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A MEDICINA TROPICAL E 0 IMPERIO PORTUGUES EM AFRICA: DIALOGO ENTRE POLITICA, CIENCIA E MISTICISMO (1887-1935) Isabel Maria Amaral Introdugio A medicina tropical surge como disciplina auténoma na transigao do século XIX para o século XX, na Europa, fruto da intersec¢fio de um conjun- to de factores que envolvem fundamentalmente as agendas cientifica e poli- tica!, Por um lado, a especializagao das ciéncias bioldgicas (bacteriologia, parasitologia, entomologia), e a substituig&o de um saber médico livresco por um saber experimental, assente no microscépio; por outro, a corrida para Africa, no contexto do imperialismo europeu. Inglaterra assumiu um papel de lideranca na definigao da ideologia imperialista (imperialismo construtivo)? e como resultado fundou as primei- ras escolas de ensino e de investigacdo de medicina tropical da Europa: em 1898, a Escola de Medicina Tropical de Liverpool e em 18993 a Escola de Medicina Tropical de Londres‘. A estas se seguiram varias instituigdes con- géneres noutros paises europeus, entre os quais Portugal. A ideologia do projecto colonial fazia uso da medicina como variavel ctucial no sucesso da colonizagio do territério africano, no qual Portugal ee eee reece eb eee tee "Michael Worboys, ‘The emergence of tropical medicine: a study in the establishment of ascientific speciality’, in Lemaine G.; MacLeod R. and Mulkay M. (eds.), Perspectives on the Emergence of Scientific Disciplines, (The Hague: Mouton, 1976), 75-98. Michael Worboys, Science and British colonial imperialism, 1895-1940, (Dissertagio aS Doutoramento, Universidade de Sussex, 1979). Para um conhecime: i i dio consulte-se, Helen Power, nto mais detalhado sobre esta institui¢: € Tropical Medicine in the Twentieth Century — a history of the Liverpool School of Tropical Medicine, 1898-1990, (London: Kegan Paul, 1999). srt Atente-se na histéri édi itanic Lise Wilkinson e Anne Hardy, ria desta escola médica britanica em, : fase Prevention and Cure — The London School of Hygiene and Tropical Medicine, a 20th Century Quest for Global Public Health, (London: Kegan Paul, 2001). 4 132 A Outra Face do Império ~ Ciéncia, Tecnologia ¢ Medicina def algumas _posi¢des importantes, homeadamente em Ang, Mogambique, Cabo Verde, Guiné © S. Tomé e Principe’. Na cn ene Conferéncia de Berlim, ¢ sobretudo a partir da assinatura do ultimate i 1890, Portugal viu-se obrigado a considerar as varias Componentes da 2 nizagio para uma ocupagio efectiva das coldnias®. Como acontecey oe outras poténcias coloniais, a satide ocupava um Papel importantisgi = eficiéncia de uma colonizagao digna desse nome’. Isto era verdade — = possiveis colonos civis, que sabendo da insalubridade das ¢ Para og ‘ esos op : Oldnias se Tecy. savam em criar novos “brasis”, mas também Para os militares, que tinham efectivo das suas PossessGes para o qual era essencial o apo' co e experimental da medicina tropical (medicina especializada em doengas existentes nos trépicos)®, dado que a medicina generalista janido conseguia dar Tesposta € era necessario competir cientificamente com Os restantes paises no quadro da especializacaio médica. Os militares que tinham obrigatoriamente de viajar pelas colonias eram os Oficiais de marinha incluindo, naturalmente, os médicos navais'®, que a pouco e pouco sentiram necessidade de uma prepara- ¢40 mais consistente para sobreviverem as missdes militares em Africa. Neste contexto, surge em 1887, na Escola Naval, uma tentativa de ensino especiali- zado em matéria de “sobrevivéncia” nos trépicos. Era leccionada a disciplina de Higiene Naval, obrigatéria para médicos e alunos da Escola Naval, e ainda, a de Patologia Exética, apenas para médicos!!, A Medicina Tropical nao era leccionada nas Escolas Médicas do Pais, 10 a0 ensino teéri- * Martin, F. Shapiro, “Medicine in the service of colonialism: medical care in Portuguese Africa 1885-1974” (Dissertagao de Doutoramento, Universidade da California, Los Angeles, 1983). “Alexandre Valentim, Origens do Colonialismo Porrugues Moderno (Sa da Costa: Lis boa, 1979). : "Luciano Cordeiro, As