esses “direitos” formam uma s6 realidade. O que se hé de ter em foco sao as peculiaridades de cada um, influen- ciando, muitas vezes, de forma diferente, a atribuico de sen- tido para um mesmo conceito. Desse modo, para fins de tributacdo, poderao ser utiliza- dos conceitos jé insertos em outras areas do direito, seja do 24, Vilém Flusser © 0 Constructivismo Légico-Semdntico. In: Florence Haret; Jerson Carneiro (coord,). Vilém Flusser e Juristas: comemoracao dos 25 ‘anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Sio Paulo: Noeses, 2009, p. 339. 25 Interpretagdo restritiva no direito tribuldrio. In: Priscila de Souza (Coord). Direito Tributério e os Conceitos de Direito 'Sa0 Paulo: Noeses, 2010, p, 1215-1216, ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, direito privado (cfvel, trabalhista) ou de direito piblico (admi- nistrativo). E, na opinido de Heleno Taveira Torres, “quando a lei tributdria nao dispuser de modo diverso, os institutos, conceitos e formas de outros ramos do direito serao preserva- dos nas suas caracteristicas originais”. Essa atividade, no entanto, se opera em constante trans- formacao, de ordem pragmatica, exigida pelo proceso evolu- tivo a que todo e qualquer organismo est submetido. 2.3. Conceitos, intertextualidade e hierarquia das normas Como visto, os textos normativos estao em constante relagdo, como elementos que sao do sistema jurfdico. A ma- neira como essas relagdes ocorrem é que sofre variagbes. Ha relagées entre dispositivos hierarquicamente dispostos, de- nominadas de subordinacéo, como também as mantidas entre diplomas de mesmo patamar, chamadas de relagdes de coordenagio, porque as normas inferiores tém a fungao de conferir positividade as suas superiores, e quanto mais raso for seu nivel, maior o grau de coneretude que essa norma ira usufruix, de modo que a regra inferior sempre sera mais precisa que a superior. Disputas assim fazem parte do cotidiano juridico. Como salienta Tacio Lacerda Gama”, “as diividas relativas a incidén- cia de normas tributédrias, com muita frequéncia, séo resolvidas por atos infralegais —regulamentos, portarias, atos interpreta- tivos — que positivam o sentido mais analitico do texto, se comparado aquele posto de forma sintética pela lei”. 26, Boa-fé e argumentagéo na interpretagio das normas tributdrias. In: Direito ‘Tributario e os conceitos de direito privado. Sao Paulo: Noeses, 2010, p. 56-557. 27, Sentido, consisténcia e lagitimacdo. In: Florence Haret; Jerson Carneiro lém Flusser e Juristas: comemoracéo dos 25 anos do grupo de le Paulo de Barros Carvalho. Sao Paulo: Ed. Noeses, 2009, p. 246. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Se por um lado o ato infralegal atribui sentido ao legal, da mesma forma que a lei atribui sentido & Constituigao, 6 em consequéncia da amplitude, prépria das normas constitucio- nais, 6 que muitas vezes nao ha como estabelecer prontamen- te quais conceitos foram definidos e quais estéo & parte da definigéo da Carta Maior. Haver, contudo, esse didlogo sempre presente entre as normas dos mais diversos niveis hierdrquicos, relagéo tanto possivel como inerente a propria linguagem juridica, o que nao nos autoriza conchuir, de modo algui, que, ao estabelecerem tais relagdes, com a justificativa de outorgar precisao e concre- Ao as normas superiores, as inferiores alterem seu conietido. Isso porque sabemos que as normas infraconstitucionais nao podem alterar o sentido e aleance daquelas postas na Carta Magna, em virtude de a regra do jogo do ordenamento exigir obediéncia & hierarquia das normas, conforme seja seu con- tetido, e 0 veiculo que a introduz no sistema, critérios material e formal, respectivamente, fornecer fundamento de validade para sua criacao. 24. O que 6, afinal, intertextualidade? Intertextualidade ¢ conceito original da Linguistica, cuja adaptacao € promovida nos mais diversos sistemas comunica- cionais, como € 0 caso do direito. Isso é intertextualidad xagao dos conceitos, conforme sua incorporagao ao sistema linguistico. Desse modo, José Luiz Fiorin* complementa: “o real se apresenta para nés semioticamente, o que implica que nosso discurso ndo se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos, que semiotizam o mundo. Essa relacao entre os discursos é 0 dialogismo”. A construcao de um texto sempre ser consequéncia da soma de varios outros textos, de 28, Interdiseursividade e intertextualidade. In: Bakhtin — outros coneeitos- -chave. S40 Paulo: Contexto, 2010, p. 167. ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE modo que o dialogismo se apresenta entre os discursos, mesmo que 0 locutor seja o mesmo nos dois textos. Importante ressal~ tar que no direito essa sobreposi¢ao de textos ¢ limitada pelo préprio sistema, como é estabelecida, por exemplo, na regra do artigo 110 do CTN. A ntertextualidade 6 equivalente & dialogia”, a troca de enunciados entre os discursos, entre as enunciagées entre o eu eo outro. A intertextualidade pode atuar na produgao dos textos sob varios aspectos: (i) no contexto; (ii) quanto as vozes; ¢ (iii) na comunicacao. Quanto ao contexto (i), ha dialogismo entre o texto atual, o que se est4 produzindo, com seus antecessores, que contribuem para a produgao de enunciados, sendo eles concorrentes ou estando em dissondncia. Nesse aspecto, 0 dialogismo equivale a uma pesquisa cientifica, em que 0 pes- quisador sai em busca de material j4 elaborado sobre seu ob- Jeto de estudo, sobre os quais vai construir seus juizos favora- veis ou contrarios, agrega esses novos conhecimentos aos seus anteriores e produz um novo texto sobre o assunto. Uma dis- sertagao de mestrado 6 6timo exemplo dese tipo de dialogismo. Aintertextualidade se apresenta de duas formas: (i) entre 08 textos produzidos no interior do sistema jurfdico e (ii) entre 08 textos do sistema jurfdico e dos demais sistemas sociais. A classificagao apresentada segue o padrao daquela pro- posta por Paulo de Barros Carvalho: intertextualidade no dit is bem caracteristicos: (i) e: ito se apresenta em dois, ‘itamente jurfdico; que 29. O coneeita de intertextualidade foi desenvolvido a partir das obras de Bakhtin, Ocorre que em seus escritos no hé sequer uma mengio do termo, fazendo com que os estudiosos de sua teoria tenham optado por equiparar 0s conceitos de dialogia e intertextualidade. Vide José Luiz Fiorin. Interdit cursividade e intertextualidade. In: Bakhtin ~ outros conceitos-chave. Sia Paulo: Contexto, 2010. ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, se estabelece entre 0s varios ramos do ordenamento[...}€ (i) o chamado juridico em acepgéo lata, abrangendo todos, ‘ossetores que tem o direito como objeto, mas o consideram sob 0 Angulo externo, vale dizer, em relagdo com outras propostas cognoscentes.” ‘Ao direito cabe estabelecer os limites dessa intertex- tualidade, mediante a edigdo de normas que determinem a forma como a intertextualidade pode/deve atuar no ordena- mento juridico. 2.5. Os limites da cultura Dentre 0s conceitos que a Semistica trabalha, nos aproveitaremos da experiéneia colateral, a intimidade prévia com aquilo que o signo denota e que esta contida na nossa cultura. E a zona de intersecgao entre 0 ja conhecido eo que pode ser conhecido, Sem a minima experiéncia colateral nao € posstvel a produgao de significacao", pois a compreenséo da mensagem pressupée tal série de associagées (um cédigo em comum). Logo, toda vez que um signo desencadeia em nés a producao de sentido, interpretamos conforme nosso contexto. 0 uso de um termo pela comunidade juridica depende da definigao de conceito de outros termos que o circundam. Por isso, nao hé texto que no sofra influéncia do contexto. Mesmo em uma equago que nos soe basica, como “1 + 1”, num Ambito bindrio é igual a 10 e nao 2. Enesse sentido Arthur 30, Diveito Tributério— Linguagem ¢ Método. 3 ed. Sao Paulo: Noeses, 2010, p. 195. 31, Lucia Santaella, A teoria geral dos signos. So Paulo: Cengage Learning, 2008, p. 36. Invocando Peirce, a autora completa: “na medida em que ointer- pretante é uma criatura gerada pelo préprio signo, essa criatura recebe do Signo apenas o aspecto que ele carrega na sua correspondéncia como objeto tendo todos 0s outros aspectos do objeto que o signo no pode recobrir”. ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Kaufmann ensina: “Apenas na perspectiva do roubo agravado se pode pér a hipétese de que o Acido cloridrico seja uma “arma”. Oconhecimento do dado é linguagem, depende do reper- t6rio do sujeito cognoscente. Quanto maior o conhecimento, mais linguagem se pode produzir sobre o dado, mais eomplexo e detalhado seré 0 fato. Arepresentagao depende do sujeito cognoscente, das suas impress6es acerca do evento, o que implica afirmar que nao hé uma verdade real, o que se tem so aspectos de vista sobre um mesmo objeto. Essa traducio depende de dois corpos linguisti- cos: o da linguagem social e o da linguagem juridica. A compra de um imével ocorre no contexto social, um evento, e seré tra- duzido para a linguagem juridiea, formando fatos juridicos de diferentes naturezas: (i) 0 registro piblico exigido nas formas da lei; (ii) os direitos de propriedade; (iii) a relagao tributaria com tributos devidos pela transmiss4o do bem; como se vé, indimeros recortes podem ser feitos de uma mesma ocorréncia. Nota-se que, mesmo com a preservagao do texto (em sen- tido estrito), a sociedade, em continuo processo de evolucao, pode, em dado momento, atribuir novos sentidos a antigos textos. A manutenedo, nesse caso, é exclusiva da sintaxe, enquanto a se- manticaea pragmatica estdo sujeitas a continuas transformagées, em caso de mudancas no contexto (texto em sentido amplo). E impossivel que a norma geral enumere todos os acon- tecimentos por ela previstos, determinando que o aplicador realize nova interpretacdo a cada norma criada. Nao hé como conceber o fechamento absoluto dos tipos ou dos conceitos, de modo que cada decisao devera levar em conta todo o sistema juridico, ¢ nao somente uma norma isoladamente posta. 32, Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito. 38 ed. Proficio e tradugio: Anténio Ulisses Cortés. Lisboa: Ed. Calouste Gulbenkian, 2009, p. 145. 33. Neste sentido Rodrigo Dalla Pria pugna por ura novo plano de interpretacio, ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, 2,6. Regulacao da intertextualidade ea divergéncia de conceitos A indeterminagao dos conceitos juridicos é problematica enfrentada e reconhecida pela mais larga doutrina, Daniel Mendonea é claro ao afirmar que “aceitar que toda expresso linguistica possui sempre uma zona de incerteza, ndo implica conceder que nunca possui uma zona de certeza’.** Negar a existéncia desta implicaria em uma linguagem sem regras, nem limites, cujos utentes nao conseguiriam manter um mfnimo de comunicagao. Como visto, nao bastasse 0 uso de alguns conceitos pelo sistema juridico de forma diferente dos outros sistemas, dentro do proprio ordenamento essa diversidade é muito comum. Isso porque, do mesmo modo como o direito recorta da realidade social apenas os aspectos que sdo relevantes para a incidéncia normativa, aos diversos ramos do direito essa relevancia, ou seja, esse recorte, também pode ser diferente de uma norma para outra. O coneeito oscilara de acordo com a realidade ju- ridica em que estiver inserido. Nao € correto dizer, entretanto, que, em determinadas circunsténeias, ha desacato aos conceitos de outros sistemas; a atividade construtiva do direito consiste em recortar a reali- dade sob o aspecto que Ihe importa, atribuindo a esse recorte valores inerentes & propria atividade jurfdica. Cabe ao aplica- dor precisar 0 sentido das proposig6es normativas, limitada essa atividade exclusivamente pelo contexto juridico, imposto pelo direito positivo. ‘oda norma em sentido concreto, ou “SS”, onde o juz reinterpreta o sistema jjuridico para construir a sentenca. Cf. Constructivismo Juridico e Interpre- tagéo Coneretizadora: Dialogando com Paulo de Barros Carvatho ¢ Friedrich Miller. In: Derivagéo e positivacao no direito tributdrio. Sao Paulo: Noeses, 2011, passim. ‘94. Interpretacién y aplicacién del derecho. Almeria: Universidad de Almeria, 41997, p. 31 ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Essas regras nao sao impostas por critérios pré-fixados, mas dependem dos contextos em que estao inseridos os textos, visto ser 0 consenso delimitador do contexto, e em virtude de as decisées (re)contextualizarem as normas juridicas, ou seja, sdo regras de uso da linguagem juridica. Como dissemos linhas atrés, a realidade jurfdica incide sobre a realidade social, mas com ela nao coincide. Dessa afir~ macio, podemos formular 0 raciocinio de que os conceitos juridicos podem ser nao somente mais abrangentes ou restri- tivos que os sociais, como ainda poderao deles divergir: eis a autonomia da linguagem juridica! Do mesmo modo essa divergéncia poder ocorrer in- ternamente, ou seja, no universo do direito positivo, consi- derado aqui um dado ordenamento, que regula as agées de uma sociedade, historicamente situada no tempo e no es- paco, sobre o qual nao hé como se garantir a auséncia de contradigao.