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Geografia Cultural e

Política
Prof.ª Mirian Margareth Zemke

2011
Copyright © UNIASSELVI 2011

Elaboração:
Prof.ª Mirian Margareth Zemke

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

910
Z53g Zemke, Mirian Margareth.
Geografia Cultural e Política/ Mirian Margareth
Zemke. Centro Universitário Leonardo da Vinci –
Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2011.x ;199.p.: il

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830- 322-8

1.Geografia Política 2. Geografia Cultural


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título

Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico!

A disciplina que apresentaremos nessa nova etapa de trabalho está


direcionada aos estudos referentes à Geografia Cultural e à Geografia Política.

O entrelaçamento entre os temas cultura e política nos parece,
a princípio, quase que inexistente, mas, a partir do momento em que
consideramos que o objeto da Geografia permeia as relações que as
sociedades desenvolvem sobre o espaço, esse entrelaçamento se torna
possível e observável.

Observamos, inicialmente, que as diferentes comunidades que


compõem a sociedade global reservam o direito de não perder sua identidade.
A comentada cadeia global traz a ideia de que somos uma grande e única
sociedade, onde, a partir da condição de estarmos conectados, tem-se a ilusão
de falarmos a mesma língua e termos os mesmos valores, concepções, cultos,
enfim, a mesma cultura.

Considerando que não é o homem como indivíduo que representa


nosso foco de atenção, mas sim os grupos sociais, que, mesmo apresentando
diferentes interesses e características socioculturais, ocupam, muitas vezes, a
mesma paisagem, toda essa diversidade se traduz em unicidade e identidade.

Considerando, ainda, que esses grupos socioculturais, assim como


todos os outros existentes, têm como palco de suas ações, atividades,
ideologias etc., a esfera macroespacial, ou seja, a superfície do planeta, emerge
a necessidade de sistemas ou leis ou, ainda, imposições político-econômicas
e administrativas que busquem garantir certa estabilidade como também sua
sustentabilidade. Dessa colocação advém os estudos referentes à Geografia
Política e suas abordagens.

Vamos lá, então, pois temos muito estudo pela frente!

Prof.ª Mirian Margareth Zemke

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL................. 1

TÓPICO 1 – CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL...................................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 CONCEITUANDO GEOGRAFIA CULTURAL............................................................................... 5
3 SAUER E A GÊNESE DA GEOGRAFIA CULTURAL.................................................................... 9
4 UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS ESTUDOS DE PAUL CLAVAL...................................... 13
5 AS NOVAS CONCEPÇÕES DA GEOGRAFIA CULTURAL........................................................ 14
6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL....................................................................... 17
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 19
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 20

TÓPICO 2 – A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES


DE INTERDEPENDÊNCIA............................................................................................ 21
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 21
2 A PAISAGEM......................................................................................................................................... 21
3 A CULTURA............................................................................................................................................ 23
3.1 A CULTURA E A CONSCIÊNCIA . .............................................................................................. 23
3.2 A CULTURA E A NATUREZA....................................................................................................... 24
3.3 A CULTURA E O PODER................................................................................................................ 25
4 O SIMBOLISMO................................................................................................................................... 27
4.1 LENDO AS PAISAGENS SIMBÓLICAS....................................................................................... 28
5 CRÍTICAS À GEOGRAFIA CULTURAL.......................................................................................... 30
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 32
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 33

TÓPICO 3 – A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO............................ 35


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 35
2 A GEOGRAFIA E A GLOBALIZAÇÃO............................................................................................ 35
2.1 ENTENDENDO A CULTURA DIANTE DA GLOBALIZAÇÃO.............................................. 39
2.2 A INFLUÊNCIA DIRETA E INDIRETA DA GLOBALIZAÇÃO NOS DIFERENTES
ASPECTOS SOCIAIS........................................................................................................................ 41
3 A CULTURA DA VIRTUALIDADE REAL....................................................................................... 44
4 O SURGIMENTO DA CULTURA DA MÍDIA DE MASSA......................................................... 46
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 51
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 52

TÓPICO 4 – A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA............................................................ 53


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 53
2 METALINGUAGEM............................................................................................................................. 54
3 DIANTE DESSAS CARACTERÍSTICAS TEMOS UMA NOVA ESTRADA
PARA TRILHAR: A DO CIBERESPAÇO E DA CIBERCULTURA.............................................. 56
4 A CIBERCULTURA SERIA FONTE DE EXCLUSÃO?................................................................... 59
5 A CONSTELAÇÃO DA INTERNET.................................................................................................. 61

VII
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................65
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................66
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................67

UNIDADE 2 – GEOGRAFIA POLÍTICA...........................................................................................69

TÓPICO 1 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA....................................71


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................71
2 CONTEXTUALIZANDO A GÊNESE DA GEOPOLÍTICA E DA GEOGRAFIA
POLÍTICA..............................................................................................................................................72
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................80
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................81

TÓPICO 2 – LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS ............................................83


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................83
2 A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA..........................................................................84
3 GEOGRAFIA, SOCIEDADE E POLÍTICA.....................................................................................89
4 ENTENDENDO A ORDEM GEOPOLÍTICA MUNDIAL...........................................................92
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................96
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................97

TÓPICO 3 – A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL.....................................................99


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................99
2 A GEOPOLÍTICA E SEU COMPROMISSO LOGÍSTICO NO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.......................................................................................100
3 A TECNOLOGIA ESPACIAL DO PODER DO ESTADO...........................................................101
4 O NOVO SIGNIFICADO DO TERRITÓRIO DIANTE DA NOVA LOGÍSTICA .
TECNOLÓGICA E CULTURAL.......................................................................................................102
5 A GEOPOLÍTICA DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO.......................................................................104
6 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DIANTE DO IMPERATIVO
TECNOLÓGICO E A POLÍTICA VOLTADA PARA A SUSTENTABILIDADE....................105
6.1 A ECOLOGIA COMO UM NOVO PARÂMETRO GEOPOLÍTICO.......................................106
7 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO MODELO LOGÍSTICO
PARA ORDENAR O USO DO TERRITÓRIO...............................................................................109
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................112
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................113

TÓPICO 4 – O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO..................................115


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................115
2 O ESTADO-NAÇÃO NA ÉPOCA DO MULTILATERALISMO................................................116
3 REDEFINIÇÃO DO ESTADO E DA ESTRUTURA DO PODER GLOBAL............................122
3.1 A NOVA FORMA DO ESTADO...................................................................................................123
3.2 MULTIPOLARIZAÇÃO: A QUESTÃO DA HEGEMONIA MUNDIAL................................125
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................129
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................132
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................134

VIII
UNIDADE 3 – GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E ESTUDOS DE CASO.......................................135

TÓPICO 1 – A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA............................137


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................137
2 O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO NO BRASIL: A GEOPOLÍTICA DO ESTADO
E A GEOPOLÍTICA DO POVO........................................................................................................139
3 BREVE HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA............................................................140
4 O ESPAÇO BRASILEIRO E A GEOPOLÍTICA.............................................................................143
4.1 A REDIVISÃO TERRITORIAL......................................................................................................144
5 PROBLEMAS GEOPOLÍTICOS BRASILEIROS NO PERÍODO DA
BIPOLARIZAÇÃO – GUERRA FRIA..............................................................................................146
6 A DEPENDÊNCIA EXTERNA DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E A SUA INSERÇÃO
NO SISTEMA INTERNACIONAL..................................................................................................149
6.1 ENTENDENDO O PROBLEMA INTELECTUAL BRASILEIRO.............................................150
6.2 A GEOPOLÍTICA OFICIAL BRASILEIRA..................................................................................151
6.3 AS RAZÕES ESTRUTURAIS DA MANUTENÇÃO DA GEOPOLÍTICA DA
DEPENDÊNCIA..............................................................................................................................152
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................155
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................156

TÓPICO 2 – A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO..........................................157


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................157
2 A GEOPOLÍTICA EM MOVIMENTO............................................................................................158
3 GEOPOLÍTICA ATUAL.....................................................................................................................160
4 NOVA ORDEM OU NOVA DESORDEM A PARTIR DO CAPITALISMO............................165
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................169
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................170

TÓPICO 3 – A ANTROPOLÍTICA......................................................................................................171
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................171
2 DA POLÍTICA À ANTROPOLÍTICA..............................................................................................172
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................174
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................181
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................182

TÓPICO 4 – ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO......................................................................183


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................183
2 APRESENTANDO O PROBLEMA: O TERRORISMO................................................................183
3 O QUE É O TERRORISMO NA NOVA ORDEM MUNDIAL?..................................................184
4 AS REDEFINIÇÕES NA ORDENAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL....................................188
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................193
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................194
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................195

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................197

IX
X
UNIDADE 1

TEORIZANDO E CONCEITUANDO A
GEOGRAFIA CULTURAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• estabelecer as relações entre uma paisagem cultural e uma paisagem natural;

• conhecer o processo evolutivo de concepção da Geografia Cultural;

• estabelecer comparativos entre a vida cotidiana e a aprendizagem teórica


apreendida;

• diferenciar os aspectos pelos quais a Geografia Cultural se apresenta;

• resgatar valores que identificam o lugar de vivência.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você
encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

TÓPICO 2 – A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS


RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

TÓPICO 3 – A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

TÓPICO 4 – A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

1 INTRODUÇÃO
Apropriando-se de uma ideia de Cosgrove (1998), parto de uma situação
prática e rotineira para dar início aos nossos estudos sobre Geografia Cultural.

Pelo fato de morar em um município litorâneo de Santa Catarina, em época
de temporada eu e minha família vamos à praia nos finais de semana. Nesses
momentos, não sou, conscientemente, uma geógrafa, pois como nós, centenas de
outras famílias também vão à praia procurar um lugar ao Sol. A praia é um lugar
especial, iluminado naturalmente, e o contato com a areia é condição essencial
para usufruir esse tipo de lazer.

Essa mesma cena pode ser vista em quase todos os municípios litorâneos do
país, podendo ser típica de países litorâneos. Os geógrafos poderiam se interessar
pelo lugar, porque ele ocupa um dos espaços imobiliários mais valorizados, porque
seu contato próximo ao mar lembra descanso, lazer, eles podiam, ainda, estudar
os movimentos migratórios caracterizados pela transumância, da procedência
dos veranistas e da maneira que eles contribuem para a economia do município.
Entretanto, eu e minha família estamos apenas veraneando.

3
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 1 – FACES DA GEOGRAFIA CULTURAL

FONTE: Disponível em: <http://posgraduacaoemeducacaoediversidade.blogspot.


com/2009_09_01_archive.html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

NOTA

Em momentos anteriores você estudou os movimentos migratórios internos


e, entre eles, existe o movimento de transumância, que corresponde àqueles movimentos
sazonais, ou seja, estão condicionados a um determinado período do ano, pelos mais
diversos motivos. Exemplo: os veranistas em período de temporada.

Então, sentada em minha cadeira de praia, eu vejo outras coisas ocorrendo:


vendedores de mantas e redes, que deixaram sua terra natal (geralmente são
nordestinos) para conseguir acumular algum capital e retornar, no final da
temporada, para casa; vendedores de bebidas e sorvetes circulando entre os
veranistas; bares e quiosques atendendo aos mais exigentes pedidos. Já que não
assistimos aos noticiários, eles chegam até nós pelos vendedores de revistas e
jornais; famílias nas quais as diferentes gerações estão em pleno contato; grupo
de jovens e adolescentes que demonstram sua personalidade usando piercings e
tatuagens, que são, muitas vezes, indecifráveis.

A praia é, então, altamente complexa, com múltiplos significados. Certamente,


ela é organizada para atender ao turismo de massa, tornando-se acessível para um
possível estudo sobre a dinâmica litorânea em períodos de temporada. O local é um
lugar simbólico, onde muitas culturas se encontram e talvez entram em conflito.
Entendemos, portanto, que a Geografia está em toda parte.
4
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

E
IMPORTANT

Em nossos estudos, vamos entender o termo conflito como a diferenciação de


ideias, de comparação, de divergências, e não um confronto direto, corpo a corpo.

Da concepção que a Geografia está em toda parte é que emerge o


simbolismo e o exercício da prática cultural existentes nos diferentes contextos,
nas diferentes realidades.

A superfície terrestre, também chamada Litosfera, apresenta dimensões


variadas em sua continuidade, mas abriga inúmeras descontinuidades culturais
representadas por milhares de grupos humanos que se identificam pela sua cultura,
seus saberes transmitidos de gerações para gerações, de hábitos e costumes que lhe
dão identidade, tudo isso demonstra a riqueza de estudarmos esse tema.

Nós, geógrafos, temos o compromisso de, diante de algumas abordagens


que nos padronizam e nos homogeneízam como viventes da Aldeia Global,
resgatar e difundir as diferenças (culturais, étnicas etc.) de cada povo, pois essas
diferenças enriquecem cada povo, tornando-o único diante da concepção de
mundo globalizado.

Realmente é uma tarefa difícil, mas não vamos nos ater em conhecer
as diferenças culturais de cada povo existente na Terra, pois isso seria quase
impossível. Vamos perceber que, a partir dessas diferenças, as relações com o
espaço de vivência são construídas e reconstruídas continuamente, pois mesmo as
culturas mais antigas, aquelas datadas como primeiras civilizações, apresentaram
alterações ou adequações em suas concepções de valores, hábitos, ritos, ou seja, em
suas concepções culturais. Dessa maneira, podemos conceber que a cultura não é
um elemento estanque, estático, mas sim receptora de novas concepções e valores.

2 CONCEITUANDO GEOGRAFIA CULTURAL


O conceito de Geografia Cultural nos remete a um passado não muito
longínquo, ainda no final do século XIX e início do século XX, surgindo em
detrimento à Geografia Determinista, apresentada e difundida por Friederich
Ratzel (1844-1904). A Geografia Determinista foi bastante influenciada pela
teoria da seleção natural de Charles Darwin (1809-1882), que perdurou por
muito tempo dentro dos estudos geográficos. Darwin difundia que as espécies se
transformavam a partir de uma seleção de características que as adaptavam a um
ambiente, transformando-as em uma espécie predominante.

5
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

É importante ressaltar que Darwin, sendo naturalista, direcionou seus


estudos para as ciências biológicas. Contudo, pensadores sociais começaram
a transferir seus conceitos de evolução e adaptação para a compreensão das
civilizações e demais práticas sociais. Com essa transferência de conceitos, foi
possível justificar a ideia de que algumas sociedades e civilizações eram dotadas
de valores que as colocavam em condição de superioridade em relações a outros
grupos sociais.

Diante dessa supremacia estabelecida, povos como os africanos e


asiáticos, por não compartilharem das mesmas capacidades culturais evoluídas
e tecnologias avançadas para a época (final do século XIX e início do século XX),
foram subjugados pelos europeus, restando-lhes a condição de subordinados e
subordinantes, respectivamente.

Essas teorias serviram de sustentação para que as grandes potências


capitalistas do final do século XIX (Bélgica, França, Alemanha, Itália, Canadá, EUA
e Japão) exercessem o imperialismo no espaço afro-asiático. Entendemos, assim,
que essas ideias criaram concepções sobre cultura impregnadas de equívocos e
preconceitos, que repercutiram de maneira desastrosa para os povos subordinados,
pois até hoje eles apresentam características políticas, sociais e econômicas nas
linhas periféricas do mundo “evoluído” pelo capitalismo globalizante.

FIGURA 2 – IMPERIALISMO

FONTE: Disponível em: <http://geoprofessora.blogspot.com/2010/03/neocolonialismo.html>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

6
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

A definição de Geografia Cultural como disciplina aconteceu de maneira


lenta, mas progressiva, pois ela não poderia mais ser concebida como uma ciência
natural de paisagens e de regiões como era no início do século XX, nem mesmo
apresentar uma análise reducionista dos mecanismos que permitem às diferentes
sociedades funcionarem, superando os obstáculos da dispersão e da distância,
que atendiam os estudos até os anos de 1960, mesmo existindo pesquisadores que
avançavam seus estudos na contramão das concepções dominantes.

Emergiam abordagens parciais, ou seja, restritas a um determinado espaço,


como, por exemplo, na França, que, ainda no começo do século XX, a “[...] noção de
gênero de vida tem uma dimensão ecológica, naturalista; ela serve, primeiramente
para mostrar como os grupos se adaptam ao ambiente” (CLAVAL, 1997, p. 90).

A Corrente Possibilista, que contrapõe a Corrente Deteminista de Ratzel,


é defendida por Vidal de La Blache (1845-1918). Geógrafo francês, priorizou, em
seus estudos, o grupo social em detrimento ao indivíduo, porque só a partir da
união da sociedade é que se pode garantir a superação das dificuldades. Escreveu
que o estudo da Geografia era o estudo dos lugares e não dos homens, mostrando
que os homens sempre souberam tirar proveito da natureza, criando técnicas,
hábitos, sendo guiado por um desejo de apropriação a um fim determinado. Para
La Blache, as condições naturais não determinam o comportamento do homem,
apenas oferecem as oportunidades, mas, com isso, não queria dizer que o homem
é livre para quem tudo é permitido. Reconheceu que a escolha do homem é
severamente limitada pelo sistema de valores de sua sociedade, sua organização,
tecnologia, suas concepções ético-culturais.

AUTOATIVIDADE

Realize leituras sobre as diferentes correntes do pensamento geográfico,


isso facilitará na compreensão e aprofundamento dos temas trabalhados. A partir
dessas leituras, caro acadêmico, estabeleça paralelos entre suas concepções. Você
perceberá que a maneira pela qual os estudiosos defendiam suas ideias estava de
acordo com os interesses políticos e econômicos de cada época.

Baseando-se nas observações de La Blache, Claval (1997, p. 90) afirma que,


além da dimensão ecológica e naturalista, o gênero de vida tem uma dimensão
social e cultural, em que:

[...] a força do hábito torna-se tão forte que o grupo humano perde sua
plasticidade. Ao invés de adaptar-se ao meio, ele procura modificá-
lo para permanecer em seus hábitos: observa-se por ocasião das
migrações; os recém-chegados em um país fazem em geral de tudo
para continuar a viver como eles o faziam em seus países de origem.
Vidal de La Blache, que faz do gênero de vida um dos eixos da
geografia humana que ele elabora, é, desta forma, o primeiro a sugerir
que ele pode ser uma dimensão cultural [...].

7
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Essa citação é bastante elucidativa e muito fácil de percebê-la em nosso


cotidiano. No Estado de Santa Catarina temos vários exemplos, como é caso de
algumas cidades que se desenvolveram nas áreas marginais do rio Itajaí-Açu,
como Brusque e Blumenau. Se você se portar para a origem dessas cidades,
perceberá que a organização de seu espaço geográfico, sua economia e suas
tradições culturais estão intimamente ligadas ao país de origem de seus primeiros
habitantes, a Alemanha. Essas tradições se explicitam por meio das músicas, do
vestuário, da língua ainda preservada no convívio familiar, na arquitetura, nas
festas e até mesmo na religiosidade, em que igrejas luteranas reúnem muitos fiéis
em suas celebrações, que são realizadas em língua alemã.

FIGURA 3 – PREFEITURA DE BLUMENAU/SANTA CATARINA

FONTE: Disponível em: <https://bit.ly/2wvc56s>. Acesso em: 31 ago. 2018.

Três países se destacam nos estudos referentes à Geografia Cultural: a


França, os Estados Unidos e a Alemanha. Na França, além dos estudos de Vidal
de La Blache, temos ainda Deffontaines (1884-1978) e Paul Claval (1932), ambos
estudiosos da Geografia Cultural. Na Alemanha, Otto Schultter, e, nos Estados
Unidos, Carl Ortwin Sauer (1889-1975). No Brasil, destacamos Roberto Lobato
Corrêa e Zeny Rosendahl como os principais geógrafos que abordaram a temática
em questão, referenciando, em especial, os estudos de Sauer. A intenção em nossos
estudos é apresentar aqueles que, de maneira mais significativa, contribuirão
para as nossas reflexões.

