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Agenda Habitat:

O Programa Habitat da Organização das Nações Unidas (ONU) tem como missão
promover ambiental e socialmente o desenvolvimento sustentável dos assentamentos
humanos e a aquisição de abrigo adequado para todos.
O Programa foi estabelecido em 1976, como uma agência dentro das Nações Unidas,
para coordenar atividades no campo dos assentamentos humanos. O foco principal foi
a implementação da Agenda Habitat, um plano de ação global adotado pela
comunidade internacional na Conferência Habitat 2, realizada em Istambul, Turquia,
em 1996. A Agenda é uma plataforma de princípios que devem se traduzir em
práticas. As atividades desenvolvidas no âmbito do Habitat contribuem para o objetivo
global das Nações Unidas de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento
sustentável dentro de um contexto em que o mundo que avança aceleradamente para a
urbanização.
O arquiteto e urbanista italiano Roberto Ottolenghi, chefe do escritório do Habitat para
a América Latina e Caribe, informa que o Programa passou a se chamar assim a partir
de janeiro deste ano. Antes, era o Centro das Nações Unidas para Assentamentos
Humanos. Segundo Ottolenghi, a mudança foi feita porque entendeu-se que o setor
urbano de assentamentos humanos tem importância tal que justifica que a agência a
cargo deste assunto mantenha um escopo de atuação mais independente das Nações
Unidas, assim como no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Ottolenghi acredita que a mudança do status institucional do Habitat tenha sido
influenciada pelos resultados das Conferências, que certamente aumentaram a
consciência da comunidade internacional da relevância da questão urbana para o
futuro do mundo. Há um consenso mundial de que a cidade é um problema
importante, relevante para qualquer cidadão, para qualquer administração urbana, e
isso acontece seja em um país do Norte desenvolvido ou em um país em
desenvolvimento da América Latina. "Todos têm essa consciência de que a questão
urbana é crítica, mesmo sendo o conjunto de problemas muito diferentes", destaca.
O urbanista afirma que, nos países em desenvolvimento, o crescimento das
metrópoles ainda é grande, enquanto que, no mundo desenvolvido, esse crescimento
estacionou. Para os próximos 20 anos o processo de urbanização deverá ser mais
intenso na África e na Ásia. "Na América do Sul ele já está perto do fim, uma vez que
entre 70 e 80% da população já é urbana", diz (veja reportagem Conflitos entre centro
e periferia nesta edição). "Acredito que as cidades sul- americanas ainda cresçam
mas é diferente dos países da América Central, que ainda têm grande população em
áreas rurais".
Habitat no Brasil
Ottolenghi explica que o Habitat não trata da questão da habitação isoladamente. Para
ele, a questão urbana inclui moradia, pobreza, emprego, educação, saúde, entre
outras questões. Há uma intenção de tratar nas Conferências de todos esses temas,
mas fica difícil focalizar as prioridades. "É claro que resolver a questão urbana implica
resolver o problema da gestão urbana de maneira integral, de maneira a melhorar a
qualidade de vida dos cidadãos, mas para isso existe um conjunto de agências das
Nações Unidas que atua nos distintos setores, como a
Organização Mundial da Saúde, ou a agência que trata da questão do trabalho", diz o
chefe do Habitat no Brasil.
Segundo ele, o que o Habitat faz é enfocar, por exemplo, o setor saúde do ponto de
vista do que se refere aos serviços básicos como água, esgoto e saúde pública. "As
estatísticas são claras e também espantosas quanto à diferença nos índices dentro de
uma mesma área urbana, seja em relação às doenças infecciosas, mortalidade infantil
ou outros problemas. Há bairros urbanizados e bairros ilegais, mais pobres. No ano
passado, o IBGE divulgou um relatório feito sobre o Rio de Janeiro, no qual se mostrou
que a Gávea apresentava índices muito semelhantes aos das cidades européias e, por
outro lado, tem a Baixada Fluminense com níveis muito mais próximos dos da África",
enfatiza. Para ele, essa discrepância está ligada à qualidade dos serviços básicos e
esse deve ser o enfoque do Habitat: buscar o desenvolvimento equilibrado e melhorias
na qualidade de vida, assegurando o acesso a serviços básicos que permitem entre
outras coisas uma melhor saúde pública.
Para Ottolenghi, o Brasil ainda não tem uma política urbana consistente, mas ele
acredita que esteja caminhando para isso. O primeiro passo, foi o processo do
Estatuto da Cidade , que levou 15 anos para ser elaborado e que foi ratificado no ano
passado. "Representa uma coalizão importante entre profissionais, sociedade civil,
comunidades locais, governos, e o Habitat deve difundir mundialmente esta
experiência porque consideramos importante", diz.
O Habitat tem essa missão de trocar experiências. Nos 25 anos entre o Habitat 2 e a
reunião Istambul+5 houve uma tranformação bastante grande. "A primeira conferência
em Vancouver, de 1976, foi exclusivamente de governos centrais para governos
centrais. Já a Conferência de Istambul, foi muito mais aberta ao governo local e a
sociedade civil. Ou seja, amadureceu e se deu conta que resolver os problemas
urbanos e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos não pode ser exclusivamente um
papel do governo central ou federal", diz. Segundo ele, em todos os países em que o
Habitat opera estáem curso um processo de descentralização administrativa.
