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REFORMA PROTESTANTE NA HOLANDA:


DISPUTAS RELIGIOSAS ANTES DA INVASÃO AO BRASIL

Anderson Fernando Rodrigues Mendes1

RESUMO:

O presente artigo pretende discutir sobre o ambiente religioso na Holanda construindo


relações com a presença neerlandesa nas capitanias do norte do Brasil. Nesse sentido,
almejamos apresentar um panorama introdutório sobre como primeiramente se deu a
Reforma Protestante nos Países Baixos; em seguida, acerca da relação conturbada entre
calvinistas do norte e católicos do sul; e, por fim, a recepção das cidades neerlandesas e
belgas de grupos distintos dos judeus, apontando a importância econômica desses para os
empreendimentos capitalistas da região em troca de liberdade religiosa e proteção jurídica.
Para isso realizamos um análise bibliográfica entre os artigos publicados mais
recentemente dos historiadores Ronaldo Vainfas e Paulo Siepierski, bem como de obras
que nos ajudaram a embasar nossa discussão, como de Sérgio Buarque de Hollanda,
Evaldo Cabral de Mello, Manuel Correia de Andrade, Max Weber e Will Durant.

PALAVRAS-CHAVE: REFORMA; HOLANDA; BRASIL; NORDESTE.

INTRODUÇÃO

Algumas questões serviram de ponto de partida para nossa pesquisa: Como se deu a
expansão calvinista nos Países Baixos? Como viviam católicos e protestantes na Holanda?
As mesmas características religiosas foram reproduzidas no Brasil holandês? Como se
davam as relações entre os calvinistas e católicos? Houve de fato liberdade religiosa no
governo flamengo no Nordeste? E, ao fim da dominação holandesa, como conviveram os
credos religiosos por aqui? Esses problemas podem nos ajudar a esboçar as primeiras
reflexões sobre o tema da presença protestante no período holandês (1630-1654) e a partir
da restauração da hegemonia portuguesa (1641), porém nesse artigo iremos nos ater as
duas primeiras problemáticas expostas.

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Mestrando, especialista e licenciado em História – UNICAP; bacharelando em Ciências das Religiões –
UFPB e Mestre em Ciências da Religião – UNICAP.
2

Vale ressaltar que após Calvino tornar-se um dos grandes líderes protestantes na
Europa junto com Lutero, não demorou muito para o calvinismo chegar aos Países Baixos,
onde o luteranismo e os anabatistas já estavam presentes. Os Países Baixos pertenciam ao
Reino da Espanha de Felipe II, filho de Carlos V – que estava enfrentando sérios
problemas com Lutero e seus seguidores na Alemanha – e pretendia assegurar o retorno da
influência católica na Europa. Interesses religiosos e políticos se misturavam nos Países
Baixos levando-os às constantes revoltas que culminaram na divisão das províncias. No
sul, a Bélgica continuou católica e obediente ao reino da Espanha, porém, no norte, a
Holanda, sob a liderança de Guilherme de Orange2, repudiando o rei espanhol, tornou-se
calvinista.
Sérgio Buarque de Hollanda (2004, p. 184) afirma que a poderosa e católica Espanha
oprimia a pequena e insolente adepta da Reforma Protestante, a Holanda. Mas a província
espanhola e calvinista era composta por comerciantes em crescente enriquecimento.
Holanda e Espanha não cessam com os conflitos por questões econômicas e religiosas.
Para os neerlandeses atacarem uma próspera área de cultivo de açúcar era o mesmo que
ferir dois inimigos com apenas um golpe, enfraquecer econômica e politicamente a Coroa
espanhola, monopolizando o plantio, a distribuição e a venda do açúcar brasileiro, herdado
de Portugal na unificação ibérica.
Essa conspiração ocorrera simultaneamente à luta emancipacionista holandesa jogando
mais combustível ao conflito entre metrópole e província. O plano era maior, segundo
Sérgio Buarque de Hollanda (2004, p. 185), não só incluía o Nordeste brasileiro, mas
também a Angola, a fim de controlar o comércio de escravizados da África para o Brasil,
levando a Coroa Ibérica a sucessivos e imediatos prejuízos. O protestantismo reformado
dava a legitimidade religiosa que os burgueses flamengos necessitavam para tomar ricas
possessões de inimigos políticos e religiosos, os lucros e os juros, ambos combatidos pelas
instituições católicas, foram declarados legais pela religião reformada. O capitalismo da
época incentivava essa agressividade econômica em busca de ganhos financeiros. Religião,

