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O Evangelho Segundo Pedro
O Evangelho Segundo Pedro
SEGUNDO PEDRO
Paixão, Morte e Ascensão do Senhor
Sadas
1ª edição
2010
O Evangelho Segundo Pedro, Paixão, Morte e Ascensão do Senhor
Tradução, Transcrição, Estudos e Comentário por: Sadas
Esta obra está registrada sob a licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-
Comercial-Não a obras derivadas 3.0 Unported.
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2
Quod scriptum, scripsi
―O que escrevi, escrevi‖
Pilatos
3
Sumário
4
Índice de Abreviaturas
Livros do Antigo Testamento:
Dt – Deuteronômio
Ex – Êxodo
Sl – Salmos
Outros:
Pe – Evangelho de Pedro
Obs.: Quando um livro é citado pelo nome, entre parênteses não aparecerá a
abreviatura, mas somente a referência ao capítulo e verso. O nome do livro estará
destacado em negrito.
Ex: Lucas. ―E, repartindo as suas vestes, lançaram sortes‖ (23.34).
5
Introdução
1
“tou<v de< ajdelfou<v /Ihsou~ fasi> tinev ei+nai, ejk parado>sewv oJpmw>menoi tou~
ejpigegramme>nou Kata< Pe>trov eujaggeli>ou, h} th~v bi>blou /Iakw>bou, uiJou<v /Iwsh<f ejk
prote>rav gunaiko<v sunw|khkui>a v aujtw|~ pro< th~v Mari>av”.
6
no De Viris Illustribus, mencionaria um sétimo livro chamado Julgamento2.
Teodoreto (455), na História Religiosa (II.2), diz, sobre a seita dos Nazarenos:
―Mas os Nazarenos são judeus, honrando a Cristo como um homem justo e usam
o evangelho chamado Segundo Pedro”3.
De todas as obras associadas a Pedro, Eusébio dava crédito apenas à
primeira Epístola como canônica. A segunda Epístola era mesmo alvo de
polêmica nos concílios e entre os pais da igreja, antes de ser definitivamente
incluída no cânon (a lista dos livros aceitos como parte da Bíblia). Quanto às
demais obras, sempre foram oficialmente consideradas apócrifas, o que não
impediu o seu uso e reconhecimento por parte de alguns grupos religiosos.
Diz Eusébio na História Eclesiástica (III.3): “De Pedro reconhecemos
uma única carta, a chamada I de Pedro. Os próprios presbíteros antigos
utilizaram-na como algo indiscutível em seus próprios escritos. Por outro lado,
sobre a chamada II carta, a tradição nos diz que não é testamentária; ainda
assim, por parecer proveitosa a muitos, é tomada em consideração junto com as
outras Escrituras. Quanto aos Atos que levam seu nome e o Evangelho dito como
seu, assim como a Pregação que se diz ser sua e o chamado Apocalipse, sabemos
que de modo algum foram transmitidos entre os escritos católicos, pois nenhum
autor eclesiástico, nem antigo nem moderno, utilizou testemunho tirado deles”.
Nenhum escritor religioso citou trechos do Evangelho de Pedro e as
menções que temos sobre a existência desta obra são as que alhures citamos. A
única menção anterior a Eusébio foi feita por Serapião, oitavo bispo de Antioquia
(c. 191). Serapião desconhecia totalmente este livro, que lhe seria apresentado
quando de sua estadia em Rhosus, uma região portuária na costa de onde hoje fica
a Turquia.
Em sua visita à igreja de Rhosus, foi indagado pelos paroquianos sobre o
Evangelho de Pedro. Ele folheou o livro e nada viu de reprovável, recomendando
sua leitura. Fazendo, posteriormente, uma análise mais detalhada, concluiu que o
texto ensinava a heresia de Marcião, por isto o bispo escreveu à igreja condenando
definitivamente o suposto Evangelho de Pedro.
Assim Eusébio cita Serapião (H.E. VI.12): “Quanto ao fruto do afã
literário de Serapion, é natural que se hajam conservado também outras obras
entre outras pessoas, mas a nós não chegaram mais do que estas: A Domno, um
que no tempo da perseguição havia caído da fé de Cristo para dar na superstição
judia; e a Poncio e Carico, varões eclesiásticos ambos, e outras cartas a outras
pessoas; e outro tratado que compôs Acerca do chamado Evangelho de Pedro;
escreveu-o refutando as falsidades que neste se dizem, por causa de alguns da
igreja de Rosos que, com o pretexto da dita Escritura, haviam-se desviado para
ensinamentos heterodoxos. Será bom oferecer deste livro algumas sentenças nas
quais apresenta sua opinião sobre aquele livro; escreve assim: „Porque também
nós, irmãos, aceitamos Pedro e os demais apóstolos como a Cristo, mas como
homens de experiência que somos, rechaçamos os falsos escritos que levam seus
nomes, pois sabemos que não nos transmitiram semelhantes escritos. Porque eu
2
―Simon Petrus... scripsit duas epistolas quae catholicae nominantur, quarum secunda a
plerisque eius negatur propter stili cum priore dissonantiam. sed et Euangelium iuxta Marcum,
qui auditor eius et interpres fuit, huius dicitur. libri autem e quibus unus Actorum eius inscribitur,
alius Euangelii, tertius Praedicationis, quartus /Apokalu>yewv, quintus ludicii, inter apocryphas
scripturas repudiantur‖.
3
―oiJ de< Nazwpai~oi> /Ioudai~oi> eijsi to<n Cristo<n timw~ntev wJv a]nqpwpon di>kaion kaij tw|~
kaloume>nw| Kata< Pe>tron eujaggeli>w| kecphme>noi‖.
7
mesmo, achando-me entre vós, supunha que todos vos ativésseis à fé reta, e sem
ter lido o Evangelho que eles me apresentavam com o nome de Pedro, disse: 'se é
apenas isto que parece preocupar-vos, que se leia'. Mas agora que me inteirei,
pelo que me disseram, de que seu pensamento se ocultava em certa heresia, terei
pressa para estar novamente entre vós; de maneira que, irmãos, esperai-me em
breve. Quanto a nós, irmãos, compreendemos a que heresia pertencia Marciano,
o qual se contradizia e não sabia o que falava (isto aprendereis pelo que vos
escrevi). Efetivamente, graças a outros que praticaram este mesmo Evangelho, ou
seja, graças aos sucessores dos que o iniciaram, aos quais chamaremos docetas
(porque a maior parte de seu pensamento pertence a este ensino), por terem-no
emprestado eles, pudemos lê-lo cuidadosamente, e achamos a maior parte
conforme a reta doutrina do Salvador, mas também algumas coisas que se
distinguem e que vos submetemos‟. Isto sobre Serapion”.