Questdes Coloniais (Lisboa: Editorial Veja, s/d.). er 8 José de Magalhaes, “A Profilaxia das Doengas Tropicais em Campanha”, Ligao ° Curso de 1916-1917 da Escola de Medicina Tropical, separata da Medicina Contempo ranea (Lisboa: Tipografia Adolfo de Mendonca, 1917). ; ° David Arnold (ed.) Warm Climates and Western Medicine: The Emergence of Tropica Medicine 1500 1900 (Amsterdam: Rodopi, 1996). '° Em geral, 0s oficiais do quadro do Exército neste iltimo quartel do século XIX, eram voluntitios. " Pedro Lau Ribeiro, Emergéncia da Medicina Tropical em Portugal (1887-1902) (iiettacto de Mestrado, Faculdade de Cieneies ¢ Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2002). A Medicina Tropical eo Império Portugués em Africa 133 odo ques durante mais de quinze anos, esta foi a tnica forma de formar ge™ as especializados Para prestarem servico nas colénj nedic alguns médicos militares ainda se faziam senti « bri igido i sz do Felatorio redigido por Joaquim de Assungio Ferran, dircome de 19! 4 quem desconhecia por completo a higiene e a medicina tropi oP tempo de preparar-se para o seu bom desempenho”, 10 a jnteresses econdémicos e politicos estabeleceram uma alianca com jgactio cientifica neste campo da medicina, e, em 1902, foi criado 3 ive al Colonial ¢ a Escola de Medicina Tropical, em Lisboa? que funcio- Be mo hospital-escola: rot f criado junto do Hospital Colonial o ensino theorico ¢ pratico de medicina tropical, que serd professada era tres cadeiras: pathologia e clinica, hygiene e climalogia, bacteriologia e Parasitologia tropicaes, Este ensino tem por fim principal completar a educagao profissional dos facultativos dos quadros de saude das provincias ultramarinas € dos medicos navaes, por meio de ligdes theoricas seguidas de demonstragdes e exercicios praticos feitos nas enfermarias e laboratorios sobre todos os ramos da medicina tropical '4, Aescola foi criada com o objectivo de preparar os quadros médicos ¢ afins do Ultramar, bem, como os funcionérios e missionarios, cujo destino fusse Aftica. Era assim um centro de ensino ¢ investigacao especializado, reponsavel pela organizagao das misses de estudo nas colénias, como local privilegiado de estudo das doengas tropicais. O hospital funcionava constituia assim ndo sé um espago de tratamento dos funcionarios publicos que regressavam a metrépole doentes, mas também como espago de apren- dizagem e de investigagao clinica por parte dos docentes da Escola. Com a criagao desta instituigo estavam criadas as condigdes para tornar a medicina tropical uma area de especializagao médica’ ao servigo do Impé- 2 AN, Caixa N° 1668-1669, consultada em 2008, no Arquivo Histérico Ultramarino, “*tida por Pedro Lau Ribeiro na sua dissertagao de doutoramento (niio publicada). Aa Carlos, Carta de Lei de 24.4.1902; s.a, Instituto de Medicina Tropical — instru- Para o ano académico de 1951, Publicagao n° 1, (Lisboa, 1951); Joao Fraga de “Wg Cinquenta Anos de Actividade do Instituto de Medicina Tropical (1902- » (EMT: Lisboa, 1952); Pedro Abranches, O Instituto de Higiene e Medicina — tim século de histéria 1902-2002, (Lisboa: Celom, 2004). as et 224.4190, 7 cléusula. - Gomis “O Ensino da Medicina Tropical na Metrépole, iniciado em 1902" *, 39 20 Congresso do Ensino Colonial na Metrépole, Porto, 26-29 de Setem- 134 A Outra Face do Império ~ Ciéncia, Tecnologia e Medicina 0 de interesses entre a politica do Império, rio!’ numa conju; — : bioldgicas ¢ o misticismo inerente a cultura dog cit 'S Povo, lizagao das cién ocupados. & la medicina tropical — didlogo entre Politic, ae | A colonizagao portuguesa nos trépicos assume Contornos cient viragem do séc. XIX para o séc. XX, Em Portugal, as Preocupags, caracter cientifico no contexto médico sao apenas sentidas apés a “rev a bacteriana” iniciada por Ricardo Jorge, no Porto!”, e Camara Pestana, vad Lisboa's. A medicina tropical surgiria assim como especialidade médien apoiada na ciéncia experimental, de cariz Pasteuriano, e na Necessidade de afirmagao do poder Politico nas colénias Portuguesas. Os primeiros passos no ensino da medicina tropical foram dados na Escola Naval. A investi