You are on page 1of 5
Estudos de Secinloga, Rev. do Prog. de Ps-Gracuato em Sociologia da UFPE. v.14, 1p. 197-201 WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusao social: a exclusao digital em debate. So Paulo: Editora Senac Sao Paulo, 2006. 214 p. Micheline Batista Dez anos de pesquisas em paises como India, Brasil, Egito, China e Estados Unidos renderam a Mark Warschauer uma profunda reflexao sobre 0 uso das tecnologias de informagao e comunicagio (TIC) como ferramenta de incluso social. Em Tecnologia e inclusdo social, 0 autor nos mostra que no basta querer melhorar a vida das pessoas fornecendo computadores e conexdes & internet, Para que a tecnologia faga diferenga, é necessério levar em consideragiio 0 contetido, a lingua, o letramento, a educagiio e as estruturas comunitérias e institucionais A partir de sua experiéncia empirica ¢ fazendo uso abundante de raficos ¢ estalisticas geoccondmicas, Warschauer nos convida a repensar, em Tecnologia e inclusdo social, 0 conceito de exclusao digital (digital divide), muito relacionado 4 disparidade entre pessoas que tém € nao tm acesso a informatica ea imemet, “O acesso significative a TIC abrange muito mais do que meramente fornecer computadores ¢ conexdes a internet, Pelo contrario, insere-se num complexo conjunto de fatores, abrangendo recursos c relacionamentos fisicos, digitais, humanos ¢ sociais.” (p. 21). Jé na introdugao, 0 autor relata casos na india, na Irlanda e no Egito fin que v avesso ay novas tecuvlogies nao foi suficiente para acabar com a exclusio digital. Em Nova Délhi, india, crianges de rua passavam os dias desenhando ou brincando com jogos eletrénicos, pois, além de nao poderem contar com professores ou instrutores, a conexdoo por linha discada do telecentro montado em sua comunidade raramente funcionava. Também nio havia programas educacionais ou contetido especifico em hindi, a tnica lingua que elas conheciam. O exemplo indica claramente que problemas sociais n&io se resolvem com a equagaio hardware + software. E preciso focar nos sistemas social e humano, integrando a TIC em comunidades, instituigdes e sociedades. O que Warschauer prope é justamente a intersec2o entre a TIC e a incluso social. O livro parte da premissa de que a capacidade de acessar, 197 Nisheline Baits adaptar ¢ criar novo conhecimento por meio do uso da tecnologia de informagio ¢ comunicagdo é decisiva para a inclusio social na época atual. No primeiro capitulo, o autor nos lembra que o conceito de exclusio digital prosperou desde meados da década de 1990 até seu final, durante o boom da internet e das empresas pontocom. Naquele periodo, o conceito de exclustio digital enfatizava com freqiiéncia a necessidade de conectar as pessoas de qualquer mancira e a qualquer prego, para que no ficassem para tras. Era necessério transpor a linha divis6ria entre a antiga realidade ¢ a nova a fim de progredir. Depois da quebradeira das pontocom, no final daquela década, ‘© conceito de exclusto digital foi superado, uma vez que nos paises ricos ‘quem deseja um computador dispée de recursos ou meios para adquirir um; ou considerado algo irrelevante, jé que algumas pessoas que no tém acesso 4 internet podem no querer ou nao precisar desse servigo. ‘Apesar da faléncia das pontocom, € fato que a economia da informagdo cresceu repentinamente, trazendo aplicagdes da vida real bem sucedidas a0 comércio eletrdnico, ao governo eletrOnico e ao aprendizado reforgado pela intemet. Segundo Warschauer, o acesso a TIC, definido de modo amplo, pode ajudar a determinar a diferenca entre marginalizagdo e inchisi nessa nova era sacinecnndmica, que sigere a emergéncia de tim novo estigio do capitalismo global, designado por alguns analistas como pés-industrialismo (David Bell) ou informacionalismo (Manuel Castells). O informacionalismo representa uma terceira revolugdo industrial. A difusto do transistor, do computador pessoal ¢ das telecomunicagdes na década de 1970 mudou o esquema de produgo material para o processamento de informagSes @ provocou a expansiio de organizagSer industriaic baceadac em