Após tal incidente, permaneceu esta obra no anonimato, não sendo
comentada pelos teólogos medievais nem modernos, até que, em 1886, Bouriant
encontrou um Códice em Akhmin. Este texto reivindica autoria petrina e tem
características do pensamento docético, o que assemelha esta narrativa à descrição
do Evangelho de Pedro feita pelos antigos.
Características do documento
O Codex P. Cairo 10759 é composto por 33 folios de pergaminho,
costurados em forma de livro com uma capa de couro, resultando em 66 páginas.
Contém o Evangelho de Pedro, o Apocalipse de Pedro e uma versão grega do
Livro de Enoque.
O método antigo de encadernação consistia em dobrar folhas de papiro ou
pergaminho, formando livretos que eram então costurados num só volume, o
Códice. Chama-se folio a cada dobra, sendo a página ímpar chamada de recto e a
página seguinte, que fica na parte de trás, chama-se verso.
O Evangelho de Pedro abrange as primeiras doze páginas. A primeira
página é a capa em branco; o texto começa na página seguinte e termina na
décima, sobrando as duas últimas em branco, danificadas com um grande buraco
no centro.
A folha muito fina deixa transparecer as letras do verso, de modo que sob
as letras de uma página transparece a ―sombra‖ do texto da página seguinte, como
uma marca d’água. Há umas poucas ilustrações de simples capricho (cruzes e um
ornamento).
As bordas superiores estão emboloradas, principalmente na parte inicial,
contendo o Evangelho de Pedro. A umidade do sepulcro danificou as primeiras
páginas do Códice, tornando algumas palavras de difícil leitura. Há alguns furos
produzidos por insetos, uma parte deles atingindo palavras, a outra em regiões
sem texto.
Há rasuras e muitos erros ortográficos, denunciando a inabilidade do
copista que talvez tivesse pouco conhecimento da língua grega. A rasura mais
intensa fica no verso 56, em que o copista esqueceu-se de escrever a última sílaba
de uma palavra, tendo de completá-la depois, amontoando a sílaba sobre a
palavra.
O estilo da caligrafia muda no Apocalipse de Enoque. Em Pedro é cursivo
(todo em letras minúsculas), em Enoque é uncial (todo em letras maiúsculas),
tornando-se mais legível e formal do que no Evangelho de Pedro. Neste, o copista
se mostra apressado, deformando as letras, principalmente nas palavras grandes,
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onde se mostra impaciente. O copista de Enoque tem estilo mais profissional,
comete menos erros e é mais legível.
A coleção não foi produzida por uma só lavra, pois a caligrafia diferente
em cada livro e as páginas em branco no final dos livros petrinos denunciam que
eram originalmente obras separadas que foram costuradas em um só volume
posteriormente.
Após a morte do escritor ou do ultimo dono do Códice, este foi deixado
junto com o dono em seu sepulcro, até ser encontrado por Bouriant que,
analisando o túmulo, concluiu que o último proprietário do manuscrito teria
vivido por volta do século oito ou nove.
Características da narrativa
O texto cobre o período que corresponde aos capítulos 27-28 de Mateus,
15-16 de Marcos, 23-24 de Lucas e 19-20 de João, ou seja, o clímax da história
que é a paixão, morte e ressurreição do Messias.
O início brusco da obra (―...mas nem os judeus...‖) bem como seu final
interrompido (―...filho de Alfeu, a quem o Senhor...‖) parecem indicar que este
manuscrito é a cópia de apenas uma parte do Evangelho petrino original. Também
não há menção aos irmãos de Jesus, conforme Orígenes dissera que haveria neste
livro. Destarte, temos hoje em mãos o trecho principal do Evangelho de Pedro.
A Paixão Segundo o Evangelho de Pedro acrescenta detalhes próprios que
não há nos Evangelhos canônicos. Herodes e os juízes judeus se negam a lavar as
mãos, após o exemplo de Pilatos. O povo põe Jesus sobre uma tribuna e zomba:
―Julga retamente, ó Rei de Israel‖. Na cruz, ele permanece calado e sem
demonstrar sofrimento. A participação dos judeus é mais intensa que a dos
soldados romanos. José de Arimatéia lava o corpo de Jesus antes de depositá-lo na
tumba, cujo local é nomeado como Jardim de José. O centurião que comanda os
guardas que põem uma pedra selando a tumba chama-se Petrônio, personagem
este que não está presente nos Evangelhos.
Por outro lado, não cita muitos dos eventos mencionados nos Evangelhos,
sendo, talvez, a omissão mais notável a das palavras de Jesus na cruz. Em Pedro,
Jesus mantém um contínuo silêncio enquanto está na cruz, falando apenas no
último momento: ―Meu Poder, meu Poder, por que me abandonaste‖. Dentre
outras omissões, não cita o episódio em que Simão Cireneu carrega o madeiro, ou
as mulheres que seguem o Messias chorando, ou Pilatos que se nega a mudar o
texto que escrevera na placa da cruz.
Na contagem de H. B. Swete, das vinte e duas vezes em que o Evangelho
de Pedro compartilha com os Evangelhos, quatro eventos são encontrados em
todos os Evangelhos, sete em três deles, três em Mateus e Marcos, três apenas em
Mateus e três apenas em Lucas. Swete também comparou diversas frases do texto
grego petrino com o evangélico, revelando uma semelhança que indica que o
autor do Evangelho de Pedro conhecia os quatro Evangelhos ou uma fonte em
comum e provavelmente os utilizou como fonte de pesquisa.
O teor do livro é antijudaico, tanto que já inicia apresentando os judeus
que se recusam a lavar as mãos, como que assumindo a responsabilidade pela
morte do Messias. Também evita citações das escrituras judaicas, o Antigo
Testamento, como é comum nos Evangelhos.
Pilatos tem uma interessante proeminência, tanto que seu nome é o
segundo em número de ocorrências, perdendo apenas para o nome ―Senhor‖, que
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se refere a Jesus. Quanto a este, é chamado apenas de ―Senhor‖, ―filho de Deus‖
ou ―rei de Israel‖ e por nenhum outro nome, nem mesmo ―Jesus‖ ou ―Cristo‖.
Cronologia da narrativa
Robinson e James sistematizaram a seguinte cronologia para a narrativa:
1. sabbaton epifwskei...pro miav twn azumon.