igagao era conduzida por Ayres Kopke, e seus colabo- radores, Gomes de Rezende e Correia Mendes. O tinico laboratério existente, que foi sendo melhorado desde a sua fundagdo, ainda assim nao satisfazia as necessidades crescentes das anilises solicitadas. Em 1901, por influéncia da Sociedade de Ciéncias Médicas de Lisboa, o Estado Portugués reconhecendo a importancia da realizac&o das’ missdes médicas nas colonias, enviou a Angola — a jdia da coroa do Império — a pri- meira missao de estudo da doenga do sono”, constituida pelos investigado- res mais conceituados no 4mbito da microbiologia e da medicina tropical no pais: Annibal Bettencourt, director do Real Instituto Bacteriolégico Camara Pestana, chefe da missio; Annibal Celestino Correia Mendes, médico do quadro de satide de Angola; Ayres Kopke, médico naval, director do labora- tério microbiolégico do Hospital da Marinha; e, ainda, José Gomes de Rezende Junior, médico militar do Real Instituto Bacteriolégico Camara Pestana, e Jodo Bras de Gouveia, preparador do mesmo instituto. A missio ee iio " Valentim Alexandre e Jill Dias, Nova Histéria da Expanséo Portuguesa. O Inpéro africano, 1825-1890 (Lisboa: Estampa, vol X, 1998), 7. "Isabel Amaral,"A influéncia Pasteuriana na obra de Ricardo Jorge e na emerg Medicina Tropical” in Isabel Amaral, Ana Carneiro, Salomé Mota, Victor Ma Borges, José Luis Doria (eds,), Percursos da Satide Piiblica nos séculos XIX e X\ Proposito de Ricardo Jorge (Lisboa: Celom, 2010), 135-144. my Camara Pestana e Annibal Bettencourt, “Contribuigiio para o estudo bacteriolégico 1p -Pidemia de Lisboa”, Revista dle Medicina e Cirurgia, |, 9 (1894): 306-319. o nents de 21 de Fevereirp de 1901, nomeanclo uma commissto ineumbida de es fe da em amineia a doenga do somno, devendo a mestna commisdo, durante a sun da em Africa, estudar Leen ‘ Se yer, Coot, wer “Suda a etiologia e transmissao da malaria, Didvio do Gove ficos ng 18 A Medicina Tropical ¢ 0 Império P ‘ortugués em Africa stituida fez escala na Mha do Prinei ” ‘onde permaneceu durante 15 tincine, ante para a misstio, dada ans. ‘bilidade de poder eatudar sob vive: 1s habitantes, ole uma decisio eminentemente a paragem na Iiha ter sido po dimensiia ea conse- com vat Ae de vista, a evolugdo Icdcia superior 4 que pode- jm con ified ente Po {a epidem a entre OS M corer em Angola, ‘A nomeagao desta missio foi . sienci precedida di de de Ciéncias Médicas i de um pedido ‘cos se colocaram ao a ao Governo nat ee pela tornar-se, também para ale la agenda colonial, uma a + no qual necessatio & que de Portu; en Ovo espaco de interv Smet ava P i gal parta uma expedicao cientifica. profis- tuida pot ae habituados a estudos, que Manette cientifica, consti- est cimento qu ae : 7 - es jarecime’ que Se a redundar n’uma questio d Tica diligencie um xiestio de interesse”™ . olde hhumanidade # uni para além do reconhecims 7 " : 7 ento da utilidad : dicina Tropical, n le da criagdo d ae ol6nias vomo fo Europa, bem como da realizagdo freee nas to reais com ae de utilizar in loco o laboratério natural da estilo i a a con ecimento dos resultados obtidos por esta fi as doen- sio portugl erdo sido determinantes na proposta de ci - ae mis- e e uma esco- Ia especializada em medicina tropical, em Portugal. rid socked vs mei partithanclo unna reteigle. enga do SOO pane 1: Imagens de indigenas de Angol: : m indumentarias rituais e apresentando s etiencour, ‘Anibal; Annibal Correia Mendes, Aytes Kopke ¢ José La maladie du Sommell, Lisboa, (Lisbon: bmprenst lo Libano ee enTEn EE Tenet » Miguel ee Bombarda, Sessto de 29 de Dezembr {ito pela Sociedade de Sciencias Medicas, a le Lishoa, 263-269. ig cay Bombard, Representagito diri mal da Sociedade de Sciencias ntomas de do rule Junior, Wa, 1908) presentago ditigida a0 g0- 0 de 1900, Re iencias Medi- Jornal da Socie «dade de mneias Medi- no pela Sociedade ke ipida ao gover shod, 64, 7-12 (1900): ‘Medicas de Lis 68, ia, Tecnologia ¢ Medicina ace do Império ~ Ci «ang easos elinicos observados © da investigagdo laboratory A partir dos ©: bui a doenga do sono a uma bactéria que designg oy efectuada, a miss ttca 9s resultados