Iniciamos com Deffontaines (1948 apud CLAVAL, 1997), que direciona


seus estudos para a geografia religiosa, alegando que essa imprime, nas paisagens
(igreja, mesquitas, santuários, templos, cruz etc.), certos gêneros de vida (prática
do jejum na sexta-feira, interdição do álcool e do consumo de carne de porco,
proibição do corte de cabelo, por exemplo), assim como os gêneros de vida que a
religião faz nascer.

8
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

A Alemanha também se destacou nos estudos sobre Geografia Cultural.


Otto Schultter (apud CLAVAL, 1997, p. 24) escreveu, em 1907, sobre a organização
da paisagem, dizendo que a Geografia Cultural:

[...] é a marca que os homens impõem à paisagem que constitui o objeto


fundamental de todas as pesquisas. Esta marca é estruturada: o objeto
da geografia é de apreender esta organização, de descrever aquilo
que se qualifica desde então de morfologia da paisagem cultural e de
compreender sua gênese.

Nos Estados Unidos, os estudos que abordam a Geografia Cultural são


interessantemente apresentados por Carl Sauer, que nos mostra de que maneiras
as transformações culturais se impõem diante dos ambientes naturais.

No decorrer deste tópico, as abordagens que faremos sobre a Geografia
Cultural nos aterão aos trabalhos de Roberto Lobato Corrêa, Zeny Rosendadahl
e Denis Cosgrove, que fazem referências aos trabalhos de Carl Sauer e de Paul
Claval, um nome singular no trato com essa disciplina.

3 SAUER E A GÊNESE DA GEOGRAFIA CULTURAL


Carl Ortwin Sauer é descrito por Corrêa (1997) como um dos grandes
mestres da Geografia Cultural norte-americana, mas que teve uma grande
repercussão mundial, pois, mesmo tendo sua formação em bancos universitários
que privilegiavam o determinismo ambiental, conseguiu estabelecer uma
ruptura, consolidando essa disciplina e estabelecendo fortes ligações dessa com a
Antropologia e a História.

Os estudos na Geografia norte-americana, mais especificamente a dos


Estados Unidos, até final do século XIX, estava intimamente ligada à Geologia,
voltada para o levantamento sistemático dos recursos do subsolo, que atendiam
a industrialização do referido país, recebendo pouquíssima influência da
Antropologia, que será o cerne da Geografia Cultural.

Dessa matriz geológica, com forte ênfase no estudo dos fenômenos


naturais, emergiram outras matrizes: a Geomorfologia, em 1904, por William
Morris Davis; a Antropogeografia, por Ellen C. Semple, formada em História e
discípula de Frederich Ratzel, difundindo o papel do meio natural sobre o curso
da História, em que a natureza exerceria um controle sobre a vida humana e
social; e a Geografia Econômica, por Emory R. Johnson, concretizada no sistema
de transportes, na indústria e no comércio.

As concepções do darwinismo social e do pragmatismo permeavam


todas as três matrizes, determinando uma visão determinística, assim como
evolucionista, imprimindo a ideia de competição, dominação e sucessão, como já
estudamos anteriormente.

9
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Foi nesse contexto que as críticas ao determinismo ambiental começavam


a se ampliar por todo o território dos Estados Unidos.

A partir da década de 1920, ideias que se posicionavam na contramão do


determinismo ambiental começam a florescer, vislumbrando da Geografia uma
Ecologia Humana, que objetivava examinar as respostas humanas ao meio físico.
Concomitante à Ecologia Humana, emergem os estudos corológicos e a Geografia
Cultural de Sauer.

FIGURA 4 – ECOLOGIA HUMANA

FONTE: Disponível em: <www.ecoh.ufsc.br>. Acesso em: 2 ago. 2010.

DICAS

Para um melhor aprofundamento sobre a Geografia Corológica, sugiro que você


consulte o trabalho de Fabiana Machado Leal sob o tema: Geografia: Ciência Corográfica
e Ciência Corológica. Seu trabalho encontra-se disponível em: <enhpgii.files.woespress.
com/2009/10fabiana-machado-leal/1.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2010. Vale a pena conferir!.

Os caminhos percorridos por Sauer, quanto ao seu posicionamento


crítico diante do determinismo ambiental, iniciam com os trabalhos de campo,
que vieram impregnados de ideias até então não vislumbradas “[...] por um
lado pragmatismo vinculado ao ideal de racionalizar o uso do solo e, de outro,
impregnado do possibilismo, no sentido de que os grupos humanos se deparam
com alternativas próprias de cada grupo, para gerar determinado uso da terra”
(CORRÊA, 1997, p. 265).

Em 1925, Sauer (apud CORRÊA, 1997) rompe em definitivo com o


determinismo ambiental, com a publicação de “The Morfology of Landscape”.
Nessa obra, além de criticar o determinismo ambiental, ele defende a Geografia
como a ciência que estuda a diferenciação de áreas ou corologia. Segundo esse
estudioso, área, região e paisagem são palavras que devem ser consideradas

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TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

equivalentes, preferindo o uso do termo paisagem, pois tanto área quanto região
conotam a ideia de determinismo ambiental e região natural a um único tipo de
resposta humana, respectivamente.

Sauer (1963, p. 320-321 apud C O R R ÊA , 1997, p. 266) refere-se à


Geografia como:

[...] é concebida como o estabelecimento de um sistema


crítico que engloba a fenomenologia da paisagem, de
modo a abarcar, por meio de seu significado e cores, o
variado cenário terrestre [...]. Os objetos que existem
na paisagem existem em inter-relação. Afirmamos que
constituem uma realidade como um todo, que não se
expressa pela separação de suas partes constituintes, que
a área tem forma, estrutura e função, e daí posição em um
sistema, e que é sujeita ao desenvolvimento, mudança e
fim [...].

É possível notar, a partir dessa citação, que a Geografia, no que concerne
ao seu estudo da paisagem, apresenta flexibilidades, ou seja, tanto são descritivos
os elementos existentes naturalmente como é receptível a interferência humana,
que dá sentido e dinamicidade. Os elementos naturais como os sociais ou
culturais encontram-se em constante consonância, que se estabelece a partir de
uma relação de interdependência, em que o primeiro (o natural) promove a ação
sobre o segundo (social e cultural) e esse, simultaneamente, deixa seus registros
na paisagem.

Assim, Sauer (apud CORRÊA, 1997) tem na paisagem o conceito


fundamental da Geografia, devido a sua qualidade orgânica, ou seja, viva,
influenciada pela cultura do homem sobre a natureza, que a modifica,
transformando-a de uma paisagem natural para uma paisagem cultural.

Na Escola de Berkeley, convencionada pelos geógrafos culturais norte-


americanos como a escola que deu gênese à Geografia Cultural, Sauer ampliou
seus conhecimentos a respeito da Antropologia, da História, que lhe forneceu
saberes sobre a diversidade da ação humana e “[...] também aprendeu que a
cultura é um fenômeno que se origina, difunde-se e evolui no tempo e no espaço,
sendo compreensível no tempo, porém traçavel no espaço onde se localiza. Em
seus estudos com a História, aprendeu a considerar o tempo, a poder entender
como as coisas se tornam” (CORRÊA, 1997, p. 269).

A junção das duas ciências – Antropologia e História – teve subsídios para


poder, então, estabelecer a Geografia Cultural ou, ainda, a História da Cultura
no Espaço. Em 1927, formulou-se a conceituação de Geografia Cultural, que, no
seu entender, seria o sinônimo de Geografia Regional ou Geografia Histórica,
sugerindo que a Geografia deve considerar, em seus estudos:

a) a reconstrução da paisagem física anterior à existência humana;

b) a reconstrução da paisagem durante a ocupação humana;

c) as mudanças significativas que se verificam na paisagem cultural.

11
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Podemos observar, pelas indicações de Sauer (apud CORRÊA, 1997), que


a paisagem sofre interferência direta da ação humana, através de seu trabalho, que
é significado pelos valores, padrões éticos e culturais de cada sociedade que ocupa
um determinado espaço ou área. Ressaltamos, ainda, conforme já mencionado
no início de nossos estudos, que essa paisagem é alterada e reconstruída pelas
tendências culturais do momento, absorvendo novos conhecimentos que se
registram no seu aspecto, comprovando sua mutação, ou seja, sua receptividade
a novos conceitos e valores. Dessa maneira, é aceitável que as culturas tenham
estágios, e a receptividade cultural, que diz respeito à difusão, adoção e rejeição
de inovações, deve sempre ser considerada.

FIGURA 5 – AVENIDA PAULISTA EM 1920

FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/transformacao-no-


espaco-geografico.htm>. Acesso em: 2 ago. 2010.

FIGURA 6 – AVENIDA PAULISTA EM 2000

FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/transformacao-no-


espaco-geografico.htm>. Acesso em: 2 ago. 2010.

12
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Ainda, temos que a proposta de Sauer (apud CORRÊA, 1997) para os


estudos geográficos é a comparação entre culturas localizadas em diferentes
áreas, considerando que a natureza histórica da cultura – um conjunto de hábitos
aprendido por um determinado grupo em um determinado local e determinado
tempo – deve ser compreendida por meio de análises das origens e processos e de
como elas se diferenciaram entre si.

A partir dessa metodologia, podemos entender que a diversidade cultural


pode estar presente em um mesmo espaço e em um mesmo momento, em que
não se está pontuando supremacia entre essa ou aquela cultura, mas buscando
compreender suas origens. Corrêa (1997, p. 270) contribui dizendo:

[...] Houve em Sauer um forte interesse pelo estudo de áreas em


estágios culturais menos avançados. Isso não implicava, contudo,
uma visão etnocêntrica, reconhecendo ele uma racionalidade própria
de cada cultura. Sauer receava, em realidade, a difusão da cultura
industrial destruindo a diversidade cultural existente em países de
cultura não industrial [...].

Outra observação importante apontada por Sauer (apud CORRÊA, 1997)
é que se considerem de um lado os processos da Geografia Física, em que as
mudanças seculares afetam direta e indiretamente o homem a partir da sua
dinamicidade, muitas vezes lenta, mas sempre contínua e, de outro lado, que se
considere o homem como agente da Geografia Física, cuja cultura tem afetado a
natureza, como, por exemplo: os padrões dos núcleos de povoamento, os tipos de
arquitetura, os sistemas agrícolas e até mesmo o modo de uso da terra.

DICAS

Os trabalhos e contribuições de Sauer se delongam por inúmeras observações


para os estudos direcionados à Geografia Cultural. Fica aqui a indicação da leitura de seu
trabalho “The morphology of landscape’ (A morfologia da paisagem), publicado em 1925,
pela Universidade da Califórnia (EUA), que aponta que devemos estar interessados naquela
parte da paisagem que nos diz respeito como seres humanos, por sermos parte dela,
pois vivemos com ela, somos limitados e a modificamos conforme nossas tecnologias e
interesses, pois “as qualidades físicas da paisagem são aquelas que têm valor de hábitat,
presente ou potencial” (SAUER, 1924, p. 19-54 apud CORRÊA, 1997).

4 UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS ESTUDOS DE PAUL


CLAVAL
Paul Claval é caracterizado como uma das principais referências
sobre os estudos da Geografia Cultural na atualidade. Suas obras são atuais e
contextualizadas, o que permite sua elucidação assim como sua exemplificação.

13
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Para Claval (1997), a Geografia Cultural está intimamente associada às


experiências que os grupos humanos, representados pelas distintas sociedades,
têm da Terra, da natureza e do ambiente. Esse segmento da Geografia estuda a
maneira pela qual as necessidades, os gostos e as aspirações das sociedades se
configuram no espaço geográfico, resultando na compreensão de como elas se
definem, se identificam e se realizam no mesmo.

Em seus trabalhos, Claval evidencia que os estudos da Geografia Cultural


são mais significativos na atualidade, comparando-os com os momentos em que
foi desenvolvida ou criada, face ao crescente interesse pelos lugares, pelas novas
relações sociais na abordagem cultural, especialmente ao que se refere ao papel
da comunicação e pelos crescentes problemas morais do mundo atual.

5 AS NOVAS CONCEPÇÕES DA GEOGRAFIA CULTURAL


Durante muito tempo, a paisagem tem se constituído em um dos conceitos-
chave da Geografia, por estar apropriada de uma unidade e de identidade. A
importância desse conceito, dentro do pensamento geográfico variado, e por alguns
momentos, está relegado a uma posição secundária em relação aos conceitos de
região, espaço território e lugar, conforme enfatiza Corrêa e Rosendahl (1998). A
partir de 1970, o conceito de paisagem é retomado, trazendo novas concepções de
outras matrizes epistemológicas.

Para Corrêa e Rosendahl (1998), a paisagem geográfica apresenta


simultaneamente várias dimensões que cada matriz epistemológica privilegia:
sua dimensão morfológica, entendida como um conjunto de formas criadas pela
natureza e pela ação humana, e uma dimensão funcional, que apresenta relações
entre suas diversas partes. Ao que se refere à construção humana, essa decorreu
dentro de uma dimensão histórica e, por condição existencial, também uma
dimensão espacial. “Mas a paisagem é portadora de significados, expressando
valores, crenças, mitos e utopias: tem assim uma dimensão simbólica” (CORRÊA;
ROSENDAHL, 1998, p. 7-8).

Segundo Claval (2002, p. 20-21), nas releituras sobre a Geografia Cultural,


deve-se considerar que:

a) As mudanças de concepções nas Ciências Humanas e Sociais ocorreram a


partir da necessidade de integrar perspectivas existenciais e críticas, ou seja,
de valores e tradições que identificam as ações humanas, assim como seus
posicionamentos diante de situações de inconformismo.

b) Da abordagem cultural, demandam a necessidade de repensar a Geografia


Humana, onde esta não pode ser totalmente desvinculada da cultura onde
se desenvolveu, estendendo-se também às ciências: sociais, econômicas,
políticas, a Sociologia etc. Lembrando que o econômico, o político e o social
nunca existiram como categorias imutáveis e independente do espaço onde
se encontram.

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TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

c) Tanto o etnólogo como o geógrafo deve praticar em seus estudos a arte da


“descrição densa”, a qual é descrita como uma única maneira possível de
integrar algumas das particularidades culturais das populações e dos lugares
estudados.

d) Existem diferentes concepções de cultura: numa primeira concepção, a


cultura aparece como um conjunto de práticas ou kow hows, de conhecimentos
e de valores que cada um recebe e adapta a situações evolutivas, parecendo
representar uma realidade individual (resultante da experiência de cada
pessoa) e social (resultante de processos de comunicação), não sendo uma
realidade homogênea; numa segunda concepção, a cultura é apresentada
como um conjunto de princípios, regras, normas e valores que deveriam
direcionar a escolha dos indivíduos, assim como, orientar suas ações. Numa
terceira concepção, a cultura é apresentada como um conjunto de atitudes e
de costumes que dão ao grupo social a sua unidade.

Essa última concepção de cultura tem um papel importante na construção


das identidades coletivas. Para nós, geógrafos, a concepção da estrutura complexa
das sociedades humanas deve sempre permanecer, demonstrando respeito e
aceitação pelo diferente.

Claval (1997, p. 21) lembra que, atualmente, os geógrafos analisam


as relações homem/meio dentro de uma perspectiva ecológica, o que resulta
em quantificações e objetividades, desconsiderando a subjetividade das
“representações do meio ambiente por parte das populações locais, da sua
compreensão dos mecanismos ecológicos, da sua concepção da natureza em
relação com a divindade ou o sagrado”.

Entende-se, com isso, que os valores intrínsecos culturais da população


que ocupa aquela paisagem estudada não são considerados em seus estudos. A
compreensão da parte científica da Ecologia e da parte ideológica é considerada
fundamental no entendimento da ação humana na contemporaneidade.

Um exemplo prático para entendermos essa preocupação de Claval (1997)


está na maioria das abordagens sobre os estudos geográficos do sertão nordestino.
Por mais que estejam pontuando as características socioeconômicas, físicas e
políticas de uma maneira interdependente, pouco é valorizada a concepção do
povo sobre o lugar, das suas esperanças com um futuro próspero ou, até mesmo,
seu conformismo diante das carências existenciais em que vivem.

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UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 7 – CONTINGÊNCIAS DA SOBREVIVÊNCIA

FONTE: Disponível em: <http://geografianovest.blogspot.com/2008/08/imagens-do-serto.


html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Claval (1997) reforça que os geógrafos estudam a dimensão estética das


paisagens, sejam elas rurais ou urbanas, não dando a devida atenção ao estudo
da paisagem como uma exploração da convivência, que se desenvolve entre ela
e os homens.

[...] Os governantes utilizam as paisagens como suporte de suas


mensagens de propaganda ou de sua ideologia. As classes dominantes
justificam a sua supremacia social e política pela qualidade das
paisagens que planejam [...]. Nem sempre as paisagens traduzem a
vontade da manipulação ideológica expressa pelas classes dominantes
[...] no mundo moderno, uma parte importante das paisagens é
planejada para servir de guia aos utilizadores dos serviços públicos,
como as das autoestradas e dos grandes aeroportos [...] a organização
da paisagem reflete a existência de um sistema de poder: existe uma
relação entre o país como criação política e a paisagem como expressão
da personalidade do grupo social. O sentido de identidade de muitas
coletividades sociais está ligado às paisagens da lembrança e da
memória. [...] (CLAVAL, 1997, p. 22).

Com isso, podemos entender que os estudos regionais mudam suas


concepções de verdade, tornando-se mais fiéis quando abordados na escala
local. A atenção está centrada no lugar, e quando se fala em região, deve-se falar
de realidades sociais ali já existentes; falar do significado do espaço para cada
indivíduo e da maneira de construir objetos sociais a partir das experiências
humanas, o que resultará na construção de análises das categorias sociais e
territoriais mais fidedignas.

Lembra ainda Claval (1997) que tanto os lugares como as paisagens


fazem parte da memória coletiva. Fatos passados impregnam certos lugares de
significados; as identidades individuais e coletivas são fortemente ligadas ao

16
TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

desenvolvimento da consciência territorial. Isso é verdadeiro no sentido que


estamos sempre lembrando fatos e sempre esses fatos estão condicionados à
existência de uma paisagem ou lugar.

Um alerta que se faz pertinente em nossos estudos ou análises de uma


determinada paisagem é como não nos deixar persuadir diante da tendência da
homogeneização de comportamentos, da cultura, dos valores que estão sendo
apresentados nesse novo estágio da globalização. Realmente é uma tarefa difícil,
somos influenciáveis e precisamos estar em constante policiamento para não cair
no risco de ameaçar, a partir de nossos diagnósticos, as identidades locais, que
estão sendo suprimidas diante da forte influência dos meios de comunicação.

6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL


Já nos deportamos várias vezes na importância da identidade local, mas
em nenhum momento explicitamos sua construção. Fazendo referência a Calhoun
apud Castells (1999, p. 22), se entende por identidade o fato de:

[...] Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes,


idiomas ou culturas em que alguma forma de distinção entre o eu
e o outro, nós e eles, não seja estabelecida... O autoconhecimento –
invariavelmente uma construção, não importa o quanto possa parecer
uma descoberta – nunca está totalmente dissociado da necessidade de
ser conhecido, de modos específicos, pelos outros [...]

Assim, podemos entender por identidade o processo de construção de
significado, com base na cultura ou no conjunto de culturas inter-relacionadas, pois
somos receptivos a vários atributos culturais. A identidade cultural se constitui
de fonte de significados por seus próprios atores, que foi sendo construída por
meio de um processo individual. Dentro de uma concepção mais genérica, pode-
se dizer que as identidades culturais organizam seus significados, seus símbolos
autossustentáveis ao longo do tempo e do espaço.

Segundo Castells (1999, p. 23) “[...] a construção de identidades vale-se da


matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas
e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de
poder e revelações de cunho religioso”.