[se aproxima o Sábado... para a véspera dos ázimos].
O corpo não pode permanecer insepulto após o por do sol.
2. hn de mesnmbria.
[ao meio-dia].
As trevas cobrem a Judéia.
3. eureqh wra enath.
[na hora nona].
A luz retorna.
4. nuktov kai hmerav ewv tou sabbatou.
[noite e dia, até o Sábado].
Os discípulos jejuam e lamentam.
5. epi treiv hmerav.
[por três dias].
Os judeus propõem a guarda do túmulo.
6. prwiav de epifwskontov tou sabbatou.
[pela manhã ao despontar do Sábado].
A multidão visita o túmulo.
7. th de nukti h epefwsken h kuriakh.
[na noite que precedeu o dia do Senhor].
A Voz e a Visão.
8. nuktov.
[de noite].
Eles correm para avisar Pilatos.
9. opqou de thv kuriakhv.
[ao amanhecer do dia do Senhor].
Maria Madalena vai ao túmulo com outras mulheres.
10. hn de teleutaia hmera twn azumon... thv eorthv pausamenhv.
[no último dia dos ázimos... acabara-se a festa].
Muitos voltam às suas casas. Os Discípulos vão para o mar.
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Tradução
Nota:
Os títulos e subtítulos foram inseridos para facilitar a leitura e estão destacados em
negrito. Também a numeração dos versos não está presente no texto original.
O texto é tradicionalmente dividido em 60 versos, contidos em 14 parágrafos, conforme
segue: I.1-2; II.3-5; III.6-9; IV.10-14; V.15-20; VI.21-24; VII.25-27; VIII.28-33; IX.34-37; X.38-
42; XI.43-49; XII.50-54; XIII.55-57; XIV.58-60. A título de simplificação, adoto apenas a
numeração em versos, a saber, de 1 a 60.
Parte I – A Morte
O veredicto
1. Mas nenhum dos judeus lavou as mãos, nem Herodes, nem qualquer dos seus
juízes. E, não querendo eles lavar-se, Pilatos se levantou. 2. E o rei Herodes
mandou que levassem o Senhor para fora, dizendo-lhes: ―O que vos ordenei que
fizésseis, fazei‖.
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para eles: ―Não se ponha o sol sobre o condenado à morte‖. 16. E um deles disse:
―Dai-lhe de beber fel com vinagre‖. E fizeram uma mistura dando-lhe de beber.
17. E consumaram tudo, e completaram sobre suas cabeças a medida de seus
pecados. 18. Assim muitos andavam com luzeiros, pensando que fosse noite,
alguns tropeçando. 19. E o Senhor bradou, dizendo: ―Minha força, ó força, tu me
abandonaste!‖ E assim falando, foi levado. 20. Na mesma hora o véu do templo
de Jerusalém se rasgou em duas partes.
As lamentações de todos
25. Então os judeus, os anciãos e os sacerdotes, compreendendo o grande mal que
fizeram a si mesmos, lamentaram, batendo no peito e dizendo: ―Ai de nossos
pecados! É chegado o juízo e o fim de Jerusalém!‖ 26. Eu e meus amigos
estávamos tristes e, de ânimo abatido, nos escondíamos. Estávamos sendo
procurados por eles como malfeitores e como aqueles que queriam incendiar o
templo. 27. Por causa de tudo isto, jejuávamos e ficamos sentados, lamentando e
chorando noite e dia, até o sábado.
A guarda do sepulcro
28. Ora, reuniram-se os escribas, os fariseus e os anciãos, ouvindo que todo o
povo murmurava e lamentava, batendo no peito e dizendo: ―Se na sua morte se
realizaram sinais tão grandes, vede quanto ele era justo!‖ 29. Os anciãos tiveram
medo e foram a Pilatos, pedindo-lhe e falando: 30. ―Dá-nos soldados para que seu
túmulo seja vigiado por três dias. Que não aconteça que seus discípulos venham
roubá-lo e o povo acredite que ele tenha ressuscitado dos mortos e nos faça mal‖.
31. Então Pilatos deu-lhes o centurião Petrônio com soldados para vigiar o
sepulcro e com eles foram ao túmulo os anciãos e os escribas. 32. E todos os que
ali estavam com o centurião e os soldados rolaram uma grande pedra 33. e a
colocaram na entrada do túmulo. Nela imprimiram sete selos. E ergueram ali uma
tenda e montaram guarda.
Parte II – A Ressurreição
O túmulo aberto
34. Então pela manhã, aproximando-se o sábado, veio uma multidão de Jerusalém
e das vizinhanças para ver o túmulo selado. 35. E à noite, ao aproximar-se o dia
do Senhor, vigiando os soldados em turnos de dois em dois, uma grande voz se
fez no céu 36. e viram abrir-se os céus e dois homens desceram, tendo muito
esplendor, e aproximaram-se do túmulo. 37. Então aquela pedra que fora colocada
em frente à entrada rolou donde estava para o lado. E o sepulcro se abriu e ambos
os jovens entraram.
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Jesus se manifesta aos guardas
38. Vendo isto, os soldados foram acordar o centurião e os anciãos, pois também
estes estavam a vigiar. 39. E enquanto lhes contavam o que viram, novamente
avistaram três homens saindo do sepulcro, e dois deles escoravam o outro e uma
cruz os estava seguindo. 40. E a cabeça dos dois homens alcançava o céu,
enquanto a daquele que conduziam pela mão superava os céus. 41. E uma voz se
ouviu no céu que disse: ―Pregaste aos que dormem?‖ 42. E uma resposta se ouviu
da cruz: ―Sim‖.
A reação de Pilatos
45. Vendo aquilo, o centurião e os que estavam com ele correram pela noite a
procurar Pilatos, deixando o sepulcro que tinham vigiado. E detalharam tudo o
que tinham visto, estando muito perturbados, e disseram: ―Realmente era filho de
Deus‖. 46. Pilatos replicou e disse: ―Eu sou puro do sangue do filho de Deus,
fostes vós que decidistes‖. 47. Depois se aproximaram todos, pedindo-lhe,
suplicando que ordenasse ao centurião e aos soldados não contar a ninguém o que
viram. 48. ―Pois para nós, diziam, é melhor sermos culpados de enorme pecado
diante de Deus, do que cairmos nas mãos do povo judeu e sermos apedrejados‖.
