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Título: CEDÊNCIA DE TERRENO - MUNICÍPIO DE ...

Data: 26-08-2020 Parecer N.º: DAJ - Proc. 63/2020

Informação N.º: I05524-2020-DSAL/DAJ

Solicita o Município de ... (ofício n.º 1193/2020, de 29/07/2020) que esta Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional emita parecer jurídico "(...) relativamente ao modo de operação em situações de
cedência de terreno de um particular para o Município, e inversamente (...)", concretamente nos seguintes casos:

a) "Numa situação de cedência de um terreno para integração no domínio público por um particular à Autarquia,
para efeitos de alargamento do perfil de uma via transitável, permitindo assim que a Câmara Municipal promova
as obras necessárias de requalificação urbana previstas para o local, poder-se-á considerar como documento
suficiente para integração em propriedade do Município e consequente legitimação para a execução da operação
urbanística, uma Declaração de Cedência de Terreno para Domínio Público Municipal, devidamente outorgada
pelo cedente e aceite pelos Órgãos Municipais?", mais questionando se "Em caso de necessidade de atualização
dos dados prediais junto da Conservatória do Registo Predial e do Serviço de Finanças, poder-se-á considerar
como documento suficiente uma Certidão emitida pelo Município, na qual se identifica corretamente a "Área de
Cedência" ou é imperativo proceder à respetiva desanexação, inscrição em matriz predial e formalização através
de Escritura Pública ou Documento Particular Autenticado?"

b) "E em situação contrária quando ocorre uma cedência de terreno pertencente ao Domínio Privado Municipal,
devidamente permitida pelos Órgãos Municipais e após realização de consulta pública, a um particular para
efeitos em operações urbanísticas, poder-se-á considerar como documento suficiente uma Certidão emitida pelo
Município, em moldes idênticos aos referidos (...)" para a questão anterior?

Previamente à emissão do parecer solicitado, relembra-se que o mesmo é prestado no âmbito e ao abrigo das
competências em matéria de apoio técnico às autarquias locais da nossa área de atuação que nos são cometidas
pela alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, na redação dos Decretos-Lei
n.º 68/2014, de 8 de maio, e n.º 24/2015, de 6 de fevereiro (diploma que estabelece a orgânica das Comissões de
Coordenação e Desenvolvimento Regional), pelo que consiste apenas na interpretação da legislação que
consideramos aplicável, revestindo-se de caráter meramente opinativo.

Assim, e quanto à primeira questão:

Atendendo ao enquadramento feito pelo Município, iremos apreciar e informar partindo do princípio que a questão
da cedência, por um particular, de um terreno à Autarquia, para integração no domínio público para efeitos de
alargamento do perfil de uma via transitável, não está enquadrada nem num processo de loteamento nem num
âmbito de um processo de expropriação pois, a estar, é no âmbito dos respetivos regimes jurídicos que deve ser
procurada (e aí se encontrará) a resposta à questão, estando-se, portanto, perante uma situação em que,
necessitando o Município de parte de um terreno particular para efeitos de alargamento do perfil de uma via
transitável, chega a acordo com o proprietário desse terreno, que aceita ceder a parte desse seu terreno
necessária para o dito alargamento, fazendo tal a título gratuito.

Ora, esta temática foi, entre outras, abordada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/05/2016
(Proc. n.º 1786/14.0TBVIS.C1) (1) , onde é tratada a questão da forma pela qual tinha ocorrido a cedência
gratuita, por um particular, de uma faixa de terreno sita num dos limites de um seu prédio para uma Freguesia
para alargamento de uma rua que confinava com esse prédio. Esta cedência ocorreu por um mero acordo,
reduzido a escrito em papel timbrado da Freguesia, e, na sequência da celebração desse acordo, a Freguesia
procedeu ao alargamento da rua em causa.