Importante observar que a chamada matéria-prima é absorvida tanto pelo


indivíduo como pelos grupos sociais, que reorganizam seu significado diante das
tendências sociais e projetos culturais já enraizados, bem como em sua concepção
de tempo e espaço, ou seja, a dinamicidade do surgimento ou elaboração do novo
acaba interferindo direta ou indiretamente nas permanências de uma determinada
sociedade, que ocupa um determinado espaço em um determinado tempo.
Assim, é possível entender que quem constrói a identidade coletiva (lembre-se
de que estamos falando de sociedade ou grupo social), e em atendimento a quê
essa identidade é construída, são os próprios conteúdos simbólicos dessa mesma
identidade, bem como o seu significado para aqueles que com ela se identificam
ou dela se excluem.

17
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Na prática, podemos exemplificar isso através de certas práticas


coletivas estabelecidas entre diferentes religiões que seguem rituais, muitas
vezes, centenárias na sua realização. Veja que a permanência desses rituais dá
significados e identificam aquela religião em detrimento a outras religiões.

Para Castells (1999, p. 26), “diferentes tipos de identidades são construídas


e suas permanências estão diretamente relacionadas a um contexto social” e ao
enraizamento ou não de seu simbolismo ou, ainda, pela incorporação ou não das
tendências contemporâneas. Lembrando de que diante de novas apropriações
simbólicas, a paisagem sofre mutações em sua configuração, em atendimento a
novas demandas sociais que emergem.

Assim, é importante entendermos a Paisagem como categoria de estudo


da Geografia e sua manifestação simbólica diante da Cultura.

18
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos que:

● O conceito de Geografia Cultural tem suas origens no final do século XIX e


início do XX, com os estudos de Vidal de La Blache e a Teoria do Possibilismo.

● A Teoria do Possibilismo sustenta-se no fato de o homem modificar o meio,


adequando-o às suas necessidades.

● La Blache faz do gênero de vida um dos eixos da Geografia Humana, sendo o


primeiro a sugerir que ele tem uma dimensão cultural. Ex.: os imigrantes em
nosso país.

● Carl Sauer foi um dos grandes mestres da Geografia Cultural norte-americana,


tendo seus estudos difundidos por todo o mundo, tornando-se um dos
principais referenciais teóricos do tema.

● Sauer sugere que, nos estudos de Geografia Cultural, deve ser considerado:

a) a reconstrução da paisagem física anterior à existência humana;


b) a reconstrução da paisagem durante a ocupação humana;
c) as mudanças significativas que se verificam na paisagem cultural.

● A cultura é um elemento dinâmico, pois absorve, em maior ou menor grau, as


tendências contemporâneas.

● Paul Claval, contemporâneo, associa a Geografia Cultural às experiências dos


grupos humanos.

● A paisagem é considerada o conceito-chave da Geografia Cultural por estar


apropriada de unicidade e identidade.

● Claval observa que os estudos da Geografia Cultural acabam se limitando a


abordagens ecológicas, sem a preocupação com os valores intrínsecos culturais
da população que habita aquela paisagem.

● A constituição da identidade cultural acontece por meio do processo de


construção de significados e de seus símbolos autossustentáveis ao longo do
tempo e do espaço.

19
AUTOATIVIDADE

1 Você observou, no decorrer das abordagens, que a Geografia Cultural


obedeceu a um processo teórico para ser caracterizada como uma disciplina.
Em uma análise pessoal, é possível caracterizarmos sua existência somente a
partir do século XX por Sauer? Justifique.

2 Em uma leitura contemporânea, a partir da realidade que o cerca, descreva


uma paisagem, levando em consideração as observações de Sauer e Claval,
estabelecendo eixos entre o passado físico e o presente cultural da mesma.

20
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS


RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
A Geografia como ciência apresenta algumas categorias de análise, que
acabam permeando todos os envolvidos e qualquer estudo ou pesquisa, em maior ou
em menor grau, pois esses elementos acabam estabelecendo um grau de integração
entre si, que, sem o reconhecimento de todos, o trabalho parecerá incompleto.

As categorias de análise podem ser: espaço, lugar, região e território,


que servem de fio condutor às explicações e elucidações para a compreensão da
dinâmica do espaço geográfico.

Direcionando nossos estudos para a disciplina de Geografia Cultural, nos


ateremos ao trabalho com a Paisagem. Não queremos imprimir sobre essa categoria
um grau de importância que venha a subestimar as demais. Apenas queremos
entender que é por meio da análise da Paisagem que a geografia em questão se
fundamentou, assim como foi e é motivo de vários conflitos não só em nível conceitual
e epistemológico, mas também quanto aos elementos a serem considerados.

Não estaremos demonstrando uma solução para esses conflitos de


concepções teóricas, que serão apresentadas pelos estudiosos da Geografia
Cultural, mas sim, buscaremos entender seus pareceres e exemplificá-los, para
que possamos significá-los diante da nossa realidade.

2 A PAISAGEM
A Paisagem sempre esteve relacionada com a cultura, com a ideia de
formas visíveis sobre a superfície da Terra e ainda podemos dizer: um recorte, uma
cena de um determinado espaço geográfico. Em nenhum momento, a Paisagem
é estática, mas ela é portadora de odores, movimentos, sabores, de passado e,
especialmente, ocupada por atores sociais, enfim, a Paisagem é composta de
dinamicidades e histórias que se traduzem de maneira complexa.

21
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Para Cosgrove (1998, p. 99) a Paisagem está intimamente relacionada


a “[...] uma nova maneira de ver o mundo como uma criação racionalmente
ordenada, designada e harmoniosa, cuja estrutura e mecanismo são acessíveis à
mente humana [...] e agem como guias para os seres humanos em suas ações de
alterar e aperfeiçoar o meio ambiente”.

Dentro da concepção de Cosgrove (1998), a paisagem é um termo complexo,


pois deve implicar em sua conceituação três considerações importantes: a) sua
composição e estrutura espacial, ou seja, sua origem natural, onde os elementos
naturais predominam e, no que se refere à estrutura, podemos referenciar Santos
(2000, p. 50) que a identifica como sendo a “inter-relação de todas as partes de um
todo; o modo de organizar”; b) a concepção racional do meio ambiente, que pode
ser expressa pela concepção que o homem tem sobre a paisagem; c) a intervenção
humana e o controle das forças que modelam e remodelam o mundo. Essa
consideração é de suma importância no sentido de apropriação da Paisagem natural
pela sociedade, que refletirá na modelagem da paisagem natural, suas concepções
e valores culturais, que “[...] busca uma relação que harmoniza a vida humana com
a ordem ou modelo inerente da própria natureza” (COSGROVE, 1998, p. 99).

A intenção de harmonia, a paisagem representada em pinturas, poesia


ou teatro expressam os laços entre a vida humana, o amor, os sentimentos
ritmados do mundo natural (a passagem das estações, crescimento, reprodução,
envelhecimento, os sentimentos e as emoções humanas no aspecto das formas
naturais), ou seja, a paisagem natural contida nos sentimentos humanos ou os
sentimentos humanos contidos na paisagem.

Diante desses argumentos, podemos dizer que o conceito de Paisagem,


mesmo expressando-se de maneira complexa, possui um grande valor para os
estudos da Geografia Humana, lembrando-nos de que a geografia está em toda
parte, podendo ser classificada como fonte de beleza e inspiração ou de feiúra, de
tristezas e sofrimento, de ganho ou de perda.

Cosgrove (1998) ainda nos lembra que foi Sauer quem originou uma escola
de geografia da Paisagem, centralizando a ação do homem nas transformações
das faces da Terra. Sauer sustentava essas transformações através do uso de
tecnologias como o uso do fogo, a domesticação de animais e plantas, a hidráulica,
mas também, essas transformações ocorrendo a partir das relações com as culturas
não materiais, como: a crença religiosa, sistemas políticos. As atenções de Sauer
estavam focalizadas nas sociedades pré-modernas ou em suas manifestações na
paisagem contemporânea.

22
TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

Seguindo essa tradição nos estudos da Geografia Cultural, tem-se que as


formas visíveis da paisagem (campos, praças, cidades, fazendas) se refletem na
visão de que o conceito de cultura não é complexo, sendo considerado um “[...]
conjunto de práticas compartilhadas comuns a um grupo humano em particular,
práticas que foram aprendidas e transmitidas através de gerações” (COSGROVE,
1998, p. 101).

Essa conceituação gerou críticas, pois, para alguns estudiosos, a cultura


parecia se expressar através das pessoas para alcançar objetivos dos quais
estavam vagamente cientes, emergindo a ideia de um determinismo cultural e
que não atendia às demandas na geografia de uma teoria cultural no que se refere
às paisagens contemporâneas e sofisticadas da cultura moderna.

3 A CULTURA
Dentro de uma abordagem de estudos para Geografia Cultural moderna,
Costrove (1998) aponta algumas abordagens que devem ser consideradas.
Acompanhe-as nos seguintes subitens.

3.1 A CULTURA E A CONSCIÊNCIA


Para o estudo dessa abordagem, deve-se entender que a cultura não é algo
que funciona através dos seres humanos, mas deve-se considerar a sua constante
reprodução pelas sociedades, sendo, muitas delas, ações não reflexivas, rotineiras da
vida cotidiana, como o culto a uma religião, que só pode sobreviver se for praticado.

Um exemplo interessante de Cosgrove (1998) é de que um morador


suburbano pode não estar ciente que, ao cortar a grama de uma propriedade, está
mantendo um sinal de propriedade numa paisagem já proprietária de alguém.
Partindo desses exemplos, podemos dizer que, se nos é solicitado expressar o
significado de nossas atividades, certamente teríamos dificuldades de explicá-las,
mas sabemos que, sem tais atividades ou práticas, muitas expressões culturais
desapareceriam de nossas paisagens.

As transformações na cultura se expressam em processos lentos ou rápidos,


que são sempre capazes de nos trazer reflexões conscientes e de comunicação,
basta nos entregarmos a esses exercícios.

23
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 8 – PAISAGEM TURÍSTICA

FONTE: Disponível em: <http://www.quebarato.com.br/classificados/pintura-com-moldura-de-


paisagem-em-oleo-sobre-tela-belo-quadro__604233.html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

A figura retrata uma paisagem turística. Vejam que as pessoas presentes


não se preocupam em se questionar sobre seus papéis como turistas, mas esse
lugar procura adaptar-se para recebê-los. Consideramos que sem a presença das
pessoas, a funcionalidade dessa paisagem padeceria.

3.2 A CULTURA E A NATUREZA


É importante considerarmos, nessa abordagem, que qualquer intervenção
humana na natureza reflete sua transformação em cultura, visível ou não. O uso de
tecnologias e/ou técnicas presentes na construção de edificações são indicadores
óbvios de mudança de paisagem.

Um exemplo curioso apresentado por Cosgrove (1998) é o tomate, um


elemento natural que, quando tirado do pé, serve de alimento para os humanos.
Esse objeto natural se torna cultural no momento que lhe é atribuído significados.
“O significado natural é introduzido no objeto e também pode ligá-lo a outros
objetos aparentemente não relacionados a ele na natureza” (COSGROVE, 1998,
p. 102-103). No caso do tomate, foram atribuídos valores culturais, que se podem
discutir e identificar, mesmo sem ele perder suas propriedades naturais.

É importante, ao iniciarmos os estudos referentes à cultura expressada na


paisagem, que entremos na consciência cultural daqueles que a fazem acontecer.
Para revelar os significados na paisagem cultural, são necessárias habilidades

24
TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

imaginativas de entrar no mundo dos outros de maneira autoconsciente. Só


assim será possível representar essa paisagem num nível que seus significados
sejam objeto de investigação. Muitas vezes, alguns dos significados já nos são
naturalmente encontrados, pelo fato de também fazermos parte da natureza,
quando, por exemplo, associamos a primavera com flores e o verão com praia.

FIGURA 9 – AS FLORES E SEU SIGNIFICADO DURANTE A PRIMAVERA

FONTE: Disponível em: <http://tocadathamy.wordpress.com/2009/11/06/as-estacoes/>. Acesso


em: 2 ago. 2010.

3.3 A CULTURA E O PODER


Se isolássemos a concepção de poder da cultura, estaríamos bastante distante
de nossa realidade. O fato de vivermos em sociedades divididas a partir do seu
poder aquisitivo, de termos variações nas idades e ainda de etnicidade, sugere que
existe uma regulação de ordem, que nos atinge de maneira direta ou indiretamente,
como é o caso das diferentes idades presentes em uma paisagem, que se refletem
em consciências diferentes, e até certo ponto, em uma cultura diferente.

O grau de diferença varia de maneira significativa. Em uma mesma


sociedade, verificam-se culturas tão radicalmente diferentes que, por vezes,
pode-se dizer, são incompatíveis, como as culturas católicas e protestantes na
Irlanda do Norte ou, ainda, torcidas de futebol organizadas, nas quais o poder
é contestado entre os grupos de força relativamente iguais, reproduzindo suas
culturas num alto nível de conscientização. Não se está afirmando que essa
conscientização é válida ou não, afirma-se que ela se expressa em defesa de
concepções diferenciadas.

O Estado, como representante de um interesse nacional, interfere de


maneira a introduzir pelo menos os rudimentos ou princípios de uma cultura
comum em cada paisagem identificada. O resultado desses princípios é a
manutenção ou estabelecimento de uma ordem controlável.

25
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Podemos dizer, então, que o estudo da cultura está diretamente relacionado


ao estudo do poder. Um grupo dominante, ao se impor, estabelecerá sua própria
experiência de mundo e suas próprias suposições serão tomadas como verdadeiras,
como a objetiva e válida cultura para todas as pessoas que lhe são imediatamente
subordinantes. O poder é expresso e mantido na reprodução dos dominados, sendo
mais bem concretizado quando é menos visível e conscientemente absorvido,
passando até mesmo a se expressar como senso comum, identificado, segundo
Cosgrove (1998, p. 105) como “hegemonia cultural”.

AUTOATIVIDADE

A partir de seu cotidiano ou sua experiência de vida, elabore alguns


exemplos de paisagem que imponham uma cultura determinante e dialogue
com aqueles que absorveram essa cultura, para entender a maneira pelo qual
se identifica com ela. Você estará realizando um momento de reflexão sobre
algo institucionado como verdade.

Não se deve esquecer de que há ainda culturas dominantes e subordinantes


não apenas no sentido político, mas também em termos de sexo, idade e etnicidade.
Essa última foi bastante expressiva na África do Sul durante o apartheid.

FIGURA 10 – A CULTURA E O PODER NA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL

FONTE: Disponível em: <http://picsdigger.com/keyword/apartheid%20pictures/>. Acesso em: 2


ago. 2010.

26
TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

A figura anterior expressa, de maneira inteligente, a imposição de culturas


vista por dois aspectos: político e étnico-cultural. Cosgrove (1998) lembra ainda das
culturas subdominantes, que podem ser divididas não somente em classes, mas
também historicamente, como residuais (que sobraram do passado), emergentes
(que antecipam o futuro) e excluídas (que são ativa ou passivamente suprimidas),
como as culturas do crime, drogas ou grupos religiosos marginais. Em maior ou
menor grau, as subculturas encontram alguma expressão na paisagem, mesmo
numa paisagem fictícia ou de fantasia.

4 O SIMBOLISMO
Cosgrove (1998) lembra de que para compreendermos as expressões
culturais existentes em uma paisagem, faz-se necessário que tenhamos o
conhecimento da “linguagem” empregada, ou seja, os símbolos e seu significado
nessa cultura, pois devemos considerar que todas as paisagens são simbólicas,
por mais inexpressível que pareça.

A presença de estátuas no centro de uma cidade ou em parques representa


um símbolo poderoso de condecoração e homenagem a um determinado
personagem, que, provavelmente, tenha influenciado de maneira significativa
o desenvolvimento dessa cidade. Essa prática é muito comum e independente
da cidade onde ela esteja fixada, e se traduz da mesma forma: com honrarias e
homenagens. Esse exemplo serve ao propósito de reproduzir normas culturais e
estabelecer valores de grupos dominantes por toda uma sociedade.

Outro exemplo que ilustra bem o simbolismo é a existência de parques


nos grandes centros urbanos. Não se encontra explícito, mas sim implícito, os
limites de comportamento das pessoas que venham a usufruir do lugar: correr
é para as crianças e a grama é para sentar ou realizar piqueniques, não se pode
nadar no lago e nem subir nas árvores, não se pode transformar o ambiente em
espaço comercial, ele é para o lazer, enfim, o comportamento deve ser contido e
respeitoso, pois o local é público.

Quando esses símbolos são transgredidos, o fato é observado e a censura é


claramente registrada pelas pessoas que, mesmo sendo uma minoria, têm de seu
lado o simbolismo moral e, através desse simbolismo, tentam se impor diante da
“anormalidade”.

[...] Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são
o produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo
homem. O simbolismo é mais facilmente apreendido nas paisagens
mais elaboradas – a cidade, o parque e o jardim – e através da
representação da paisagem na pintura, poesia e outras artes. Mas pode
ser lida nas paisagens rurais e mesmo nas mais aparentemente não
humanizadas paisagens do meio ambiente natural. Estas últimas são,
frequentemente, símbolos poderosos em si mesmas [...]. (COSGROVE,
1998, p. 108)

27
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Veja que o autor também se refere à paisagem natural aquela que


diretamente não sofreu a interferência das ações antrópicas. Com isso, pode-se dizer
que o simbolismo está presente tanto em paisagens modificadas e remodeladas
pelos homens como nas paisagens onde ainda prevalecem elementos originários
da própria natureza. Como exemplo, temos as regiões polares, cujo significado
cultural é consequência da sua aparente inconquistabilidade pelo homem.

4.1 LENDO AS PAISAGENS SIMBÓLICAS


A decodificação feita pelos geógrafos resulta em múltiplos significados
das paisagens, pois ela se expressa pelos vários elementos nela contidos, sejam eles
resultantes de uma auto-organização ou interferência das diferentes culturas existentes.

Deve-se considerar que os geógrafos sempre reconhecem, mesmo


oralmente, o elemento central da paisagem em estudo. Os dois principais
caminhos que respondem a essas identificações são o trabalho de campo e a
elaboração e interpretação de mapas. Diante desses conhecimentos pessoais são
geradas respostas também pessoais, pois é preciso considerar seus conhecimentos
historicamente apreendidos. Realmente, fica difícil isolarmos nossas concepções
individuais de uma determinada realidade estudada, mas precisamos ser
honestos, garantindo assim fidelidade nas observações e apontamentos, ou seja,
não se devem estabelecer julgamentos críticos, pois o que se pretende é apenas
uma leitura da paisagem. Cosgrove (1998) lembra de que muitas vezes são as
crianças, menos aculturadas em significados convencionais, que podem ser o
melhor estímulo para recuperar os significados codificados na paisagem.

A metodologia que se aplicava no passado, quando comparada à


aplicada nos dias atuais, é diferente. Hoje, contamos com fontes documentais e
cartográficas, não invalidando as fontes orais que predominavam no passado,
pois elas são valiosíssimas, porque são concepções dos habitantes naturais da
paisagem analisada.

Outras fontes que contribuem para a leitura simbólica da paisagem são


os próprios produtos culturais: pinturas, poemas, romances, contos populares,
músicas, filmes e canções, que fornecem uma base firme a respeito dos significados
que os lugares e paisagens possuem.

Temos um exemplo bem ilustrativo: a literatura de cordel, típica da região


nordeste do Brasil e rica em formas e gêneros. Fazem parte dessa cultura os contos
improvisados dos repentistas e emboladores, os causos, as lendas, bem como as
narrativas do sofrimento dos homens que vivem no sertão.

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TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

“O drama da seca” – de Anélio Souza


“Plantei roça sem comer
a minha última semente.
Na terra seca, o sol quente,
vi a criação morrer.
Esperei Deus resolver
mandar chuva pro roçado,
toró d’água controlado
e não uma tromba d’água,
pra não aumentar a mágoa,
levando o que foi plantado.

Do Ceará ao Cariri
açudes estorricados
em blocos espedaçados,
Pernambuco e Piauí.
O Nordeste todo aqui
nesta gleba tão sofrida
do nosso Brasil sem vida.
Não chovendo no sertão,
torra a semente no chão
e a luta fica perdida.”
FONTE: Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/45469>. Acesso em: 2
ago. 2010.