49. Então Pilatos ordenou ao centurião e aos soldados que nada dissessem.
O fim da festa
58. Era o último dia dos ázimos, e muitos partiam e voltavam para suas casas; a
festa acabou. 59. Nós, porém, os doze discípulos do Senhor, chorávamos e nos
entristecíamos. E cada um, angustiado por tudo o que tinha acontecido, voltou
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para sua casa. 60. Quanto a mim, Simão Pedro e André meu irmão, tomamos
nossas redes e partimos para o mar; e esteve conosco Levi o filho de Alfeu, a
quem o Senhor…
--FIM--
Índice Remissivo
Não se trata de uma lista exaustiva, mas de palavras com maior relevância no
texto. Os números referem-se aos versos em que há ocorrência.
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Comentário
Nota:
Apenas com o fim de distinção, referir-nos-emos aos quatro evangelhos canônicos com a
inicial maiúscula (Evangelho) e a Pedro, por não constar no cânon do Novo Testamento, com
letras minúsculas (evangelho). Com isto ficará fácil para o leitor identificar quando nos referimos
àqueles ou a Pedro.
O evangelho de Pedro foi escrito no segundo século da era cristã, de modo que seu autor
provavelmente não foi o apóstolo Pedro. Entenda-se, portanto, que, sempre que falarmos em
Pedro, queremos nos referir ao autor deste evangelho, seja ele quem for.
Parte I – A Morte
1-2: O veredicto
1. Mas nenhum dos judeus lavou as mãos, nem Herodes, nem qualquer dos seus juízes. E,
não querendo eles lavar-se, Pilatos se levantou. 2. E o rei Herodes mandou que levassem
o Senhor para fora, dizendo-lhes: ―O que vos ordenei que fizésseis, fazei‖.
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o lençol que enrolou o corpo de Jesus era ―limpo‖ e que José era ―rico‖, mas é o
único que não se importa em falar que era o dia da preparação para o sábado;
Marcos enfatiza que José era ―honrado‖ e que falou com Pilatos ―ousadamente‖.
Também apenas Marcos relata que Pilatos se maravilhou de Jesus ter
morrido tão rápido e somente João afirma que Nicodemus acompanhou José no
sepultamento. Lucas, tendo escrito para gentios, foi o único que explicou que
Arimatéia era uma ―cidade dos judeus‖.
O evangelho de Pedro é o que oferece menos detalhes, mas acrescenta uma
informação que não há nos Evangelhos: que Pilatos enviou José a Herodes para
pedir o corpo e que José não era apenas amigo de Jesus, mas também de Pilatos.
Por fim, informa que o nome do sepulcro era ―Jardim de José‖. Na
sequência dos quatro Evangelhos, José pediu o corpo logo após a crucifixão e foi
ele mesmo quem desceu Jesus da cruz para sepultá-lo.
Em Pedro, José pede por antecipação o corpo e, no final do livro, os judeus
retiram o Senhor da cruz e o entregam a José. Uma última diferença está na pedra
rolada no sepulcro. Nos Evangelhos foi José quem ordenou que rolassem a pedra.
Em Pedro, foram os judeus, temendo que o corpo fosse saqueado.
A seguir, os respectivos trechos dos Evangelhos e, após, uma tabela
sinótica, unindo os detalhes de cada autor para formar uma síntese. Nesta tabela
poder-se-á observar onde cada autor concorda com os demais e onde acrescenta
detalhes únicos.
Mateus. ―E, vinda já a tarde, chegou um homem rico, de Arimatéia, por
nome José, que também era discípulo de Jesus. Este foi ter com Pilatos, e pediu-
lhe o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que o corpo lhe fosse dado. E José,
tomando o corpo, envolveu-o num fino e limpo lençol, e o pós no seu sepulcro
novo, que havia aberto em rocha, e, rodando uma grande pedra para a porta do
sepulcro, retirou-se‖ (27.57-58).
Marcos. ―E, chegada a tarde, porquanto era o dia da preparação, isto é, a
véspera do sábado, chegou José de Arimatéia, senador honrado, que também
esperava o reino de Deus, e ousadamente foi a Pilatos, e pediu o corpo de Jesus. E
Pilatos se maravilhou de que já estivesse morto. E, chamando o centurião,
perguntou-lhe se já havia muito que tinha morrido. E, tendo-se certificado pelo
centurião, deu o corpo a José; o qual comprara um lençol fino, e, tirando-o da
cruz, o envolveu nele, e o depositou num sepulcro lavrado numa rocha; e revolveu
uma pedra para a porta do sepulcro‖ (15.42-46).
Lucas. ―E eis que um homem por nome José, senador, homem de bem e
justo, que não tinha consentido no conselho e nos atos dos outros, de Arimatéia,
cidade dos judeus, e que também esperava o reino de Deus; esse, chegando a
Pilatos, pediu o corpo de Jesus. E, havendo-o tirado, envolveu-o num lençol, e pô-
lo num sepulcro escavado numa penha, onde ninguém ainda havia sido posto. E
era o dia da preparação, e amanhecia o sábado‖ (23.50-54).
João. ―Depois disto, José de Arimatéia (o que era discípulo de Jesus, mas
oculto, por medo dos judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de
Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então foi e tirou o corpo de Jesus. E foi também
Nicodemos (aquele que anteriormente se dirigira de noite a Jesus), levando quase
cem arráteis de um composto de mirra e aloés. Tomaram, pois, o corpo de Jesus e
o envolveram em lençóis com as especiarias, como os judeus costumam fazer, na
preparação para o sepulcro. E havia um horto naquele lugar onde fora crucificado,
e no horto um sepulcro novo, em que ainda ninguém havia sido posto. Ali, pois
16
(por causa da preparação dos judeus, e por estar perto aquele sepulcro), puseram a
Jesus‖ (19.38-42).
17
naqueles dias. Herodes ficou muito satisfeito com a atitude, pois tinha curiosidade
em conhecer o tal profeta e quem sabe ver algum milagre. Tendo interrogado
Jesus, Herodes devolveu o réu a Pilatos. Esta troca de diplomacias resolveu as
desavenças entre os dois governantes a ponto de se tratarem agora como irmãos.
Quem conta esta história é Lucas. ―Então Pilatos, ouvindo falar da
Galiléia perguntou se aquele homem era galileu. E, sabendo que era da jurisdição
de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em
Jerusalém. E Herodes, quando viu a Jesus, alegrou-se muito; porque havia muito
que desejava vê-lo, por ter ouvido dele muitas coisas; e esperava que lhe veria
fazer algum sinal. E interrogava-o com muitas palavras, mas ele nada lhe
respondia. E estavam os principais dos sacerdotes, e os escribas, acusando-o com
grande veemência. E Herodes, com os seus soldados, desprezou-o e, escarnecendo
dele, vestiu-o de uma roupa resplandecente e tornou a enviá-lo a Pilatos. E no
mesmo dia, Pilatos e Herodes entre si se fizeram amigos; pois dantes andavam em
inimizade um com o outro‖ (23.6-12).