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Guilherme foi morto e seu filho, Maurício de Nassau – esse não se trata do conde que governou o Brasil
holandês – venceu os espanhóis, e a Holanda, protestante, sagrou-se como vencedora. A Espanha reconheceu
a independência holandesa em 1648.
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política e economia sustentavam as intenções holandesas de atacar a Espanha de frente,


levando à sangria também Portugal. As guerras ocuparam demasiadamente a Espanha na
Europa tirando as atenções das colônias que conseguira com a unificação dos reinos
ibéricos.
Os holandeses, que já dominavam o mercado do açúcar na Europa do século XVII,
pretendiam ocupar as áreas açucareiras no Brasil através dos investimentos e
empreendimentos da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas (West Indians
Compagnie - WIC), contando com armas, dinheiro e informações sobre os alvos. O
primeiro deles foi a Bahia, em 1624, com o objetivo de atacar a sede da colônia portuguesa
e fundar uma ainda mais forte. Com o insucesso na região, expulsos em 1625, o próximo
alvo foi Pernambuco, a próspera capitania açucareira. Invasão realizada em 1630, a capital
Olinda praticamente nem resistiu. O resultado foi pânico, os habitantes fugiram para o
interior e, em seguida, partiram para Salvador deixando para trás bens e terras, que, mais
tarde, seriam confiscados pelos holandeses e vendidos a quem quisesse e pudesse adquiri-
las, flamengos, judeus ou luso-brasileiros.
O fim da União Ibérica (1641) colocara mais motivações nesse conflito. Portugal
pretendia recuperar suas possessões e a hegemonia no comércio do açúcar. A isso soma-se
o interesse dos senhores de engenho e dos altos comerciantes do Recife em retomar o
poder da capitania. O levante se espalhou por todas as partes dos domínios holandeses no
Brasil, obrigando os flamengos a se refugiarem em Recife até quando pudessem. A
rendição dos holandeses aconteceu em 1654, na Nova Holanda, após a derrota nas duas
Batalhas dos Guararapes restaurando assim o domínio português no Brasil. Como
Itamaracá e Pernambuco eram capitanias particulares foram desapropriadas em nome da
Coroa portuguesa sob alegação de seus donatários não as terem defendido como deveriam
(ANDRADE, 1999, p. 88).
Pretende-se no primeiro momento neste trabalho, refletir como se deu a
implementação do Calvinismo nas terras neerlandesas, o que a adesão à Reforma
Protestante trouxe aos Países Baixos, como se desfecha a questão entre Espanha católica e
Holanda protestante, finalizando com a questão da invasão holandesa ao Brasil.
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1. Reforma Protestante e os primeiros passos da Holanda