na imprensa nacional, Ag conclush r “hypnococos” & Pu doras para a missio portuguesa foram apresentagss suficientemente ae ujo contetido foi repro duzido parcialnen® on Contempordnea™. Em simulténeo, foi publicado um rela revista Med mpleto que incluia pegas anatémicas, culturas e py 2 rio’ mas eae edigao de luxo a expensas do Estado, e na Reviy, pio Irena de Medicina e Cirurgia Praticas, em 1902. A iitima versa Pr waited em francés, em 1903. Qualquer das duas ultimas edigdes indicia intengao de ostentar, interna € externamente, a competéncia Clentificg a missio portuguesa vista como uma medida da capacidade do Estado Porty. gués de ocupar e administrar os seus territorios em Africa, A missig foi assim convertida num elemento importante na recuperagaio do orgulho nal, ferido apés a humilhagdo do Ultimatum inglés: ‘A Outra Fi Nacio. Essa missio, composta de medicos distinctissimos, presidida Pelo notaye bacteriologista 0 Dr. Annibal Bettencourt, descobrindo e isolando 9 microbio pathogenico da terrivel doenga, prestou assignalado Servigo 4 sciencia e 4 humanidade, que jamais se esquecera. Se Portugal deve viver pelas suas colonias e para as suas colonias, nao sé como legitima aspirago de grandeza, mas pelo dever de continuar a sua missio civilisadora, nao pode, nado deve esquecer-se de que, possuindo cérca de duzentos milhdes de hectares de terras espalhadas pela zona intertropical, The corre a obrigagao de nao retardar Para as suas colonias o que para seu engrandecimento pode concorrer (.. 33, , Todavia éstes resultados nao foram bem aceites em toda a comunidade Cientifica portuguesa e de imediato se gera uma controvérsia de contornos agente causador da doenga e da sua etiologia, que comega por ser atribuido a dP , actéria (0 hypnococos de Bettencourt, 0 “bacilo do sono” de Antonio miata © Charles Le Pierre e, 0 “streptococos” de Aldo Castella), ee Ein 190 Sis © tripanossoma identificado por Castellani’, ; Instituto Cain’ a grande maioria dos membros da missio estava ligada 20 ‘0 Camara Pestana. No ano Seguinte, em 1902, quando a escola foi ane Medicina Contempordnea, ane ao oars Sessao n‘ 24, Camara dos Deputados, 26 Fevereiro 1902, 4 A andli tes i i "Simin (ree ‘oi apresentada pela autora em 2008, no 6th STEP Meetin& com titulo, “Dis oe Pr-citculacao do artigo entre os participantes do Encots : 8 Exotic Pathologies — Bacteri ; ing sickness Controy ‘, gies — Bacteria or Parasite on sleeping versies at the Lisbon School of Tropical Medicine (1898-1 904)" 10 Agosto 1902, ca crinda, tres destes médicos passaram ke, Correia Mendes e Rezende Ju Lo pee tae restant ‘Ao contririo das restantes escolas de medici ; jancamentoprovinna de donatvos ac europe iiolicas (Londres), seguidas noutros paises europeus (Ale 2) le subs nt, portugues, por difculdades de caicter fnanesito,a escola comennn ia aso Momo ariexa 20 hospital, que funciono , @ escola comegou a fune m3 ital, qu 1 até 1925, em instalagdes provisé x s talag sO ae edificio da Cordoaria Nacional, Patriménio da Marinha, O fan Jament ‘ata instituigfo provinka das receitas das provincia ultamatinas, ‘A Medicina Tropical e © Império Portugués em Africa 137 a integrar 0 seu corpo docente (Ayres nior), que até 1935 apenas incluia ape- s, cujo crigdes Figura 2: Hospital Colonial e Escola de Medicina Tropical, 1902 S.a., Hospital do Ultramar (Lisboa: Empresa Typographica Casa Portugueza, 1942) O Hospital Colonial entrou em funcionamento em 1903 servindo o objec- tivo para que havia sido criado, o tratamento dos militares que regressassem do Ultramar, com doengas tropicais em fase evolutiva.2 Aqui, para além dos cuidados de saiide era efectuada investigagao clinica no ambito de algumas das doengas tropicais com maior interesse para a investigago laboratorial realiza~ dana escola, que nao podiam continuar a realizar-se no laboratério de Ayres Kopke, na Escola Naval. O espago das novas instalagoes hospitalares foi rece- bido com entusiasmo: “uma adaptagio feliz € simples que deu em resultado, um estabelecimento hospitalar desafogado, claro, cheio de luz, sol e banhado pelo ar do Tejo para o qual se rasgam as quatro