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de marfim para os turistas, mas que sao vendidos em outras cidades. Eles preferiram nao ter contato direto com visitantes. Nas ilhas gregas também podem ser vistas diferentes reagdes ao turismo. Skyros é um exemplo de como as coisas podem acontecer de forma diferente nos processos de turistificagao. Por um lado, os primeiros viajantes que se interessaram pela ilha tiveram como principal motivagao seu patrim6nio e sua cultura. Somente mais tarde ela passou a ser um destino de sol e praia. Por outro lado, foram os empreendedores locais que se interessaram pelos negocios turisticos e nao as multinacionais. Finalmente, ao contrério do que aconteceu em outros locais, onde a populagio sentiu-se invadida pelos turistas, as mulheres de Skyros, pelo fato de outorgar muito valor a arrumagao e a limpeza de suas casas, sentiam prazer e orgulho em abri-las para os turistas e permitir que eles tirassem fotografias (Zarkia 1996), Arelago entre visitantes e visitados tema ver, também, como tipo de turistas. No caso dos esquimés, aqueles turistas que Smith (1989) chamou de elite ou alternativos, que tinham alto poder aquisitivo e/ou que preferiam abrir seus proprios caminhos (off the beaten track), puderam conhecer melhor as comunidades. Os turistas demassa, que viajavam dentro da “bolha turistica” (metafora utilizada para definir 0 pacote turistico totalmente estruturado), nao tinham oportunidade para contatos mais instrutivos: “(...) nao tinham oportunidade de aprender muito sobre a vida dos seus compatriotas, os americanos esquimos, sofrendo um etnocentrismo miope evidente, de modo geral, entre os individuos de paises industrializados que visitam os chamados povos primitivos” (p. 82). Um estudo semelhante ao anterior foi feito por Peck e Lepie (1989) no estado da Carolina do Norte, Estados Unidos. Em trés pequenas comunidades, eles verificaram diferentes formas de relagao entre visitantes e visitados. A primeira comunidade estudada, Oriental, recebia turistas, veranistas e aposentados que se tornavam residentes do local. Todos eles haviam sido integrados 4 comunidade por meio de diferentes organizagdes civis, como o Rotary Club, por exemplo. J na comunidade vizinha, Bath, uma sociedade tradicional baseada em relagGes de parentesco, estimulava- se os turistas a permanecer ali entre duas ou trés horas. La exisiem duas casas histéricas, uma a duas quadras da outra, e chegava-se ao cimulo de Cultura e turismo 69 aconselhar os turistas a percorrerem essas duas quadras de carro para no propiciar o encontro com os moradores do local durante o percurso. Na terceira comunidade, Harkers Island, 0 conflito entre turistas e residentes pela ocupac%o do espago chegou a requerer intervengio policial quando alguns turistas ameagaram disparar com armas de fogo contra criangas que brincavam no quintal das casas dos veranistas (p. 214), Outro caso interessante é 0 do grupo étnico kuna, no Panama, que conseguiu manter o turismo sob controle local, gragas, entre outras coisas, a uma coesao social muito forte que os diferencia do resto do contexto Jatino-americano contemporaneo. A atividade turistica acontece dentro de limites territoriais e temporais. Na ¢poca da pesquisa, somente algumas comunidades kunas tinham contato direto com os turistas, e seus membros separavam muito bem 0 tempo que dedicavam aos visitantes do seu tempo para atividades pessoais. “Os kuna recebem bem os visitantes, masha coisas para fazer, preparar a comida, alimentar as criangas, portanto, da mesma forma que se sentem felizes com a chegada [dos visitantes] esto felizes na hora da sua partida” (Swain 1989, p. 90) Situag’io semelhante A anterior encontrou Urbanowicz (1989, p. 113) na ilha de Tonga, Polinésia, onde os moradores estao “extremamente felizes quando os navios aportam com milhares de passageiros (...) que injetam milhares de délares na economia durante oito horas [e] esto mais felizes ainda quando os navios zarpam ao entardecer” Isso acontece, por um lado, porque a relac4o entre visitantes e visitados é, entre outras coisas, uma competigao por produtos escassos. No Reino de Tonga, grande parcela dos alimentos precisa ser importada, em parte para consumo local, mas a maioria para os turistas, ocasionando um aumento nos pregos, 0 que se torna um grave problema (idem, p. 111). Por outro lado, essa ilha foi divulgada pelos promotores turisticos como um lugar onde os visitantes podiam ver a “vida auténtica”, andar pelas ruas, observar e fotografar o cotidiano da populagao, e os moradores “nao toleram mais ser vistos como parte de um zooldgico cultural” (idem, p. 113). Essa analogia foi também utilizada por Krippendorf (2001) para definir o que ele observou na maior parte das viagens dos europeus para paises do terceiro mundo. Diz o autor que “o que deveria ser um encontro 70 Papirus Editora sucumbe a sindrome do zooldgico [no qual] o autéctone torna-se um espetaculo e um tema de fotografias” (p. 86) Os pescadores noruegueses entrevistados por Puijk (1996, p. 222) também se sentiam como “animais exoticos” sendo fotografados. Os bosquimanos, nativos do deserto de Kalahari, Botsuana, declararam aos pesquisadores que nio lhes parecia correto “ser tratados como animais de um circo” (Hitchcock 1997, p. 98). Eles nao apenas se sentiam parte de um zoolégico humano como haviam sido, em alguns casos, realmente tratados como animais