Segundo Max Weber (2005, p. 54-55) em sua clássica obra A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo (1905), afirma que “o Calvinismo foi a fé em torno da qual
giraram as grandes lutas políticas e culturais dos séculos XVI e XVII dos países
capitalistas altamente desenvolvidos – Países Baixos, Inglaterra e França”. Todavia, antes
dessa crença florescer na Holanda, Calvino obteve sucesso primeiro em Genebra, na Suíça,
devido alguns fatores pontuais também comuns aos holandeses que irão abraçar essa
mesma fé, como por exemplo, ele mesmo ter se adaptado a mais importante característica
da referida cidade suíça, o enriquecimento com o comércio, tornando-se um grande
ministro do Evangelho e desenvolvendo sua doutrina em consonância com as aspirações
dos genebrinos. Genebra era uma cidade-estado de comerciantes e Calvino fez bem,
mesmo com toda a sua severidade na administração teocrática que impunha aos
genebrinos, não terem limitado as relações comerciais locais como faziam os
administradores católicos de outrora, muito pelo contrário, estabeleceu preços, autorizou o
empréstimo a juros fixados em dez por cento e fundou um banco que financiava os
negócios municipais. Não é difícil entender o porquê dos habitantes de Amsterdã terem se
adaptado também à fé genebrina, recebendo pastores pelas escolas calvinistas criadas pelo
próprio reformador na Suíça. A resposta quem nos dá é Will Durant (2002, p. 397): “o
calvinismo acolheu a classe média em seu rebanho e cresceu com o seu desenvolvimento”.
Os Países Baixos eram compostos por dezessete províncias governadas, a partir de
1555, pelo rei Felipe II que recebera o território de seu pai, o imperador alemão Carlos V.
Enquanto o pai lutava para unir seu império que se dividia entre principados católicos e
luteranos, o monarca presenteado começara a unificar suas possessões política e religiosa,
o calvinismo já fazia numerosos adeptos, principalmente na classe média. Ora, a maioria
das províncias em questão eram mercantis e manufatureiras e as pretensões de
estabelecimento do catolicismo no reino traziam muitos prejuízos aos negócios, levando a
população ao medo e à fuga. Isso porque o rei usou de métodos comuns em outras cortes
para reprimir os “hereges” protestantes, a Inquisição. A burguesia e parte da nobreza
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passaram a repudiar as ações reais, motins e saques nas vilas que tornaram-se comuns.
Guilherme de Nassau, príncipe de Orange (1533-1584) antes luterano, mas convertido ao
calvinismo, em 1573, não apenas se tornou o grande opositor do rei Felipe II, mas um
grande líder da independência da Holanda e da aproximação dessa com Portugal. Graças a
oposição entre ricos e pobres luteranos e calvinistas, além dos católicos, Guilherme de
Orange não conseguiu superar as divergências da região e deixou o reino, permanecendo
na Alemanha por alguns anos. O rei Felipe II reagiu com violência e em 1567, de Bruxelas,
partiu com um exército de 9 mil homens chefiados pelo Duque d’Alba, Fernando Álvarez,
para reconquistar os Países Baixos (SIEPIERSKI In: ANDRADE, Manuel et al, p. 147).
Guilherme de Orange ainda tentou uma invasão da Alemanha, mas não obteve êxito
e mais de mil revoltosos foram executados. Enquanto Guilherme organizava uma nova
expedição contra o rei partindo ainda da Alemanha, seu irmão, Luís de Nassau (1538-
1574), vindo da Inglaterra, invade duas das principais províncias espanholas, Holanda e
Zelândia, com a ajuda de corsários ingleses e calvinistas franceses. Praticamente todos os
Países Baixos foram capturados pelos Oranges. A Autuérpia e as demais províncias do Sul
aderiram a revolta quando, em 1576, tropas espanholas se intrometeram no conflito sendo
expulsas logo um ano depois. O apoio só foi possível graças a aceitação da liberdade
religiosa tanto para católicos do sul, quanto para calvinistas do norte, cada um em seu
território. Guilherme de Orange, declarado regente das Províncias Unidas dos Países
Baixos, tentou consolidar a união do território, mas as divergências religiosas entre o lado
católico e protestante inviabilizaram seus objetivos (SIEPIERSKI In: ANDRADE, Manuel
et al, p. 148-149).
Revoltas violentas se sucederam e duas ligas religiosas e políticas se formaram, a
Liga de Arras, das províncias católicas do sul, e a Liga de Utrecht, no norte calvinista.