janelas do fundo, as quais, com as trés do lado constituem a enfermaria geral””*. een = Dom Carlos, Carta de Lei de 24.4.1902. Didrio de Noticias, 12 Margo 1903. io — Ciéncia, Tecnologia ¢ Medicina face do Império ~ Ciéneia, A Outra Face ¢ 138 tir de 1930, com o Acto Colonial?’, ¢ com o aumento de doentes ientes de Africa com doengas tropicais crénicas, 0 Hospital passa provenientes a de intervengiio no Ambito da investigacao clinica mais spect er uma esfera 0 ; ter 1 Hospital foi chamado a desempenhar um papel importante m0 gua ts toorganizagio dos servigos de saiide do Império Colonial ortuguel a de reorganizagio dos do-Ihes como missio: promover 0 saneamento dos territérios ultramarinos, a educ: e profildtica das populagdes, a prevengfio co combate das micas e epidémicas e, em geral, a protecgio da satide dos melhoria das suas condigées fisiolégicas’ organizando- comuns do Império e servigos préprios de cada colénia28, AHO higignicg doengas ends. habitantes ¢ dg ‘OS em S€rVi¢os O Hospital desempenhava uma importante missio adicional, Destinady essencialmente a assisténcia clinica dos portadores de doengas tropicais, 4 observacdo dos funciondrios submetidos as Juntas de Saiide ¢ 40 Servigo Escolar da Escola, nela funcionava um estagio de aperfeicoamento para enfermeiras que se destinassem as colénias e era 0 local por exceléncia para a pratica, na Metrépole, dos médicos que fossem exercer clinica NOs territ6- rios ultramarinos. Em suma, 0 Hospital Colonial centralizava a Politica de satide publica do Império Portugués, com enfoque na medicina tropical. O ensino da medicina tropical ministrado na escola iniciou-se com trés disciplinas (patologia exética e clinica, higiene e climatologia, e, bacteriolo- teriologia, Patologia e clinica e. 1920, disciplinas que se mantiver Medicina Tropical passou a designar-se Instituto de Medicina Tropical”, a semelhanga dos restantes institutos de investigagao criados apés a reforma de 1911, na Faculdade de Medicina de Lisboa. A especializacao das ciéncias bioldgicas seria o mote Para a consolidagao da medicina tropical, como area 7 é $0 Colonia 539. sienaeto pela qual ficou conhecido do decreto-lein.° 18570 a metropole 0 y123%+ ate definia a forma como se deviam processar as relagdes entre ves do Ais olénias portuguesas a6 nivel Politico, econémico © administrative. foi decretada a sinificagdo administrativa de cada volénin nba chefia de wm adminis- aero otra BO ete 1930 © 1951, ano con que uma nova lei o substituit © ol vincia ultramarina, ia, “Hospital Colonial de Lisboa”, Boletim Geral das Coldnias 2» Kopke, A, on ; wea © ensino da medicina tropical” gnias, 930): 16-26 » Boletim da Agéncia Geral das Coléi A Medicina Tropical ¢ 0 Império Portugués em Afrieg l9 tigagtio propria, na qual 0 objecto de estudo soot 8 dreas-fronteira, e Wig se demarcavam das dreas-fron leira, em part os biologi. 0, a linguagem Ca meto. icular, d 4 medicina eral Docentes. - encase Patologia Exética e Clinica sti 2-910)" 5 A . (1902 ‘Silva Telles Higiene e Climatologia pancisco a Fi 1928)" ( an 71902-1936)" Bacteriologia e parasitologia Doenga do sono Ayres Of (identiticagao dg vector transmissor, Profilaxia e tratamento da doenga) Doenga do Sono Parasitologia e Entomologia Correia Mendes (1905-1908)* | Bacteriologia e Parasitologia on Demonstrador — [isd Anidnio de Magalhdes Patologia Exética e Clinica jo Sezonismo (1910-1937)* . ; Climatologia e Geografia (1924-2), Médica [abero Correia (1927-1928) | 2 Clinica |Luis Fontoura de Sequeira Patologia Clinica (1928-1939) [Firmino Sant'Anna (1928-1949)* Doenga do sono Tabela 1: Ensino e investigagao na Escola de Medicina Tropical (1902-1935) A Escola formaria os quadros especializados para ir desenvolvendo os quadros de satide nas Pprovincias ultramarinas, onde um saber técnico e espe- sidizado se demarcava do sucesso no processo de colonizagao e de rentabi- lzasdo da mao-de-obra hos territérios sob jurisdigo portuguesa, Os quadros de satide do Ultramar passaram a incluir médicos especializados em medici- ™ topical, responsaveis Pela cartografia endémica e epidémica em cada ma? 8s provincias. Com