Ázimos ou asmos (em grego: azumov) são pães preparados sem fermento e
dão nome à festa judaica que ocorre durante a páscoa (Mt 26.17; Mc 14.1,12; Lc
22.1,7). Foi instituída por Moisés para lembrar o dia em que os judeus saíram do
Egito às pressas, cozinhando, por isto, os pães sem fermento (Ex 12.15-20). Se a
páscoa para os cristãos representa a ressurreição de Cristo, para os judeus está
relacionada à sua libertação do Egito.
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6. Diz: ―Está consumado‖ (Jo 19.30).
7. No último suspiro: ―Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito‖ (Lc
23.46).
Convém observar que a primeira fala (―Pai, perdoa-lhes...‖) não está
presente nos Códices Sinaítico, Vaticano, Beza, Freeriano e Tiflis, mas consta no
Códice Alexandrino e na maioria dos demais manuscritos.
Pedro retrata um comportamento totalmente diferente, registrando um
Jesus que se mantém em silêncio até o fim. Não apenas um silêncio de palavras,
mas também de gemidos. Enquanto o Cristo dos Evangelhos sofre e grita de dor,
em Pedro ele é sereno ―como se não sentisse dor‖, pois o Cristo, segundo a visão
docética de Pedro, era imune aos sofrimentos físicos.
Para Mateus (―Este é Jesus, o Rei dos judeus‖, 27.37), Marcos (―O Rei
dos judeus‖, 15.26) e Lucas (―Este é o Rei dos judeus‖, 23.38), foram os soldados
romanos que afixaram a inscrição no topo da cruz.
João delonga-se em mais detalhes acerca disto. ―E Pilatos escreveu
também um título, e pô-lo em cima da cruz; e nele estava escrito: JESUS
NAZARENO, O REI DOS JUDEUS. E muitos dos judeus leram este título;
porque o lugar onde Jesus estava crucificado era próximo da cidade; e estava
escrito em hebraico, grego e latim. Diziam, pois, os principais sacerdotes dos
judeus a Pilatos: Não escrevas, O Rei dos Judeus, mas que ele disse: Sou o Rei
dos Judeus. Respondeu Pilatos: O que escrevi, escrevi‖ (19.19-22).
Para João, foi o próprio Pilatos quem fez a inscrição e ainda usando três
línguas, numa prova de erudição do governante. Os sacerdotes judeus discordaram
do teor da placa, pois não deixava claro que o título de Rei dos judeus era
reivindicado por Jesus sem o consentimento deles. Pedro mais uma vez apresenta
uma versão bem diferente, segundo a qual a inscrição fora posta pelos próprios
judeus e não pelos romanos. A participação dos romanos no evangelho de Pedro,
aliás, é anódina.
A roupa púrpura que foi usada para vestir Jesus de falso rei não deveria ser
de um tecido ordinário, pois serviu de despojo aos guardas. Todos os quatro
evangelistas registram o evento, que seria um cumprimento da profecia do Salmo
―Repartem entre si as minhas vestes, e lançam sortes sobre a minha roupa‖
(22.18). Robinson e James observam que a palavra lacmov, usada por Pedro para
―sortes‖ é rara na literatura grega. Os Evangelhos preferem klhrov.
Mateus e João comentam que isto seria o cumprimento de uma profecia;
Marcos e Lucas são mais concisos. Curiosamente, Marcos e Lucas, discípulos,
respectivamente, de Pedro e Paulo, não teriam mesmo muitos detalhes a registrar
uma vez que não foram testemunhas oculares da Paixão, antes escreveram aquilo
que ouviram de seus mestres. Mateus talvez não estivesse presente, pois muitos
discípulos de Jesus se refugiaram no momento.
João, por sua vez, era com razão o que tinha mais pormenores a relatar,
pois estava ao pé da cruz. Assim seu Evangelho nos dá o número de soldados
20
presentes (quatro), pois dividiram as roupas em quatro partes, ―para cada soldado
uma parte‖; consegue distinguir as peças da vestimenta, roupa (imatia) e túnica
(citwna), e até revela o diálogo que tiveram a respeito.
Pedro substitui os guardas pelos judeus na cena e acrescenta um pequeno
detalhe: que as vestes foram postas diante do crucificado no momento do sorteio.
Por isto um dos malfeitores que estava na cruz repreendeu a zombaria.
Mateus. ―E, havendo-o crucificado, repartiram as suas vestes, lançando
sortes, para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: Repartiram entre si as
minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sortes‖ (27.35).
Marcos. ―E, havendo-o crucificado, repartiram as suas vestes, lançando
sobre elas sortes, para saber o que cada um levaria‖ (15.24).
Lucas. ―E, repartindo as suas vestes, lançaram sortes‖ (23.34).
João. ―Tendo, pois, os soldados crucificado a Jesus, tomaram as suas
vestes, e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte; e também a túnica.
A túnica, porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura. Disseram, pois,
uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de
quem será. Para que se cumprisse a Escritura que diz: Repartiram entre si as
minhas vestes, E sobre a minha vestidura lançaram sortes‖ (19.23-24).
21
15,18,22: As trevas cobrem a Judéia
15. Ora, era meio-dia e as trevas cobriram toda a Judéia. Eles se agitavam e se
preocupavam, julgando o sol já posto, pois ele ainda estava vivo. E está escrito para eles:
―Não se ponha o sol sobre o condenado à morte‖... 18. Assim muitos andavam com
luzeiros, pensando que fosse noite, alguns tropeçando... 22. Brilhou o sol e reconheceram
que era a nona hora. 23. Alegraram-se, destarte, os judeus e deram o corpo dele a José
para que o sepultasse, sendo ele testemunha de todo o bem que fizera.
Mateus relata que primeiro foi oferecido vinho (oinon) com fel (colhv)
(27.34). Nos Códices Alexandrino e Freeriano, porém, está escrito ―vinagre‖
(oxov). Para Marcos, era uma mistura de vinho com mirra (esmurnismenon
oinon) (15.23). Esta primeira oferta, antes da crucificação, era um ―favor‖ que se
fazia aos condenados, pois a mistura tinha propriedades sedativas. Jesus, porém,
não quis beber esta primeira vez.