** Nao ha conceitos da realidade que se sobreponham ao juridico. Em outras palavras, um conceito jurfdico pode se desprender da realidade. A propria incidéncia juridica, con- forme Clarice Aratijo, é uma operacao de traduedo do meio social para o universo juridico. Em suas palavras: “Também para o universo juridico a realidade em si e a verdade absolu- ta so inarticulaveis, apenas idealmente desejaveis, aleancadas em medida aproximativa, limitada pela observacao e confor- macao que-essa linguagem confere as consciéncias de seus operadores e ao préprio mundo”. 35. Visto ser a linguagem juridica predominantemente preseritiva de con- dutas, e nfo deseritiva da realidade social, nao sendo submetida & lei légica da ni contradigéo. 36. Clarice de Aratjo, Da ineidéncia como traduedo, In: Florence Haret; Jer- ‘son Carneiro (coord.). Vilém Flusser e Juristas: comemoracao dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Sao Paulo: Ed. Noeses, 2008, p. 160, ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, Sendo o direito positive um corpo linguistieo que, para existir, se utiliza de termos da lingua portuguesa e, em alguns casos, até de linguas estrangeiras”, cujo nticleo de sentido j& se encontra incorporado a sociedade, tradicionalmente 0 sen- tido dos seus termos sera aquele mesmo utilizado na linguagem social. Até ai nao ha grande polémica. O problema inicia quan- do a atribuicao de sentido dos textos jurfdicos envereda para definices completamente dispares das tradicionais. Nesses casos, em que o legislador nao queira se utilizar do sentido “comum” ou “vulgar” concernente a um conceito, este (0 legislador) deveré fazer a ressalva. Isso implica afirmar nao haver uma atribuicao de sentido diferente do tradicional, seja ele mais restritivo ou ampliativo, que se dé de forma implicita. Luis Eduardo Schoueri é pontual ao fazer refletir sobre 0 tema: “entende-se caber ao intérprete verificar seo legislador levou em conta, ou néo, a estrutura de direito privado, na de- finicdo da hipétese tributéria. O legislador é livre para se vin- cular, ou no, as formas daquele.”™ A partir da anélise dessa divergéncia encontrada no nosso ordenamento, podemos concluir sobre a possibilidade de um conceito sofrer variacoes, de abrangeéncia, em virtude dos valores que pretende proteger. ‘Apresenga de conceitos com significados variantes dentro do mesmo ordenamento se dé pela forma como a intertextual dade se apresenta no sistema juridico, endo o torna inconsis- tente. A consisténcia do ordenamento juridico é conferida pela 31. *O fato de uma decisio judicial conter trechos escritos em lingua e5~ trangeira nao justifica a sua anulagio. Ainda que 0 artigo 156 do Cédigo de Processo Civil estabeleca que € obrigatério, no proceso, o uso da lingua nacional, é preciso verificar se as passagens em outro idioma prejudicaram. ‘a compreensio das partes quanto a fundamentaco do julgador.” (BRASIL. ‘Tribunal Superior do Trabalho. Trechos em lingua estrangeira néo inva- lidam deciséo judicial. Noticias do Tribunal Superior do Trabalho. 21 set 2011. Disponivel em: . ‘Acesso em: 29 set. 2011, p. EN). 38. Direito Tributdrio, Séo Paulo: Saraiva, 2011, p. 614. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE exclusividade na modalizagao de cada conduta: se obrigatéria, nao pode ser proibida; se permitida de nao fazer, nao pode ser obrigatéria de fazer. A logicidade do discurso normativo esta na regulacdo de condutas e nao de univocidade de sentido. 3. APLICACAO DA INTERTEXTUALIDADE EM CONCEITOS JURIDICOS TRIBUTARIOS, Exporemos agora trés exemplos de conceitos utilizados de formas diversas, variando de acordo com 0 subdominio jurfdico a que se referem, para demonstrar como 0 contexto influencia as relagées intertextuais entre as normas postas pela legislagao que regulam o instituto, uma breve exposigiio sobre as formas de uso e, ao final de cada t6pico, decisio judicial reconhecendo as dessemelhancas. 3.1, Receita 0 Cédigo Tributario Nacional de 1966 (art. 110), recep- cionado pela Constituigao da Reptiblica de 1988, profbe que conceitos do “direito privado” sejam modificados pelo direito tributario. A Constituigao (art. 195) autoriza a criacdo de con- tribuicdes sociais incidentes sobre o faturamento das empresas. ‘Jé a Lei 9.718 (arts. 29 e 3°, § 19) equipara “faturamento” a “receita bruta”, que é a totalidade das receitas auferidas pela pessoa juridica e, por tiltimo a Emenda Constitucional 20 alte- ra a Constituicao, incluindo a possibilidade de se tributar néo somente 0 faturamento, mas também a receita. A celeuma foi levada até a mais alta corte do Poder Judi- idrio por intimeros processos que visavam a declaragéio de inconstitucionalidade do dispositivo®, com a justificativa de 39. Nao é0 problema se tratar agora, mas se questionou também a const cionalidade da Lei 9.718/98, pois a EC 20/98, que atribuiu a Unio competéncia ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, sero faturamento um conceito de direito privado, especialmen- te do direito comercial, acolhido pela Constituigéo da Repiibli- ca para repartir a competéncia tributéria entre seus entes — mais especificamente no que tange & competéncia da Unido Federal para instituir contribuig6es sociais para o financiamen- to da seguridade social. O total do faturamento como base de célculo vem da ideia de emitir faturas. Dessa forma, hd incidéncia apenas sobre as receitas decorrentes de vendas de mereadorias e/ou prestagdes de servico. Jé a receita bruta engloba todas as entradas da pessoa juridica, independente de serem provenientes de venda de mereadorias e/ou prestacées de servico. O Supremo Tribunal Federal acabou declarando a in- constitucionalidade do art. 3°, I da Lei 9.718/98, por eleger a receita bruta como base de célculo das contribuigées sem que houvesse previsdo na CF/88 para tanto, sendo deseabida sua posterior “constitucionalizacao” pela edicao da EC 20/98."