selvagens. Um nativo contou a Hitchcock que uma vez fora obrigado pela operadora turistica que o contratara a correr na frente de um jipe que levava cagadores, seguindo um animal, e que seu grande medo fora levar um tiro por acidente, pois os cagadores estavam todos alcoolizados (p. 100). Casos de hostilidade aberta contra turistas e de agressio fisica nao sio registrados com frequéncia na literatura cientifica. Van der Berghe (1994, p. 124) e Evans-Pritchard (1988, p. 97), apud Boissevain (1996, p. 20), relatam, respectivamente, um caso em que um turista foi apedrejado até a morte no México porque estava fotografando uma ceriménia religiosa e outro em que um navajo atirou nos pneus do carro de um turista que fotografou, sem autorizago, sua familia durante uma refeigao. Casos de conflito envolvendo inclusive a policia foram comuns na década de 1990 na cidade de Florianopolis (SC), quando houve uma grande demanda por turismo de sol e praia por parte de turistas de massa provenientes da Argentina. Schmeil (2002) pode detectar que havia xenofobia por parte dos nativos e desprezo por parte dos turistas que chegavam 4 ilha 4 procura do esteredtipo de pais tropical e mulheres faceis vendido pelas agéncias de turismo, Detectou também que a comunidade de comerciantes do bairro estudado dava mais atencao aos turistas argentinos porque pagavam em dolares, desprezando os consumidores locais. Também detectou que todos os entrevistados tentavam, de alguma forma, explorar os turistas cobrando precos abusivos. No sul da mesma ilha, Oliveira (2003) estudou as representagSes sociais da populagio residente a respeito dos turistas e encontrou que, apesar de as pessoas reconhecerem os beneficios econdmicos advindos da Cultura e turismo 71 presenga de visitantes, assim como 0 estimulo a proteg’o ambiental por meio do turismo, havia, muitas vezes, hostilidade, que se evidenciava nos muros pichados com a frase “fora haule”, sendo que haule é a palavra usada por surfistas nativos para designar os forasteiros. Algo semelhante em relagao a manifestagdes escritas foi observado por Boyd (2002, p. 227) na cidade de St. Jacobs, Ontario, onde mora uma importante comunidade menonita. Um trem trazia visitantes duas vezes por dia e 0s moradores colocaram nos quintais de casa cartazes que ostentavam a frase: “nao ao trem” Em Botsuana houve casos em que os nativos recebiam os turistas com cartazes que diziam: “nfio queremos vocés”, ou ent&o que se escondiam quando os turistas se aproximavam (Hitchcock 1997, p. 103). As manifestagSes abertas ou dissimuladas de hostilidade contra o turismo de massas nfo s&o novas, tanto que a discussio desse problema em foros internacionais levou, na década de 1980, a Coalizio Ecuménica do Turismo do Terceiro Mundo (ECTWT) a propor uma nova ordem turistica, tentando implementar modelos diferentes de turismo de massas internacional, que agruparam sob a denominagao de “turismo altemnativo” (Lanfante Graburn 1992, pp. 90-91). Esse tipo de turismo, que foi catalogado epistemologicamente na plataforma de conciliagao de Jafari (2001), tampouco obteve os resultados esperados no quediz respeito a comunicagiio e relagao entre visitantes e visitados, por varias razGes. Uma delas é¢ que segue a légica do desenvolvimento internacional, que pressupSe que o turismo é um produto de exportagao e, a outra, que continua utilizando de forma instrumental a populagao local, nao apenas como mao de obra barata, mas também como atrativo (idem, p. 112). Surgiram dessa forma algumas propostas para a integrago dos turistas com a populagao local, algo que poderia ser denominado “turismo de conviver”. Em lugares como Tonga, os tours dentro de veiculos climatizados cederam lugar a percursos a pé para que os turistas tivessem contato direto com a populagao, pudessem conversar, entrar na casa deles etc No entanto, os casos analisados mostram que se trata de uma pseudoconvivéncia; o que muda ¢ a distancia a que o visitante observa © visitado, que continua sendo, aos olhos do primeiro, algo exético, que 72 Papirus Editora desperta curiosidade e cuja intimidade e valores muitas vezes nao sao respeitados. Casos de turistas observando as pessoas nos seus Jardins, ou entrando nos lares sem ser convidados, e até abrindo os armarios da cozinha para bisbilhotar, foram registrados por Droog (1991, apud Boissevain 1996, p. 8). Isso levou a que as pessoas adquirissem habitos que nao tinham antes, como fechar as portas de entrada ou erguer muros nos quintais, como fizeram os esquimés quando os turistas comegaram a jogarno chiio 0 mutum (o charque de baleia) que estava secando ao sol (Smith 1989, p. 63) Dizer que formas alternativas ao modelo de resort promovem o intercambio é pressupor que o turismo acontece entre iguais, coisa que, na atualidade, antropdlogos e socidlogos concordam nao ser desta forma. Dann (1992) relata, em um estudo de mais de 500 casos em Barbados, no Caribe, as diferentes reagSes dos turistas quando convidados a visitar os lares da populagao local. Segundo o autor, os turistas visitavam as residéncias dos nativos por curiosidade, para ver como estes viviam, 0 que lembra a observagio feita a Urbanowicz por aqueles que se sentiam num zooldgico Um estudo realizado em Zihuatanejo, no México, destino de excursionistas de cruzeiros maritimos, demonstra que, apesar do discurso sobre a necessidade de integragao entre visitantes e visitados, os