No Fórum Mundial Social 2001, em Porto Alegre, a arquiteta e urbanista Ermínia
Maricato fez uma crítica exatamente a essa participação de prefeitos e ONGs.
"Evidentemente, as grandes conferências da ONU são muito importantes,
conscientizam, de alguma forma, a população mundial sobre a gravidade dos
problemas sociais, mas nós precisamos tomar cuidado muito com a cooptação que se
faz das nossas ONGs, dos nossos movimentos, das nossas prefeituras e dos nossos
países para esse discurso que também é global. Pergunto qual é o lugar da esquerda
nessas grandes agendas, pois fiquei muito espantada, em Istambul, com as bandeiras
da esquerda que todos os governos brandiam - inclusive, a delegada da Turquia, país
que massacra os curdos, impedindo-os de participarem da conferência Habitat 2. O
que se viu lá? Elogio à participação social, elogio à descentralização e, pasmem,
elogio à autogestão da população sobre serviços, produção de moradia etc. Elogio às
parcerias e às ONGs, e muita crítica à incompetência dos governos e ao desperdício e
à corrupção dos governos. Elogios à autonomia do poder local", afirmou em sua
palestra.
Ottolenghi prossegue explicando que o Habitat tem esse trâmite político com todos os
níveis de governo. A sociedade civil organizada e as ONGs são interlocutores sempre
presentes nesses diálogos.
Ottolenghi acredita que depois da ratificação da Agenda Habitat, priorizou-se a
regularização fundiária. Há uma porcentagem muito grande da população urbana nas
cidades dos países em desenvolvimento que mora em situação de irregularidade, em
favelas e ocupações. Ocupam o espaço, mas não possuem o título da terra. "É uma
ocupação abusiva, insegura, precária e o
Habitat, em consenso, indicou esse como um dos fatores que exigiam ações mais
urgentes", diz representante. A situação é considerada muito negativa para o
desenvolvimento econômico, social e para a própria eficiência da cidade. A prioridade
para os governos seria resolver o problema da precariedade e ilegalidade das
habitações.
Para Maricato, esse Plano de Ação - a Agenda Habitat - pode ser uma ótima proposta
para as cidades basileiras. Isso porque, no Brasil, até hoje, havia apenas o
planejamento normativo, que é um projeto de lei que, segundo ela, é extremamente
detalhado e complexo para a população entender, e que muitas vezes fica nas
prateleiras, pois os investimentos não seguem os planos diretores. "Em São Paulo,
tivemos um exemplo fantástico de obras que quebraram a cidade, endividaram a
cidade, e que contrariam o plano diretor. O plano diretor vai para um lado e o
desenvolvimento da cidade vai para o outro", afirma a urbanista. Ela acrescenta que
isso ocorre porque, mais do que o plano, os investimentos definem o desenvolvimento
da cidade.
"A proposta é que, primeiro: haja uma lei normativa universal, ou seja, se aplique à
cidade toda. Segundo: que oriente os investimentos. Terceiro: que oriente a gestão,
para que não haja distância entre plano e gestão, entre discurso e prática, entre lei e
ação. E, finalmente, a fiscalização, que vai ser um problema sério. Como é que vamos
fazer cumprir as leis de proteção ambiental nas cidades? Se fizéssemos cumprir as leis
ambientais nas cidades, teríamos uma guerra civil. Teríamos que desalojar 2 milhões
de pessoas na cidade de São Paulo. Tirar de uma bacia de manancial 600 mil pessoas
que ali moram ilegalmente. Como é que vamos cumprir a lei? Só ampliando o mercado
e fazendo políticas sociais", completa Maricato.
Para Ottolenghi a ilegalidade significa que a população vive sem os serviços básicos
adequados e os moradores, não tem incentivo para investir em melhorias, não pode
transferir a propriedade. Assim obtém-se uma estagnação social e econômica grave e
que implica em uma segregação social forte e na falta de integração cívica das
pessoas que estão morando em situação de ilegalidade. "O que nós acreditamos que
este seja também um dos fatores responsáveis pelo aumento da violência, que se vê
em praticamente todas as cidades do mundo. Essa é uma prioridade forte para o
Habitat.
Ermínia Maricato apresenta alguns números em relação a essas moradias irregulares.
"No Rio de Janeiro, mais ou menos 20%; Fortaleza, 28%; Belo Horizonte, 20%;
Salvador, 33%; Porto Alegre, mais ou menos 20%; Recife, 40%; e São Paulo,
seguramente, acima de 20%. Se temos 2 milhões de pessoas morando em favelas na
cidade de São Paulo, portanto em áreas invadidas, não podemos dizer que a invasão
de terras não é admitida em nosso país - pelo menos nas cidades. Por esses dados,
vê-se que quase 80% da população moradora de favela está situada em nove regiões
metropolitanas".

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