° Elis os dois limites presentes. Quanto a hierarquia das normas, limite sintatico, a reconfiguracao da definicao do con- ceito de faturamento tem como consequéncia a ampliagao da competéncia tributdria. Quanto aos limites da cultura, salvo expressa determinag4o constitucional em sentido contrario, o préprio legislador usou da linguagem do direito privado, onde 0 faturamento néo incluia receita bruta. para tributar a receita das pessoas juridicas (¢ no apenas o seu faturamento), foi publicada posteriormente a edigSo da Lei 9718/98. CONTRIBUICAO SOCIAL ~ PIS ~ RECEITA BRUTA ~ NOCAO - INCONSTITUCIONALI- DADE DO § !" DO ARTIGO # DA LBI N. 9.71998. (..)¥ inconstitucional 0 § 1° do artigo 3° da Lei n. 9.718198, no que ampliow 0 conceito de reecita bruta para envolver a tolalidade das receitas auferidas por pessoas iuridicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificagéo contabil adotada. 40, RE 390.840, Relator Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno,julgado em 09.11.2005, Dy 15.08.2008. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA B LIBERDADE Neste caso, dois pontos séo igualmente importantes de serem levantados: (i) reeeita bruta e faturamento sao termos equivalentes? (ji) onde encontramos a definigéo de cada um. desses termos? Nas situagdes em que o legislador inova a realidade juri- dica nao somente por inserir em seu ambiente novas normas, que se voltam & prescrigéo de condutas, mas, também, por alterar a realidade social, independente de haver nela um con- senso relativo aos seus conceitos, a interpretagao dos textos normativos se mostra facilitada. Desse modo, para duas classes serem consideradas iguais, ou seja, regidas pelo principio légico da identidade", todos os, elementos inseridos em uma também devem estar presentes na outra classe, e o mesmo raciocinio se dé para os elementos que dela estejam excluidos. ‘Trazendo para a situagdo analisada, a receita bruta so- mente poderia ser utilizada para fins de incidéncia da contri- buigao Previdéncia Social acaso as situagdes abarcadas por esse conceito fossem exatamente as mesmas abarcadas pelo conceito de faturamento; entretanto, nao é a conclusao obtida, quando feita sobre o assunto, uma anilise mais detida. A outorga de sentido aos textos juridicos serd sempre 0 resultado de atividade interpretativa e, como visto, embasada ¢ limitada por seu contexto. Em matéria tributéria, 0 préprio artigo 110 do CTN salienta a preocupagéo em limitar 0 contet- do da norma posta, que ignora 0 conceito de direito privado. O Ministro Cezar Peluso apresenta 0s requisitos para a interpretacao das ordens normativas, ao dizer: “quando nao haja conceito juridico expresso, tem o intérprete de se socorrer, para a reconstrugao semantica, dos instrumentos 41, Pela regra légica da identidade, uma proposicao implica sempre em sim ‘mesma (pp), ou seja, antecedente e consequente séo identicos, equivalentes. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, disponiveis no préprio sistema do direito positivo, ou nos di- ferentes corpos de linguagem.”” Com isso, podemos afirmar que a Constituigdo pode nao trazer definigdes para seus conceitos, como regra, mas, por representar 0 ponto mais alto do ordenamento juridico, deve- 4 apresentar corpo linguistico harménico, proporcionando instrumental para que se definam os conceitos nela inseridos, mantendo o discurso coerente e, por mais que nao apresentem definigdes expressas de seus conceitos, conferiré ao intérprete, aplicador e ao legislador infraconstitucional os limites de uso de seus termos. Assim baseou-se 0 Ministro Marco Aurélio ao proferir seu posicionamento: “No meu vote, parti da premissa de que a base de incidéncia jé esta definida na Carta da Replica, ou seja, o faturamento. E se jd esta definida na Constituigéo Fe- deral, nao hé a exigibilidade do instrumental especifico, que é a lei complementar.”* Decorre desse raciocinio a impossi dade de o legislador infraconstitucional fazer equivaler, a0 exercera competéncia de tributar, faturamento as receitas brutas, visto o préprio limite constitucional imposto, cujas classes contém elementos diferentes, motivo pelo qual no se podem equiparar. 42, Recurso extraordinério n. 390.840/MG. Relator: Ministro Mareo Aurél Tulgamento: 09 nov. 2005. Orgao julgador: Tribunal Pleno. Publicagio: DJ 15 ago, 2006. 43. Entretanto o procedime ‘com esta compativel, 6 recebida pelo novo ordenament revogada, ou, 0 que déna mesma, perde seu fundamento de advento da referida Emenda a competéneia da Unido fora constitucionslmente alargada, garantindo ao legislador ordinério a elaborago denova exasa0 que incluisse a receita bruta como hipétese de incidéncia tributaria. BRASIL. ‘Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinario n. 990.840/MG. Relator: ‘Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 09 nov. 2005, Orgao julgador: Tribunal leno. Publieago: DJ 15 ago. 2006. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, Essa foi a solugao dada pelo Supremo Tribunal Federal ao decidir restringir 0 alcance do termo receita bruta para todas as demais exages que se utilizem do terme, garantindo a obediéncia aos limites da distribuicao de competéncia dos entes tributantes. Disso néo se conclui, todavia, pela impossibilidade de a Unido poder tributar receita, mas, para fazé-lo, é evidente, deveré guiar-se pelas regras impostas pela Constituigao da Repiiblica, isto é, o legislador constituinte atribuiu a ela (Unido) a competéncia para tributar as situagdes configuradas como receitas, 3.2. Tributo Parte da doutrina diz nao ser de bom tom: que a lei traga a definigao de conceitos. Para Luciano Amaro, “definir e clas- sificar os institutos do direito é tarefa da doutrina. Contudo, em 1966, recém-editada a Reforma Tributdria traduzida na Emenda n. 18/65, 0 Codigo Tributério Nacional adotou uma linha didética na disciplina do sistema tributério, insistindo, ao longo do seu texto, na fixagao de certos conceitos basicos”. E para Geraldo Ataliba, falando sobre o conceito de tributo: “Evidentemente, nao é funcdo de lei nenhuma formular con- ceitos teéricos”.