A segunda vez foi durante a maior agonia dos crucificados. Tendo Jesus
clamado por Eli (Deus), os romanos entenderam Elias (o profeta) e, julgando que
ele estava na última agonia, embeberam vinagre numa esponja e levaram à sua
boca, usando um bastão (Mt 27.49; Mc 15.36). Lucas diz que estes mesmos
guardas, ao aproximar-se do Messias para oferecer-lhe a bebida, também o
criticavam: ―Se tu és o Rei dos Judeus, salva-te a ti mesmo‖ (23.36).
João esclarece que esta cena é o cumprimento de uma profecia. ―Depois,
sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se
cumprisse, disse: Tenho sede. Estava, pois, ali um vaso cheio de vinagre. E
encheram de vinagre uma esponja, e, pondo-a num hissope, lha chegaram à
boca. E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado. E, inclinando a
cabeça, entregou o espírito‖ (Jo 19.28-30). A profecia está nos Salmos: ―Deram-
me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre‖ (69.21).
Pedro também destaca que este foi um momento de cumprimento
profético, mas, na sua ordem dos eventos, a bebida foi dada a Jesus antes de seu
último brado e não depois, como afirmam os Evangelhos.
22
No caso do evangelho de Pedro, esta foi não somente a última declaração
de Cristo na cruz, como também a única. Até então se havia mantido em sereno
silêncio. Sobre as sete vezes em que Jesus falou, ver comentário no verso 10.
O dramático clamor nos Evangelhos, ―Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?‖ (Mt 27.46; Mc 15.34, com base em Sl 22.1), é, em Pedro,
substituído por ―Minha força, ó força, tu me abandonaste!‖, pois o docetismo não
concordaria com a ideia de Cristo sendo abandonado por Deus.
Ainda outro pode ser o motivo pelo qual Pedro usa ―minha força‖ em vez
de ―meu Deus‖. Eusébio de Cesaréia, comentando o Salmo 22, onde pela primeira
vez apareceu este clamor, observa que Aquila, que fez uma tradução literal do
Salmo para o grego, usou as palavras ―minha força, minha força‖ (iscure mou,
iscure mou), pois o texto em hebraico trazia a palavra Eli (yla) e não Elohi
(yhla, Deus), o que poderia ser confundido com El (la), que significa força. Da
mesma forma, Pedro pode ter recorrido a uma versão grega do Salmo que
trouxesse tal tradução.
19b: A morte
E assim falando, foi levado.
23
O fato de o crucificado perder o apoio quando se lhe quebram as pernas
também pode dar a entender que ele não tem os pés pregados, mas apoiados sobre
uma base anexa à cruz. Deveras, algumas ilustrações medievais apresentam os
crucificados com os pés sobre uma pequena base.
24
escribas. 32. E todos os que ali estavam com o centurião e os soldados rolaram uma
grande pedra 33. e a colocaram na entrada do túmulo. Nela imprimiram sete selos. E
ergueram ali uma tenda e montaram guarda.
Parte II – A Ressurreição
A primeira metade do livro tratara da crucificação do Senhor. Agora toda a
metade restante desenvolve o tema da ressurreição. O espaço ocupado por cada
parte é praticamente igual, demonstrando um certo talento do escritor na
distribuição do assunto, pois este é o tema do evangelho de Pedro: a morte e
ressurreição do Senhor.
Outros evangelhos apócrifos, como o de Tomé, concentram-se nos
sermões de Cristo ou em revelar sua infância ou sua relação com os discípulos.
Pedro se concentrou simplesmente no clímax do tema cristão, o centro de toda a
história evangélica que é a semana da Páscoa.
25
Uma espécie de romaria se formara no sábado de manhã para ir visitar o
túmulo de Jesus. À noite, os soldados presenciaram uma teofania envolvendo a
abertura do túmulo, o que somente Pedro e Mateus descrevem. Marcos, Lucas e
João falam apenas do momento em que chegam as Marias e encontram o túmulo
já aberto.
Mateus. ―E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do
Senhor, descendo do céu, chegou, removendo a pedra da porta, e sentou-se sobre
ela. E o seu aspecto era como um relâmpago, e as suas vestes brancas como
neve. E os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados, e como mortos‖
(28.2-4).
Para Mateus apareceu apenas um anjo, para Pedro, dois. Lucas também
registra dois anjos, mas só no momento em que aparecem a Madalena (Lc 24.4).
Aqui é Mateus quem supera Pedro na riqueza de detalhes, descrevendo os anjos
como vestidos de roupas brancas e uma aparência reluzente como o relâmpago.
O termo ―dia do Senhor‖ (h kuriakh), obviamente, popularizou-se a
partir do segundo século, por relacionar o primeiro dia da semana à ressurreição
do Senhor. Daí o latim Dies Domenica (Dia do Senhor), donde o português
Domingo. Não era ainda comum na literatura do primeiro século, de modo que
não é usado nos Evangelhos. O Apocalipse, sendo um escrito tardio, já utiliza a
expressão (1.10). Pedro usa ―h kuriakh‖ duas vezes, nos versos 36 e 50.
26
43-44: Uma segunda teofania
43. Eles, então, consideraram um com o outro partir e relatar essas coisas a Pilatos. 44.
Enquanto ainda conversavam, novamente abriram-se os céus e um homem desceu,
entrando no túmulo.
27
pedra na entrada do sepulcro, a fim de que possamos entrar, sentar-nos em volta dele
fazer o que lhe é devido? 54. Pois é grande a pedra e tememos que alguém nos veja. Se
não o pudermos fazer, lancemos na entrada o que trouxemos em sua memória.
Choraremos e nos lamentaremos, batendo no peito até voltarmos para casa‖.
28
Marcos. ―E, olhando, viram que já a pedra estava revolvida; e era ela
muito grande. E, entrando no sepulcro, viram um jovem assentado à direita,
vestido de uma roupa comprida, branca; e ficaram espantadas. Ele, porém, disse-
lhes: Não vos assusteis; buscais a Jesus Nazareno, que foi crucificado; já
ressuscitou, não está aqui; eis aqui o lugar onde o puseram. Mas ide, dizei a seus
discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis, como
ele vos disse. E, saindo elas apressadamente, fugiram do sepulcro, porque estavam
possuídas de temor e assombro; e nada diziam a ninguém porque temiam‖ (16.4-
8).