primeiros nao se aventuram para além de um raio de 200 metros em volta do porto, por medo de se perderem, de nao entenderem a lingua ou da violéncia, temor este reforgado pela presenga ostensiva da policia turistica (Jaakson 2004, p. 57). Ainda entre europeus, a integrag&o vé-se dificultada pela distancia social e pelo interesse. Puijk (1996, p. 223) observou, numa comunidade pesqueira da Noruega, que, as vezes, um turista de um grupo parava para falar com um pescador, mas depois o deixava falando sozinho e continuava comentando outros assuntos com 0 grupo. O interesse nao passava de uma curiosidade fugaz rapidamente superada pelo (des)interesse do grupo. Numa outrailha da Indonésia, Sulawesi, os funerais foram divulgados pelo proprio Estado como atrativo turistico, ¢ os turistas passaram a frequentar esses rituais finebres fundamentalmente por sua riqueza estética. Isso se transformou num problema porque, de acordo com a tradigo local, a Cultura e turismo 73 comunidade tem o dever sagrado de oferecer casa e comida abundante para toda pessoa que participe de um funeral. Essas comunidades somente comiam came de animais, destinados ao sacrificio ritual, durante os funerais. A partir do momento em que tiveram que dividir sua unica fonte de proteina animal com os turistas, estes se transformaram num peso. “Alimentar uma crescente quantidade de turistas ‘convidados’ porque 0 governo quer estimular o turismo passou a ser uma carga muito pesada para os camponeses” (Crystal 1989, p. 149). Esse caso, inserido num modelo de competi¢&o por recursos escassos, nfo levou propriamente a conflitos, mas a que houvesse perdedores. As comunidades, por questées rituais, nao podem cobrar pela presenga de turistas, e os operadores turisticos, de vez em quando, davam-lhes um porco. Os turistas, por sua vez, ofertavam balas as criangas, transformando-as, aos poucos, em mendigos (idem, p. 166), numa relago totalmente assimétrica, apesar do intento oficial de integrar os turistas em experiéncias auténticas. E um caso emblematico da cultura de uma comunidade que passa a ser objeto de consumo inserido em um pacote turistico, sem que os portadores dessa cultura obtenham beneficio algum em troca. O beneficio vai para o governo € para as empresas privadas que nao lhes dio nenhuma recompensa, a nao ser um porco de vez em quando. Os bosquimanos, em Botsuana, sofrem periodos de secas com a consequent escassez de alimentos e, muitas vezes, so obrigados a alimentar, gratuitamente, turistas ricos que se aventuram pela regiaio do Kalahari sem viveres suficientes. Ao mesmo tempo, o governo impede-lhes de cagar animais que sempre cagaram para sua subsisténcia, com 0 argumento de que a fauna deve ser preservada para fruigao dos turistas que, no entanto, podem cagar nos safaris. Para esses nativos, 0 turismo significou ter de suportar as insoléncias dos turistas e ser expropriados dos direitos de sua terra ao sustento em troca de empregos tempordrios com baixos salarios para uma infima parte da populagao (Hitchcock 1997). Na atualidade, o turismo rural parece ser a forma mais comum de turismo de conviver, dado que os turistas s4o héspedes na casa dos proprietarios rurais e convivem com o cotidiano de suas familias. Os resultados desse tipo de proposta variam de acordo com a cultura dos hdspedes e dos donos de casa. Ha pessoas que ficam felizes em receber hospedes permanentemente em casa, mas se queixam de estar perdendo 74 Papirus Editora espago para sua intimidade familiar, ou de nao ter mais tempo para receber amigos ¢ parentes, tendo que estar sempre “de plantio” para atender aos turistas (Costa-Beber 2004), Na Espanha, por exemplo, Agustin Santana! relata que, aos poucos, a oferta de alojamentos nas casas dos camponeses é substituida por alojamentos separados. Dadas as implicagdes de ter estranhos permanentemente em casa, a propriedade rural que se transformou em hotel retorna a esfera familiar privada e os hospedes se alojam em algo mais parecido a um hotel tradicional, de onde também podem continuar participando das atividades do dia a dia rural. Estudos realizados com mochileiros desmistificam as afirmagdes de que o turismo que nao obedece ao formato massivo oferece maior possibilidade de integragao. A pesquisa de Maoz (2006) com mochileiros de classe média na India revela que os moradores locais, sabendo que esses turistas procuram avidamente mostras de autenticidade, aproveitam-se da sua ingenuidade e os manipulam, apresentando uma autenticidade encenada, inventada. Estabelece-se um “olhar mutuo” no qual o morador local “atua em fungio do olhar do turista enquanto este diltimo age de acordo ao olhar local e ao que os locais — que o exploram — esperam dele” (p. 225) Os turistas que visitam os bosquimanos no deserto de Kalahari, por definigdo, seriam nao institucionalizados ou exploradores, dado que se aventuram por locais onde as massas nao circulam. No entanto, seu olhar em relacio a populac%o local nfo é de quem quer se integrar. A maior parte dos turistas trata os nativos com desprezo, invadindo sua privacidade como se estivessem visitando uma exposigao, exigindo atengGes e servigos pelos quais se recusam a pagar e humilhando-os de varias formas. Uma das formas de humilhar os nativos é reclamar que eles nao vivem de acordo com © imaginério que tinham sobre eles, chegando mesmo a pedir reembolso pela viagem. Outra é solicitar que tirem suas roupas