FIGURA 11 – XILOGRAFIA TÍPICA DA LITERATURA DE CORDEL

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_Ytyn4-1Rbq0/S_x2WIHcYwI/


AAAAAAAACKo/0Rx-WtGS3rQ/s320/200px-Casal_de_retirantes.jpg>. Acesso em: 2 ago. 2010.

29
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Importante lembrar de que todas essas fontes representam limitações e


vantagens, exigindo técnicas diferenciadas de abordagem, para que sejam tratadas
de maneira competente. Além de tudo, deve-se contar com o conhecimento
histórico e contextual por parte do geógrafo pesquisador, para que possa
interpretar com veracidade a paisagem em estudo.

O texto de uma interpretação geográfica da paisagem é o meio pelo qual


transmitimos seu significado simbólico. Inevitavelmente, nossa compreensão
sobre os símbolos é descrita sob nossos próprios valores, crenças e teorias, mas
estará apoiada na busca de evidências apresentadas pela própria paisagem e pela
oralidade dos elementos humanos presentes na mesma.

5 CRÍTICAS À GEOGRAFIA CULTURAL


Assim como todo estudo ou pesquisa está sujeito a refutações, a Geografia
Cultural não estaria isenta de tal situação, recebendo críticas oriundas das mais
diversas direções, inclusive de seus próprios adeptos.

Uma das críticas mais enfatizada estaria no fato de privilegiar apenas um


dos múltiplos elementos que se inter-relacionam em área. Para a nova geografia,
os geógrafos culturais estariam voltados ao passado, de se interessarem por temas
pouco relevantes para os problemas imediatos e vinculados ao desenvolvimento
contemporâneo, servindo mais aos interesses acadêmicos.

Para Corrêa (1997, p. 276), “os geógrafos estariam mais voltados para os
fenômenos de divergência do que convergência cultural, esta sendo associada
a uma certa homogeneização de grupos sociais sob o impacto de expansão
capitalista. Daí seus interesses voltarem-se para o estudo de áreas culturais não
ocidentais”.

Outra crítica apontada nas observações de Corrêa (1997) é o fato de os


geógrafos culturais tornarem-se seletivos diante das temáticas que a disciplina
sugere, ficando mais restrito a estudos sobre religiões em detrimento dos estudos
sobre a língua, assim como da compreensão sobre os aspectos materiais da
cultura do que sobre os aspectos não materiais. Talvez isso aconteça pela própria
disponibilidade de fontes investigativas, mas é aí que está a importância e os
desafios dos estudos.

Uma das críticas mais profundas feita à Geografia Cultural está na sua
concepção, na formulação do conceito de cultura, que é entendida como uma
entidade superorgânica, passando a ser vista, segundo Lestie White (apud
CORRÊA, 1997, p. 277), “como uma entidade acima do homem, não redutível às
ações pelos indivíduos que estão associados a ela, misteriosamente respondendo
pelas suas próprias leis”.

30
TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA

Entendemos, pela citação, que o sujeito ou indivíduo é um mero agente


das forças culturais, sobrepondo-se sobre a própria existência do ser, além de
defender que a realidade é dividida por idealismos. A cultura, no entender como
superorgânica, passa a fazer parte dos indivíduos de um grupo, sendo, então,
internalizada por eles, resultando na ideia de homogeneização cultural de cada
grupo, a qual, pela ausência de conflitos internos, implicaria em poucas mudanças
e sempre oriunda do exterior, de fora do grupo.

Se observarmos a cultura como força determinante em detrimento a


outras variáveis, como: estratificação social, interesses políticos, conflitos entre
interesses opostos, a interferência do Estado e das grandes empresas, estaríamos
desconsiderando o conjunto de elementos que interagem dentro de uma mesma
paisagem.

Para Ducan (apud CORRÊA, 1997, p. 279) “[...] em breve, o mundo descrito
pelos geógrafos culturais é um mundo no qual o indivíduo está largamente
ausente, o consenso prevalece, o desejo é ignorado; é um mundo não tocado pelo
conflito intracultural”. A citação corrobora com a colocação anterior, alertando da
necessidade de integrar o indivíduo não somente na paisagem, mas com todos os
elementos nela presentes, sejam esses concretos ou abstratos.

A Geografia Crítica apresenta os estudos de James Blaut, citado por Corrêa


(1997), em que seus pareceres se voltam ao fato de a Geografia Cultural estar
assentada em critérios étnicos e de classe, que acabam influenciando os valores e
crenças dos geógrafos culturais, assim como sua seleção de temas para trabalho.
Adverte que “ao se admitir a existência de culturas como entidades genuínas da
sociedade, esquece-se o papel do Estado e dos limites territoriais, bem como o das
classes sociais poderosas” (CORRÊA, 1997, p. 279).

Alguns grupos que se chamam de “culturas” são sociedades oprimidas,


seja pelas elites internas, seja pelas elites externas ou ambas. Essa opressão, muitas
vezes, acontece porque essas culturas isoladas não respondem aos interesses dessa
mesma elite, pelo contrário, aparecem como estorvo ou obstáculo na dissipação
das ideologias burguesas.

Vemos pela frente um grande desafio: desenvolver um trabalho referente


à Geografia Cultural, contudo, há várias considerações pertinentes, que se pode
cair no erro de privilegiar esse ou aquele elemento presente na paisagem em
estudo. Entretanto, o importante é perceber que existem continuidades entre
os próprios elementos, estabelecendo até uma interdependência entre si, pois
isso é bastante importante para delimitarmos todo e qualquer estudo tanto na
temporalidade como na espacialidade, mas alertando que esses limites atendem
a interesses específicos e didáticos, portanto, são fictícios.

31
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico estudamos que:

● A Paisagem está intimamente relacionada com a cultura, com suas ideias e


formas visíveis sobre a superfície terrestre.

● A representação de maneira harmoniosa da paisagem se registra na pintura, na


poesia, no teatro, que expressa os laços entre a vida humana e seus sentimentos.

● Nos estudos da Geografia Cultural moderna, segundo Cosgrove (1998), devem


ser consideradas as relações entre: Cultura e Consciência, Cultura e Natureza e
Cultura e Poder.

● O Simbolismo apresenta-se como significados da cultura de um povo ou de


uma sociedade.

● O Simbolismo pode ser representado de maneira concreta, como estátuas e


parques, e de maneira abstrata, como rituais religiosos e rituais relacionados às
refeições.

● Para a paisagem da leitura simbólica, caracterizam-se como ferramentas


essenciais: os trabalhos de campo e a interpretação cartográfica de mapas.

● Outras fontes devem servir como recurso no estudo do simbolismo: os


produtos culturais produzidos pelo próprio lugar, como poesias, pinturas,
contos, romance.

● As fontes de investigações para o trabalho com o simbolismo e a cultura se


complementam, pois todos apresentam vantagens e limitações.

● Como todos os estudos estão sujeitos a críticas, a Geografia Cultural não se


abstém dessa situação.

● Entre as críticas, a mais relevante é considerar a cultura como uma entidade


superorgânica, sendo internalizada pelo grupo sem se considerar outros
elementos que também compõem a paisagem, como o próprio Estado, as elites
internas e externas.

32
AUTOATIVIDADE

1 Fazendo uso das diferentes abordagens sobre a Paisagem, crie uma definição
que dê sustentação teórica e prática a partir da sua vivência. Veja, é preciso
estabelecer correspondência entre o passado e o presente.

2 Verifique se em sua cidade existem símbolos concretos que identifiquem


significados para seus habitantes e símbolos abstratos, que, mesmo sem estar
visivelmente identificados, fazem parte do comportamento das pessoas.

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34
UNIDADE 1
TÓPICO 3

A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Ao iniciarmos este tópico, é pertinente que você, Caro acadêmico,
relembre a história da expansão do sistema capitalista, ainda no século XV e XVI.
Somente a partir desses conhecimentos você poderá entender o contexto atual
desse sistema intitulado de Globalização.

A ideia de globalização está voltada, entre outros entenderes, para a


existência de uma padronização e homogeneização de condutas ou, até mesmo, de
acessos proporcionados pelas tecnologias modernas. Diante dessa falsa realidade,
a Geografia tem um papel fundamental no trabalho com o discernimento entre o
que é global e o que é local, inserida na expressão usual de Aldeia Global.

Entre as referências teóricas em que nos apoiaremos para a explanação
deste tópico, está Santos (2001), Castrogiovanni (1998) e Castells (1999). Com
exceção de Santos, os autores buscam decifrar o atual estágio da Globalização
e de que maneira ela está influenciando a concepção dos estudos relacionados à
Cultura na contemporaneidade.

2 A GEOGRAFIA E A GLOBALIZAÇÃO
A partir da década de 1980, alguns termos vêm se tornando bastante
comuns em nossos diferentes convívios, em especial na escola, na qual se busca,
de maneira mais científica, a correspondência entre Globalização e Aldeia Global.
Contudo, o que significam esses termos e por que estão tão presentes?

A questão da Globalização é mais antiga quando comparada à Aldeia


Global, sendo que esta está inserida naquela, representando a noção de espaço
único, no qual todos estão inseridos e “bem atendidos” pela globalização.

Embora o termo tente enfatizar que não existe uma população excluída do
processo, são poucos os estudiosos que se habilitam a fazer uma definição mais ou
menos aproximada da amplitude do conceito de globalização, até porque globalização
não atinge de maneira uniforme, mas sim de forma segmentada, o universo de cada
pessoa, o que na verdade torna mais difícil uma conceituação objetiva.

35
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Segundo Vanderlinde (2001, p. 42) tem-se que:

[...] As análises que se podem realizar sobre globalização variam pela


ênfase que se dá ao objeto abordado ou delimitado. Assim sendo,
globalização pode abordar tanto evolução, apogeu e, “esvaziamento”
do Estado, como as questões voltadas ao desemprego estrutural. [...]
a verdade é que a globalização está reterritorializando o mundo, num
processo verticalizado e horizontalizado (SANTOS, 1994). Nesta
reterritorialização existe espaço tanto para as entidades globais como
para as locais caracterizadas por novas formas de nacionalismo e
fundamentalismos. [...] A nação agoniza e torna-se uma província da
sociedade global, onde a questão da autonomia está cada vez mais
sujeita a determinações globais [...].

A partir da citação, fica evidente que o mundo está em perfeito desajuste
econômico, cultural, temporal e espacial. O Estado, como representatividade
maior de um povo e território, sente-se sufocado, pois suas medidas precisam
atender interesses que vão além daqueles que atendem seus habitantes, pois está
em constante conexão com o mundo global.

A questão da reterritorialização ou desterritorialização pode se tornar


inelegível para tantos, pois a relação entre o território local e o global se intensifica
por meio das novas relações sociais e econômicas. Seria mais ou menos assim:
pertenço a esse país, mas esse país pertence a um contexto global e, portanto, há o
despertar de novas realidades, em que instituições e estruturas políticas, culturais,
linguísticas, demográficas, geográficas estabelecem condições e possibilidades de
novos intercâmbios, ordenamentos, estatutos que, na visão de estudiosos, ainda
se apresentam de forma difusa e indefinida (VANDERLINDE, 2001).

Historicizando o termo e sua dinâmica, temos que a globalização nasce


juntamente com o Capitalismo, em meados do século XV e XVI, num momento
em que se expandiam as Grandes Navegações oriundas da Europa para o Novo
Mundo – as Américas. Daquele momento, a expansão vai se refletir nas diferentes
fases do sistema Capitalista.

NOTA

São enumeradas 4 fases para o capitalismo: o comercial, o industrial, o


financeiro e o atual, identificado como informacional. Cada fase é marcada com mudanças
tanto econômicas como políticas e socioculturais.

36
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Hoje, o capitalismo está em sua quarta fase, na qual a velocidade e a fluidez


estão presentes em vários setores, em especial na tecnologia informacional, que
traz, de maneira quase que instantânea, ideais, padrões, valores sociomundiais
dos países classificados como centrais para os países ditos periféricos.

O resultado dessas influências resulta no que chamam de: “cultura de


massa, que massifica, homogeneíza; como um mercado de bens culturais,
universo de signos e símbolos, linguagens e significados que povoam o modo
pelo qual uns e outros se situam no mundo ou pensam, imaginam, sentem e
agem”. (CASTROGIOVANNI, 1998, p. 77).

A mídia eletrônica e a impressa apresentam-se como um dos principais


meios divulgadores das diferentes concepções de vida. Hoje, os valores estão
intimamente atrelados ao consumo, substituindo o valor do cidadão pelo valor
do consumidor. Lembrando de que o valor cidadão e a cidadania são os direitos
civis e políticos estabelecidos no âmbito do Estado e o desempenho dos deveres
para com esse.

Castrogiovanni (1998) afirma que a mídia eletrônica e a imprensa


rompem com a construção plena da psicogênese e da sociogênense espaço-
temporal, ou seja, as necessidades particulares e coletivas rompem-se diante da
descaracterização do espaço e do tempo vividos e percebidos, “como ser cidadão,
lutar por direitos, interpretar deveres, se não forem construídas as representações
espaço-temporais do mundo referencial, onde está inserido mais concretamente o
indivíduo?” (CASTROGIOVANNI, 1998, p. 77).

É evidente que o principal objetivo da globalização é atender aos interesses


do mercado. Mercado esse, muitas vezes, tratado como um ser vivo, que oscila;
precisa ser recuperado; está doente etc., deixando nos levar pelas tendências
capitalistas frente à globalização.

É nesse momento que a Geografia e suas concepções infiltram-se na


busca de desmistificar a predominância de ideais e valores únicos. Valorizar
os diferentes espaços geográficos na sua unicidade, suas particularidades e
identidade, pois, como já foi insistentemente frisado, o espaço homogêneo
não existe. É a singularidade dos lugares que os fazem nascer e existir. Mesmo
sabendo do pertencimento a um contexto maior (cidade, estado, país, mundo) a
singularidade é do lugar.

Estamos em contato constante com o mundo virtual, que nos apresenta


elementos que acabam sendo facilmente ingeridos por nós, sem questionamento
ou posicionamento crítico. Como futuros professores, buscar o discernimento
diante dessas inúmeras realidades que são apresentadas é cada vez mais
emergencial. Resgatar e até mesmo exercitar a cidadania é uma tarefa que precisa
ser efetivada quase que diariamente. Entender a realidade socioespacial para
estabelecer vínculos com a realidade mundial também é nossa tarefa.

37
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

FIGURA 12 – A GLOBALIZAÇÃO DA EXCLUSÃO

FONTE: Disponível em: <interativo1.blogspot.com/2010/02/o-que-e-glob...>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

Quando deixamos de trabalhar com os diferentes lugares e suas


particularidades, estamos materializando um mundo de interesses, pois, se
analisarmos onde a globalização se “instala”, veremos que ela é bastante seletiva,
buscando apenas interesses econômicos e, caso determinado país ou lugar não
corresponda às expectativas financeiras, ou seja, não seja lucrativo, dali ela se
esquiva e esse lugar ou país nem é lembrado.

A Geografia, nesse contexto, precisa policiar-se para não se tornar


homogênea e compactuar com a massificação das ideias e valores, para não
deixar que a riqueza do espaço temporal com a qual trabalha desapareça diante
da globalização.

Diante do processo de aprendizagem se “deve ir além da construção


dos conceitos e categorias, mas (re)significar tais instrumentais a partir da
compreensão do particular, do poder ser diferente nas interpretações e mesmo
assim fazer parte do contexto” (CASTROGIOVANNI, 1998, p. 79).

A priorização do espaço vivido e as práticas do espaço percebido,


transpondo-as para as representações do espaço concebido, devem ser priorizadas
pela Geografia, assim como oportunizar situações em que nosso futuro aluno
teorize e textualize as suas significações por meio dos sentimentos, emoções e
envolvimentos com o seu lugar.

Conforme afirma Castrogiovanni (1998, p. 79), “A riqueza da existência


humana e a necessidade para existir a Geografia está no fato de sermos diferentes
e existirem diferentes lugares. Crescemos ao conflitar tais diferenças. Ninguém
cresce nas semelhanças. Ninguém existe na transparência”.

38
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

2.1 ENTENDENDO A CULTURA DIANTE DA GLOBALIZAÇÃO


A compreensão de um novo estágio na história da humanidade, muitas
vezes, passa de maneira imperceptível para nós contemporâneos, já que a origem
desse novo se desencadeia ainda dentro daquilo que chamamos de velho, antigo
ou até mesmo tradicional, pois, por mais que existam datações, delimitando
temporalmente os acontecimentos, a história não para, segue seu curso e o
homem, fazendo uso de suas intelectualidades, rompe-a, datando-a a partir dos
acontecimentos mais significativos.

Conforme lembra Callai e Callai (1998), o tempo apresenta-se de duas


maneiras significativas: o tempo físico, astronômico, do calendário, que se apresenta
pela sucessão regular e linear de dias e noites, que é evidenciado (obedecendo aos
diferentes fusos horários) em nossos relógios. O tempo físico tem, no calendário,
uma linguagem que possibilita o entendimento. O uso universal de um mesmo
calendário favorece maior precisão no processo de datação, de identificação de
quando as coisas acontecem, dando-nos maior objetividade. O tempo social, em
que a sucessão dos fatos e acontecimentos não é regular, muito menos previsível.
Enquanto o tempo físico é estabelecido pelo homem, pela duração de determinada
situação, o tempo social é constituído pela sociedade que lhe determina o ritmo e a
direção por meio de seus valores, hábitos, técnicas e cultura.

Com isso, podemos dizer que o tempo social, histórico, apresenta


ritmos diferenciados conforme os distintos aspectos da vida social que forem
considerados, apresentando-se em maior e menor velocidade em distintas épocas.
Essas diferenças de ritmos – as mudanças e continuidades – resultam do jogo de
interesses e vontades dos diversos grupos de uma sociedade determinada.

Para nós, geógrafos, o conceito de tempo que interessa é o tempo social,


pois ele nos dará suporte para entendermos o atual momento da globalização e
sua influência na identificação da cultura na contemporaneidade.

É pertinente sabermos que somos nós que fazemos a história, isto é, ao


viver a fazemos dinamicamente. Nenhuma sociedade permanece estática, parada,
em menor ou maior ritmo, os acontecimentos se evidenciam. Entendamos que,
num mesmo tempo físico, diferentes tempos sociais acontecem. A compreensão
dessa variedade de tempo é fundamental para evitar a aquisição de um tempo
histórico ou social linear, ou seja, que haveria uma sucessão regular e ritmada dos
acontecimentos sociais.

No mundo atual, não há como negarmos que vivemos em um novo


período, bastante diferente daquele de nossos pais e avós, que, por vezes, se
negam a participar ou fazer uso das novas tecnologias, alegando dificuldade de
compreensão. Santos (2001, p. 141) diz: “o novo que mais facilmente apreendemos
é a utilização de formidáveis recursos da técnica e da ciência pelas novas formas
do grande capital, apoiado por formas institucionais igualmente novas”.

39
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

A expressão de Santos (2001) refere-se ao fato de que as novas tecnologias


demandam instituições para apoiá-la (como exemplo, podemos citar o caso da
Eletrobrás, que ressurgiu tendo como principal objetivo a implantação do acesso
à banda larga em todas as instituições, priorizando as de ensino). Realmente,
a velocidade ou fluidez que a técnica proporciona, obriga-nos a estarmos
constantemente atualizando-nos quanto à exploração dos novos recursos que
dela surgem. Contudo, isso não acontece de maneira homogênea e universal,
sabemos, conforme já dito, que o tempo social é diferente, acontece de maneira
distinta nos diferentes espaços geográficos.

O que não podemos negar é que esse momento atual do capitalismo,


identificado como capitalismo técnico-científico informacional, caracteriza-
se de maneira diferente. Conforme afirma Santos (2001, p. 141), “nem mesmo
uma continuação do que havia antes, exatamente por que as condições de sua
realização mudaram radicalmente. É somente agora que a humanidade está
podendo contar com essa nova qualidade técnica”.