base na intersecgo do conhecimento de campo %S provincias ¢ 9 Conhecimento cientifico na metrépole, nasceu a rede de “tidados de satide Piiblica estruturados que definiam a politica sanititia no fo Metrépole-colénias, tentgonr” 26m do ensino, a investigagao realizada na escola constituia 0 sus- ulo da instituiggio. Os docentes eram também investigadores na sua Maioria e a doenga do sono era a doenga dominante como tema de “lac, Entre 19026 198 todas as colénias foram alvo de uma missio 40 ‘A Outra Face do Império — Ciéncia, Tecnologia e M 1 fed de estudo, algumas delas, mais de uma vez e 2 doenga alvo era uma ve; le estudo, vez mais a j mag a doenca do sono (tabela 2), 0 que denota uma vez mais a importincig Be esta doenca tinha no contexto africano. Tema de Discipulos Misses cienay 5 ificas Investigadores |i. tivacho colaboradores Nas colinias Daniel Perdig3o, Correia - Beri-Beri Avres Kopke | Doenga do sono | Mendes, Manuel Prates, © Doenga dg Firmino Sant’Anna | S°?(IIha do Principe 1904) A. Villela*!; B, Bruto da Doenga do s. Correia Mendes*® | Doenga do sono | Costa*?; A. Damas 2 do Sono (Itha do Principe, 1907) Firmino Sant’Anna| Doenga do sono Doenga do Sono Mocambique, 1919 B. Bruto da Costa; P. Meira; C. Andrade; Correia Mendes | Doenga do sono G. Viens A.C A. Alvare! Doenga do Sono (Itha do Principe, 1911-1914 | F.Sant’Anna te | Doence 4 F. Sant’ Anna, Fontoura yres Kopke ¢a do sono : Ayres Kepke aa Sequeira, Saraiva de uillar, Daniel Perdigto Doenga do Sono Mogambique, 1927) Malaria, Febre José de Magathaes i hemoglubinurics Lis Footoura Recotha de Material de peel Jo. (S. Tomé, 1930) Demogratia sanitiria Firmino Sant‘Anna} Doenga do sono = (Cabo Verde, 1930) Luis Fontoura Doenga do Sono Doenga do sono anes Sequeira (Guing, 1932 Tabela 2: Investigagdo e Missdes Cientiticas organizadas Pela Escola de Medicina Tropical de Lisboa (1902-1935) Adaptado de Isabel Amaral, “Bui ing Tropical Medi of Tropical Medicine and the Coloni ial Hospital (1902-19: ne in Portugal ~ The Lisbon School . Dynamis, 28 (8) (2008): 311-312. b ‘or do laboratério de bacteriologia no Hospital Maria Pia, em Luanda (Angola). * Amaldo José Villela erao di paleo con amtsmet Tropical e o Império Portugues em Africa 141 ha las pela escola entre 1902 ¢ 19 adas pel c © 1935 revel As? racia que esta patologia xOtica tinha para o inte ¢ Nacional como | es Palio int vilizadora™, tendo permitido a distingtio dos iny tigadores porty. ci ola de Medicina Tropical de Lisboa's, Foram cfectuadas oito ge seis delas incidiram sobre a doenga do sono: a Ilha do Principe em 907 ¢ 1911; a Mogambique, em 1910 © em 1927; & Guiné, em 1932, tes foram apenas missdes de recolha de material Para 0 espdlio » de espécies entomoldgicas e ainda para 0 planeamento sanitario inci de Cabo Verde. a a novidade da investigagao que desenvolvera em torno da doenga do a5 ponto de vista experimental ¢ clinico, no Ambito terapéutico, Ayres son, ¢ tornou-se 0 representante da Escola de Medicina Tropical de Lisboa ko tS cientificos internacionais e de Portugal nas comissées de estu- a uel doenga. No XV Congresso Internacional de Medicina realizado vm Lisb0a @ 1906, Ayres Kopke, na comunicagao que apresentou, defendeu < ventagens de utilizagao do atoxyl no tratamento da ‘rypanosomiase gam- aa fixando doses especificas no tratamento. Demonstrou a eficdcia do ‘retumento com base na observagio de dados experimentais obtidos em ani- mis de laboratorio inoculados com o parasita, concluindo que 0 atoxyl seria eficaz na primeira fase da doenga?