ocidentais para serem fotografados (Hitchcock 1997), Um levantamento feito por Haley, Snaith e Miller (2005, p. 649) sobre os estudos realizados nos tiltimos 25 anos parece indicar que ha uma 1. Personal communication. Cultura e turismo 75 relagio entre a maior concentragio de turistas e uma atitude negativa da populagao local, por causa do barulho, do lixo ¢ de outros fatores, como a alta de pregos, Nao seria apenas uma questio de tempo de exposigao ao turismo, como pensava Doxey, mas de densidade. Também tem a ver coma distancia fisica que separa o lugar de residéncia dos turistas e com o tempo que os moradores residem no local. Varias pesquisas mostram que os que melhor aceitam os turistas sfio os mais necessitados economicamente, porque pensam que podem ser beneficiados com o dinheiro do turismo. Mas nao é algo absoluto e generalizado, portanto nao podem ser tiradas conclusdes, inclusive porque as (poucas) pesquisas realizadas a respeito utilizaram técnicas diferentes e acharam tanto pessoas que amam o turismo quanto pessoas que 0 odeiam (Haley, Snaith e Miller 2005, p. 650) Na atualidade, pode-se dizer que a relagio entre Visitantes e visitados varia muito, encontrando-se desde situagdes de contato zero até situagdes de intimidade na casa ou na aldeia, bem como situages de simpatia e criagio de lagos de amizade e também situagées de total hostilidade. Também esta bem claro para muitos pesquisadores que, quando Valene Smith fala em anfitrides e convidados em sua obra seminal para © entendimento das relagGes interpessoais e sociais no turismo, o faz no sentido metaforico, e que essa dicotomia nao constitui um paradigma que expresse a realidade das relagdes que se estabelecem entre visitantes & visitados (McNaughton 2006, pp. 660-661). E necessario incluir as categorias intermédias sugeridas por Crick (1992), Urry (1993) e Selwyn (1996), entre outros, que seriam as de observadores, negociadores e mediadores (McNaughton 2006, p. 647). A partir do século XIX, com a profissionalizago dos servigos turisticos, os moradores dos nucleos receptores nio mais agem como anfitrides; ao mesmo tempo, os turistas raramente s4o convidados, mesmo que sejam estimulados a visitar 0 local por promog6es oficiais. Do ponto de vista social e cultural, sempre serdo forasteiros, e sua relagdo com a populagio local sempre estar influenciada por esse fato Além do que, a relagio é, na maior parte dos locais turisticos, assimétrica. Nos paises desenvolvidos, os servigos turisticos so prestados por imigrantes legais ou ilegais, provenientes de paises subdesenvolvidos 76 Papirus Editora ou com menor indice de desenvolvimento. Atualmente, na Europa, as arrumadeiras provém do norte da Africa ou de América do Sul, assim como na década de 1970 provinham da Espanha e de Portugal. Em Nova York é dificil encontrar um motorista de taxi que fale inglés — sao latinos, indianos, arabes. Como bem nota Urry (1993, p. 142), a propaganda turistica na Europa mostra sempre turistas brancos e prestadores de servigo “nfio brancos”, 0 que nao deixa de ser uma descrig&o bastante aproximada da realidade. Por outro lado, em sentido estrito, para um segmento da populagtio receptora, o turismo € um negécio, conduzido pela légica da sociedade capitalista, que obriga a produtividade e a procura da lucratividade. Deve ser por isso que as poucas pesquisas a respeito revelam que os moradores de um local que se beneficiam diretamente do turismo, porque possuem negocios nesse ramo de atividade, nao estao interessados necessariamente na pessoa do turista, mas no dinheiro que ele traz Os turistas passam a ser uma espécie de “mal necessario”. Mal, porque sua presenga incomoda (competigao pelo espago, por recursos escassos, ostentagio de riqueza etc. ); necessario, porque seu dinheiro faz falta. Os turistas, por sua vez, enxergam no morador local apenas um instrumento para seus fins; alguém que presta um servigo de que precisam, mas a quem gostariam de poder desligar quando o servigo nao é mais necessario. grande paradoxo do turismo é que coloca em contato direto e proximo individuos que nao se enxergam entre si como pessoas, mas como entidades portadoras de algo de que o outro necessita. Os turistas sao consumidores; os moradores locais, parte do produto consumido O que se observa nessa relag’o é a tendéncia crescente de profissionalizagaio dos contatos, na medida em que tanto 0s servigos turisticos quanto os turistas se tormam mais qualificados. Ao mesmo tempo, surgem novas questdes para serem pesquisadas. Ha estudos que demonstram que grande parte das correntes turisticas atualmente esta constituida por imigrantes que viajam de ou para seu pais de origem a fim de visitar seus parentes. E 0 unico momento em que os grupos étnicos Cultura e turismo 77 de pele escura nao estao servindo aos turistas, mas utilizando servigos que eles mesmos costumam prestar. Como se relacionam com os prestadores de servigo nesse caso? Que implicagGes culturais tem o fato de serem turistas nos seus proprios paises? Os imigrantes turistas esto num espago de hibridismo onde sio, ao mesmo tempo, hospedes, anfitrides, mediadores e negociadores das culturas em que transitam, 0 que est4 contribuindo com a mudanga de paradigmas atualmente em curso. 