Lucas. ―E acharam a pedra revolvida do sepulcro. E, entrando, não
acharam o corpo do Senhor Jesus. E aconteceu que, estando elas muito perplexas
a esse respeito, eis que pararam junto delas dois homens, com vestes
resplandecentes. E, estando elas muito atemorizadas, e abaixando o rosto para o
chão, eles lhes disseram: Por que buscais o vivente entre os mortos? Não está
aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos como vos falou, estando ainda na
Galiléia, Dizendo: Convém que o Filho do homem seja entregue nas mãos de
homens pecadores, e seja crucificado, e ao terceiro dia ressuscite. E lembraram-se
das suas palavras. E, voltando do sepulcro, anunciaram todas estas coisas aos
onze e a todos os demais‖ (24.2-8).
João. ―E no primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de
madrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra tirada do sepulcro. Correu, pois, e
foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes:
Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram. Então Pedro saiu
com o outro discípulo, e foram ao sepulcro. E os dois corriam juntos, mas o outro
discípulo correu mais apressadamente do que Pedro, e chegou primeiro ao
sepulcro. E, abaixando-se, viu no chão os lençóis; todavia não entrou. Chegou,
pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis, E
que o lenço, que tinha estado sobre a sua cabeça, não estava com os lençóis, mas
enrolado num lugar à parte. Então entrou também o outro discípulo, que chegara
primeiro ao sepulcro, e viu, e creu. Porque ainda não sabiam a Escritura, que era
necessário que ressuscitasse dentre os mortos. Tornaram, pois, os discípulos para
casa‖ (20.1-10).
A narração de João é bastante única em particularidades. Primeiro, Maria
não vê anjos, mas apenas o sepulcro aberto e suspeita que o corpo teria sido
furtado. Corre a chamar outros discípulos, sendo acompanhada de Pedro e João.
Há uma aura emocional implícita nestas linhas, pois o fato de João correr
mais rápido que Pedro não indica apenas que era mais jovem e veloz e sim que era
mais apegado ao Mestre, sendo ―o discípulo a quem Jesus amava‖, como
constantemente se diz no Evangelho de João. Pedro, mais racional, examina o
sepulcro, as mortalhas e, tendo confirmado o sumiço do corpo, apenas voltam
para casa. Somente após esta decepção inicial é que Jesus irá se revelar a Maria no
caminho, e depois aparecerá aos discípulos.
29
Agora tudo acabou, Pedro e seu irmão voltam à vida de pescadores e só lhes resta
a nostalgia.
30
Transcrição
Nota:
Nesta transcrição do texto acrescentei a pontuação usada por Swete, bem como a
numeração dos versos, marcada entre colchetes. O texto do manuscrito usa caligrafia cursiva, ou
seja, todas as letras em minúscula, e não há espaço entre as palavras, nem acentos ou pontuações.
Tais elementos nós acrescentamos para facilitar a leitura.
Mantenho as abreviações, que são usadas principalmente nos nomes divinos, como kyrios
e theos. No original, a abreviação é marcada com um traço sobrescrito; aqui utilizo o sublinhado.
Não é comum as transcrições preservarem a abreviação, mas faço isto para deixar claro este
recurso que era de uso tão comum entre os antigos copistas.
As abreviaturas tinham antes um motivo econômico do que religioso. Enquanto os
escribas judeus modificavam a escrita do nome divino por reverência, os copistas cristãos o faziam
por economia de espaço e tempo, pois os nomes divinos são dos que mais se repetem em textos
sagrados. Também a palavra antropos (homem, humano) era frequentemente abreviada.
Como resultado, estas abreviações se consolidaram. Em pinturas e mosaicos medievais é
frequente o uso de siglas como IX (Iesous Xristos) ou IXTUS (Iesous Xristos Theos Uios Soter –
Jesus Cristo Deus Filho Salvador). Curiosamente, ixtus também significa ―peixe‖ em grego, daí o
uso do peixe aliado a esta palavra em algumas ilustrações cristãs.
O texto é tradicionalmente dividido em 60 versos, contidos em 14 parágrafos, conforme
segue: I.1-2; II.3-5; III.6-9; IV.10-14; V.15-20; VI.21-24; VII.25-27; VIII.28-33; IX.34-37; X.38-
42; XI.43-49; XII.50-54; XIII.55-57; XIV.58-60. A título de simplificação, adoto apenas a
numeração em versos, a saber, de 1 a 60.
Há muitos erros na grafia das palavras, o que pode ser fruto da inabilidade do copista ou
ao fato do texto original ter sofrido poucas revisões. A grafia correta onde ocorre erro é sugerida
nas notas de rodapé.
4
O texto começa apagado. Apenas a parte superior do teta é legível, de onde se deduz o twn, em
concordância com Ioudaiwn.
5
Esta parte é rasurada, deixando dúvida se está escrito eiv ou tiv.
6
Há um buraco no lugar do teta, sobrando um pequeno traço da parte superior da letra.
7
Há um rasgão que começa na última letra de autou e segue até o fim da linha, mas danificando
apenas a área não escrita e a parte superior de kai mh.
8
Peilathv = Peilatov.
9
Um buraco destruiu o alh de paralhmfqhnai.
31
Linha 16: autou eschkotev. [7] kai porfuran auton periebalon kai eka-
Linha 17: -qisan auton epi kaqedran krisewv, legontev Dikaiwv krine,
Linha 18: basileu tou Israhl. [8] kai tiv autwn enegkwn stefanon
Linha 19: akanqinon eqhken epi thv kefalhv tou kuriou?
10
Acima desta primeira linha há fragmentos de letras e palavras bastante apagados. Provavelmente
indicando que a folha seja um palimpsesto ou que o copista escreveu um colofão.
11
Há um furo em cima desta palavra. No verso, ele fica abaixo da palavra oxouv da linha 1, mas
não danificou o texto em nenhuma das páginas. Este furo atinge também a folha seguinte, mas
igualmente não danifica o texto.
12
A palavra hnegkon está bastante obscura devido à mancha de bolor da folha.
13
As palavras ton kurion estão bastante obscuras devido à mancha de bolor da folha.
14
O copista abreviou anqrwpwn para anwn, como de costume. Um traço sobre a palavra indica
que é abreviação. Idem no verso 44.
15
A palavra está rasurada. O copista parece ter escrito uma palavra e depois reescrito sobre.
16
autov (no mesmo) = authv (na mesma).
17
metav = megav (grande).
18
ini = ina (a fim de que).
19
Aqui o copista escreveu kurion mesmo, em vez de abreviar como seria de praxe.