Conforme consta desse Acórdão de 31/05/2016, "(...) nada obsta a que o titular do direito de propriedade, no
pleno exercício desse mesmo direito, proceda à sua transmissão (no todo ou em parte), a título gratuito, a favor

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de um ente público, para efeitos da sua afetação ao interesse público e consequente integração no domínio
público", remetendo o acórdão citado para um outro acórdão, da Relação do Porto, de 20/05/2014 (Proc. n.º
1438/08.8TJVNF.P1 ) (2), que, num caso semelhante, considerou que "A parcela de terreno que o (...)" particular
"(...) cedeu (...) tiveram, em vista o alargamento de um caminho público (...). Portanto, estamos perante a
afetação de um bem aos fins do domínio público (...)" da Autarquia. "Ora, a atribuição (formação) do caráter
dominial (ou seja, a aquisição ou submissão de um bem aos fins do domínio público [utilidade pública]) de uma
coisa, não está sujeita à disciplina fixada no Código Civil (CC) para a transmissão de bens imóveis,
designadamente a nível de forma. Na realidade, a lei civil rege unicamente para as relações jurídico-privadas,
sendo que as coisas que se encontram no domínio público se consideram fora do comércio jurídico-privado (v.
art. 202.º, n.º 2 do CC). A este propósito ensinava Marcello Caetano (Manuel de Direito Administrativo, II, 9.ª ed.,
pág. 921) que a atribuição do caráter dominial de um imóvel pode fundar-se designadamente na simples afetação
à utilidade pública (isto é, na aplicação do imóvel ao fim de utilidade pública, como seja a abertura de uma via de
circulação). O que não significa, bem entendido, que ao domínio público não possam sobrevir bens adquiridos
pelos modos previstos no comércio jurídico-privado (...) ou usando-se de forma e formalidades próprias do
comércio jurídico-privado (como seja a simples forma escrita ou a escritura pública). O que se diz é que a questão
do caráter dominial não está sujeita obrigatoriamente aos modos, formas e formalidades próprios do comércio
jurídico-privado. Temos assim que "in casu" o ato de afetação da coisa cedida aos fins da utilidade pública
representou por si só a aquisição do respetivo domínio, por parte da (...)" Autarquia "(...) da parcela de terreno em
causa. Bem se vê, deste modo, que o acordo estabelecido entre (...)" o particular e a Autarquia "(...) não tinha,
para valer juridicamente, que ser formalizado por escritura pública. O que significa que nulidade alguma foi, por
inobservância de forma, praticada. A situação em causa é, aliás, subsumível àquilo a que a doutrina e a
jurisprudência italiana designam de "dicatio ad patriam". A "dicatio" (cedência) consiste basicamente em uma
pessoa ceder para uso público (designadamente para fins de "strade vicinal" [caminhos vicinais]) bens da sua
propriedade, o que é considerado como um meio de aquisição da coisa para o domínio público e uma perda para
o "tradens". A propósito desta temática expende Durval Ferreira (v. Posse e Usucapião, 2.ª ed., pág. 103) que a
regra da exigência da escritura pública se circunscreve às relações que tenham por objeto coisas submetidas ao
comércio jurídico-privado, de sorte que não abrange as declarações de vontade (a começar pela do cedente)
manifestadas para o ingresso da coisa no domínio público, E observa que a "dicatio" é um meio específico e
autónomo de ingresso da coisa no domínio público, fundado justamente na renúncia do particular à sua
propriedade.".

Assim, e voltando-se a citar o referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tendo a Freguesia "(...)
entrado na posse da parcela destacado do prédio do (...)" particular "(...) na sequência do referido acordo e
tendo-a integrado no arruamento (...), não subiste dúvida quanto à sua afetação ao interesse público, do que
decorreria a sua inclusão no domínio público da autarquia (cf. art.º 84.º, n.º 1, al. d) da Constituição da República
Portuguesa) e consequente subtração ao comércio jurídico-privado, nos termos do art.º 202.º do CC (...)."