78 Papirus Editora 4 TURISMO CULTURAL IDENTIDADE, AUTENTICIDADE E TRADIGAO Para entender o conceito de turismo cultural € preciso primeiramente entender as tipologias turisticas, tanto as que definem os tipos de turistas quanto as que definem os tipos de turismo. Até a década de 1970, era comum falar de “o turista” de um modo generalizado, como se todos os turistas tivessem um mesmo perfil. Os primeiros estudos para diferenciar tipos de turistas se devem a Erik Cohen, como ja foi dito anteriormente. Ele propés definigdes mais analiticas para esse fendmeno que considerava — e com razio — muito difuso As classificagdes propostas naquele momento ainda agora continuam difusas, na medida em que nao se podem estabelecer fronteiras rigidas entre uma motivagao e outra nem entre as diferentes caracteristicas dos varios tipos de turismo. Cohen tomou como base varios parametros, como.as motivagdes dos turistas e alguns elementos formais das viagens, como durago ou frequéncia. Abstraiu dois grandes tipos ideais: 0 dos turistas de permanéncia e 0 dos turistas que se deslocam. Também dois tipos ideiais de motivagdes, que denominou recreativas e existenciais, respectivamente. Outros dois tipos Cultura e turismo 79 ideais foram denominados pelo autor de “turistas institucionalizados”, que viajam utilizando a intermediagao de servigos turisticos, geralmente para destinos massificados, e turistas “nao institucionalizados”, que organizam a propria viagem e procuram lugares mais exclusivos. Esse modelo, chamado interacional, foi seguido de outro muito semelhante, proposto por Valene Smith, em 1979. A pesquisadora encontrou sete tipos de turistas que agrupou em: exploradores, de elite, excéntricos, inusuais, de massa incipiente, de massa e charter. Entre os exploradores estariam viajantes que nio sao estritamente turistas, cujo perfil é mais compativel com o de antropdlogos ¢ outros cientistas, os de elite sao pessoas de muito boa posi¢g&o econémica, dispostas a pagar muito bem para viver experiéncias exoticas; os excéntricos so aqueles que preferem afastar-se das multid6es e fazer coisas fora das normas; os inusuais sao aqueles que visitam lugares exoticos, mas nao se integram no cotidiano da populagao, como fazem os de elite; os turistas de massa incipiente viajam em pequenos grupos e se diferenciam dos turistas de massa propriamente porque os tltimos viajam em grandes grupos e pagam menos por suas viagens organizadas em todos os detalhes ao gosto ocidental; finalmente, os turistas charter sio aqueles que nao tém nenhuma autonomia, fazem parte de um grupo, usam crachas de identificagao, sio conduzidos a todo © momento e, muitas vezes, nem se importam em saber exatamente onde esto (Smith 1989, pp. 12-14) No modelo denominado cognitivo-formativo (Cohen 1979, apud Barretto 1996, p. 27) 0 autor diferenciava os turistas em peregrinos modernos e buscadores de prazer. Entre os primeiros, diferenciava os existenciais, os experimentais e os experienciais. Entre os segundos, os buscadores de distragao (diversionaries)' ¢ os recreacionistas. Os peregrinos modemos, de acordo com Cohen, procuram modos de vida alternativos, autenticidade, contato com as culturas visitadas. Os buscadores de prazer, ao contrario, procuram fugir do cotidiano, afastar-se 1, Este termo pode ser interpretado de varias formas, porque divert quer dizer tanto desvio quanto distragiio, 80 Papirus Editora da rotina normal, em lugares que oferegam muitos equipamentos recreativos, recreagio organizada e possibilidade de relaxamento. Os trés modelos constituem valiosos aportes ao conhecimento das formas de interagio do turista com o meio, permitindo que o planejador defina, a priori, qual o tipo de turista que quer para seu niicleo Até o momento nao se conhecem estudos de sociologia na América Latina que possam subsidiar uma tipologia turistica. Ja no contexto europeu, os estudos realizados por John Urry, com base no modelo de Cohen, revelam que © tipo de turismo dos buscadores de prazer é praticado pela classe trabalhadora (blue collars), que, pelo proprio fato de desempenhar tarefas repetitivas que podem ser alienantes, procura o turismo como uma forma de evasao para recuperar suas forgas fisicas e mentais. Intelectuais, profissionais liberais, gerentes, trabalhadores independentes (white collars), ao contrario, procuram propostas culturais, a moderna peregrinagio a locais significativos, e chamam a si mesmos viajantes para se diferenciar do tipo anterior. Tanto Cohen quanto Smith afirmam que os turistas de massa e os buscadores de prazer so os que ocasionam os maiores efeitos negativos na natureza e na cultura, embora sejam os que tém menos contato com a populagio local Enquanto os némades e exploradores (Cohen 1972), os de elite, os “fora da trilha”, os inusuais (Smith 1989), os existenciais, os experimentais € os experienciais (Cohen 1979) ocasionam poucas interferéncias no nucleo receptor, os turistas de massa individual ou massa organizada (Cohen 1972), a massa incipiente, os charter (Smith 1989) e os diversionaries e recreacionistas (Cohen 1979) afetam consideravelmente o local. Assim, a partir da década de 1970 os turistas existenciais, experimentais e experienciais passam a ser mais valorizados pelas destinagdes receptoras, que os consideram mais adequados para um convivio sem atrito. “Hoje em dia todo mundo faz cara feia ao turista que procura sol, areia, mar e sexo [sun, sand, sea, sex, os 4S do turismo] e procura-se um novo tipo de turista que se interesse pelas peculiaridades da sociedade que visita” (Lanfant 1980, p. 30). Cultura