Guilherme de Orange decidiu-se pelo calvinismo após a reunião do primeiro sínodo do
país, em 1571, no entanto, concedeu liberdade religiosa para os Anabatistas, em 1577, fato
que não acontecera em nenhum outro lugar tornando a Holanda uma rota de fuga para
protestantes perseguidos em outras nações. Já para os católicos não era permitida a
realização de cerimônias religiosas públicas, mas foi dado a esses, mediante o pagamento
de imposto, o direito de residência e trabalho nas províncias norte (ibid, p. 150).
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Enquanto o sul se mostrava cada vez mais aderir o absolutismo, dito como “províncias
obedientes”, o norte optava por um sistema de federações, chamado de Estados Gerais
compostos por seis províncias. Amsterdã foi a cidade que conseguiu sobrepor-se aos
demais centros urbanos dos Países Baixos dada a sua importância econômica e mercantil,
antes protagonizada pela Belga Antuérpia, na virada do século XVI para o XVII. Vale
ressaltar que até antes da independência da Holanda e até da Reforma Protestante, observa-
se os registros da presença holandesa no comércio atlântico com Portugal, relação essa já
antiga dos seiscentos que será abalada pelos conflitos de emancipação política contra a
Espanha, ou melhor dizendo, União Ibérica.
Segundo Evaldo Cabral de Mello (2003, p. 32-33), Pernambuco era precioso
demais para as contas do reino e estava disposto a pagar uma gorda indenização e abrir
mão de posses no Oriente, antes lusas, em troca da lucrativa capitania do açúcar. Até após
a restauração do reino português, as atuações diplomáticas continuaram com os Estados
Gerais, no entanto um problema iminente mostrava-se paralelamente tão de primeira
ordem quanto era o restabelecimento de Pernambuco, a consolidação da independência da
antiga metrópole aliando-se para isso com a também recente nação independente e ex-
colônia castelhana, a própria Holanda (ibid, p. 37). Com a restauração portuguesa e a
trégua de dez anos com os batavos, o comércio flamengo pôde respirar mais aliviado, pois
era o fim dos embargos impostos pelos espanhóis e o restabelecimento principalmente do
comércio do sal, oriundos de Portugal e muito importante para o comércio neerlandês. O
tratado de trégua entre o reino luso e a Holanda previa um direito importante em seu 25º
artigo, que para nossa pesquisa é bastante relevante, dado a proteção legal declarada aos
súditos das Províncias Gerais Unidas de qualquer confissão religiosa na Metrópole e
estendida para as colônias portuguesas, desautorizando a jurisdição do Tribunal do Santo
Ofício contra esses aliados (MELLO, 2003, p. 41). Veremos que foi respeitando esse
artigo que o mestre de campo, André Vidal de Negreiros, foi enviado de Salvador pelo
Governador do Brasil, Antônio Teles, para prender João Fernandes Viera e todos os que
queriam promover uma guerra contra os holandeses e apaziguar a capitania, como bem nos
relata Frei Manoel Calado.
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Essa trégua, ainda segundo Evaldo Cabral de Melo (2003, p. 43), foi assinada em
12 de junho de 1641, mas só foi ratificado em novembro do mesmo ano e a decisão chegou
ao Brasil em julho de 1642. Um ponto importante sobre o tal artigo levou ao
descontentamento os britânicos que residiam em Portugal e nas colônias por gozarem do
direito parcial da liberdade de crença. Isso fez com que os diplomatas ingleses exigissem
uma atualização de seus direitos religiosos iguais aos dos holandeses. Vale ressaltar que os
ânimos entre lusos e flamengos já estavam mais amenos quando o marquês de Montalvão
governava o Brasil português, e o Conde de Nassau, o Brasil holandês, antes até do tratado
de trégua de 1641 fosse assinado, dado que a presença calvinista holandesa ou de judeus
sefarditas que atuavam em nome da WIC foi melhor tolerada em Salvador e vice-versa.
Era melhor Portugal independente e aliado do que ocupado e declarado inimigo por
consequência da inimizade dos espanhóis. Esse fato pode ser bem observado da acolhida
de Nassau à notícia da coroação de D. João IV, em Lisboa, organizando festividades
públicas e prosseguindo com a diplomacia de reconciliação com a comunidade luso-
brasileira. Em resposta, o governo de Salvador mandava para Nassau oficiais
pernambucanos exilados em Salvador apontando para a confirmação da trégua entre
portugueses e holandeses no Brasil (ibid, p. 48-49).