FIGURA 13 – O ENVOLTO COM A TECNOLOGIA

FONTE: Disponível em: <http://historiadialetica.blogspot.com/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Todavia, Santos (2001) alerta que, para entendermos o processo


que conduziu à globalização atual, necessitamos considerar dois elementos
fundamentais: o estado da técnica e o estado da política. Esses dois elementos
não devem ser analisados em separado, pois nunca houve separação entre os dois.
Enquanto a história fornece o quadro material, ou seja, as coisas, a política molda
as condições que permitem a ação desse quadro material. Na prática vivenciada
pela sociedade, os sistemas técnicos e os sistemas de ação se confundem, e é por
meio da interdependência entre eles, que demanda a escolha dos momentos e
lugares de seu uso, que a História e a Geografia se realizam continuamente.

40
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

2.2 A INFLUÊNCIA DIRETA E INDIRETA DA GLOBALIZAÇÃO


NOS DIFERENTES ASPECTOS SOCIAIS
É impossível não admitirmos que o processo de globalização acabe
influenciando direta ou indiretamente todos os aspectos humanos: na vida
econômica, na vida cultural, nas relações interpessoais e até na própria
subjetividade do ser humano. Mesmo não aparecendo de forma homogênea,
pelas razões aqui apresentadas, sua interferência nos indivíduos é concreta.

As pessoas não são igualmente atingidas por esse fenômeno, pois esse
encontra obstáculo para sua difusão de ordem social (diversidade das pessoas) e
de ordem espacial (diversidade dos lugares).

Segundo Santos (2001, p. 143) “na realidade, a globalização agrava


a heterogeneidade, dando-lhe mesmo um caráter ainda mais estrutural”.
Esse posicionamento vem a corroborar com a ideia de diversidade, não só
no sentido de singularidade ou identidade dos lugares ou das sociedades,
mas, especialmente, pela seletividade dos lugares e das sociedades que a
globalização se explicita, ou seja, por ser um sistema originário do capitalismo,
sua implantação só é efetivada em sociedades e espaços que possam lhe ser
favorável financeiramente. Entretanto, onde se efetiva (nos lugares e sociedades),
as mudanças socioeconômicas, políticas e culturais acontecem e são modificadas
ou alteradas em prol de seu processo de expansão.

Pelo interesse do nosso trabalho, temos que as consequências da


globalização na cultura se traduzem com novos significados pelos quais a cultura
popular passa a se confrontar, em termos de concepções, com a cultura de massa.
Entendamos que a cultura popular é aquela produzida por uma população
residente, e a cultura de massa, como aquela absorvida do externo, que tem sua
origem fora do local.

É percebível que a cultura de massa busca homogeneizar e se impor sobre


a cultura popular, mas também é percebível que a cultura popular reage contra
essa imposição. A própria unicidade ou unidade das coisas ou fatos, em muitos
momentos, sobressai-se diante da planificação, o que leva a uma supervalorização.

Santos (2001, p. 143) traduz essa situação, afirmando que:

[...] um primeiro movimento é resultado do empenho vertical


unificador, homogeneizador, conduzido por um mercado cego,
indiferente às heranças e às realidades atuais dos lugares e das
sociedades. Sem dúvida, o mercado vai impondo, com maior ou
menor força, aqui e ali, elementos mais ou menos maciços da cultura
de massa, indispensável, como ela é, ao reino do mercado, e a expansão
paralela das formas de globalização econômica, financeira, técnica e
cultural [...]

41
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Dessa citação podemos entender a importância do mercado como


instrumento de expansão da globalização, apresentando de maneira mais ou menos
eficaz segundo os lugares e as sociedades, onde encontrará, por vezes, a resistência
da cultura preexistente. Há, ainda, a possibilidade de uma revanche da cultura
popular sobre a cultura de massa, quando essa usa os instrumentos de origem da
cultura de massa para se difundir. Esses instrumentos podem ser identificados
como sendo a própria tecnologia apresentada pela divulgação da cultura em massa,
mas o seu conteúdo tem base na cultura local, a própria cultura herdada.

Nesse caso, conforme explicação de Santos (2001), a cultura popular exerce


sua qualidade de discurso dos menos favorecidos, dos pobres, das minorias, dos
excluídos, por meio da exaltação da vida cotidiana. O que se registra, segundo o
mesmo autor, é que a cultura popular se encontra, muitas vezes, desprovida de
meios materiais ou tecnológicos para participar plenamente da cultura moderna
de massa. Porém, por ter sua origem no território, no trabalho e no cotidiano de
seus habitantes, ganha força, conseguindo confrontar com a cultura de massa.

“Gente junta cria cultura e, paralelamente, uma economia territorializada,


uma cultura territorializada, um discurso territorializado, uma política
territorializada. Essa cultura de vizinhança valoriza, ao mesmo tempo, a
experiência da escassez e a experiência da convivência e da solidariedade”
(SANTOS, 2001, p. 144). Podemos pontuar com tranquilidade que o referido autor
projeta-se sobre aqueles excluídos da globalização. Excluídos não no sentido de
não ter acesso, mas de não ser ativista colaborador.

As observações de Santos (2001) nos remetem a direcionarmos nossos


olhares para uma realidade mais próxima, àquela em que realmente estamos
incluídos, na qual somos sujeitos ativos e colaboradores e que podemos expor,
sem preconceito, nossos valores e princípios, nossa cultura e concepções. Não
querendo, com isso, negar a cultura de massa, mas, especialmente, valorizar a
cultura popular.

A cultura de massa nos cerca de símbolos que estão direta ou indiretamente


atendendo aos interesses do mercado consumista. Só que esses símbolos se
traduzem em um pequeno espaço de tempo, ou seja, são facilmente substituídos, sua
validade é restrita, pois logo é substituída por outros símbolos. Em contrapartida,
os símbolos criados pela cultura popular são portadores da verdade da existência e
reveladores do próprio movimento da sociedade, sua origem se encontra enraizada,
pois é resultante de ações sociais territorializadas e locais.

Podemos exemplificar a cultura popular com as festas regionais, o


artesanato, a arte em geral, que transmite, na maioria das vezes, o cotidiano
daqueles que ali residem e são os sujeitos ou personagens de uma vida real e,
como cultura de massa, temos aquelas que são divulgadas via mídia, invadindo
nossas casas com símbolos e significados tão distantes de nossa realidade.

42
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Por exemplo, vivemos em um país tropical, com verões bastante


ensolarados, que atraem turistas no mundo todo, em especial, daqueles países
onde as temperaturas médias anuais são relativamente baixas em comparação
com as do nosso país. Então, por que em época de Natal nosso Papai Noel se veste
em desacordo com nossas características climáticas e em alguns pinheirinhos
simula-se a existência de neve? Pode até ser considerado um exemplo grotesco,
mas é uma realidade que partilhamos já de maneira automatizada, sem muita
reflexão sobre o fato.

FIGURA 14 – CULTURA POPULAR

FONTE: Disponível em: <http://redecultura.ning.com/profile/wilkerpaulo>. Acesso em: 2 ago. 2010.

FIGURA 15 – PRODUZINDO A CULTURA DE MASSA

FONTE: Disponível em: <http://felipebarata.blogspot.com/2008/11/cultura-de-massa.html>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

43
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

3 A CULTURA DA VIRTUALIDADE REAL


Antes de explanarmos a nossa temática, faremos uma breve introdução sobre
o surgimento do alfabeto, pois foi a partir dele que o discurso escrito se propagou.

Por volta do ano 700 a.C. ocorreu, na Grécia, um dos maiores inventos
que a humanidade já criou: o alfabeto. Essa tecnologia conceitual constituiu a
base para o desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência como conhecemos
hoje. A partir de sua criação, ficou possível o preenchimento de lacunas entre
o discurso oral e o escrito, separando, com isso, o que é falado de quem fala
e possibilitando o discurso conceitual. Esse momento histórico perdurou por
aproximadamente 3 mil anos de evolução da tradição oral e da comunicação não
alfabética até a sociedade grega alcançar a “mente alfabética”, que resultou numa
evolução qualitativa da comunicação entre os homens.

Sua difusão só aconteceu séculos mais tarde, após a invenção e difusão


da imprensa e fabricação do papel. Contudo, “foi o alfabeto que no ocidente
proporcionou a infraestrutura mental para a comunicação cumulativa, baseada
em conhecimento [...]”. (CASTELLS, 1999, p. 353).

QUADRO 1 – ALFABETO GREGO

Pronúncia Minúscula Maiúscula Pronúncia Minúscula Maiúscula


alfa α A ni ν N
beta β B ksi ξ Ξ
gama γ Γ omicron ο O
delta δ Δ pi π Π
épsilon ε E rho ρ P
dzeta ζ Z sigma σ Σ
eta η H tau τ Τ
teta θ Θ upsilon υ Y
iota ι I phi φ Φ
capa κ K khi χ Χ
lâmbda λ Λ psi ψ Ψ
mi µ M ômega ω Ω

FONTE: Disponível em: <http://www.profwillian.com/_diversos/alfa_grego.asp>. Acesso em: 2


ago. 2010.

44
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Entretanto, essa nova ordem alfabética, mesmo permitindo o discurso


escrito, separava a comunicação escrita do sistema audiovisual de símbolos de
percepções, tão importantes para a expressão plena da mente humana. O mundo
dos sons e imagens ficou restrito aos bastidores das artes que lidam com as
emoções e com o mundo público da liturgia.

Emergindo para o século XX, a cultura audiovisual deu início a seus


momentos de glória. Por primeiro foram o filme e o rádio, depois com a televisão,
superando a influência da comunicação escrita nos corações e almas da maioria
das pessoas, mesmo sendo, muitas vezes, criticadas pelos intelectuais sobre a sua
influência, que ainda domina a crítica social da mídia de massa.

Castells (1999) descreve que uma transformação tecnológica de dimensão


histórica similar está ocorrendo 2.700 anos depois do surgimento do alfabeto, ou
seja, a interação de vários modos de comunicação em uma rede interativa. Em
outras palavras, a formação de um Supertexto e de uma Metalinguagem, que,
pela primeira vez na história da humanidade, “integra modalidades escrita, oral
e audiovisual da comunicação humana. O espírito humano reúne suas dimensões
em uma nova interação entre os dois lados do cérebro, máquinas e contextos
sociais”. (CASTELLS, 1999, p. 134).

A conexão integral entre texto, imagens e sons no mesmo sistema,


interagindo a partir de um tempo escolhido (real ou passado) em uma rede
global, em condições de acesso aberto e de preço acessível, muda radicalmente o
caráter da comunicação no mundo.

E essa nova forma de fazer comunicação, certamente se reflete na cultura,


moldando-a, pois, conforme afirma Postmann (apud CASTELLS, 1999, p.
354) “[...] nós não vemos [...] a realidade [...] como ela é, mas como são nossas
linguagens. E nossas linguagens são nossas mídias. Nossas mídias são nossas
metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa cultura”. Na sequência,
Castells (1999, p. 354) afirma que: “como nossa cultura é mediada e determinada
pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nosso sistema de crenças e códigos
historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo
novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo”.

As colocações de Castells (1999) são pertinentes à medida que acabamos


sendo influenciados, até podemos dizer, nos tornando dependentes, intelectualmente
falando, desses avanços promovidos pela informática. É preciso ter lembrança que
o desenvolvimento do novo sistema de Supertexto e Metalinguagem acontece
em ritmos diferentes e distribuição geográfica irregulares. Porém, é certo que se
desenvolverá e envolverá as atividades dominantes, sejam elas técnicas, científicas,
industriais, comerciais ou, ainda, informacionais, assim como os principais
segmentos da população de todo o planeta. Contudo, quais seriam os impactos
na cultura desse novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo seu
alcance global?

45
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

4 O SURGIMENTO DA CULTURA DA MÍDIA DE MASSA


A difusão da televisão, a partir da terceira década após a Segunda
Guerra Mundial, criou uma nova etapa da comunicação. A televisão não
provocou o desaparecimento dos outros meios de comunicação, mas esses foram
reestruturados e reorganizados, fazendo uso dos novos aparatos eletrônicos e,
até mesmo, buscando atrativos para seu acesso: o rádio perdeu sua centralidade,
mas ganhou em penetrabilidade e flexibilidade, adaptando modalidades e temas
ao ritmo da vida cotidiana das pessoas; os filmes foram adaptados para atender
às audiências televisivas; jornais e revistas especializaram-se no aprofundamento
de conteúdos ou enfoques de sua audiência, apesar de se manter atentos no
fornecimento de informações estratégicas ao meio televisivo dominante; quanto
aos livros, esses continuam sendo livros, embora alguns acabem se tornando
roteiros de TV ou, ainda, atender à curiosidade sobre as personagens de TV ou a
temas por ela popularizados.

O motivo pelo qual a televisão se tornou o modo predominante de


comunicação ainda é foco de muitas discussões e debates entre os críticos e
estudiosos da mídia. Entre alguns pareceres está a proposta de que o grande público
de telespectadores atende a momentos de menor resistência, ou seja, portar-se
diante da televisão não requer, pelo menos em parte, maior reflexão e nem mesmo
interferência. Castells (1999, p. 356) diz que “as raízes dessa lógica não estão na
natureza humana, mas nas condições da vida em casa após longos dias de árduo
trabalho e na falta de alternativas para o envolvimento pessoal/cultural”.

É uma observação pertinente, pois sentar à frente da TV após um longo


dia de trabalho nos parece uma maneira de relaxar e até mesmo descontrair.
Outra observação interessante é que, muitas vezes, não temos uma pré-seleção do
que queremos assistir, em geral, a primeira decisão é assistir à televisão, depois
os programas são examinados até que se escolha o mais atrativo ou, com mais
frequência, o menos maçante.

O sistema de comunicação dominado pela TV poderia ser facilmente


caracterizado como mídia de massa ou grande mídia, pois uma única mensagem
é capaz de, ao mesmo tempo de alguns emissores centralizados, atingir a
audiência de milhões de receptores, sendo considerada homogênea ou possível
de ser homogeneizada.

Essa condição de homogeneização atinge diretamente a uma padronização


de comportamento, valores e concepções. Até os anos 80, para a maior parte do
mundo, o sistema era dominado pela televisão governamental, tendo os burocratas
no controle da transmissão. Sabemos que essa interferência e manipulação
governamental ainda estão muito presente em vários países, temos exemplos
aqui mesmo na América do Sul, na Venezuela e na Bolívia, onde a emissora de
TV é estatal e se volta aos interesses nacionais. Segundo Castells (1999, p. 417),

46
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

o conceito de cultura de massa, “originário da sociedade de massa, foi uma


expressão direta do sistema de mídia resultante do controle da nova tecnologia
de comunicação eletrônica exercido por governos e oligopólios empresariais”.

A centralização da TV nos meios de comunicação, segundo análise


dos críticos da cultura de massa, deve-se a dois pontos fundamentais: alguns
anos após seu desenvolvimento, a televisão tornou-se o epicentro cultural de
nossas sociedades; e a modalidade de comunicação da televisão é um meio
fundamentalmente novo, caracterizado pela sedução, estimulação sensorial
da realidade e fácil comunicabilidade na linha do modelo do menor esforço
psicológico.

Alguns números são curiosos no que se refere à repercussão da televisão.


Segundo levantamentos de estudiosos apresentados por Castells (1999), a
televisão foi responsável por uma explosão de comunicação, nas últimas três
décadas do século XX, no mundo todo. Nos Estados Unidos, no final dos anos
80, a TV apresentou 3.600 imagens por minuto, por canal; a casa americana de
classe média mantinha o aparelho de TV ligado cerca de 7 horas por dia; e o
tempo de assistência real, ou seja, portar-se frente ao aparelho, foi estimado em
4,5 horas diárias por adulto. Estabelecendo um acréscimo aos outros meios de
comunicação, tem-se o rádio, que oferecia cem palavras por minuto e era ouvido
por uma média de duas horas por dia, principalmente no carro. Um jornal diário
oferecia 150 mil palavras e estimava-se que sua leitura diária levava entre 18 a
49 minutos, enquanto que as revistas eram examinadas entre 6 a 30 minutos e a
leitura de livros, incluindo aqui os relacionados aos trabalhos escolares, levavam
cerca de 18 minutos por dia. A exposição à mídia é cumulativa. No conjunto, o
adulto americano médio dedica 6,43 horas diárias de atenção à mídia.

Estabelecendo um comparativo com o Japão, esse tempo é calculado no


decorrer de uma semana, somando 8 horas aproximadamente de atenção à mídia
e, na França, o tempo de atenção à TV é cerca de 3 horas diárias.

Diante desses números bastante diferenciados por países, segundo alguns


teóricos críticos como Blaut e Ducan (apud CORRÊA,1997) da cultura de massa
relatam que o padrão comportamental mundial predominante parece ser que,
nas sociedades urbanas, o consumo da mídia é a segunda maior categoria de
atividades depois do trabalho e, certamente, a atividade predominante nas casas.

Essas observações são interessantes de serem discutidas a partir do


ponto de vista de influência da mídia na cultura da sociedade, lembrando que
a apresentação de novos valores, usos, costumes, concepções são explícitos via
mídia e raramente questionados pelos telespectadores, ouvintes e leitores. Raros
são os casos em que acontece uma interação entre o sujeito ativo (aquele que faz
uso da mídia para expor suas concepções) e o sujeito passivo (telespectadores,
ouvintes e leitores).

47
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Essa observação é importante para que possamos avaliar o verdadeiro


entendimento do papel da mídia em nossa cultura: ser telespectador/ouvinte/leitor
da mídia, absolutamente, não se constitui uma atividade exclusiva. Geralmente,
está associada com o desempenho de atividades domésticas, refeições familiares e
encontros sociais. É a presença de fundo, quase constante, do cotidiano de nossas
vidas, dando a impressão de ser mais um membro da família.

Imagine-se sem a televisão em seu cotidiano. É uma situação estranha,


pois, desde que nascemos, nossos olhares se direcionam para imagens em
movimento apresentadas por esse instrumento presente em nossa sala, quarto
ou, até mesmo, cozinha.

DICAS

Oportunize uma situação com o seu professor e colegas sobre a temática: a


influência da mídia na concepção de cultura de uma determinada sociedade e, até mesmo,
no processo de intelectualização do indivíduo. Você vai ver como acabamos absorvendo e
sendo influenciados pelos diferentes meios de comunicação.

Não sei dizer se felizmente ou infelizmente, mas temos que admitir que,
com maior ou menor grau, vivemos com a mídia e pela mídia, e que a presença
poderosa e penetrante dessas mensagens e sons provocantes produzem grandes
impactos na vida social.

Segundo Umberto Eco (apud CASTELLS, 1999, p. 360) em seu trabalho


intitulado “A audiência produz feitos ruins na televisão?”:

[...] Existe, dependendo das circunstâncias socioculturais, uma


variedade de códigos, ou melhor, de regras de competência e
interpretação. A mensagem de uma forma significante que pode ser
completada com diferentes significados [...]. Assim, havia margem
para a suposição de que o emissor organizava a imagem televisual com
base nos próprios códigos, que coincidiam com aqueles de ideologia
dominante, enquanto os destinatários a completavam com significados
“aberrantes” de acordo com seus códigos culturais específicos [...].

Diante da citação, percebe-se um distanciamento grande entre aqueles que
produzem a mensagem e aqueles que a recebem. Acredito que, até certo ponto,
pode-se considerar uma situação dentro da normalidade, pois as concepções e
interpretações sobre determinada coisa, situação, imagem ou som se diferenciam
de pessoa para pessoa, considerando que cada sujeito é um sujeito historicamente
construído, ou seja, é constituído de valores culturais já enraizados.

48
TÓPICO 3 | A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Mesmo se considerando um certo grau de normalidade, não se pode


ignorar o poder da formação de opiniões que esses veículos de comunicação
acabam embutindo nos seus receptores.

Enfatizar a autonomia da mente humana e dos sistemas culturais


individuais na finalização do significado real das mensagens recebidas não implica
que os meios de comunicação sejam instituições neutras ou que seus efeitos sejam
negligenciáveis. “Estudos mostram que a mídia não é uma variável independente
na indução de comportamentos. Suas mensagens explícitas são trabalhadas e
processadas por indivíduos localizados em contextos sociais diversos, o que deriva
em mudança no efeito pretendido pela mensagem”. (CASTELLS, 1999, p. 361).