Não deixa, no entanto, este acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de referir que, "Não obstante, não falta
quem entenda que para o reconhecimento da dominialidade pública não basta a afetação ao uso público, sendo
necessário uma apropriação legítima por parte da entidade administrativa, pressupondo (...) a celebração de um
válido negócio jurídico de direito privado.". Não é este, no entanto, o entendimento perfilhado neste Acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra, com o qual concordamos, que, no sumário desse Acórdão, deixa clara a sua
posição, dizendo:

"III - A atribuição (formação) do caráter dominial (ou seja, a aquisição ou submissão de um bem aos fins do
domínio público [utilidade pública]) de uma coisa, não está sujeita à disciplina fixada no Código Civil para a
transmissão de bens imóveis, designadamente a nível de forma. Na realidade, a lei civil rege unicamente para as
relações jurídico-privadas, sendo que as coisas que se encontram no domínio público se consideram fora do
comércio jurídico-privado (v. art. 202.º, n.º 2 do CC).

IV - Os bens podem ingressar no domínio público (...) com base em cedência e tradição consubstanciadoras da
"dicatio ad patriam" (...).

V - Tendo a (...)" Autarquia "(...) entrado na posse da parcela destacada do prédio do (...)" particular "(...) na
sequência do (...) acordo e tendo-a integrado no arruamento (...), não subsiste dúvida quanto à sua afetação ao

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interesse público do que decorreria a sua inclusão no domínio público da autarquia (artigo 84.º, n.º 1, al. d) da
CRP) e consequente subtração ao comércio jurídico privado, nos termos do artigo 202.º do CC (...)".

Ainda quando ao mencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, também aí claramente se diz que "O ato
de cedência (...) não pode ser tratado como se de uma mera doação se tratasse, por envolver uma entidade
pública e um fim de utilidade pública. Esta característica não pode deixar de influenciar o regime legal aplicável.",
constando do seu sumário que "I ? A cedência de uma parcela de terreno para o alargamento de um caminho
público não está sujeita a forma legal."

Também relativamente a esta matéria se pronunciou o Conselho Técnico da Direcção-Geral de Registos e


Notariado (Boletim dos Registos e do Notariado, n.º 2/2005, II Caderno, Proc. n.º R.P. 160/2003 DSJ-CT)
dizendo, em sede de conclusões, em face de uma certidão passada por uma Câmara Municipal na qual se
certificava que de prédio rústico pertencente a particular tinha sido cedida por este determinada área para
alargamento de estrada:

"I - As coisas públicas são as assim definidas pela lei que, com vista à sua utilização na satisfação de certa
necessidade coletiva, as subtrai ao comércio jurídico-privado para as submeter ao domínio público de uma
pessoa coletiva de direito público de caráter territorial e que, enquanto tais, não estão sujeitas, em regra, ao
registo predial.

II - A integração de parcela ou parcelas de terreno de prédio descrito no domínio público pode ocorrer,
designadamente, no âmbito do licenciamento de uma operação de loteamento, ou por força de um processo de
expropriação por utilidade pública, em virtude de construção de infraestruturas viárias, a cargo do Estado ou das
autarquias locais, ou ainda no caso de alargamento de vias públicas por iniciativa das mesmas entidades.

III - A forma de documentar a integração varia em função da causa que a motivou, podendo materializar-se num
alvará de licenciamento de operações de loteamento, num auto de expropriação, numa escritura pública notarial,
numa certidão de sentença judicial emanada de tribunal competente (...) e, em suma, numa certidão emitida pela
aludida pessoa coletiva de direito público de população e território (v. g., Estado, Regiões Autónomas e
autarquias locais), a quem incumbe o ato de afetação ao domínio público.

IV - Comprovada, por qualquer dos meios previstos, aquela cedência, tal facto não deverá, em princípio,
determinar, a nível de técnica registral, a desanexação da respetiva área ou da área restante que permanece no
comércio jurídico (...)".

Também no Proc. n.º R.P. 350/2003 DSJ-CT (que consta do mesmo Boletim) o dito Conselho Técnico, disse, em
sede de conclusões:

"(...)

II - Quando a modificação superveniente da área de prédio descrito ocorra por motivo de afetação de uma parcela
sua ao domínio público, a atualização far-se-á através de declaração dos interessados no registo, instruída com a
certidão de teor matricial ou caderneta predial urbana do artigo correspondente (...) e, quando seja caso disso, o
duplicado do pedido da sua alteração ou certidão da sua pendência (...)".