e turismo 81 Arazio fundamental é que uns e outros buscam coisas diferentes na viagem, ¢ isso nao depende do seu nivel econémico, mas do seu nivel cultural. Isso porque, como observa De Kadt (1979, p. 5), (..) aquelas pessoas que pretendem acrescentar significado a sua vida identificando-se temporariamente com outra cultura (...) da sua preferéncia — como, por exemplo, judeus visitando um kibutz em Israel ou hippies visitando ashrams na india ou descendentes de imigrantes visitando o pais dos ancestrais — terio um comportamento diferente daqueles que simplesmente atenderam ao apelo dos folhetos. Da mesma forma como foram criadas categorias para classificar os turistas, criaram-se categorias para classificar 0 turismo. Fernandez Fuster criou algumas tipologias de turismo, e Arrillaga (1976, apud Barretto 1996) dividiu os tipos de turismo de acordo com 15 critérios, aproximadamente, como, por exemplo, o modo de viajar ov o meio de transporte utilizado Smith encontrou, naquela mesma década, cinco grandes tipos de turismo: étnico, que consiste em conhecer o modo de vida de populagdes exoticas, como as indigenas; cultural, que consiste em conhecer lugares pitorescos com “cor local”, comer “comidas tipicas” e ver manifestagdes folcl6ricas; historic, que glorifica o passado mediante a visita a museus e catedrais (Smith 1989, p. 5); ambiental, que, de acordo com a autora, 6 paralelo ao étnico, pois leva as pessoas a lugares remotos; e 0 turismo recreativo, que oferece praia, sol, sexo, jogo, boa comida e entretenimento. Uma das categorizagdes mais conhecidas é a dicotomia turismo de massas/turismo de minorias, porque o primeiro passou a ser, durante 08 tiltimos 30 anos, estigmatizado como o grande villio que provoca a fagocitagao do lugar turistico pelo proprio turismo Ao turismo de massas se atribuem todos os aspectos negativos da atividade: impactos no meio ambiente, efeitos na sociedade receptora, qualidade da experiéncia para os proprios turistas. A quantidade excessiva de turistas leva a que as praias se transformem em aglomerados de quiosques e guarda-sdis, que portos, aeroportos e rodoviarias saturem, provoca atraso nos meios de transporte e engarrafamentos nas estradas. A infraestrutura urbana 82 Papirus Editora satura, ocasionando falta de luz e agua; a coleta do lixo resulta insuficiente; proliferam os insetos e os odores. A populagao local se irrita Uma das regides onde foram realizados mais estudos sobre esse tema é 0 Mediterraneo, onde 0 turismo de massas cresceu vertiginosamente depois de 1945, trazendo inquestionaveis efeitos positives do ponto de vista econémico, mas efeitos socioculturais muito criticados pela comunidade cientifica, que podem ser resumidos na seguinte afirmagio: No mundo mediterraneo 0 rapido desenvolvimento do turismo teve consequsncias sobre os valores, os estilos de vida coletiva, as condutas morais e politicas (...) a cultura, a gastronomia, a lingua, as, tradig6es, a religitio e incluso sobre os tipos de arquitetura dominante (..) Estes efeitos contribuiram para que alguns autores classifiquem o turismo de massas como um fendmeno etnocida. (Salva i Tomas 2001, p. 189) Essa modalidade de turismo também propiciou que atrativos fossem produzidos: grandes parques tematicos, grandes areas de recreagao organizada, espagos fabricados para o consumo em grande escala, ambientes artificiais recriados com uso intensivo de tecnologia, tanto na parte mecanica quanto na parte audiovisual e de reprodugao do real (por exemplos, pistas de esqui sintéticas, praias artificiais, parques aquaticos) No caso especifico dos paises subdesenvolvidos, a fabricagaio e a produgiio desses espagos implicam, em primeiro lugar, grandes somas de dinheiro que, o mais das vezes, somente provém de empresas multinacionais, que tém, geralmente, pouco compromisso com a problematica local, com as questdes ambientais e com o retorno econémico para a populagao. Grandes extensdes so desmatadas ou inundadas para a instalag%o de atrativos de massa, provocando 0 consequente desequilibrio dos ecossistemas, mudangas no regime de chuva, migrac%o da fauna nativa, contaminagao dos lengéis fredticos, seja por substincias orgdnicas (dejetos humanos), seja por elementos quimicos (cloro dos parques aquaticos, por exemplo) Diante desse quadro apocaliptico, a ideia de um “novo turismo” foi tomando forma nas ultimas décadas do século XX; um turismo caracterizado pela flexibilizagio, pela segmentagio e por oferecer experiéncias mais Cultura e turismo 83 auténticas para um tipo de turistas que procura exclusividade e nao multidées, que nfo quer bronzeado de sol e que domina os avangos da tecnologia ¢ exige atencaio de qualidade (Poon 1994), O turismo cultural surge como uma alternativa por tratar-se de um turismo de minorias, cujos protagonistas, que seriam turistas nao institucionalizados, experimentais, experienciais € existenciais, sio mais educados e respeitam o meio ambiente natural e cultural. 