* A explicagao baseada na falsa ideia da doutrina como fonte do direito, prestigia 0 doutrinador como se legislador fosse, como se;elegido pelo povo, pudesse preserever condutas. Ou, por outro lado, como se a lei, 20 definir conceitos, pudesse alterar a realidade social (ndo-juridica) pelo simples dizer, como se nossos deputados e senadores fossem deuses. 44, Luciano Amaro, Curso de direito tributério, 154 ed. Séo Paulo: Saraiva 2009, p. 19. ‘roo: Sarai 45, Geraldo Atlib, Hipitete de nidéncia tribudra, ed, So Pal: Ma Iheiros, 2004, p. 32. . —— al ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE O rufdo comunicacional causado pela adogao do mesmo suporte fisico para diversos significados pode ser percebido em varias passagens do texto legal. Sem qualquer explicacao, poder-se-ia ler: “o tributo tributa, tributando tribute”. 0 mesmo termo, no exemplo, pode ser visto como norma jurf- dica, como relagao juridica, como procedimento e como quan- tia em dinheiro. Neste momento é proposta a investigacdo das notas de- finitérias do conceito de tributo em ambito tributério e em direito financeiro. Tal aviso ¢ imperioso, ante dois artigos da década de 60 que podem interferir no trabalho, quais sejam 0 art. 3° da Lei 5.172/1966 (definigdo do conceito de tributo em ambito tributario), e 0 art. 9° da Lei 4.320/1964 (definicao do conceito de tributo em Ambito financeiro). Como norma financeira, 0 tributo é visto como receita derivada do poder de império do Estado, o “produto da arre- cadagao dos tributos”. E 0 tributo como pectinia, nao em am- bito tributério, mas financeiro. Os sujeitos da relagio juridica nao mais sdo o Contribuinte e o Fisco, ¢ sim os diversos agen- tes da Administracéo Publica. A caracterizacao do tributo como “receita” tem sua re- gulamentagao em normas de reparti¢ao das receitas tributarias, constantes na Secao VI do Sistema Tributario Nacional (arts. 157 a 162). No art. 9° da Lei 4.320/1964, encontramos uma de- finigao do conceito de tributo em ambito financeiro. Dentro do sistema do direito positivo brasileiro, ha sepa- ragdo entre o sistema financeiro ¢ o sistema tributario.* Con- tudo, uma possivel aproximagao aparece com a Lei Comple- mentar 101/200, a Lei de Responsabilidade Fiscal: Art. 11. 46. Marco Antonio Gama Barreto néo faz a diferengs entre sistema fiman- ceiro e tributério. E, eom isso, nao considera a supressio do art. 9° da Lei 4.320 pelo art. 3° do CTN, como se alei posterior tivesse revogado a anterior, ‘mas sim, entende que sao complementares e coexistentes. “Ocorre que ‘nao vislumbramos a possibilidade de emissao de ato de fala revogador com ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestao fiscal a instituigao, previsao e efetiva arrecadagéo de todos os tributos da competéncia constitucional do ente da Federagéo. A LRF se preocupa com a responsabilidade desde a instituigéo até os gastos publicos. Contudo, ainda assim nao se pode dizer que ha uma juncdo entre os dois sistemas, porque (i) a Consti- tuigdo, de maior hierarquia, separa o sistema tributario do fi- nanceiro, e (ii) a LRF apenas se preocupa com normas tribu- tarias para a responsabilizacdo em Ambito administrativo, sem levar em conta a relagao com os Contribuintes, sujeito essencial em uma relacdo tributéria. Allei que trata da elaboracdo e controle dos orgamentos balangos dos entes federados mostra os tributos como espé- cie de receita. Sobre receita (para fins orgamentarios), Aliomar Baleeiro dispée: As quantias recebidas pelos cofres puiblicos sao generica- mente designadas como “entradas” ou “i todos esses ingressos, porém, constituem receitas publicas, pois alguns deles nao passam de “movimentos de fundo”, sem qualquer incremento do patriménio governamental, desde que esto condicionados a restituicao posterior ou representam mera recuperaco de valores emprestados ou, cedidos pelo governo.” 0 objetivo da Ciéneia do Sistema Finaneeiro 6 entender de onde vémde que forma e para onde vio os ingressos pti- blicos. “Tributo”, neste ambito, é tratado essencialmente como uma espécie de receita, base na comparagiio entre os artigos 3#do CTN e da Lein. 4.320 de 1964, pois 80 CIN nio declarou expressamente revogado oreferido artigo i) oartigo ‘® nao apresenta incompatibilidade com o artigo 3%; ¢, ii) o CTN nao regulou inteiramente a matéria de que trata a Lein. 4320 de 1964”. Oconceito de tributo no direito brasiletro, Dissertagao de mestrado. Sio Paulo: PUCISR, 2008, p. 90. AT. Op. cit, p. 116. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, Questao que vem & tona, em seguida, é saber se pode surgir uma nova relacéo tributaria através de uma financeira, se ha mescla neste momento: e se o dinheiro arrecadado com uma contribuigao nao for para sua destinagao legal especifica Pode o contribuinte repetir 0 “indébito”? Ainda que de formas diferentes, muitos doutrinadores entendem que a destinagdo legal nao s6 é relevante para a determinacdo da espécie tributéria, mas também para seu controle. Mesmo Marco Aurélio Greco, que nao admite ser possivel a devolucao do produto arrecadado, entende que a tredestinagao e a ndo-aplicacao institucionalizadas dos recur- sos por meio da anélise da execucdo da lei de diretrizes e da lei orcamentaria, segundo critérios que extrai da lei de respon- sabilidade fiscal, pode levar ao reconhecimento da inconstitu- cionalidade da contribuigao inaplicada nas finalidades consti- tucionalmente previstas em relacdo a exercicios futuros.* Pensamos que a destinacao relevante para a caracteriza- co de um tributo 6 somente a “destinacao normativa”, onde se especifica a finalidade na prépria norma que institui o tri- buto. No momento de elaboragao da lei, a contribuigao é ne- a previsdo da destinacao legal, pois ¢ critério para exerefcio de tais competéncias. Mas todo 0 resto é posterior e irrelevante para a natureza juridica dos tributos. A repetiga0 do indébito s6 seria possivel, assim, pelo desrespeito ao pres- suposto (falta de norma de destinag4o no momento da institui- cao, que implicaria na inconstitucionalidade da norma), mas no pelo desrespeito ao regime juridico a ser adotado. 