*. Em Londres, na Conferéncia Internacio- zal sobre a Doenga do Sono, em Junho de 1907, Patrick Manson designou varios médicos para o estudo da doenga do sono: Raphael Blanchard para os studos dos agentes de disseminagiio, Alphonse Laveran para o da biologia do Trypanosoma e sua existéncia nos homens e nos animais, Paul Ehrlich para a terapéutica experimental e Ayres Kopke para a terapéutica aplicada3’, A escola funcionava assim como centro de formagio técnica especiali- nda, de investigaco fundamental e de apoio ao diagnéstico especializado dificil de efectuar nas colénias. Desempenhou um papel fundamental na cri- vio de centros sanitarios nas varias colénias portuguesas dirigidos por médicos nela especializados, responsaveis pela organizagio dos servigos sa- —— Ea es, * Nabe Amaral, “Building Tropical Medicine in Portugal ~ The Lisbon School of Tropi- Medicine and the Colonial Hospital (1902-1935)”, Dynamis, 28 (8) (2008): 301-328. ‘St! Amaral, “Na Rota das Patologias Exéticas ~ as contibuides portguesas sobre 1 doenga do sono (1905-1925)”, in Rui Pita e Ana Leonor Pereira (eds.), Rotas da wileza ~ Cientistas, Viagens, Expedigdes e Instituigdes (Coimbra: Imprensa da steeds de Coimbra, 2006), 23-229. : ies Kopke, “Trait ie du sommeil”, Archivos de Hygiene o P (Bocas, | (@) (1907) 990.349" had Amaral “Chemisty applied to medicine rajge®®l OF tropical medicine of Lisbon (1902-1935)", Proceedings ofthe Sth Int ppalt! Conference on the History of Chemistry, 2005, 893-501 ; “dings ofthe First International Conference on Sleeping Sickness, Londres, 1907, tho- » Ciencia, Tecnologia e Medicina : 4 Ontea Pace do Impé slénias através do estide das patologias dominantes NAS pro. pitarios nas ce Ja criagdo de formas de aperfeigoaments tée Nica dog Pro, vincles colonia ton (rmeadiées, farmceuticol, enfermeiros), da criagy. i a eri ercaneiaro ahettecharienta is lauoratGrios eee hospitais ene mesa icine Ioratrios provineins; eda evigho de revista eo sada vias coldnias?®, . eat ral provincia tinha um quadro de satide Proprio que actuava em arti. culagdo com as orientagdes provenientes da metrépole, Mensalmente, os dclegados de saiide claboravam os boletins sanitarios de cada um das Tegives das suas provincias ¢ comunicavam-nas ao representante local da repartic;, da Direegao Geral do Ultramar, responsavel pela satide publica, Este elabo. rava um relatério final que era publicado na publicagao oficial da Escola de Medicina Tropical de Lisboa2, Os relatérios das provincias ultramarinas analisados no periodo em esty. do, revelam algumas dificuldades na sua interpretagao pois nem todos os todas as provincias enviavam os boletins sanitarios correspondentes anos nao esto publicados, ¢ alguns dados dos quadros hosoldgicos parecem ser pouco fidvies. Podemos no entanto concluir que, no periodo em estudo neste trabalho, os dois grandes grupos de doengas mortais nas Provincias ultramarinas eram as doengas infecto-contagiosas (variola, sarampo, varicela, tuberculose, peste) ¢ as doengas tropicais propriamente ditas, das quais se des- taca 0 paludismo ¢ a doenga do sono, com maior inicidéncia, Perante um qua. dro endémico ou epidémico, as autoridades de satide ptiblica actuavam no ter. Feno com as medidas de higiene e de sade publica necessarias ao Controlo das doengas mortais. Ao longo dos anos, as provincias foram sendo dotadas de instituigdes hospitalares com condigdes de atendimento médico equiparadas 40s hospitais e laboratérios da metrépole. As provincias de Angola, Mogambique e S. Tomé € Principe eram par- ticularmente fustigadas pela doenga do sono e pelo paludismo; Guiné e Cabo Verde, pelas doencas infecto-contagiosas. Esta realidade permitiria desen- volver diferentes areas de intervengio no dmbito da Politica sanitaria portu- guesa em Africa. Foi nas primeiras colénias que se desenvolveram progr mas de controlo epidémico a escala europeia com a parti ipagdo portuguest £m Mogambique estabeleceucse uma parceria com as autoridades de saiide da Africa do Sul (nom damente para 0 controlo da peste) ena Tha do Prine CIpe conseguiu-s Mplantar um modelo de irradicagdo da doenga do sone Com sucesso, pela primeira vez na Europa, anos, alguns OO Ayr “Politica sani es Kopk ‘ale conferéncias (Lisboa: Minish ” Ibid, Ho império”, Alta cultura colonial: discurso ins” io das Colénias, 1936), 319-352. A Medicina Tropical © 0 Império Portage 10 Africw mn a do Império portugues desenvolveuse tendo Por base entes da colonizagao em Africa, nomeadamente Fi amar, ¢ una articulagdo como quadro de sje onule se enguadravam os médicos especiatizados em metieing nen pore vino e a investigagao laboratorial e clinica efectmnte na Esco! © eropical ¢ No Hospital colonial foram. também import