0 turismo cultural, de acordo com essa premissa, teria menos efeitos negativos nos micleos receptores, ¢ durante um tempo seu aumento proporcional foi bem recebido Por outro lado, trata-se de pessoas que procuram um contato intimo com a populagao local, respeitando seu modo de vida, sem pretender impor seus padrdes: sio pessoas que se adaptam com facilidade a cultura local e consomem estados de espirito em lugar de coisas materiais. Um estudo realizado nos Estados Unidos e no Canada confirmou que os “turistas culturais” tém mais dinheiro que outros, gastam mais e permanecem mais tempo no local; hospedam-se em hotéis, compram mais, tém nivel de educagao mais alto, predominando o género feminino ea faixa etaria adulta (Silberberg 1995, p. 363) Vale lembrar que 0 turismo cultural nao éuma novidade. Ao contrario, o Grand Tour tinha como caracteristica ser uma forma de contato com as culturas da Europa continental; assim, podemos dizer que o turismo cultural éa primeira forma de turismo, que precede o turismo moderno que comega no século XIX e procura o lazer e a quebra da rotina cotidiana. O turismo cultural foi eclipsado, de certa forma, durante a primeira metade do século XX, na medida em que a tecnologia e as mudangas na economia € na sociedade, de um lado, permitiram a inclusado das classes médias no consumo turistico e, de outro, utilizaram o turismo como forma de aliviar a pressGo da sociedade industrial sobre os individuos. A partir de 1950 deu-se o auge do turismo de massas, 0 chamado “turismo de sol e praia”; j4 na década de 1990, a sociologia europeia comegou a observar mudangas no perfil dos turistas provenientes dos Estados Unidos que visitavam o Velho Continente, detectando um numero crescente de pessoas que procuravam enriquecer sua bagagem educativa por meio das viagens. Como a Europa recebe dois tergos do turismo mundial, esse é, de 84 Papirus Editora fato, um dado significativo para pensar na retomada da motivagao cultural para viajar. Em 1990, os turistas tinham como prioridades entender a cultura (88%), ver as belezas naturais (73%), conhecer outros estilos de vida (72%) e visitar um local novo (57%). Isso mostra uma enorme variag&o sobre as prioridades dos turistas da mesma procedéncia em 1980, quando 80% tinham como prioridade gastar dinheiro, 60%, ver as belezas naturais, 44%, conhecer um lugar novo, e apenas 48% tinham como prioridade entender a cultura (Craik 1997, pp. 120-121) Hi, inclusive, diferentes niveis de interesse na cultura por parte dos turistas. De acordo com Craik (1997, p. 120), aqueles que esto motivados exclusivamente pela cultura sao apenas 15%. Trinta por cento téma cultura como um de varios motivos; 25% tém outros interesses mas se motivam também com a cultura, e 15% simplesmente nfo se interessam por turismo cultural Esses numeros, no entanto, n&o so corroborados em outras pesquisas que afirmam que os verdadeiramente interessados em cultura sio apenas uma minoria (Robinson 1999a, p. 4) e que, apesar do aumento do turismo cultural na Europa, no resto do mundo grande parte dos turistas ainda se enquadra no tipo institucionalizado, de massa ou buscadores de prazer — pessoas que se deslocam em grandes grupos a destinagSes que, por uma razio ou por outra, se tornaram populares, e que preferem as praias ou hotéis de lazer, com atividades fisicas e recreag3o organizada. No caso da Espanha, por exemplo, alguns autores afirmam que o turismo cultural surge como um novo produto de mercado — pois as praias esto contaminadas em consequéncia do crescimento desordenado de resorts, © que levou a uma retrag’io da demanda (Crain 1996, p. 29) -, e que ja esta a caminho da massificagao (Santana e Prats 2005). As discussées nfo se limitam a se a demanda por turismo cultural cresceu ou nao e por qué. Também se discute se efetivamente o turismo cultural ¢ os turistas que o praticam n&o ocasionam transtornos, como vaticinavam os modelos futuristas. Robinson (1999a), por exemplo, sugere que o turismo cultural também ocasiona conflitos, afirmando que o turismo ea cultura, ao mesmo tempo em que se fundem na pés-modernidade, por Cultura e turismo 85 vezes colidem. Os conflitos nao acontecem no momento do encontro, mas quase sempre posteriormente, ¢ nao afetam somente a populagao local, mas também os turistas. Apesar de isso nao ocorrer com muita frequéncia, as vezes turistas abastados acabam tendo conflitos interiores ao deparar com realidades de pobreza e miséria. Robinson afirma que, quando isso acontece, “os turistas mudam seu sistema de valores” (idem, p. 6). Pesquisas realizadas demonstram que alguns turistas do tipo nao institucionalizado provocam sérios impactos. Os mochileiros estudados por Maoz (2006, p. 228) consomem drogas, praticam sexo explicito e so grosseiros com os prestadores de servigo quando estes nfo atendem totalmente as suas expectativas. Estes Ultimos entendem que tais turistas sio muito piores do que os de massa. Outras pesquisas realizadas na Australia também indicam que os mochileiros “so culpaveis dos mesmos pecados ecoldgicos que os turistas de massa” (Whittaker 1997, p. 25). Os turistas que visitam o Himalaia so, em sua maioria, pessoas que buscam crescimento espiritual, podendo ser definidos como turistas culturais, apesar de existir entre eles muitos que vao ao Himalaia por aventura. Os estudos de Shackley (1999) no festival de Mani Rimdu, no Nepal, onde 80% do pablico é constituido por turistas, revelam que muitos dos que assistem ao evento motivados pelo desejo de conhecer templos e ver cerimGnias religiosas apresentam um comportamento que nao condiz com o ideal de turistas culturais. A populagio local se queixa de que eles nao tém sensibilidade, sao desconsiderados na hora de tirar fotografias, nao mostram respeito nem interesse pelo significado dos festivais (idem, p. 106). Alguns se negam, inclusive, a pagar o