redes, resultando, assim, na ascensdo da globalizagdo socicecondmica Como era de se esperar, essa nova ordem acabou mexendo com os mereados globais. Os paises ricos ficaram mais ricos exportando bens ¢ servigos de alta tecnologia, enquanto os paises pobres concentravam sua produgdo em commodities primérias de baixo valor. Isso teria acentuado ainda mais a decigualdade global entre as pessoas. Como observa Warschauer, apenas as classes médias e alta nos paises ricos e a elite nos paises pobres, foram capazes de tirar proveito da revolugao da TIC, gerando um crescimento desigual tanto nos primeiros quanto nos segundos. © autor argumenta que ¢ essencial fazer parte dessa rede, nao apenas no sentido da incluso econdmica, mas para quase todos os outros 198 \WARSCHAUER, Mark. Tecnologie inclus3o ssc a exclu digital em debate aspectos da vida cotidiana. Isso inclui educagio, participasio politica, assuntos comunitérios, produgao cultural, entretenimento e interago pessoal. “Nenhuma dessas novas estruturas suplantou completamente as formas face a face da comunicag2o ¢ intera2o, mas elas as complementam como elementos fundamentais da pratica social.” (p. 51). Excluir as pessoas desse processo seria furté-las de exercer a plena cidadania, seja nos paises desenvolvidos ou em desenvolvimento, nas areas urbanas ou rurais, para objetivos econdmicos ou sociopoliticos. segundo capitulo Warschauer dedica aos modelos de acesso — equipamentos, conectividade e letramento, Ele diz que ¢ preciso ter “habilidades ¢ entendimento para utilizar 0 computador a intemet de modo socialmente vilido” (p. 55). O modelo baseado no equipamento apresenta falhas, uma vez que o custo total de posse vai além da compra de computadores ~ inclui os pregos dos softwares, manutengao ¢ periféricos, que precisam ainda ser renovados periodicamente devido & “obsolescéncia planejada dos produto”. Além disso, existem outras barreiras que promovem a desigualdade digital, como 0 acesso diferenciado via banda larga € 0 conteiida inadequado para as necessidades dos cidadaos de baixa renda. Warschauer afirma que @ questio da conectividade ¢ importante porque, sem ela, ndo ha acesso a intemet, mesmo que haja equipamento. ATV € 0 radio “sao iniiteis sem as ondas de radiocomunicagao”, compara. Mais @ frente, ele relaciona a difusdo da TIC @ importancia do acesso cletricidade, “A comparagio entre a difusto da TIC @ a eletrificagio interessante porque a eletricidade, como a TIC, abriu a porta para um novo estigio do capitalismo industrial” (p. 61). Assim como 0 servigo telefenico, que tornou disponivel um importante meio de comunicagao e é considerado lum recurso capaz de ajudar a superar desvantagens relacionadas & pobreza, desemprego e acesso a bens e servigos. Mas Warschauer insiste: “O que é mais importante a respeito da TIC nao € tanto disponibilidade do equipamento de informatica ou da rede de intemet, mas sim a capacidade pessoal do usuario de fazer uso desse equipamento ¢ dessa rede, envolvendo-se em praticas sociais significativas.” (p. 63-64), Eis 0 ponto central de sua argumentagao. “O letramento, como 0 acessoa TIC, incluiuma combinagao de equipamentos, conteido, habilidades, entendimento e apoio social, a fim de que 0 usuario possa envolver-se em préticas sociais significativas.” (p. 64). Letramento, aqui, significa mais do 199 ‘Micheline Bait que saber ler eescrever, significa também habilidade cognitiva para processar ¢ utilizar informagies. (Os recursos fisicos ~ computadores e conectividade — sito o foco do terceiro capitulo. Em agosto de 2001, eram cerca de 513 milhdes de pessoas no mundo conectadas a intemet, ou 8,4% da populagdo mundial. Hoje esse mimero ja ultrapassa a marca de 1,4 bilhdo (21,1% da populagdo), sendo 42.6 milhdes somente no Brasil". Warschauer coloca que, apesar do rapido crescimento no nimero deusudrios no mundo, ainda existe muita disparidade centre as regides. Isso envoive questdes de economia, infra-estrutura, politica, educagao e cultura, Enquanto nos paises desenvolvides 0 objetivo € prover servigo universal a intemet, assegurando que todas as pessoas