FIGURAS 16 – INDIGNAÇÕES DE MAFALDA DIANTE DA MANIPULAÇÃO DA TELEVISÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_12/contemporanea_


n12_13_camila.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2010.

A figura anterior nos apresenta a personagem Mafalda (criação de Quino


– cartunista argentino) expressando sua indignação diante da influência que
a televisão exerce sobre nossos sentimentos, emoções e até mesmo nas nossas
concepções de valores e hábitos culturais.
49
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

DICAS

Com certeza há vários referenciais sobre a questão da influência da televisão na


sociedade, mas indico, para fins de estudos complementares, o artigo de Camila da Graça
Sandoval, bacharel em comunicação, com habilitação em relações públicas, pela FCS/UERJ,
publicado na revista on-line Contemporânea, que se encontra no seguinte site: <http://
www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_12/contemporanea_n12_13_camila.pdf>. Acesso em:
3 ago. 2010. Dê uma conferida, pois essa leitura é importante para seus estudos!

Reforçando a ideia sobre a influência da mídia, em particular a mídia


audiovisual presente em nosso cotidiano e também em nossa cultura, devemos
considerar que vivemos em um ambiente de mídia e a maior parte de nossos
estímulos simbólicos vem dos meios de comunicação, pois é por meio deles que
sabemos o que vem ocorrendo no mundo.

A difusão feita pela mídia incorpora-se não só na nossa cultura, mas


também nos objetos e símbolos apresentados por ela, em especial pela televisão,
estendendo-se desde as formas dos móveis domésticos até modos de agir e temas
de conversa. O poder real da televisão “é que ela arma o palco para todos os
processos que se pretendem comunicar à sociedade em geral, de política a negócios,
inclusive esportes e arte. A televisão modela a linguagem de comunicação social”.
(CASTELLS, 1999, p. 361).

No momento em que está sendo produzido este Caderno de Estudos,


a mídia televisiva de nosso país resume-se sobre dois temas em especial: a
Copa do Mundo e a eleição para presidente. A insistência desses temas está
em correspondência com a atual ansiedade da população mundial e nacional,
respectivamente. Em atendimento ao segundo tema, pesquisas são realizadas,
demonstrando a intenção de voto dos eleitores de nosso país. Esses resultados são
apresentados como fidedignos e certamente irão influenciar no momento decisivo.
Mesmo considerando que os efeitos da televisão sobre as opções políticas sejam
bastante diversos, a política e os políticos ausentes da televisão nas sociedades,
simplesmente, não têm chances de obter apoio popular, pois as mentes das
pessoas são informadas fundamentalmente pelos meios de comunicação, sendo a
televisão o principal deles.

Assim, seja informação ou entretenimento, educação e propaganda,


relaxamento e hipnose, tudo está misturado na linguagem televisiva que está,
em um grau considerável, participando nas nossas concepções culturais e
comportamentais, interferindo em nossas opções reais ou fantasiosas, fornecendo
matéria-prima para o funcionamento de nosso cérebro.

50
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico aprendemos que:

● A globalização tem suas origens no sistema capitalista que surgiu nos séculos
XV e XVI.

● A atual fase do capitalismo chama-se capitalismo técnico-científico e


informacional, que se sustenta no grande desenvolvimento tecnológico vigente.

● A globalização atende, em especial, aos interesses econômicos das grandes


corporações, representadas pelas multinacionais.

● Diante do contexto atual da globalização, alguns termos emergem devido à


fluidez de sua expansão, é o caso da reterritorialização e desterritorialização.

● Diante da globalização, organiza-se a cultura de massa que tende a


homogeneizar valores, signos, símbolos, linguagens e comportamentos.

● A mídia eletrônica e a mídia impressa apresentam-se como principais meios


divulgadores das novas concepções de vida.

● Entre as várias tarefas da Geografia, está o trabalho de valorização do lugar


com sua unicidade, particularidade e identidade, assim como o da cidadania.

● O contexto atual da globalização rompe com o processo de seu desenvolvimento,


pois somente agora a humanidade pode contar com uma nova qualidade
técnica.

● A globalização influencia direta e indiretamente todos os aspectos humanos:


vida econômica, vida cultural, as relações interpessoais e até a própria
subjetividade do ser humano.

● A televisão é um dos meios de comunicação mais popular no mundo e


responsável pela explosão e difusão da mesma.

● A televisão é formadora de opiniões, atende nossos anseios emocionais e ocupa


um lugar de destaque em nosso cotidiano.

51
AUTOATIVIDADE

1 A globalização apresenta-nos tanto aspectos positivos como negativos. Diante


dessa afirmativa, enumere alguns aspectos que contribuem para melhoria na
qualidade de vida das pessoas e aqueles que em nada lhe são úteis.

2 Discuta com seus colegas sobre o papel da mídia televisiva em seus cotidianos
e depois estabeleça alguns paralelos em suas observações. Depois, imagine-
se privado desse recurso. Essa discussão é bastante pertinente no sentido de
estarmos incluídos nos estudos dos críticos da cultura de massa.

52
UNIDADE 1
TÓPICO 4

A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

1 INTRODUÇÃO
Sempre buscando entender o contexto atual e as transformações pelas
quais passa a humanidade, sabemos que demanda abordagens a respeito de uma
nova metalinguagem, do ciberespaço, cibercultura e suas implicações.

O termo “meta” pode significar qualquer estudo mais aprofundado, por


isso, entendemos, então, que a metalinguagem é a propriedade que a língua
falada ou escrita tem de voltar para si mesmo, é uma linguagem na qual se discute
a estrutura de outra linguagem.

No contexto atual, esse significado se ampliou e está associado aos vários


tipos de linguagens, dentre elas, a linguagem da informática, da multimídia, que
integra sons, imagens e textos para se comunicar.

No nosso caso, além de tudo isso, significaria a sistematização da linguagem


por meio de processos culturais, o que acarretaria numa nova metalinguagem,
por isso, torna-se necessário analisar as transformações culturais que se darão e
já estão presentes em muitos contextos oriundos de um novo sistema eletrônico.

Quando falamos em metalinguagem, estamos nos referindo aos processos


culturais, sociais, políticos, relacionais e contextuais que constituem uma nação
ou um povo, que está sistematizado numa maneira própria de se comunicar pela
língua materna por meio da fala, da escrita, de gestos, de metáforas, de imagens etc.

Do final dos anos 90 em diante, um novo sistema de comunicação


eletrônica começou a ser formado com a fusão da mídia de massa personalizada
e globalizada com a comunicação mediada por computadores – a Multimídia –,
que estende o âmbito da comunicação eletrônica para todos os seguimentos da
vida humana: em casa, na escola, nos hospitais, no entretenimento, em viagens,
enfim, em todas as situações possíveis.

53
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

É o mundo da virtualização se propagando em nossas vidas, que nos


servirá de referencial para as discussões sobre a Cibercultura e a Metalinguagem,
que veem se universalizando e se expandindo pela copresença e interação de
qualquer ponto do espaço físico, social ou informacional. Levando-nos a tentar
entender que atualidade e virtualidade são expressões que traduzem a realidade
contemporânea.

Segundo Lévy (1999, p. 47-48):

é virtual toda a entidade desterritorializada, capaz de gerar


diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais
determinados, sem contudo estar ela mesmo presa em um lugar ou
tempo em particular, embora não podemos fixá-lo em nenhum espaço-
temporal, ele não possui coordenadas, o virtual é real, existindo sem
estar presente.

2 METALINGUAGEM
Esse termo, que fará parte de nossos estudos daqui em diante, está
apropriado de traços culturais de uma sociedade em rede, no presente, das
emoções via máquina, do contato com uma comunidade descorporificada
(virtual), de uma nova forma de trabalhar com a fala e a escrita, no qual quem é
dinâmico é o próprio texto e não o seu autor, de uma produção sem autoria, do
hipertexto anônimo e de duvidosas preocupações éticas.

Observamos um novo espaço de interação humana, que é favorecido pela


implantação de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos os
computadores, chamado de espaço cibernético. Nesse espaço, todas as mensagens,
a pedido de quem acessa, se tornam interativas, ganhando elasticidade. É um
espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores
e de suas respectivas memórias, constituindo-se no mais importante canal de
comunicação e suporte de memória da humanidade.

Segundo Castells (1999, p. 398):

[...] o novo sistema de comunicação transforma radicalmente o espaço


e o tempo, as dimensões fundamentais da vida humana. Localidades
ficam despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico
e reintegram-se em redes funcionais ou de colagem de imagens,
ocasionando um espaço de fluxos que substitui o espaço dos lugares.
O tempo é apagado [...], já que passado, presente e futuro podem ser
programados para interagir entre si na mesma mensagem.

Essa observação fantástica de Castells (1999) traduz de maneira bastante


elucidativa o contexto presente, da virtualidade, que acabamos deflagrando
com uma cultura da virtualidade do real. Aqui cabe considerar que a realidade
como é vivida sempre foi virtual, sendo percebida por meio dos símbolos e seus
significados (vimos isso quando tratamos do simbolismo), e a humanidade tem
uma existência em ambientes que é todo simbólico.

54
TÓPICO 4 | A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

A internalização dos sistemas de símbolos e seus significados, tanto na


forma falada quanto na forma escrita, que foram produzidos culturalmente,
provocou mudanças no comportamento humano. É por meio desses sistemas que
se caracteriza e se percebe a realidade, que é sempre percebida de forma virtual.

Atualmente, estamos diante de um desafio que traz amplas e novas


possibilidades à humanidade, resultantes do mundo da informática, das
chamadas tecnologias de inteligência, que se refletem em novas maneiras de
pensar, escrever, de ler e até mesmo refletir. Elas trazem mudanças nas visões
de mundo e de seus usuários, na percepção da temporalidade, possibilitando
relacionamentos com o mundo inteiro, mas, ao mesmo tempo, isolam as pessoas
no plano físico, modificando os circuitos de comunicação e decisão, eliminando
funções e oportunizando novos conhecimentos, habilidades e necessidades.

No computador, é permitido acesso aos diferentes conhecimentos por


simulação, resultando em um novo universo de criação e leitura de signos,
sendo, antes de tudo, um potencializador da informação. Isso permite novos
tipos de leitura e de escrita coletiva e se diferencia dos hipertextos convencionais,
porque permitem associar, na mesma mídia, imagens, sons, textos, entre outras
possibilidades. O texto produzido em rede (internet) é fluído, desterritorializado
e os próprios direitos autorais tornam-se obsoletos, pois a autoria é coletiva, a
ideia acaba sendo de todos que escrevem e leem nas redes.

FIGURA 17 – CONTEXTO DA VIRTUALIDADE

FONTE: Disponível em: <ajusten.com.br>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Estamos vivendo, segundo Santos (2001), o primeiro estágio de uma


sociedade do conhecimento ou da informação, que é decorrente da revolução
técnico-científica e informacional, e essa revolução se reflete significativamente
na educação, quando do surgimento da imprensa, momento em que o ensino
deixou de ser baseado na oralidade e passou para a modalidade escrita.
55
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Essas mudanças sociais e tecnológicas aparecem como desafios, fazendo-


nos repensar nas nossas práticas como educadores, associando as novas
tecnologias com o conhecimento. Cai por terra o papel de simples repassadores
de informações, pois precisamos de múltiplos tipos de alfabetização: mídia,
informática e de multimídia, para tornar a educação relevante diante da
instantaneidade que a tecnologia proporciona aos nossos alunos.

NOTA

Alfabetização midiática: implica em interpretações e críticas que se percebam


imagens de gênero, etnia, classe, raça, os elementos formadores da nossa cultura; que se
discutam os valores morais e comportamentais representados na mídia; de se estabelecer
critérios para avaliação estética de textos e imagens; de se desenvolver a sensibilidade à
imagística visual, ao som e ao discurso, bem como sua estrutura narrativa e de significados e
feitos dos textos; desenvolver uma atitude crítica frente às informações, ideologias passadas
pela mídia.
Alfabetização informática: envolve aprender a usar tecnologias de computador para fazer
as pesquisas, recolher informações; envolve perceber a cultura do computador como
terreno que contém textos, espetáculos, jogos e multimídia interativa, que pedem novos
tipos de alfabetização.
Alfabetização visual: envolve a aprendizagem de avaliação, interpretação, utilização e crítica
das imagens.

Veja bem, mais importante que encontrar a informação é saber organizá-la,


interpretá-la e avaliá-la. Dentro de análise desse novo meio de fazer comunicação,
remetemo-nos à ideia de que a nova linguagem produzida no contexto informático
não implicará no desaparecimento da escrita e da leitura tradicionais. Nesse
sentido, a escrita e a leitura de materiais impressos ganham crescente importância
no mundo cibernético mediado pelos computadores, crescendo a importância de
se escrever com clareza, precisão e concisão.

3 DIANTE DESSAS CARACTERÍSTICAS TEMOS UMA NOVA


ESTRADA PARA TRILHAR: A DO CIBERESPAÇO E DA
CIBERCULTURA
É importante insistir no fato de que uma nova estrada na estruturação do
pensamento está sendo efetivada a partir das mudanças impostas pela cibernética.

56
TÓPICO 4 | A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

A nova geração, essa que tem na imagem o elemento norteador, já deve


estar com seus 20 anos e caminha por caminhos diferentes dos nossos (me situo
pela década de 60 do século XX), seja por experiência direta com a imagem, seja
de maneira indireta, pela cibercultura exposta por meio dos mais variados meios
criados pela cibernética ou pela mídia corriqueira.

As preocupações em atender às habilidades relacionadas ao


desenvolvimento sensório-motor das crianças, em fase inicial de ensino, parece
já ter sido superado antes mesmo de ingressar na escola, tal é a habilidade delas
diante de um computador.

Da navegação pelo hipertexto e pela internet em geral, temos a sensação


de estarmos migrando para um novo espaço: o da exploração do mundo da
ideografia dinâmica. O navegador ou explorador coloca óculos especiais, que
são verdadeiras televisões tridimensionais, cuja imagem está diretamente
relacionada aos movimentos dos olhos e da cabeça. A cena transforma-se como
se estivéssemos fisicamente na realidade virtual. Luvas com detectores e sensores
táteis oportunizam “tocar” a superfície, interagindo com os objetos virtuais, os
fatos virtuais e o deslocamento do navegador. Nos cinemas, podemos citar os
filmes Matriz e Inteligência Artificial como exemplos da arte que reproduz a
realidade da virtualidade, num verdadeiro ambiente cibernético

Essa experiência, que tanto pode ser pessoal ou em grupo construída pela
interação de sensações e imaginação dos envolvidos, constitui a última geração da
sensação, do raciocínio, da imaginação e da memória coletiva da comunidade virtual.

A expressão Cibercultura foi criada por Lévy (1999, p. 127) para explicar
o mundo digital e virtual, centralizando múltiplos usos, apresentando três
princípios fundamentais:

a) A interconexão/conexão: é sempre preferível ao isolamento, é um bem


em si. Para além de uma física da comunicação, a interconexão constitui a
humanidade de um contínuo sem fronteira.

b) As comunidades virtuais: esse princípio é o prolongamento do primeiro, já


que o desenvolvimento das comunidades virtuais se apoia na interconexão.
Uma comunidade virtual baseia-se em afinidades de interesses, de
conhecimentos, em um processo de cooperação ou de troca, independente
de proximidade geográfica.

c) Inteligência coletiva: corresponderia a sua perspectiva espiritual, sua


finalidade última.

O que temos com esses princípios apresentados por Lévy é uma certa
sequência de situações, nas quais o primeiro é essencial para que o segundo e o
terceiro ocorram e vice-versa.

57
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Lévy (1999, p. 111) considera a existência da Cibercultura baseado nas


seguintes observações:

[...] A cada minuto que passa, novas pessoas passam a acessar a


Internet, novos computadores são interconectados, novas informações
são injetadas na rede. Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se
torna universal, e menos o mundo informacional se torna totalizável. O
universal da cibercultura não possui nem centro e nem linha diretriz.
É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois
se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer
outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas [...].
Esse conhecimento transforma, efetivamente, as condições de vida
em sociedade. Contudo trata-se de um universo indeterminado e que
tende a manter sua indeterminação. [...]

Lévy (1999) ainda completa suas observações afirmando que o ciberespaço


se constrói de sistemas e, por isso mesmo, é também considerado um sistema de
caos. Esse sistema desenha e redesenha várias vezes a figura de um labirinto móvel,
em expansão, sem plano possível, mas universal, o que resulta na falta de significado
central, pois esse sistema da desordem, essa transparência labiríntica, chamado de
“universal sem totalidade”, constitui a essência paradoxal da cibercultura.

Refletir sobre as observações de Lévy (1999) até nos causa uma certa
insegurança. Estamos sempre tão providos de limites, de início e fim, que conceber
um sistema ou um espaço – o ciberespaço – onde não existem fronteiras, nem
centralidade, é bastante incomum. Contudo, esse é o contexto no qual estamos
inseridos, cabendo a nós ser mais um explorador ou navegador desse mundo
atual, virtual, mas real.

FIGURA 18 – CIBERESPAÇO

FONTE: Disponível em: <dialogospoliticos.files.wordpress.com/2008/09...>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

58
TÓPICO 4 | A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

4 A CIBERCULTURA SERIA FONTE DE EXCLUSÃO?


Esse é um questionamento que Lévy (1999) responde de maneira ainda não
definitiva, mas vê a possibilidade que tal situação se acentue, não só entre classes
de uma mesma sociedade, mas também entre países ricos e pobres, pois o acesso
ao ciberespaço exige infraestrutura de comunicação e de cálculo (computadores)
de custo alto para os países em desenvolvimento.

Mesmo estando com todo o aparato tecnológico, esses países ainda


esbarrariam em sentimentos de incompetência e de desqualificação frente às
novas tecnologias, além dos freios institucionais, políticos e culturais para formas
de comunicação comunitárias e interativas.

Lévy (1999, p. 235-238) nos apresenta três tipos de respostas possíveis que
permitem relativizar e colocar em perspectiva:

Primeira resposta: é preciso observar a tendência de conexão e não seu número


absoluto.

A exemplo do Vietnã que, em um prazo de 4 anos, teve o número


dobrado de pessoas conectadas com a internet, demonstrando que a velocidade
das conexões com o ciberespaço tem-se mostrado superior a todos os sistemas
anteriores de comunicação.

O ritmo de pessoas que participam da cibercultura aumenta em ritmo


acelerado desde o final dos anos 80, em especial entre os jovens, e vários países
da região estão se dinamizando para também fazer parte da cibercultura. Os
excluídos serão, portanto, cada vez menores.

[...]

Segunda resposta: será cada vez mais fácil e barato conectar-se.

Ainda que muito disseminados, os sentimentos de incompetência estão


cada vez menos justificados. A instalação e a manutenção das infraestruturas do
ciberespaço requerem habilidades bem desenvolvidas. Em contrapartida, uma
vez adquirido o uso da leitura e da escrita, o uso do ciberespaço pelos indivíduos
e organizações requer pouco conhecimento técnico. Os procedimentos de
acesso e de navegação são cada vez mais fáceis.

Além disso, o equipamento e os programas para a conexão irão se tornar


cada vez mais baratos, e os governos locais podem promover concorrência
entre os fornecedores de acesso e entre operadores de telecomunicações. O que
pode servir como entrave é o custo da comunicação local, onde cada região
apresenta seu valor.

59
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

[...]

Terceira resposta: qualquer avanço no sistema de comunicação acarreta


necessariamente alguma exclusão.

Cada novo sistema de comunicação fabrica, em paralelo, seus excluídos.


O universal, mesmo que ele totaliza em sua forma clássica, jamais envolve o
todo. A ciência tende a desqualificar outras formas de saber aquilo que ela
entende como irracional. Os direitos dos homens têm suas infrações e suas
zonas de não direito. O excluído está desconectado. Não participa da densidade
racional e cognitiva das comunidades virtuais e da inteligência coletiva.