ingresso cobrado pelos mosteiros para cobrir as despesas, alegando que este deveria ter sido incluido no pacote (idem, p. 108) Na Grécia, pelo contrario, onde o turismo de massas praticado a partir de 1950 ocasionou graves danos ao meio ambiente e a cultura material, a mudanga no perfil dos turistas trouxe a revitalizagao tanto do patriménio quanto das técnicas tradicionais. “A preservagao do ambiente cultural, a expresso de identidade e 0 retomo as tradig6es foram em parte influenciados pelo novo tipo de turistas” (Karpodini-Dimitriadi 1999, p. 115) Isso demonstra a dificuldade de fazer generalizacdes e leva a pensar que 0 foco nfo deve ser saber se aumentou a proporgd%o da demanda por turismo cultural em relagio a outros tipos de turismo ou se esse turismo 86 Papirus Editora ocasiona menos interferéncias no nucleo receptor. O importante parece ser entender que o turismo cultural pode oferecer uma boa experiéncia aos envolvidos. Turismo cultural é todo turismo no qual o principal atrativo nao é a natureza, mas um aspecto da cultura humana, que pode ser a historia, o cotidiano, o artesanato ou qualquer dos aspectos abrangidos pelo conceito de cultura De acordo coma Organizagio Mundial do Turismo, o turismo cultural inclui o conhecimento da cultura e dos ambientes culturais, compreendendo a paisagem do lugar. Nesses atributos encaixam-se sitios arqueolégicos, monumentos historicos e outras manifestages artisticas do local, bem como os valores e formas de vida, o patriménio, as artes visuais e performaticas, as industrias, os idiomas, as atividades cotidianas, as tradigSes e as formas de recreagao da populagio local. Isso incluia assisténcia a eventos culturais, a visita a museus e prédios histéricos, assim como a integragio com a populagao local e a absorgio de todas as experiéncias alheias a sua vida cotidiana (WTO 2004, p. 23). Em 2004, no Forum Social Mundial de Mumbai (Bombaim), a coalizio ecuménica mundial emitiu uma declarag%o sobre o que se esperava do turismo cultural, questionando as politicas da Organizagao Mundial do Turismo (OMT), do Conselho Mundial para Turismo e Viagens (WTTC) e dos Acordos Gerais sobre Tarifas e Comércio (Gatts), que nao promovem nem a democratizagio do turismo nemo respeito a naturezae a cultura. Nesse documento se expressa 0 desejo de continuar a discuss%o no Férum Social Mundial de Porto Alegre, de 2005. No entanto, nos documentos emanados deste ultimo, o tema nfo aparece (Declaracién 2004, Memoria 2005), A definig&o da OMT nao é compartilhada por muitos membros da academia. Para alguns autores, ela é tio ampla que ocasiona, paradoxalmente, que se tenha uma visao mais estreita do turismo cultural, justamente quando © novo paradigma é 0 respeito a diversidade, e esta muito claro que, da mesma forma como nio existe o “turista genérico”, n&o existe um “turismo cultural genérico” (Norris Nicholson 1997, p.118-120), Ja para outros, a definig&o da OMT deixa de lado todas as formas de apreciago da natureza proporcionadas pela cultura, ou 0 que se denomina hoje “o consumo da natureza culturalizada” Cultura e turismo 87 Ryan (2002, p. 953), por exemplo, diz que o turismo cultural pode ser entendido como um subtipo do ecoturismo, no sentido dado ao termo por Ceballos Lascurain (apud Ryan 2002), de que se trata de um turismo para pequenos grupos que procuram conhecer e manter ambientes naturais Esta Ultima definigao estaria de acordo com a corrente atual espanhola do “turismo integral”, ou “turismo multifacetado”, que consiste em promover diversos pontos de interesse turistico em uma determinada area geografica (Crain 1996, p. 28) Entre os autores que nio compartilham uma visdo tio ampla que inclua outras formas de turismo de natureza, ha muitos que argumentam que o turismo cultural se restringe a visitar museus, galerias de arte. concertos e balé (Robinson 1999b, Hughes 1995). Nesse sentido ha. inclusive, propostas, de um lado, para a ampliagaio do conceito e, de outro, para subdivises do turismo cultural, como, por exemplo, as sugeridas por Hughes (idem, p. 104). Ele propde uma subdivisio em turismo de artes e turismo historico, sugerindo que seja adotada a classificagao turismo de artes para definir aquele turismo cuja principal atragao sao as representagdes, ao mesmo tempo propde que o conceito de turismo cultural passe a incluir, também, o entretenimento e nao apenas 0 cultivo de aspectos da cultura erudita, tais como visitar museus. Uma definigao bastante equilibrada foi dada por Craik (1995, apud Ryan 2002, p. 953). Para ela, o turismo cultural ¢ uma incursio personalizada em outros locais e culturas para aprender sobre as pessoas, seus estilos de vida, seu legado e sua arte, caracteristicas que devem ser mostradas de uma forma tal que represente genuinamente essas culturas e seus contextos historicos. Muitos autores utilizam como sinénimas as express6es “turismo cultural” e “turismo de patrim6nio”, enquanto outros colocam este ultimo como subtipo. Silberberg (1995, p. 361) define turismo patrimonial como a visita de forasteiros motivada, no todo ou em parte, pelo patriménio histérico, attistico, cientifico ou pelo estilo de vida de uma comunidade, regio, grupo ou instituigao. Nos ultimos anos, criaram-se trilhas patrimoniais, galerias de arte patrimoniais e até parques tematicos patrimoniais (Du Cros 2001, p. 165) 88 Papirus Editora

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