32
Linha 17: tafon kaloumenon Khpon Iwshf. [25] Tote oi Ioudaioi
Linha 18: kai oi presbuteroi kai oi iereiv, gnontev oion
20
fulaxw = fulaxwsi (seja vigiado) ou fulaxwmen (vigiemos).
21
Em hmerav há um rasgão que destruiu a segunda sílaba da palavra. Este mesmo rasgo atingiu a
palavra ouranouv na última linha da página seguinte, danificando apenas a letra nu.
22
epecrisan = epecreisan.
23
ekeiqe = ekeiqen.
24
leiqov = liqov (pedra).
25
epecwrhse = anecwrhse ou talvez upecwrhse.
26
enoigh = hnoigh.
33
Linha 8: fulassontev? [39] kai exhgoumenwn autwn a eidon,
Linha 9: palin orwsin27 exelqontav apo tou tafou treiv
Linha 10: andrev28, kai touv duo ton ena uporqountav, kai
Linha 11: stauron akolouqounta29 autoiv? [40] kai twn men duo
Linha 12: thn kefalhn cwrousan mecri tou ouranou,
Linha 13: tou de ceiragwgoumenou up' autwn uperbainou-
Linha 14: -san touv ouranouv. [41] kai fwnhv hkouon ek twn
Linha 15: ouranwn legoushv Ekhruxav toiv koinwmenoiv30?
Linha 16: [42] kai upakoh hkoueto apo tou staurou tinai31. [43] Sune-
Linha 17: -skeptonto oun allhloiv ekeinoi apelqein
27
orwsin = orasin.
28
andrev = andrav (homens).
29
akolouqounta = akoloqounta.
30
koinwmenoiv = koimwmenoiv (aos que dormem).
31
tinai = oti nai ou talvez ti nai (sim).
32
kenturwna = kenturiwna.
33
apaniwntev = agwniwntev.
34
Aqui o copista escreveu qeou mesmo, em vez de abreviar. Idem na linha 12.
35
hmin (nós) = umin (vós).
36
kaiper ekaloun = kai parekaloun.
37
kentwriwni = kenturiwni.
38
twn kenturiwn = tw kenturiwni.
39
Orqou = tw Orqrou.
40
Magdalinh = tw Magdalhnh.
41
koyesqai = koyasqai.
42
ofilomena = ofeilomena.
34
Linha 11: hn o liqov, kai foboumeqa mh tiv hmav idh. kai ei mh Du-
Linha 12: -nameqa, kan epi thv qurav balwmen a feromen eiv
Linha 13: mnhmosunhn autou, klausomen kai koyomeqa ewv
Linha 14: elqwmen eiv ton oikon hmwn. [55] Kai apelqousai suron43
Linha 15: ton tafon hnewgmenon? kai proselqousai pareku-
Linha 16: -yan ekei, kai orwsin ekei tina neaniskon kaqezo-
Linha 17: -menon mesw tou tafou, wraion kai peribeblhmenon
43
suron = euron.
44
autaioti = autaiv oti ou talvez autaiv ti.
45
pisteuetai = pisteuete.
46
Este trecho, além de começar borrado em enqa, evidencia que o copista escrevera enqa ekei
oti, percebendo posteriormente que havia errado, acrescentou o to final da palavra ekeito
sobrescrito, formando um amontoado de letras.
47
fobhqeisefugon = fobhqeisai.
48
pausaminhv = pausamenhv.
49
qallassan = qalassan. O copista na certa duplicou a letra lambda por haver quebrado a
palavra entre duas linhas.
35
Conclusão
36
Apêndice
Os fragmentos de Oxyrhynchus
Fragmento 1
Linha 1: ...
Linha 2: ...
Linha 3: ...
Linha 4: ...
Linha 5: [...o] filov [Peilatou]50... ...o amigo de Pilatos...
Linha 6: ...iv oti eke[leu]sem... ...que ele ordenou...
Linha 7: [...elq]wn prov Peilat[on...] ...indo a Pilatos...
Linha 8: [...sw]ma eiv tafhn ... ...corpo para o sepulcro...
Linha 9: ...en hthsa[to...] ...pediu...
Linha 10: ...hnai eipw[n...] ...dizendo...
Linha 11: ...ithsa...
Linha 12: ...auton... ...dele...
Linha 13: ...oti a... ...que...
50
A palavra está quase totalmente apagada, restando apenas pequenos pedaços de três ou quatro
letras. Deduz-se que se trata do nome Peilatou com base no texto do Codex P. Cairo 10759.
37
Fragmento 2
Linha 14: ...ou...
Linha 15: Pei[lat...] ...Pilatos...
Linha 16: tiv... ...alguém...
Linha 17: m...
Linha 18: ...
Recto
Linha 1: ...
Linha 2: ...ei[v...] ...para...
Linha 3: ...ka[i...] ...e...
Linha 4: ...qerismo[v...] ...seara...
Linha 5: [...dik]aiov wv ai... ...justo como a...
Linha 6: [...k]ai fronim[ov...] ...e prudente...
Linha 7: ...esesqe w[v...] ...seja como...
Linha 8: ...on l[u]kw[n...] ...de lobos...
Linha 9: ...on ean ou... ...se não...
Linha 10: ...men. ...nós...
Linha 11: ...legei moi oi... ...disse para mim: os...
Linha 12: ...xantev to... ...tendo o...
Linha 13: [...ouk]eti au[tw] ou... ...para ele não...
Linha 14: ...poih[s...] ...fazer...
Linha 15: [...u]mein... o... ...a vós...
Linha 16: ...n[a]...
Linha 17: ...v ka[i]... ...e...
Linha 18: ...hke...
Linha 19: ...l...
Linha 20: ...c...
Linha 21: ...me...
Verso
Linha 1: ...t[e...]
Linha 2: ...u[v...]
Linha 3: oude[n...] ...nem...
Linha 4: paresc...
38
Linha 5: qonti m..
Linha 6: kav dia... ...por meio de...
Linha 7: oti[a]fei... ...desde...
Linha 8: lai ama...
Linha 9: autw ek... ...para ele de...
Linha 10: menw... ...terminação da primeira pessoa...
Linha 11: nomat[i...] ...pelo nome...
Linha 12: ev ke [kurie...] ...ó Senhor...
Linha 13: ouq[en...] ...nada...
Linha 14: mai... ...terminação da primeira pessoa...
Linha 15: t... o...
Linha 16: ph...
Linha 17: n...
Linha 18: ai...
39
Bibliografia
SWETE, Henry Barclay. The Akhmim Fragment of the Apocryphal Gospel of St.
Peter. Macmillan and Co., 1893.
40