48, Para o autor, a correta ou incorreta aplicacéo dos recursos ¢ evento superveniente & incidéncia da norma, pois € evento estranho & norma tribu- ‘aria, Com o pagamento, dilui-se o vinculo entre o montante individual pago a inaplicacée parcial do conjunto de recursos. Por isso, entende no ser possivel a repetiedo pela tredestinagao. Em busca do controle sobre as Cide’s. In: André Mendes Moreira; Antonio Reinaldo Rabelo Filho; Arménio Lopes Correia (org.).Direito das telecomunicagdes e tributagao. Séo Paulo: Quartier Latin, 2006, passi ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Tanto a Constituigdo (art. 165 ¢ incisos) quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal exigem responsabilidade na gestdo fiscal. Mas essas normas sao voltadas para a Administragao, € nao para a relacao Fisco-Contribuinte. Mesmoa Lei Orcamen- téria Anual, ato do Poder Executivo, em nada prevendo a destinacdo, ndo gera direitos ao sujeito passivo da obrigacao de ressarcimento. ‘Também nao pensamos que a nao-aplicagéo dos recursos arrecadados pode levar ao reconhecimento da inconstitucio- nalidade da exacdo em relacao a exercicios futuros, pois é norma que obriga somente a autoridade administrativa, esobre la recai o controle da aplicagao dos tributos. 0 fato juri tributario é 0 registro em linguagem competente da ocorréncia da hipétese, e no o cumprimento, por parte do Estado, dos fins das contribuigées. Vale por fim discorrer sobre a ADI 2.925-8/DE, que tema seguinte ementa: ADI 2925/DF-DISTRITO FEDERAL. ACAO DIRETA DE. INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. ELLEN GRA- CIB. Relator p/ Acérdio: Min. MARCO AURELIO. Julga- mento: 19/12/2003. Orgéo Julgador: Tribunal Pleno. LEI ORCAMENTARIA ~ CONTRIBUIGAO DE INTER- VENCAO NO DOMINIO ECONOMICO - IMPORTACAO B COMERCIALIZACAO DE PETROLEO E DERIVADOS, GAS NATURAL E DERIVADOS E ALCOOL COMBUSTI- VEL - CIDE - DESTINACAO ~ ARTIGO 177, § 49, DA CONSTITUICAO FEDERAL. & inconstitueional interpre- tacdo da Lei Orgamentéria n. 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de erédito suplementar em rubrica estranha a destinagdo do que arrecadado a partir do disposto no § 48 do artigo 177 da Constituigio Federal, ante a natureza exaustiva das alineas “a”, “b" e “c” do in- ciso II do eitado paragrafo. A Ministra Ellen Gracie anotou em seu voto que a con- tribuicao é espécie tributéria “caracterizada pela finalidade de r ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, sua instituigao e nao pela destinagao da respectiva cobranca”."” De fato, a acepeao que qualifica uma contribui- cao é a previsao em lei da “destinagao normativa” do produ- to da arrecadacéo no momento da instituigdo do tributo. O sistema do direito tributario trata dos momentos pré-exacio- nal, exacional e executivo. Nada tem que ver com questées orgamentarias. E, se por um lado a tredestinagao nao da direito a repe- tigdo do indébito, tampouco a alocagao em fundos préprios para 0 qwantwm arrecadado com as contribuigées. Carlos Vel- oso se pronunciou: Evidentemente que ndo estou mandando o Governogastar ‘A realizagdo de despesas depende de politicas ptiblicas. O que digo é que o Governo no pode gastar 0 produto da arrecadagio da CIDE fora do que estabelece a Constituigo Federal, art. 177, § 40, Il. Noutras palavras, 0 Governo so- mente poderé gastar o produto da arrecadacao da mencio- nada contribuicéo no que esta estabelecido na Constituicao, art. 177, § 49,1" ‘Nao hé possibilidade juridica no direito brasileiro para a repeticao do indébito tributario quando da tredestinacdo de um tributo. E nao dizemos isto com alegria, j4 que seria uma excelente forma de pressio da populagao quanto aos gastos piblicos, mas sim com tristeza, em virtude da falta de meios legais para este controle. Fica 0 governo federal, dessa forma, livre para transformar contribuicdes sociais em impostos nao compartilhades entre os outros entes federados. E, quanto ao desvio de dinheiro pelo agente ptiblico, limitado a responsabi- lidade funcional. 49, ADI2.925-8/DE Relatora: ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/12/2008. Or- gio Julgador: Tribunal Pleno. Publicagao: DJ 04-03-2005. PP-00010. EMENT. ‘VOL-02182-01. PP-00L12. LEXSTF v.27, n. 316, 2005, p. 52-96. 50. Ibidem, p. 178. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE Celso de Barros Correia Neto", ao criticar adivisao entra Direito Financeiro e Tributario, confirma o tratamento dife- rente dado as disciplinas: Derresto, € curioso observar que o rigor dos limites definidos faz da arrecadacéo um elemento externo em relagdo a0 \ario. De fato, ao se definir o pagamento como ite do Direito Tributario, fica evidente que as receitas auferidas nao estéo contidas nessa disciplina: so consequéncias externas e alheias. Tanto assim que, om ‘comentario Carta Constitucional de 1967, Pontes de randa afirma, como a verve que lhe é propria: “O orgami tonao da destinacdo aos impostos, dé destinagio a rec Extinta a relago Juridica tributaria pelo pagamento o q) vem depois compete a outras instancias do Direito e nao mais a0 regramento dos tributos. As receitas tributarias seriam, destarte, uma consequéncia fética que decorre da um estado de coisas externo que se pro- Com isso, fazemos os seguintes questionamentos: € pos- sivel a diferenga do conceito de tribute em Ambito tributério e i jovamente pelo enfrentamento das questées ide intrassistémica. As peculiaridades das diferengas estao postas em normas da mesma hierarquia (Lei 4.320 e Lei 5.172). Além disso, tratam de Ambitos diferentes. (Direito Tributério e Orgamento Puiblico). Isto traz duas con- sequéncias visiveis: a primeira é de que a destinagao nao faz parte da defirticao do conceito de tributo em Ambito tributario, © que poderia caracterizar o Fundo de Garantia por Tempo de Servico um tributo.* O segundo é que a mé versacao do tributo 51. O avesso do tributo: incentivos reniincias fiscais no direito brasileiro, ‘Tese de doutorado. Sao Paulo: USP, 2013, p. 51. 52. A par do préprio autor do Cédigo Tributério Nacional, Rubens Gomes de Sousa, ter se pronunciado pela natureza tributéria do FGTS ‘reza tributdria da contribuicéo para o FGTS. In: Revista de Direito Pabli 11. Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971, p. 317), o STF julgou pela ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, pode responsabilizar a gestio fiscal do Estado, mas nao dé direito ao contribuinte de repetir o “indébito” 3.3. Insumos 0 terceiro problema proposto trata da definigéo do conceito de insumos para a ndo-cumulatividade da Contri- buicdo ao Programa de Integracao Social e de Formagéo do Patriménio do Servidor Publico e da Contribuicéo para Fi- nanciamento da Seguridade Social (PIS/COFINS), e para a nao-cumulatividade do Imposto sobre Produtos Industriali- zados (IPI). Na sistematica da tributagao, ha tributos incidentes em uma operagiio, como os sobre a propriedade, e outros depen- dentes de uma série de etapas anteriores para que possam ser exigiveis, como os decorrentes da produgio ou das receitas de uma empresa, chamados de tributos sobre valor agregado. No Brasil, o Imposto sobre Veiculos Automotores (IPVA) é exem- plo do primeiro caso. IPI e PIS/COFINS, do outro. Aos tributos incidentes sobre atividades decorrentes de etapas, criou-se a “nao-cumulatividade”, com 0 fito de onerar apenas o que for agregado. A ndo-cumulatividade é um termo com definigdo de conceito da propria Constituigéo Federal: a0 ‘menos para o IPI, diz. que seré nao cumulativo, compensando-se 0 que for devido em cada operacdo com 0 montante cobrado nas anteriores. Abase de céleulo é 0 valor final menos os tributos pagos nas etapas anteriores. Paulo de Barros Carvalho” afirma que a ngo-cumulatividade é um limite objetivo que visa realizar 0 ‘natureza trabalhista (RE 11.249/SP - Tribunal Pleno~ Rel, Oscar Correa ~j. 01.12.1987 - DJ 01.07.1988). 58. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributdrio, linguagem e método, 3 ed. ‘Sao Paulo: Noeses, 2010, p. 256. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE. valor da justica tributaria, para que o impacto da percussao ndo provoque distorgées. Ela funciona para determinar 0 mon- tante a ser recolhido através do tributo, gravando apenas a riqueza agregada ao bem ou servico.* No IPI, a nao-cumulatividade é baseada nos insumos da produgao: bens e servicos ligados ao produto final. O fabrican- te pode “se creditar”, ou seja, diminuir sua carga tributaria com 0 que foi pago anteriormente, desde que os insumos inte- grem ou sejam utilizados no processo produtivo. Por exemplo, gua para fazer um refrigerante, querosene como solvente na indtistria quimica. Agua e querosene, se utilizados como fonte de energia para fazer o mesmo refrigerante, nao se enquadram na definigao de insumos. E de se notar que o insumo pode ter conceito mais abran- gente, como tudo aquilo que se utiliza dando como finalidade 0 produto ou servico, objeto da atividade empresarial. Confor- me a definicao de Eduardo Marcial Ferreira Jardim®, seguin- do a semantica de Antonio Houaiss, insumo deriva de input, designativa de tudo aquilo que entra conjugada com 0 vocabu- lo patrio “consumo”. Equipamentos, capital, mao de obra e energia, componentes ligados a produgao de bens ou servigos, estariam abrangidos pelo conceito. Mas nao no IPI. Frontalmente temos uma divergéncia: bens e servigos utilizados na produedo ou fabrieacdo de bens nao so, neces- sariamente, matéria-prima, Aqui o mesmo eombustivel serve para descontir eréditos de PIS/COFINS. Apés a apuracdo de todas as receitas, é realizado 0 abatimento do montante do crédito correspondente as aliquotas incidentes a titulo das contribuigées. 54, André Mendes Moreira, A ndo-cumulatividade doc tributos. Séo Paulo: ‘Noeses, 2010, p. 61, 55, Eduardo Marcial Ferreira Jardim, Dieionério de direito tributdrio. S50 Paulo: Noeses, 2011, p. 224. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, A questo, nesse caso, envolve sisteméticas indepen- dentes, sem qualquer relacdo de subordinagao entre elas. Séo contextos que no devem se influenciar, mesmo porque cada um possui sua prépria regulamentagao e, neste caso, uma norma ndo afasta a outra, do mesmo modo que no traz para sia aplicacdo do que regula no caso de um tributo. Nas palavras de Bakhtin™, sao partes de um mesmo todo que nao se comunica Oconeeito de “insumo” aplicavel ao PIS e& COFINS vem sendo, pouco a pouco, alterado pela jurisprudéncia. A definigao que, até recentemente, era bastante restrita comega a tomar forma mais préxima do amplo conceito de “custo de produgao de bens e servicos” constante no Regulamento do Imposto de Renda - RIR, em especial nos artigos 290 e 299, que ineluem todas as “despesas necessérias a atividade da empresa e & manutengio da respectiva fonte produtora”* Paralelamente a esta definigao de conceito, surge doutri- na e jurisprudéncia concordando que os insumos do IPI nada tem que ver com os do PIS/COFINS, e pouco se parecem com 05 “insumos do Imposto de Renda”, néo contemplando todas as despesas dedutiveis neste imposto.* 36, Mikhail Bakhtin, Bstétca da Criagto Verbal, Tredugio de Maria Erman tina Pereira, Editora Martins Fontes, 1997, passim. 57. O Conselho Admini tivo de Recursos Fiscais j4 (CARF) julgou da se- guinte forma; (Jo termo “insumo”utlzado paraocéleulo do PIS e COFINS no cumulativos deve necessariamente compreender 0s custos despesas peracionais da pessoa juridica, na forma definida nos artigos 290 289 do RIR.99 e néo selimitar apenas ao conceito trazido pelas nstrugses Normati- vasn, 247/02 e 404/04 (embasadas exclusivamente na inaplicévellegislagéo do IP), BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiseais, Recurso Voluntério', 39.519/RS. Process0. 11020,001952 2006-22. Sulgamento: 08 dez. 2010, Orgiojulgador: Segunda TurmaSegunda Camara Edigor 17 jan, 2011, 58. E 0 que se lé no STJ, na minvta de voto do Ministro Mauro Campbell Marques (Recurso especial n. 1246.317-MG): “4, Conforme interpretacéo teleologicae sistematiea do ordenamento juridico em vigor, @conceituacéo ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA B LIBERDADE, Dadas as materialidades diferentes (industrializagao, receita e renda), impossfvel equipararem insumos sem que se perea na compreensao de tais tributos. No caso do PIS/CO- FINS, 0 termo “insumo” nao indica uma substancia em si”, constante em uma lista especifica, mas na relacdo com a forma que a receita é adquirida. Nao ha uma forma comum a que se devam submeter & determinacao do que venham a ser insumos para todos os tributos sujeitos a sistematica da ndo-cumulatividade. “A ex- pressio insumo deve estar vinculada aos dispéndios realizados pelo contribuinte que, de forma direta ou indireta, contribua para o pleno exereicio de sua atividade econémica (industria, comércio ou servigos) visando a obtengao de