2. Calvinistas e demais grupos cristãos na Holanda

Ainda falando nas raízes da fé reformada calvinista genebrina e acerca da tolerância


religiosa, João Calvino fora tão intolerante na administração de Genebra quanto a época do
governo episcopal católico. O Reformador, com o apoio do Grande Conselho, mandava
exilar, prender, torturar e executar quem cometesse crimes contra a ordem pública, a moral
e o Evangelho. Um dos casos mais conhecidos foi a acusação pessoal de João Calvino a
Miguel Servet por pregar contra a Trindade o batismo infantil e por ofender a autoridade
do Reformador. Calvino, que se recusou entregar Servet à Inquisição Católica, cooperou
com a condenação do mesmo o igual destino inquisitório francês e terminou queimado
vivo, amarrado em um poste com seu livro preso ao corpo (DURANT, 2002, p. 404-405).
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Após a Independência dos Países Baixos, uma controvérsia teológica assola o seio
da Igreja Reformada holandesa. Dois grupos se rivalizavam na jovem nação, desde os
assuntos religiosos até os políticos. Os “calvinistas estritos” defendiam a doutrina da
predestinação incondicional dos eleitos por Deus antes da fundação do mundo e, da
autogovernança eclesiástica, contando com o apoio e segurança do Estado, como acontecia
em Genebra. O outro grupo era composto pelos “calvinistas arminianos” tendo como
interlocutor, Jacobus Arminius (1559 ou 1560 – 1609), que defendia a predestinação
apenas ao estado de queda ou pecaminoso a partir de sua onisciência e não pela eleição de
homens ainda não criados 3 , além de defenderem a participação do poder secular no
eclesiástico, inclusive na nomeação dos ministros da Igreja (SIEPIERSKI In: ANDRADE,
Manuel et al, p. 153-154).
Dois grupos calvinistas se formam a partir das citadas divergências teológicas e
políticas, os “Remonstrantes” que eram partidários da tese arminiana de predestinação,
tutela da Igreja ao Estado, a tolerância religiosa e um governo republicano; e os
“Contrarremonstrantes” que defendiam a predestinação absoluta, o sentimento anticatólico
e a centralização do poder. Maurício de Nassau, herdeiro do trono de Guilherme de
Orange, seu pai, pretendia retomar as províncias do sul, ocupadas pela Espanha católica e
para isso obteve o apoio dos contrarremonstrantes. Grandes nomes dos Estados Gerais das
Províncias Unidas como Johan Van Oldebarnevelt 4 (1547-1619) e o historiador e jurista
Hugo Grotius foram acusados de traição e punidos ou com a pena capital, que foi o caso do
primeiro, ou com a prisão, como aconteceu com o segundo. Vários outros remonstrantes
foram expulsos da Holanda por não aceitarem a retratação, dada a convocação entre 13 de
novembro de 1618 a 9 de maio de 1619, do sínodo nacional pelos Estados Gerais em Dort,
que contou com a presença de representantes calvinistas da Inglaterra, Escócia, Palatinado,
Nassau, Hesse, Bremen e Suíça. O arminianismo foi refutado e a Confissão Belga e o

3
Para Arminius Deus, em sua onisciência, predestina homens para a salvação a partir da presença
perseverante da fé em Cristo e predestina outros para a condenação aos que não creem em seu filho e
permanecem em sua incredulidade. Enquanto as correntes tradicionais do calvinismo defendiam que Deus já
predestinou homens para o céu e para o inferno antes da fundação do mundo, sem alguma participação
humana.
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Fundador da Companhia das Índias Orientais Holandesas e foi executado por traição em 13 de maio de
1619.
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Catecismo de Heidelberg foram instituídos como base doutrinária da Igreja Reformada


Holandesa (SIEPIERSKI In: ANDRADE, Manuel et al, p. 155-156).