A Cibercultura reúne de forma caótica os diferentes graus de


desenvolvimento cognitivo. Misturando todos os cidadãos, os pretensos
ignorantes e os sábios. Contrariando as separações do universo clássico, suas
fronteiras são imprecisas, móveis e provisórias. Mas a desqualificação dos
excluídos não deixa por isso de ser terrível.

O que fazer? É certo que é preciso favorecer a todos de formas


adequadas à facilidade e à redução dos custos de conexão. Mas o problema
de acesso não pode ser reduzido às dimensões tecnológicas e financeiras. Não
basta sentar em frente a uma tela para garantir a superação de inferioridade.
É preciso, antes de mais nada, estar em condição de participar ativamente
dos processos de inteligência coletiva que representam o principal interesse
do ciberespaço. Os novos instrumentos deveriam prioritariamente valorizar a
cultura, as competências, os recursos e os projetos locais, para ajudar as pessoas
a participarem de coletivos de ajuda mútua, de grupos de aprendizagem
cooperativas. Em outras palavras, na perspectiva da cibercultura, assim como
nas abordagens mais clássicas, as políticas voluntaristas de luta contra as
desigualdades e exclusão devem visar o ganho de autonomia das pessoas ou
grupos envolvidos. Devem, em contrapartida, evitar o desenvolvimento de
novas dependências provocadas pelo consumo de informação ou de serviços
de comunicação concebidos e produzidos em uma ótica puramente comercial
ou imperial que tem por efeito, muitas vezes, desqualificar os saberes e as
competências tradicionais dos grupos sociais e das regiões desfavorecidas.

60
TÓPICO 4 | A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

FIGURA 19 – BUSCANDO SENTIDO NA VIDA

FONTE: Disponível em: <http://www.moodle.ufba.br/mod/book/view.php?id=18272>. Acesso


em: 2 ago. 2010.

5 A CONSTELAÇÃO DA INTERNET
O contexto atual se traduz considerando a rede Internet como sendo a
espinha dorsal da comunicação global, emergindo mais significativa e abrangente
a partir dos anos 90.

A mediação da comunicação via acessos por computadores é algo


recente. Ademais, as mudanças tecnológicas são tão velozes, que a difusão
desses equipamentos se fez tão rápida, fazendo com que significativas pesquisas
elaboradas na década de 80 não podem ser mais aplicáveis às tendências
sociais dos anos 90, exatamente o momento histórico em que a nova cultura da
comunicação está tomando forma.

Em meados da década de 1990, a internet conectava 44 mil redes de


computadores e cerca de 3,2 milhões de computadores principais
em todo o mundo, com mais de 25 milhões de usuários, expandido-
se de maneira acelerada. Na opinião de especialistas, tecnicamente a
internet poderia ligar até 600 milhões de rede de computadores por
dia. Fazendo referência aos estágios iniciais do uso de computadores,
tínhamos: em 1973, havia 25 computadores conectados; ao longo dos
anos 70, a internet funcionava com apenas 256 computadores; no início
da década de 1980, eram 25 redes com somente algumas centenas de
computadores primários e alguns milhares de usuários. A história do
desenvolvimento da internet e da convergência de outras redes de
comunicação para a grande rede nos fornece informações essenciais
para o entendimento das características técnicas, organizacionais e
culturais dessa rede, possibilitando avaliações para seus impactos
sociais. (CASTELLS, 1999, p. 375).

61
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

QUADRO 2 – NÚMERO DE USUÁRIOS DA INTERNET – PAÍSES QUE MAIS ACESSAM

Classificação País Utilizadores da Internet Data da Informação


1 China 298 milhões 2008
2 Estados Unidos 231 milhões 2008
3 Japão 90910000 2008
4 Índia 81000000 2008
5 Brasil 64948000 2008
6 Alemanha 61973000 2008
7 Reino Unido 48755000 2008
8 Rússia 45250000 2008
9 França 42912000 2008
10 Coreia do Sul 37476000 2008
11 Indonésia 30000000 2008
12 Espanha 25240000 2008
13 Canadá 25086000 2008
14 Itália 24992000 2008
15 Turquia 24483000 2008
16 México 23260000 2008
17 Irã 23000000 2008
18 Vietnã 20834000 2008
19 Polônia 18679000 2008
20 Paquistão 18500000 2008

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Uso_da_Internet_no_mundo>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

FIGURA 20 – PAÍSES E O USO DA INTERNET

Internet users by
country (2007)
More than 80%
60 - 80%
40 - 60%
20 - 40%
10 - 20%
0 - 10%
No data
FONTE: Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Uso_da_Internet_no_mundo>.
Acesso em: 2 ago. 2010.

62
TÓPICO 4 | A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

Estabelecendo um comparativo entre o quadro e a figura anteriores,


parece-nos que há incoerência, mas isso é devido ao número proporcional dos
habitantes do país com acesso à internet. Analisando a figura, observa-se um
grande desequilíbrio quanto ao uso desse meio de comunicação. Estaríamos
sendo levianos se admitíssemos que a Índia, país classificado como pobre, não
tivesse acesso a tal recurso. Atualmente, a Índia tem exportado, principalmente
para Europa e Estados Unidos, pessoas com grande formação na área de softwares.
No Brasil, profissionais indianos ocupam cargos importantes no INPE (Instituto
de Pesquisas Espaciais) e no Departamento de Microeletrônica da Universidade
de São Paulo (USP). Cerca de 50% dos diplomados no país iniciam sua carreira
profissional no exterior, em um processo denominado “fuga de cérebros”, fato
que acaba impedindo o avanço intelectual e social da Índia e a tradição das
castas. O elevado conhecimento no setor da informática tem proporcionado o
crescimento da indústria de programas.

O invento da internet estava inicialmente atendendo interesses militares.


Lembre-se de que a luta pela hegemonia mundial entre as duas grandes
potências – EUA e ex-URSS –, no período da Guerra Fria, estimulou fortemente
o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, por diferentes interesses –
espionagem, mensagem, localização. Somado à estratégia militar, tem-se a grande
cooperação científica e a inovação contracultural, ou seja, o esforço de algumas
culturas contra a padronização e a homogeneização cultural.

Retomando algumas observações históricas sobre a origem da internet,


têm-se os trabalhos desenvolvidos pela Agência de Projetos de Pesquisa
Avançada do departamento de Defesa dos Estados Unidos, que assumiu, ainda
nos anos 50, várias iniciativas ousadas que resultaram na mudança na história
da tecnologia e estabeleceram a era da informação em grande escala. Entre essas
iniciativas estava o projeto de um sistema de comunicação invulnerável a ataque
nuclear, tornando-se uma rede independente de centros de comando e controle,
de maneira que as mensagens enviadas encontrariam suas rotas ao longo da rede,
sendo remontadas em qualquer ponto dela.

Mais tarde, a tecnologia digital permitiu a compactação de todos os tipos


de mensagens, inclusive som, imagens e dados, podendo comunicar todas as
espécies de símbolos sem o uso de centros de controle. “A universalidade da
linguagem digital e a lógica pura do sistema de comunicação em rede criaram
as condições tecnológicas para a comunicação horizontal global de maneira
abrangente, levando todos os tipos de informações para o mundo todo”.
(CASTELLS, 1999, p. 375).

O processo de formação e difusão da internet e redes de computadores


a eles ligados nos últimos 25 anos moldaram de forma definitiva a estrutura de
um novo veículo de comunicação, em especial, na cultura de seus usuários e nos
padrões reais de comunicação. A arquitetura da rede é e continuará sendo aberta
sob o ponto de vista tecnológico, possibilitando amplo acesso público e limitando
as restrições governamentais ou comerciais a esse acesso.

63
UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL

Veja bem, em nenhum momento foi pontuada a veracidade das informações


contidas nesse novo veículo de informação. Estamos apenas refletindo sobre a
interferência dessa nova maneira de se comunicar sobre as diferentes culturas
envolvidas por ela.

FIGURA 21 – HONESTIDADE NA INTERNET


Então és modelo
profissional? Pois eu
sou piloto da aviação e
bailarino profissional. De
que signo és?

FONTE: Disponível em: <www.aglobal.com/lazer/img/honest.jpg>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Diante dessa realidade, pergunta-se: quais são os tributos culturais


emergentes do processo de interação eletrônica?

É um questionamento ainda sem resposta definida, devido à rotatividade


de habilidades que provém do ciberespaço e afetam diretamente a cultura, mas
é possível prever, de uma maneira otimista e tímida, que a falta de interação e
conexão realmente planetária deixa de promover a superação das desigualdades
econômicas tão presentes no mundo real, pois se acredita que a validade de
um conhecimento está em sua dissipação, na sua partilha e não na geração de
distanciamentos maiores entre os povos.

É importante ressaltar que não se está elegendo a criação de uma única


cultura, ao contrário disso: que a diferença entre os povos seja razão de respeito
e conhecimento mútuos.

64
TÓPICO 4 | A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA

LEITURA COMPLEMENTAR

A COMUNIDADE UNIVERSAL

Educação um tesouro a descobrir (Relatório para a UNESCO da comissão


Internacional sobre Educação para o século XXI)
Jacques Delors

As novas tecnologias fizeram a humanidade entrar na era da comunicação


universal; abolindo as distâncias, concorrem muitíssimo para moldar a sociedade
do futuro, que não corresponderá, por isso mesmo, a nenhum modelo do passado.
As informações mais rigorosas e mais atualizadas podem ser postas ao dispor
de quem quer que seja, em qualquer parte do mundo, muitas vezes, em tempo
real, e atingem as regiões mais recônditas. Em breve, a interatividade permitirá
não só emitir e receber informações, mas também dialogar, discutir e transmitir
informações e conhecimentos, sem limite de distância ou de tempo. Não podemos
nos esquecer, contudo, que numerosas populações vivem ainda afastadas dessa
evolução, principalmente em zonas desprovidas de eletricidade. Recordemos
também, que mais da metade da população mundial não tem acesso aos diversos
serviços oferecidos pela rede telefônica.

Em livre circulação de imagens e palavras, que prefigure o mundo de


amanhã, até no que possa ter de perturbador, transformou tanto as relações
internacionais, como a compreensão do mundo pelas pessoas; é um dos grandes
aceleradores da mundialização. Tem, contudo, contrapartidas negativas. Os
sistemas de informação são ainda caros e de difícil acesso para muitos países. O seu
domínio confere às grandes potências, ou aos interesses particulares que o detêm,
um verdadeiro poder cultural e político, principalmente sobre as populações que
não foram preparadas, através de uma educação adequada, a hierarquizar, a
interpretar e a criticar as informações recebidas. O quase monopólio das indústrias
culturais, por parte de uma minoria de países, e a difusão de sua produção pelo
mundo inteiro, junto de um público vastíssimo, constitui poderosos fatores de
erosão das especificidades culturais. Se bem que uniforme e, muitas vezes, de
grande pobreza de conteúdo, esta falsa “cultura mundial” não deixa, por isso, de
trazer consigo normas implícitas e pode induzir, nos que lhe sofrem o impacto,
um sentimento de espoliação e de perda de identidade.

A educação tem, sem dúvida, um papel importante a desempenhar, se se


quiser dominar o desenvolvimento do entrecruzar de redes de comunicação que,
pondo os homens a se escutar uns aos outros, faz deles verdadeiros vizinhos.

FONTE: Delors (2001, p. 39-40)

65
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico podemos observar:

● No contexto atual, o termo metalinguagem está associado aos vários tipos


de linguagens, e dentre elas a linguagem da informática, da multimídia, que
integra sons, imagens e textos para se comunicar.

● Para Lévy (1999) é virtual toda a entidade desterritorializada, capaz de


gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais
determinados, sem, contudo, estar ela mesma presa em um lugar ou tempo em
particular, embora não podemos fixá-lo em nenhum espaço-temporal, ela não
possui coordenadas, o virtual é real, existindo sem estar presente.

● Mais importante que encontrar a informação é saber organizá-la, interpretá-la


e avaliá-la.

● Existem tipos de alfabetização relacionada ao acesso ao ciberespaço: a midiática,


a informática e a visual.

● A expressão Cibercultura foi criada por Pierre Lévy para explicar o mundo
digital e virtual, centralizando múltiplos usos, a partir de três princípios
fundamentais: interconexão/conexão, as comunidades virtuais e a inteligência
coletiva.

● O ciberespaço desenha e redesenha várias vezes a figura de um labirinto


móvel, em expansão, sem plano possível, mas universal, o que resulta a falta
de significado central, esse sistema da desordem, essa transparência labiríntica,
chama-se “universal sem totalidade”.

● A Cibercultura reúne, de forma caótica, os diferentes graus de desenvolvimento


cognitivo, misturando todos os cidadãos, os pretensos ignorantes e os sábios.

● Na perspectiva da cibercultura, assim como nas políticas voluntaristas de luta


contra as desigualdades e exclusão, propõe-se que devem visar o ganho de
autonomia das pessoas ou grupos envolvidos, evitando o desenvolvimento de
novas dependências provocadas pelo consumo de informação ou de serviços
de comunicação concebidos e produzidos em uma ótica puramente comercial
ou imperial, que tem por efeito, muitas vezes, desqualificar os saberes e as
competências tradicionais dos grupos sociais e das regiões desfavorecidas.

66
AUTOATIVIDADE

1 Considerando a rede mundial de computadores uma inovação tecnológica


contemporânea, explique as afirmações:

a) A integração econômica global é facilitada pelo uso das mesmas técnicas.

b) Integrar não significa incluir a todos.

2 Três conceitos foram apresentados neste tópico: Metalinguagem,


Cibercultura e Ciberespaço. Como podemos entendê-los a partir da nossa
realidade vivida?

67
68
UNIDADE 2

GEOGRAFIA POLÍTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Nessa Unidade vamos:

• conhecer a evolução teórico-metodológica referente à Geografia Política e


à Geopolítica;

• entender de que maneira acontece a inserção da Geopolítica no compro-


misso com a ecologia planetária;

• entender de que maneira os Estados-nações estão comprometidos com a


preservação e o equilíbrio entre sociedade e meio ambiente.

PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você encon-
trará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA

TÓPICO 2 – LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

TÓPICO 3 – A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

TÓPICO 4 – O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

69
70
UNIDADE 2
TÓPICO 1

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
Confome apresentamos na unidade anterior, a relação entre a Geografia
Cultural e a Geografia Política se estabelece a partir do momento em que a Paisagem
Cultural ocupa um espaço físico e que esse espaço é gerenciado por pessoas ou
grupos que estabelecem regras/leis ou ordem, que objetivam a permanência de
equilíbrio e controle dos direitos e deveres dos cidadãos que ali vivem.

Dentro de uma realidade, seja ela local, estadual, nacional ou, ainda, global,
faz-se necessária a existência de uma certa coerência das ações dos homens, para
que essas ações reflitam de maneira positiva a sobrevivência do próprio homem.
Caso essa realidade não se instaure, fica estabelecido o caos.

Não podemos negar que, em muitas partes do planeta, esse caos já está
estabelecido, sendo resultado de ações inconsequentes, geralmente impostas
por grupos dominantes, na busca de maior lucratividade, desrespeitando
os limites da natureza física e da natureza humana. Essas consequências, que
inicialmente atingiam, em maior concentração, aos povos menos desfavorecidos
economicamente falando, hoje, sua escala é global, deixando de isentar os
causadores dos lapsos de inconsciência ou irracionalidade.

Veremos, no decorrer desta unidade, quer seja na Geografia Política ou


na Geopolítica, que as concepções estão se alterando ou, melhor dizendo, se
adequando ao contexto das demandas mundiais. A nova racionalidade solicitada
aos Estados-nações exige posturas emergenciais, principalmente na questão sobre
os impactos ambientais causados por ações negligentes dos homens.

A interdisciplinaridade vem sendo a forma que melhor responde às


iniciativas de “recuperação” do planeta, melhor dizendo, da espécie humana,
pois o planeta sempre seguiu a sua órbita, sem a necessidade de ter a espécie
humana para sobreviver. Contudo, o que dizer para as futuras gerações? De que
forma podemos garantir a sobrevivência e a perpetuação da espécie?

71
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

É até mesmo inlógico ter tanto avanço tecnológico e, ao mesmo tempo,


tanto medo do futuro, da falta de previsibilidade, isso significa que há alguma
coisa fora do trilho.

Iniciaremos nossos estudos fazendo uma retomada histórica no que se refere
não exatamente à questão epistemológica da Geografia Política e da Geopolítica,
mas sim, observando de que maneira essas foram centros de discussões e de que
maneira estaria essa ou aquela respondendo às reais necessidades impostas pelas
situações vividas.

Mesmo estando vários anos adormecida, a expressão “Geopolítica”


ressurge com outras características, quando comparada ao seu uso pelos alemães,
por exemplo, justificando sua política expansionista, que estavam fundamentadas
em princípios como o da superioridade racial e o espaço vital.

Autores como Corrêa (1997) e Sodré (1984) apresentam seu uso ainda na
Antiguidade, onde os soberanos estruturavam seus grandes impérios. Atualmente,
seu uso está atrelado a diferentes situações: do ponto de vista da política externa,
aos interesses expansionistas dos Estados, como é o caso da Índia e do Paquistão
por áreas da Caxemira; o eterno conflito entre judeus e palestinos pela Faixa de
Gaza, entre outros; do ponto de vista interno, justifica uma política de contenção
das aspirações populares e do reforço à dominação da classe dominante, ou seja,
buscar estabelecer certo equilíbrio entre as demandas sociais e as aspirações dos
grupos dominantes.

Importante observar que, para justificar atos políticos, os dirigentes


buscavam apoio em estudos que provassem suas ações, dentro do contexto
histórico do estudo, de ideologias pertinentes que justificassem os desejos
imperialistas dos Estados europeus no final do século XIX e início do século XX.

2 CONTEXTUALIZANDO A GÊNESE DA GEOPOLÍTICA E DA


GEOGRAFIA POLÍTICA
Os anos finais do século XIX são marcados pela passagem do capitalismo
comercial em sua fase final: imperialista. O nascimento do imperialismo traduzir-
se-á, no plano da política internacional, como a intensa luta entre as potências
imperialistas pela divisão dos continentes em “zonas de influência”, conforme já
comentamos no início da Unidade anterior.

Esses acontecimentos se refletiram em profundas transformações no


estudo da Geografia, no plano da realidade e, consequentemente, no plano de
seus objetivos de estudos. Um exemplo disso é citado por Moreira (1985, p. 8):

[...] a Conferência Internacional de Geografia, realizada em 1876, na


qual o então rei belga Leopoldo II, monarca estudioso da geografia e
ledor assíduo dos relatos de expedições científicas, de olhos voltados
para a bacia do rio Congo, convoca uma reunião de geógrafos, em
Bruxelas. Comparecem a essa reunião geógrafos de vários países, além
de diplomatas e exploradores famosos.

72
TÓPICO 1 | DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA

O objetivo principal dessa conferência estava na tarefa de se debruçar


sobre o continente africano, com a intenção de abrir para as potências econômicas
da época a única parte do globo em que elas ainda não haviam penetrado, assim
como, dialogar para acertar os passos, combinar os esforços, tirar partido de todo
recurso que aquele continente pudesse oferecer, para se evitar duplicação de
trabalho, ou seja, promover uma concorrência harmoniosa entre as potências que
ali, então, gerenciariam.

Da Conferência de Bruxelas se revelará o papel sempre reservado à


Geografia e seus conhecimentos, assim como, as razões pelas quais se tornará
um saber de grande prestígio entre os governantes. Daquela conferência origina
a criação da Associação Internacional Africana (AIA), que se transformará em
Associação Internacional do Congo (AIC), que se empreenderá no avanço
imperialista sobre a África, a Ásia e a Oceania, bem como na América Latina, que
já estava submetida à dominação colonial desde o século XVI.