andémico de algunas doengas ha metrépole como o p: Kalaazats a febre botonosa, 0 tifo exantematico. do quadre ide piiblicn da de antes para o aludismo (mala . AS espiroquetoses © «sto ).0 nos ose. a Ph ATanct vlna obstante a consolidagio da rede de influéncia da medici i mic Dis aia David Amold, Colonizing the Body: State Medicine and Epidemic Disease in Nine- teenth.Century India (Berkeley: University of California Press, 1993). ‘A Outra Face do Império ~ Ciéncia, Tecnologia e Medicina 146 ; i inica, elemento essencial para a definicao e estabe| oie ada politica de satide publica em Africa. O reconh da utilidade desta instituigao por parte do Estado Portugués est dir relacionado com os desenvolvimentos da politica colonial Portuguesa por um lado, e, por outro, com a consolida¢ao da medicina tropical, como suporte da intervengao clinica, elementos centrais no desenvolvimento do Projecto colonial, tudo, “a bem do império”. A Escola foi establecendo uma rela¢o com as provincias ul promovendo a criacdo de institui¢des auténomas para o ensino gacio no ambito da medicina tropical. A organizacdo das redes Sanitarias em Africa definiu-se num quadro de interesses que cruzam a politica Colonial portuguesa. Estas redes estabelecidas pelos investigadores, docentes ou alu- nos da Escola, esbo¢am uma tendéncia multidisciplinar como forma de con. solidar uma perspectiva médica assente na pratica laboratorial. Portugal tornou-se um dos paises europeus participantes na alianga europeia de combate a algumas doengas tropicais, criando condigées de combate efectivo tanto na metrépole como nas coldnias através de um inves- timento na investigacao fundamental e na formagao de técnicos especiali- zados, na participagao e didlogo permanente com a comunidade cientifica internacional e na organizacao de missées cientificas em Africa. Esta alianga pressupés a existéncia de uma rede de interesses politicos definidos no qua- dro mais abrangente dos interesses geopliticos dos paises europeus pelo con- tinente africano. O eixo de didlogo Europa-coldnias foi decisivo nao sé para 0 reconhecimento da especialidade médica com o também para a definigao de um quadro de valorizago da medicina tropical no contexto do III? Impé- tio colonial portugués. O impacto medicina tropical nas sociedades indigenas é acima de tudo um produto de encontros de culturas. A medicina tropical emergiu assim como especialidade médica desenvolvida entre a metr6pole e as colonias, como um novo espaco de didlogo entre a medicina europeia e a medicina tradicional, no cruzamento das agendas politica, cientifica e mistica. A utilizago da medicina tropical como “medicina cientifica” nunca substituiu a medicina tradicional, no mosaico de crencas e costumes africanos. O efeito epidémico de algumas doencas como a doenca do sono terao persuadido de alguma forma e nalgumas Tegides, a populagdo autdéctone. Todavia, os médicos europeus sempre sé Viram numa encruzilhada de resisténcia, participagao e apropriagdo dos seus conceitos, preceitos e praticas, face as tradicées indigenas. . A utilizacdo da medicina tropical como ferramenta operacional da atit de colonizadora no III° Império Colonial Portugués tera sido gerida cor alguma dificuldade no circuito da ideologia colonial europeia. Nao obstan'? taser uaigionalismos especificos inerentes as dificuldades politicas que PO a atravessou entre 1887 ¢ 1935, poderemos concluir — se considera "mensao nacional — que a medicina tropical pode ser considerada u™ lecimen. ecimenty ectamente itramarinas © investi. A Medicina Tropical e o Império Portugués em Africa 147 da colonizagdo portuguesa em Africa, num didlogo dinamico entdculos iéncia e misticismo. No entanto, a colonizagao estar longe site politica, olen considerarmos a eficacia da medicina europeia face 4 ido efectiva, se digenas face a aceitacdo da rentes camadas de Tejeicao, qual a agenda portuguesa se en noe, f ie ter si tradicional. A perspectiva dispar dos in edicina uropeia, regista um equilibrio de difei nena aceitacao ao modelo imperialista, no OO sujeiga apoiava-

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