sua receita”, nas palavras de Fabio Palaretti Calcini.” A limitagdo do sentido construido inauguralmente por uma norma se daré apenas em fungio das outras normas pre- sentes no ordenamento, com sentido contrario, que lhe sejam hierarquicamente superiores. de umes’, ara efeitos do at. 3,1, da et, 10.6972002, art. 351, da 1083872003, ndo se identica com aconcetuagioadotada na leysagag do Imposto sobre Produtos Industrializados ~ IPI, posto que excessivamente ‘att. Do mesma mo, no soeepene eatamente aos cnelo de ustos © Despesss Operacionai’utlivados na lgislagde do Imposto de Renda IR, por que demasiadamentelastoides”™ 5. Sho “insumos", para efeitos do art. 3, Il, da Lei n, 106972002, art. 8, 1, da Lei n, 1088872003, todos aqueles bens eserviges pertinent a0, ou que viabilizam o‘processo produtivo e a prestacao de servigos, que neles Possam ser dretaouindiretamente empregadosecjasubtragio importana Impossibildade mesma da prestagao do servigo ou da produgi, isto 6, caja subtragho obsta a tividade da empresa, ou implica em substancal perda de ‘qualidade do produto ou servige dat resullantes. 58. Vide Natanael Martins e Daniele Soato Rodrigues A evolugto do conceto de insumo relacionado & contibuigio ao PIS e& COFINS. In: PIS ¢ COFINS 2s spre do Cnelho Adninstative de Resuron Pia 60. PIS e COFINS. Algumas ponderagdes acerca da ndo-cumulaividad. In: Revista Dislética de Direto ributarion® 176 Sao Paul: Dialdic, 210.8 ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, Aquestao, nesse caso, envolve sistematicas independen- tes, sem qualquer relacéo de subordinacao entre elas. Sao contextos que ndo se influenciam, mesmo porque cada um possui sua propria regulamentagao e, neste caso, uma norma nao afasta a outra, do mesmo modo que nao traz para si a apli- cacao do que regula no caso de um tributo. Hé um género do qual ambas participam, mas que precisa ser especificado para que possam incidir. CONCLUSOES A verdade juridica é arrogante: juristas no séo meros descritores da realidade do direito, mas construtores criativos dela. Se a lingua € realidade, temos ao menos duas consequén- cias importantes: (1) como o direito € texto, é impossivel de ser interpretado sem contexto; ¢ (2) a teoria do direito é andlise da linguagem dos juristas.* A significagao de uma palavra depende da convencao que se faz com os outros participantes. O que se poderia cha- mar de acepcao “de base” é um uso mais intensivo de um termo do que outro, tal como os dicionarios se organizam. Disso néo se afasta que o direito, como lingua artificial, preci- sa dizer que uma palavra significa outra coisa que as acepedes existentes na lingua natural, e também dos limites do proprio ico (como a hierarquia das normas). O objetivo de se definir conceitos esta na redugao da vagueza/ambigui- dade dos termos, No que diz respeito & contribuicéo ao PIS/COFINS, & époea a tinica base de cdlculo possivel era o faturamento. Ini- cialmente, faturamento implicava a incidéncia apenas sobre 61. Gregorio Robles, O direito como texto: quatro estudos de teoria. comuni- cavional do diveito. Tradugao de Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 18. ‘TRIBUTACAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE, as receitas decorrentes de vendas de mercadorias e/ou presta- ges de servigo. Posteriormente, alargou-se 0 conceito, equi- parando-o a receita bruta, ou seja, todas as entradas da pessoa jurfdica, independente de serem provenientes de venda de mercadorias e/ou prestagées de servigo. Cremos que nao hé tal i lade. A questao da receita implica em. regras de com- peténcia tributéria, aumentando os poderes da Unido. Além disso, salvo expressa determinagao constitucional em sentido contrério, o proprio legislador usou da linguagem natural. Apalavra “tributo” possui diferente alcance a depender do subsistema tributério inserido, se no Direito Tributario ou no Financeiro. A destinagao, no subsistema tributério, é irre- levante para a caracterizacdo do tributo. Sem levar em consi- deracao a destinagao do quantum arrecadado como caracteri- zador da exacao tributaria, o Fundo de Garantia por Tempo de Servico (FGTS) pode ser considerado tributo. Outra demons- tracdo est4 na m4 versagao de uma contribuicéo social, que ndo da direito a repeti¢ao do indébito pelo contribuinte, mas responsabiliza o Estado. As definigdes de insumo podem variar, a depender do contexto (IPI, PIS/COFINS ou Imposto de Renda). Nao ha subordinacdo entre uma lei e outra. A mesma palavra possui sentido diferente, a depender do tributo. Logo, a intertextua- lidade é dentro do mesmo subsistema juridico, o tributario. A nao-cumulatividade é aplicada de forma diferente em ambos 05 casos, mas deverd ter 0 mesmo efeito, posto que de hierar- quia constitucional. De modo geral, podemos coneluir ainda que: (i) ole lador e o julgador sempre criam, contudo encontram-se in- seridos em determinado contexto lingufstico que nao pode ser ignorado; (ii) para um conceito evoluir e ser aceito, deve haver coeréncia e consisténcia, até sob pena de impossil tar a comunicacéo; (iii) um enunciado sempre é modulado pelo falante para o contexto social, histérico, cultural e ideo- ‘TRIBUTAGAO: DEMOCRACIA E LIBERDADE légico®; e (iv) conceitos nao podem ser simplesmente em- prestados de legislagées diferentes, de tributos com materia lidades diferentes. Nestes termos em que até o planejamento tributério € considerado crimideia, gracas ao paragrafo tinico do art. 116 do CTN, vale reforcar os limites & interpretagao das palavras, em especial em Ambito tributério, posto que o tributo eo Es- tado vivem uma relagio sinalagmatica. Ou isso, ou vivermos sob uma novilingua, sob ameaca de sermos eapturados pela Policia do Pensamento e trocarmos a liberdade e a democracia pela vigilancia do Grande Irmao.* {2 Mikhail Bakhtin, Estética da Criagdo Verbal, Traducéo de Maria Ermantina Pereira, Editora Martins Fontes, 1997, passim. 63. Termos constantes em 1984. Resumimos aqui para a compreenséo, ainda que com enorme perda literaria: Crimideia, jungéo das palavras “crime” € “dela”, € qualquer pensemento contrério aos interesses do Partido. Novilin- gua éa lingua corrente, mas numa versio reduzida e aprovada pelo governo. ’o, o Lider anipresente que vigia a todos.

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