3. Judeus e Cristãos Novos na Holanda

Os grupos de judeus ibéricos se formaram em Amsterdã e, com a invasão ao Brasil,


trocaram a metrópole pela nova colônia. Antes disso, é importante adiantar que com a crise
que atingia os banqueiros genoveses, principais financiadores da monarquia espanhola, na
primeira metade do século XVII, o grupo de mercadores cristãos novos de Lisboa passou a
investir seus capitais no que Evaldo Cabral de Mello (2003, p. 29) destaca como
“promoção do açúcar do Atlântico português”.
Muitos judeus e cristãos novos do reino ibérico imigraram para Amsterdã fugindo
da perseguição católica institucionalizada a partir do Tribunal do Santo Ofício. Essa fuga,
para os cristãos novos, representava voltar a professar a fé judaica sem receio de
perseguição; e para os judeus velhos, a de não serem obrigados a negar sua crença em
nome da liberdade como fizeram esses primeiros. Amsterdã precisava dos investimentos
judeus e esses precisavam da liberdade religiosa da capital holandesa, e isso mostrava-se
ser a união perfeita. A organização da primeira comunidade ibérico-judaica na Holanda é
datada entre 1598 e 1602, liderada pelo rabino Moises Eri Levi que pregava em alemão,
sendo seus sermões traduzidos para o espanhol pelo seu filho Aarão Halevi. Essa
comunidade teve um crescimento impressionante que contava com cerca de cem
participantes nos primeiros dois anos de fundação; quinhentos, em 1615; e mais de mil, em
1620 (VAINFAS, In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima, 2010, p. 304).
Na virada do século XVI para o XVII, três sinagogas foram fundadas nessa
comunidade judaica imigrante em Amsterdã. A primeira a ser fundada se chamava Beth
Yacob, a segunda Neweh Shalom, ambas de 1608, e a terceira era a Beth Israel, de 1618.
Por volta de 1639, as três congregações se uniram originando a famosa Talmud Torá, que
contava com estatuto, rabino principal, conselho único formado por sete gestores e um
tesouro. Essa comunidade judaica era reservada à gente da nação, onde não se sabe ao
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certo se eram aceitos apenas portugueses e espanhóis fugidos, ou apenas portugueses, ou


até cristãos novos vindos do Reino Ibérico. O certo é que imigrantes da Alemanha católica
não faziam parte dessa comunidade. O mais importante é sabermos que os judeus
portugueses da Tamuld Torá de Amsterdã mudaram-se para o Recife durante a ocupação
holandesa no Brasil desde seus primeiros anos, fundando ali duas sinagogas: a Kahal
Kadosh Zur Israel, de 1630, e a Kahal Kadosh Magen Abraham, de 1637, que, em 16485,
seriam unificadas (VAINFAS, In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima, 2010, p.
305-306).
A partir de um longo processo de conflitos econômicos no Mediterrâneo que
desloca a liderança do comércio de produtos necessários do mercado europeu da área
mediterrânea para o norte do Velho Mundo, leva ao fortalecimento das cidades dos Países
Baixos. O Mediterrâneo se afunda em graves batalhas navais entre os povos cristãos e os
turcos que dominavam o Mar Negro, Constantinopla e o Egito, em especial, a rota pelo
Mar Vermelho. Quem se beneficiou com essa instabilidade no sul do continente europeu
foram os Países Baixos que concentraram, na segunda metade do século XVI, as principais
atividades econômicas portuárias da Europa. Além disso, a boa relação desses com
Portugal e Espanha levou-os a participar do lucrativo comércio dos produtos coloniais,
principalmente a cidade belga da Antuérpia e as holandesas de Rotterdã, Amsterdã, além
de Middelburg, na Zelândia. Outra característica que pode nos ajudar ainda mais a entender
esse contexto histórico no norte da Europa, é a expansão da religião calvinista que não
proibia o lucro e nem a usuva, como fazia a igreja romana, ainda pelo contrário, conciliava
fortuna material e salvação espiritual, influenciando as populações das cidades dessa região
aderirem em massa a referida fé cristã reformada. A nova religião levou os Países Baixos a