tenhiam a oportunidade de ter conexo em casa, nas paises em desenvolvimento o desafio & prover acesso universal, garantindo que todas as pessoas possam fazer uso da internet, seja em casa, no trabalho, na escola ou em um telecentro comunitirio. Em qualquer um dos casos, para aleangar maior acesso fisico 4 internet é necessirio que haja disponibilidade de computadores, extensio € disponibilidade das redes de telecomunicagdes e centros piiblicos de aceseo Entretanto, como pontua Warschauer, computadores ¢ acesso & internet nio tém muita utilidade se nao hi contetido e aplicagdes que atendam as necessidades das pessoas. E 0 que 0 autor analisa no quarto capitulo. Em relagdo ao contetido, ele explica que as informagdes disponiveis tém que ser relevantes para o intemauta. Quanto mais préximas da sua realidade, melhor. Desenvolvimento econdmico, saiide pablica, educagao e cultura comunitéria so dreas que merecem atengio. E importante, ainda, a oferta de contetido para portadores de deficiéncia fisica. O inglés, 0 idioma native dos eriadores da intemet, é e continuard sendo por muito tempo ainda a lingua global, mas ¢ fundamental promover a diversidade lingiistica nos contetidos digitais. Os capitulos $ € 6 stio dedicados, respectivamente, aos recursos humenos — letramento ¢ educag&o —¢ sociais — comunidades ¢ instituigdes. ‘No chamado letramento informacional, sdo essenciais tanto o conhecimento especifico do uso do computador, com seus programas de navegagéo © " Intemet World Stats ~ Usage and Population Statistics. Disponivel em . Acesso em 30 jun. 2008 200 WARSCHAUER, Mark, Teenologi inclisdy sciel a ecto digital em debate mecanismos de busca, quantoashabilidades para localizar, avaliar, armazenar e utilizar as informagdes em um meio cada vez mais multimidia. Nesse cenério, é inegavel a influéncia do capital social (capacidade dos individuos de acumular beneficios através de relacionamentos pessoais e da associagao em redes) sobre 0 uso da TIC. O que Warschauer defende no sétimo iiltimo capitulo (conclusio) € a “integragdo social da tecnologia”, o que vai akém do conceito de exclusio digital. E muito mais uma questo de desigualdade digital, que precisa ser avaliada tanto nas situagdes em que a penetrago da internet é alta quanto em situagoes nas quals ¢ balxa € esta apenas comegando. Do pomo de vista tedrico, a exclusdo digital pode ser encarada de forma determinista ou neutralista (instrumental). Determinista porque a midia caracteriza a tecnologia como algo a parte da sociedade, como a televisto e 0 automével “Quantas vezes administradores ou patrocinadores formularam questoes a respeito do impacto da informatica sobre o aprendizado, sem consideracz0 alguma em rela¢do 20 contexto ou aos propdsitos com que os computadores sto utilizados?”, indaga Warschauer (p. 271), Na visdo determinista, a tecnologia é privada de qualquer conteiido ou valor especifico. E apenas uma ferramenta neutra. Nessa perspectiva, 0 ‘computador ndo é bom nem mau. £ apenas uma peca utilizivel para qualquer propésito, Para o autor, nem a visto determinista nem a neutralista oferecem uma explicagao satisfatGria para a integragiio social da tecnologia, “Talvez ‘© mais significativo scia que a informatica nfo pode ser entendida como uma ferramenta isolada, mas sim como parte de um pacote global.” (p. 275- 276). A funcao dese pacote seria reestruturar as comunicagdes e as relagdes humanas, no desafio de promover a incluso social. “As tarefas so imensas, assim como o desafio: reduzir a marginalizacdo, a pobreza e a desigualdade, e estender a inclusdo social e econdmica para todos.” (p. 289). Mark Warschauer € professor-assistente de educagao € de ciéncia da informacion & da compuntagha na Universidade da Califérnia, em Irvine, e editor fundador da publicag’o Language Learning and Technology. E autor de oito livros e mais de cem artigos acad&micos relacionados 20 uso da tecnologia para o desenvolvimento da educagio e da inclusdo social Tecnologia e inclusdo social foi originalmente publicado nos Estados Unidos em 2003, pela MIT Press. 201

You might also like