Relativamente à segunda questão (relembra-se, se no caso de uma cedência de terreno pertencente ao domínio
privado municipal a um particular para efeitos em operações urbanísticas, se poderá considerar como documento
suficiente a certidão emitida pelo Município):

Sem prejuízo de que esta questão, para poder ser devidamente apreciada e corretamente respondida,
necessitasse de um melhor enquadramento factual, os bens que integram o domínio privado municipal estão, em
princípio, sujeitos a um regime de direito privado (salvo regra especial ou naquilo que seja contrário à natureza
própria desse domínio, conforme resulta do artigo 1304.º do Código Civil), ou seja, estão subordinados ao regime
da propriedade disciplinada pelo direito civil, e, como tal, a cedência de um terreno do domínio privado do

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município tem de ser titulada por escritura pública ou documento particular autenticado (vide artigo 875.º e artigo
947.º, n.º 1 do Código Civil), não sendo suficiente uma certidão emitida pelo município.

Concluindo:

1. A atribuição (formação) do caráter dominial (ou seja, a aquisição ou submissão de um bem aos fins do domínio
público [utilidade pública]) de uma coisa não está sujeita à disciplina fixada no Código Civil para a transmissão de
bens imóveis, designadamente a nível de forma (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/05/2016).

2. Assim, a cedência de uma parcela de terreno para o alargamento de um caminho público não está sujeita a
forma legal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/05/2014).

3. As coisas públicas, com vista à sua utilização na satisfação de certa necessidade coletiva, encontram-se
subtraídas ao comércio jurídico-privado e submetidas ao domínio público de uma pessoa coletiva de direito
público de caráter territorial e, enquanto tais, não estão sujeitas, em regra, ao registo predial (vide parecer do
Conselho Técnico da Direção-Geral de Registos e Notariado, Proc. n.º R.P. 160/2003 DSJ-CT).

4. A integração de parcela ou parcelas de terreno de prédio descrito no domínio público pode ocorrer no caso de
alargamento de vias públicas por iniciativa das autarquias locais (vide parecer do Conselho Técnico da
Direcção-Geral de Registos e Notariado, Proc. n.º R.P. 160/2003 DSJ-CT).

5. A forma de documentar a integração varia em função da causa que a motivou, podendo materializar-se numa
certidão emitida pela aludida pessoa coletiva de direito publico de população e território (v. g., Estado, Regiões
Autónomas e autarquias locais), a quem incumbe o ato de afetação ao domínio público (vide parecer do Conselho
Técnico da Direcção-Geral de Registos e Notariado, Proc. n.º R.P. 160/2003 DSJ-CT).

6. Comprovada, por qualquer dos meios previstos, aquela cedência, tal facto não deverá, em princípio,
determinar, a nível de técnica registral, a desanexação da respetiva área ou da área restante que permanece no
comércio jurídico (vide parecer do Conselho Técnico da Direcção-Geral de Registos e Notariado, Proc. n.º R.P.
160/2003 DSJ-CT).

7. Quando a modificação superveniente da área de prédio descrito ocorra por motivo de afetação de uma parcela
sua ao domínio público, a atualização far-se-á através de declaração dos interessados no registo, instruída com a
certidão de teor matricial ou caderneta predial urbana do artigo correspondente e, quando seja caso disso, o
duplicado do pedido da sua alteração ou certidão da sua pendência (vide parecer do Conselho Técnico da
Direcção-Geral de Registos e Notariado, Proc. n.º R.P. 350/2003 DSJ-CT).

8. Os bens que integram o domínio privado municipal estão, em princípio, sujeitos a um regime de direito privado
(salvo regra especial ou naquilo que seja contrário à natureza própria desse domínio, conforme resulta do artigo
1304.º do Código Civil), ou seja, estão subordinados ao regime da propriedade disciplinada pelo direito civil, e,
como tal, a cedência de um terreno do domínio privado do município tem de ser titulada por escritura pública ou
documento particular autenticado (vide artigo 875.º e artigo 947.º, n.º 1 do Código Civil), não sendo suficiente uma
certidão emitida pelo município.

________________________
(1) Disponível in www.dgsi.pt
(2) Disponível in www.dgsi.pt

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Relator: Ana Rute Ribeiro

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