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Segundo o mesmo Ronaldo Vainfas no artigo Jerusalém pernambucana (2012, p. 187) publicada na obra
Brasil Holandês: história, memória e patrimônio compartilhado, a primeira sinagoga das Américas
localizada na jodenstraat, ou rua dos judeus, próximo ao porto do Recife, cujo nome era Kahal Kadosh Zur
Israel (Santa Congregação do Arrecife de Israel), fundada em 1630, autorizou a abertura, em 1637, da Kahal
Kadosh Magen Abraham (Santa Congregação do Escudo de Abraão) para ser apenas uma sinagoga de
realização do Shabat dos moradores da Ilha de Antônio Vaz e que poderia ser fechada a qualquer momento
por esta mais antiga. No entanto, a Magen Abraham instituiu seu próprio mahamad (conselho) e rabino
tornando-se uma comunidade judaica rival da Zur Israel. A unificação das duas sinagogas se deu pelo
conflito instaurado entre as duas comunidades judaicas que buscavam mais influência entre os sefarditas no
Recife, levando a Talmuld Torá da Holanda, em 1648, a intervir em favor da Zur Israel levando a
incorporação a essa da concorrente Magen Abraham.
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uma longa guerra contra a repressão religiosa do rei católico Felipe II. Esse conflito casou
a separação das províncias dos Países Baixos e a formação de distintos Estados, católico e
protestante. No sul, a Antuérpia foi saqueada pelos espanhóis e, ao norte, Amsterdã toma a
liderança comercial e o financiamento de capitais antes concentradas na cidade belga
(VAINFAS, In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima, 2010, p. 173-174).
Aqui entramos em um dos temas principais, a diáspora de judeus e cristãos novos
para a rica e tolerante capital da Holanda. Soma-se a tudo isso que foi exposto aqui, a
instalação do Tribunal do Santo Ofício na Espanha, entre 1478-1480, e em Portugal, entre
1536-1540, que proporcionou a conversação forçada de muitos deles levando-os a
aceitarem a fé católica, ou a praticarem o judaísmo em segredo no âmbito familiar, e o
catolicismo, no público, ou ainda pela fuga para países mais tolerantes. As três
possibilidades aconteceram, porém a que mais nos interessa aqui é referente as várias levas
migratórias de judeus em fuga, desde o século XV até o XVII. Quatro destinos foram os
mais procurados pelos imigrantes, o primeiro deles foi a fuga dos judeus espanhóis para a
nação vizinha de Portugal cujo Tribunal da Inquisição ainda não tinha sido instalado; após
a criação do Santo Ofício no reino português continua-se a diáspora para a Itália,
principalmente Nápoles, Veneza, Ferrara e Roma e para o Norte da África rumo as cidades
marroquinas; o terceiro grande receptor de imigrantes desses grupos da península ibérica
foi o Império Otomano, destacadamente para as cidades de Salonica, Esmirna e Istambul; e
por último, a quarta grande rota de fugitivos da perseguição católica dos reinos de Portugal
e Espanha foi a cidade belga da Antuérpia, que recebera grandes quantidades de muitos
desses oriundos dos reinos ibéricos durante todo o século XVI. No entanto, após o declínio
da Antuérpia, Amsterdã se torna o grande centro econômico da Europa do Norte e uma
importante rota de fuga para esses ibéricos, principalmente portugueses, tornando-se o
quinto grande destino dos judeus sefardistas e a formação de uma ampla comunidade
judaica na Europa (ibid, p. 172-174).
No entanto, os grupos de judeus sefarditas emigrados para países que tolerassem
melhor sua religião eram em geral cristãos-novos, ou seja, não eram judeus
tradicionalmente imersos na tradição do judaísmo, pois por conversão compulsória ou
voluntária – para serem integrados na sociedade ibérica católica - esses primeiros
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praticamente não conheciam o judaísmo de fato, apenas superficialmente e muitas vezes


até pela versão cristã da religião hebraica. O caso é que muitos judeus sefarditas, ou seja,
oriundos dos reinos ibéricos, tiveram que ser circuncidados já adultos – não excluindo as
crianças e os adolescentes dessa prática - e também doutrinados na Lei de Moisés. Um
problema a ser solucionado era a leitura na língua hebraica como um dos traços principais
da religião e que os sefarditas praticamente desconheciam. Para assumir a grande missão
de integração desses cristãos-novos à tradição dos judeus velhos era necessário trazer
rabinos experientes e grandes mestres na doutrina e na língua hebraica. Esses rabinos que
foram trazidos das mais antigas comunidades judaicas do Mediterrâneo e passaram não só
a assumirem a responsabilidade de dirigir as novas sinagogas nos Países baixos, mas
também se atarefaram como importantes professores do judaísmo e do hebraico. Como
diferenciação, tais cristãos novos, que mal sabiam a Torá direito e precisavam rejeitar a
“Lei de Cristo” e aceitar a verdadeira mensagem das Escrituras, a “Lei de Moisés”, eram
chamados de Judeus Novos (VAINFAS In VIEIRA, Hugo et al 2012, p. 177-178).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para podermos nos deleitar com os estudos e leituras sobre o período quando os
empresários da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas – a WIC – empreenderam
nas capitanias do norte do Brasil um programa de colonização, é importante que nos
debrucemos nos acontecimentos anteriores que fundam os Estados Gerais dos Países
Baixos a partir de uma intensa disputa militar e religiosa contra o rei ibérico, Felipe II. As
fronteiras políticas e religiosas contornaram os projetos de investimentos coloniais
sediados em Amsterdã, a mais nova potência econômica da Europa Ocidental.
No que tange as questões de liberdades religiosas asseguradas na Nova Holanda
podem ser encontradas como base das convenções sociais, políticas, econômicas e, claro,
religiosas na própria Amsterdã. O caminho que os judeus serfadistas fazem em
peregrinação da Península Ibérica até a capital holandesa e depois até o Recife não é um
mero acaso. O poderio econômico desses hebreus era importante demais para as pretensões
capitalistas neerlandesas e não poderia ser inviabilizado por perseguições religiosas. Da
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mesma forma como a capital da Holanda abraçou os judeus e suas fortunas, assim Recife o
fez durante o domínio batavo por essas bandas do Atlântico.
A Holanda tanto foi o local de partida desses investidores e aventureiros como o de
fuga com a Restauração Pernambucana (1645-1654), um caminho de redes traçado nas
teias mercantilistas dos seiscentos. O fato é que dedicar-se aos estudos do Brasil Holandês
sem compreender a fundo o que era a Holanda, ou até as províncias espanholas dos Países
Baixos, no século XVI, e como elas se desdobraram em Estados Nacionais independentes,
é limitar demais o campo de visão do fazer historiográfico. Foi para atender tal desafio que
esse artigo foi elaborado, para levar essa fagulha de interesse acadêmico para outros
futuros pesquisadores sobre esse momento histórico do Nordeste e do Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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