A AIA sai da reunião equipada para orientar, com a ajuda da ciência,


as expedições que abrirão as portas da dominação da África. Organizada por
um Comitê de Altos Estudos e por Comissões Nacionais que terão por objetivo
inicial criar e prover fundos e todos os recursos necessários de operação a serem
localizados ao longo de posições estratégicas que se estenderam da costa ao interior
do continente, em especial na desembocadura do rio Congo. Cada uma das bases
instaladas estava provida de postos hospitalares, científicos e diplomáticos.

Os entendimentos entre os cientistas e os exploradores refletiram sobre


o potencial das conquistas que se efetivaram: os exploradores levantaram
informações e esboçaram seus mapeamentos, que os cientistas se incubiram de
sistematizar, catalogar e dar o tratamento científico e cartográfico final, produzindo
material de apoio para novas e mais profundas incursões exploratórias.

No ano de 1877, agora AIC, já contava com dezoito comissões nacionais,


incluindo os Estados Unidos. A escalada imperialista estava bem organizada: o
capital introduzira a ciência nos processos produtivos, na produção industrial
em particular, incorporando-a também aos seus projetos de espoliação mundial.

É importante destacarmos que, na Inglaterra, a Revolução Industrial


já estava efetivada desde o século XVIII e que outros países, no final do século
XIX, estavam anunciando sua escala industrial, o que demandava urgência de
matérias-primas para o atendimento desse novo estágio do capitalismo, entre
eles: Alemanha, Bélgica, Itália, França, Japão e Estados Unidos.

Diante de desentendimentos entre as potências imperialistas sobre as


delimitações e partilhas, uma nova reunião internacional dá início a uma nova
conferência: a Conferência de Berlim, que se delonga de 15 de novembro de 1884 a
26 de fevereiro de 1885 e que se destinava a aparar das arestas a institucionalização
da política de “área de influência”. Dela partiram os mesmos integrantes da
Conferência de Bruxelas, mas reinaram os diplomatas das potências imperialistas

73
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

da Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra e dos Estados Unidos. A supremacia alemã


é revelada através do chanceler Bismarck, cujo governo move repressão contra o
movimento socialista e operário articulado a I Internacional dos Trabalhadores.

Esses antecedentes históricos nos ilustram a importância da ciência


geográfica, que esteve, durante muito tempo, voltada aos interesses expansionistas
das potências imperialistas do século XIX, conforme afirmava Lacoste (1997), e
acrescentamos, por conseguinte, fazer política.

A Escola Alemã de Humboldt e Ritter, com o determinismo, e a Escola


Francesa de Ratzel, com o possibilismo, originárias no contexto imperialista, nos
levam à Geopolítica. Uma geografia oficializada é derrotada por outra geografia
oficializada, mas todas defendendo a mesma causa: a luta imperialista. Situada
no mesmo plano da geografia alemã, a geografia francesa jamais se constituirá
na crítica da geografia comprometida com o capital. Gerada para servir ao
imperialismo francês, assim como a geografia ratziana o havia sido para servir ao
imperialismo alemão, ambas têm os limites da denúncia e da crítica em si mesmo.
Como a I Guerra daí um prenúncio da II, a geografia ratziana renascerá na forma
da Geopolítica.

A Geopolítica será uma nova arma e Ratzel seu ponto de partida comum,
não somente para a Alemanha, mas por todas as potências imperialistas. Não foi
Ratzel o criador da Geopolítica, mas suas ideias e teoria do espaço vital.

DICAS

Certamente você já aprendeu sobre as diferentes escolas e teoria da ciência


geográfica. Vale a pena dar uma observada em suas anotações!

Mesmo se apoiando nas ideias deterministas ratzeanas, foi na França que


a geografia a serviço do imperialismo ganhou status e legitimidade acadêmica,
ao ser criada em 1892, da qual se desencadeará a Geografia Política. Segundo
Moreira (1985, p. 41), foram teóricos da Geopolítica:

o americano T.H. Mahan, o sueco Kjellén, que afirmava “espaço é


poder” e o inglês Halford Mackinder com a seguinte argumentação:
“Quem dominar a Europa Oriental dominará o coração continental;
quem dominar o coração continental controlará a ilha-mundo; quem
dominar a ilha-mundo controlará o mundo”, isso em 1904.

Será na Alemanha Nazista que a Geopolítica se institucionalizará como


política oficial do Estado e disciplina escolar, tendo como maior teórico o geógrafo
Karl Haushofer, carteira número 3 do Partido Nazista. Como militar, Haushofer

74
TÓPICO 1 | DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA

viajou pela Ásia e esteve no Japão. Em 1908, lutou na Primeira Guerra Mundial,
passando à reserva em 1919, como major general. Como professor, escreveu sobre
o Japão e sobre o Oriente, assumindo uma categoria de especialista, e em 1924
apresenta uma diferenciação entre Geografia Política e a Geopolítica, sustentando
que a Geopolítica era essencialmente dinâmica e constituía um modo de educar as
massas no conceito de espaço, escrevendo: Geopolítica é a ciência que determina
e condiciona a evolução política ao solo e que, definida nesses termos, ela fornece
os instrumentos para as atividades políticas a ser um guia na vida política. A
Geopolítica pretende e deve se tornar a consciência geográfica do Estado.

Em 1933, Hitler ascendeu ao poder e no ano seguinte Haushofer foi


escolhido presidente da Academia Germânica, em Munique, pois suas ideias e
discursos atendiam aos interesses expansionistas do governo nazista.

A Geopolítica, por conseguinte, não é uma ideologia alemã, mas a


geografia oficial sem disfarces, por isso, a Geopolítica, sob a forma que aparece no
período entreguerras “serve para esconder o fato que a geografia é sempre uma
Geopolítica, ou seja, um discurso que sempre está pondo sobre a mesa a questão
do poder: dos homens sobre a natureza e dos homens sobre os homens. Eis o que
escondem as academias e os professores”. (MOREIRA, 1985, p. 41).

O princípio básico exercido pelos geopolíticos da época fundamentava-


se na expressão: “espaço é poder”, atendendo aos interesses ingleses e norte-
americanos, a Geopolítica alemã estendeu sua influência a esses países, onde
encontrou adeptos e seguidores.

Diante do mesmo contexto histórico, Sodré (1984) apresenta uma


argumentação mais crítica, não apenas descritiva, expondo a monstruosidade
resultante das ações das potências imperialistas. Observa que se o determinismo
geográfico foi um dos traços mais característicos da Geografia da época do
imperialismo, a Geopolítica foi a Geografia do Fascismo e que da teoria ratziana,
duas geografias se abrem: a ideológica e a científica. A Geopolítica segue a trilha
ideológica da classe burguesa, sustentando o fato de considerar que, em maior ou
menor, suas obras ou interferências estavam presentes em uma extensa área do
mundo, portanto, não podendo ser ignorada, e o que ela apresentou de melhor
está incorporado ao patrimônio da cultura humana.

A Geografia oriunda da fase imperialista não passava de uma construção


ideológica desprovida de sentido científico social, marginal, com papel político
unicamente. Porém, a importância de sua abordagem se faz necessária para se
perceber quanto o “grau de descomedimento e de falsidade a que pode atingir
o conhecimento, quando a serviço das forças reacionárias, necessariamente
obscurantista”. (SODRÉ, 1984, p. 54).

A argumentação de Sodré (1984) mostra sua repugnação diante dos fatos,


acontecimentos e consequências da postura imperialista nas regiões do planeta que
ficaram subjugadas pelos mandos e desmandos das potências europeias, norte-

75
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

americana e asiática. Sua indignação é tamanha que chega a levantar a hipótese


de que, em uma reconstituição história da Geografia, não se deveria considerar
a Geopolítica, devendo essa ser omitida, pois a humanidade ficou deformada
politicamente, em que o fascismo reaparece disfarçado de democracia, como o
neocolonialismo, que se diz diferente do colonialismo, mas não o é, apenas se
apresenta em outra roupagem e seu resultado é tão perverso quanto.

A partir da argumentação de Lucien Febvre (apud SODRÉ, 1984, p. 55)


diz que: “[...] o geógrafo parte do solo e não da sociedade. Não vai, sem dúvida,
ao ponto de pretender que esse solo é a causa da sociedade. Ratzel se contenta
em dizer que ele é o único liame de coesão essencial de cada povo, mas é ao
solo, antes de tudo que vai sua atenção”. Com isso, podemos entender que as
ideias do determinismo geográfico justificavam toda e qualquer ação daqueles
que imperavam, assim como a ordem política se sobrepõe sobre a científica, pois
dentro dessa concepção, só se entende um Estado a partir de seu solo, assim como
seu povo, as organizações de famílias, tribos só podem ser entendidas em relação
com seu solo. Dentro dessa ideia se destaca a influência que a natureza exerce
sobre a sociedade, o que justificaria o fato de que alguns povos, aqueles que não
apresentavam um avançado poder tecnológico em comparação com os Estados
europeus, deveriam ser dominados para então se tornarem civilizados.

FIGURA 22 – PARTILHA DA ÁFRICA

FONTE: Disponível em: <http://historiajulia-exercicios.blogspot.com/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Para Vidal de La Blache (apud SODRÉ, 1984), a Geografia Política deveria


se inspirar na Geografia Física ou sobre o estudo físico do globo, baseando-se
no fato de que as relações entre homem e meio não podem deixar de se revelar
ainda mais claramente à medida que se conhecem as configurações do relevo, dos
climas e da distribuição dos povos sobre a superfície terrestre.

76
TÓPICO 1 | DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA

Alegações como: o calor debilita, enerva o organismo humano, o frio


torna-o mais pesado, mais robusto e mais concentrado ou, ainda, o homem da
planície é mais gentil enquanto que aquele que vive nas colinas é mais bruto,
faziam parte do discurso dos defensores das ideias deterministas, assim como a
Antropogeografia, na qual se apoiavam os imperialistas.

Outra estudiosa apresentada por Sodré (1984) é Ellen C. Semple, que


sustentava que se deve comparar povos típicos de todas as raças e de todos os
estágios de civilização, situados em condições geográficas semelhantes, caso
houvesse diferenças, essas deveriam ser atribuídas à raça e se predominassem
semelhanças, essas derivariam do meio. Assim, a raça e o meio seriam os dois
principais elementos que influiriam na História das diferentes sociedades
humanas. Além de Semple, T.H. Mahan foi um dos principais teóricos da expansão
imperialista norte-americana, iniciada em fins do século XIX, e que resultou na
conquista das Filipinas, Cuba e Porto Rico, posses coloniais espanholas.

Contudo, o primeiro a empregar a expressão Geopolítica foi o sueco


Rudolf Kjellén, conforme já o apresentamos anteriormente, que defendeu uma
divisão singular da ciência política: a Crotopolítica, ciência da organização
legal do poder do estado; a Geopolítica, ciência do Estado como dominador do
espaço; a Demopolítica, ciência das formas de organização política das massas; a
Ecopolítica, ciência dos processos de produção e de consumo; e a Sociopolítica,
ciência do controle da sociedade. Essas divisões consideradas por Kjellén, de
certa maneira, estabelecem entre si uma certa interdependência, pois, a partir
do momento de uma expansão territorial, todas são pertencentes ao espaço
conquistado.

Algumas afirmativas de Kjellén (apud SODRÉ, 1984, p. 59) que justificam,


no seu entender, essa divisão:

“Os Estados procuram escolher unidades geográficas, como seja


uma região, para se aliarem com elas, e, por meio dessa aliança, se
transformarem em unidades naturais.’’ Estados vitalmente fortes,
com uma área de soberania limitada, são dominados pelo categórico
imperativo de dilatar seu território pela colonização, união com outros
Estados, ou conquistas de diferentes espécies. Foi esse o caso com a
Inglaterra, e o caso com a Alemanha e o Japão; como vedes, não é o
instinto primitivo de conquista, mas a tendência natural e necessária
para a expansão como meio de autoconservação. “Quanto mais o
mundo se organizava, mais os vastos espaços, como Estados grandes,
faziam sentir sua influência, e, quanto maior o desenvolvimento dos
grandes Estados, menor a importância do pequeno Estado”; “Aos
Estados pequenos parece estar reservada, ao mundo da política,
sorte idêntica à que tem os povos primitivos, no mundo da cultura.
São repelidos para a periferia, mantidos nas áreas marginais e zonas
fronteiras ou desaparecem”.

77
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Esses trechos dos discursos de Kjellén demonstram a tendência da


supremacia imperialista, assim como a justifica. De certa forma está atrelada às
ideias de seleção natural de Darwin, ou seja, sobrevive os fortes, enquanto os
fracos são suprimidos.

A definição da Geopolítica por Kjellén (apud SODRÉ, 1984, p. 60) era


entendida, dentro de uma realidade de expansionismo territorial como “ciência
do Estado como organismo geográfico e, significativamente, como soberania”,
que influenciará significativamente os discípulos de Ratzel naquele momento
histórico. Kjellén (apud SODRÉ, 1984, p. 60) explicitava a importância da
Alemanha afirmando que:

[...] a Alemanha surge como um líder mais natural, quer do ponto de


vista geográfico, quer do cultural. Isto significaria, para a Alemanha,
como administradora do direito de primogenitura, aceitar a posição de
dirigente do mundo e, com esse fim, usar sua imensa fonte de poder,
que lhe parece faltar no momento, a fé em tal missão.

Kjellén foi morto em 1922, quando a Alemanha atravessava a crise


da derrota, mas suas obras aparecem como inspiração para outras obras de
Geopolítica, não apenas assinadas por geógrafos, mas também por outros
estudiosos científicos e ideológicos.

Entende-se, segundo Sodré (1984), que sem o nazismo alemão, a


Geopolítica não teria se expandido e nem ingressado na área científica. Arthur Dix
foi uma das figuras mais destacadas da Geopolítica germânica, desenvolvendo
seu trabalho na área de Geografia Política, definindo-a como:

[...] a ciência que estuda a sede e a esfera de poder do Estado. Sua zona
de observação é a superfície da Terra, contemplada como campo de
atividade das sociedades humanas e como cenário onde se desenvolve
a vida dos povos organizados em Estados. Ocupa-se, por conseguinte,
das relações das coletividades com o espaço que habitam e a área de
tráfico. (DIX apud SODRÉ, 1984, p. 65).

Os estudos de Dix sustentam-se naquilo que ele chama de bases das


circunferências econômicas, as quais seriam distribuídas em sete grupos (DIX
apud SODRÉ, 1984):

1º grupo: Estados de economia autônoma e independente.


2º grupo: Estados de superprodução agrária.
3º grupo: Estados de superprodução industrial.
4º grupo: Estados de superprodução financeira.
5º grupo: Estados que necessitam um suplemento de produção agrícola.
6º grupo: Estados que necessitam um suplemento industrial.
7º grupo: Estados que necessitam de ajuda financeira.

78
TÓPICO 1 | DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA

Dix (apud SODRÉ, 1984, p. 65) conclui: “em troca, os Estados do terceiro
e quarto grupo experimentam forte necessidade de expansão e neles figuram os
países que encarnaram principalmente a aspiração a dominar com seu influxo
a política mundial”. Logicamente, dentro dessa classificação, encontrava-se a
Alemanha e os demais países imperialistas.

Mesmo a Alemanha sendo derrotada na I Guerra, Dix está convencido de


que o povo alemão não abandonaria seu ideal de construir uma grande Germânia,
entre o Reno e o Vístula, justificando que é da própria natureza alemã a missão
de reunir e agrupar os países da Europa Central. Diante desses ideais, sonhos
e desejos, Dix (apud SODRÉ, 1984) formula algumas metas ou leis, que servem
de estímulos, assim como, de projetos norteadores para a política alemã: avanço
sobre a linha de menor resistência; aspiração ao domínio da totalidade da bacia
hidrográfica; aspiração a uma saída para o mar; tendência a possuir vários acessos
ao mar; aspiração às costas opostas; função das grandes rotas transcontinentais;
aspiração dos Estados a arredondar sua esfera de domínio; aspiração à unidade
nacional. Obedecendo a tais aspirações seria possível justificar qualquer tipo ou
forma de expansão territorial ou de prática imperialista.

[...] A Geopolítica, que passara por transitório eclipse, e apenas parcial,
com a derrota nazifascista, ganhou corpo, novamente, com a chamada
Guerra Fria, definindo claramente seu conteúdo ideológico. Pela sua
natureza e pelos seus propósitos, deveria acolher-se particularmente
nos Estados Unidos e, em proporções mais reduzidas, nos países
dependentes dos Estados Unidos [...] tratava-se de estabelecer a
hegemonia mundial [...] capaz de dar segurança aos povos, seus
servidores e de assegurar neles a vigência ou continuidade de regimes
políticos autoritários, apresentados como preservadores da civilização
cristã e ocidental [...]. (SODRÉ, 1984, p. 66).

Sodré não apresenta na citação anterior a outra potência do mundo
bipolar, pelo qual ficou conhecido o período da Guerra Fria. Contudo, é de nossa
obrigação apresentá-la, pois, mesmo apoiando-se em ideologias e regimes políticos
diferenciados, a ex-URSS apoiava-se nas mesmas expectativas expansionistas
e de liderança mundial que os Estados Unidos, conforme apresentaremos na
sequência de nosso trabalho.

79
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos que:

● O final do século XIX e início do século XX é marcado pela passagem do


capitalismo comercial para a fase do imperialismo expansionista, principalmente
em território europeu.

● A fase imperialista registra a luta entre potências pela divisão dos continentes
em zonas de influência.

● A partir das lutas imperialistas, os estudos da Geografia recebem novas


importâncias que anteriormente se baseavam no descritivo, passado para
um conhecimento científico que possa atender aos interesses das potências
imperialistas.

● Conferências são organizadas com o intuito de promover o entendimento entre


as nações imperialistas na disputa pelas áreas da África, Ásia e Oceania.

● A expansão imperialista se sustentava sobre a teoria de Ratzel, fundamentada


na importância do espaço vital.

● Um dos nomes mais significativos da Geopolítica foi o do sueco Rudolf Kjllén,


em defesa ao expansionismo alemão.

80
AUTOATIVIDADE

1 Complete o fluxograma com as informações mais significativas referentes


ao imperialismo expansionista do final do século XIX e início do XX, no
que se refere à contextualização espacial e temporal, ou seja, da Teoria do
Espaço Vital de Ratzel e as abordagens da Geopolítica.

Imperialismo
expansionista

...... ...... ......

2 A Alemanha foi o Estado que mais se justificava diante do expansionismo


de seu território. Reescreva os trechos apresentados no texto e tente
contextualizá-los nos dias atuais.

81
82
UNIDADE 2 TÓPICO 2

LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

1 INTRODUÇÃO
O entendimento do que vem a ser a Geopolítica e a Geografia Política,
muitas vezes, nos causa incompreensão. Diante dessa complexidade, faz-se
necessário entendermos suas abrangências.

Mesmo tendo abrangências diferenciadas, é claramente percebível que


tanto uma como a outra acabam, por muitas vezes, entrelaçadas, para poder
atender ou, ainda, responder questões mais abrangentes.

Conforme veremos, a prática da Geopolítica já se fazia presente desde a


Antiguidade, mas a expressão ou a palavra só começou a se fazer presente entre
os estudiosos, cientistas e o Estado como órgão de representatividade a partir do
século XX. A Geografia Política, muitas vezes, atendia aos interesses acadêmicos
no que tange à descrição da paisagem, ou ainda, um estudo geográfico do espaço,
o que para nós, geógrafos, é de suma importância na compreensão das relações do
homem com o meio em que vive, seja dentro de um método de estudo sistêmico,
seja dentro de um método de estudo baseado no materialismo histórico e dialético.

83
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

FIGURA 23 – REFLETINDO SOBRE O ESPAÇO GEOGRÁFICO


ESPAÇO GEOGRÁFICO

Vegetação
Econômico

Clima Relevo Social Cultural

Litologia Político

Método de estudo: Método de estudo:


sistêmico Materialismo histórico
e dialético
Mas qual o melhor método para estudar o espaço
geográfico?
FONTE: Disponível em: <http://geossistema.blogspot.com/2009/11/o-que-e-o-espaco-
geografico.html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

2 A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA


Apoiando-se nos estudos de Vesentini (2010b), que abordam a frequente
confusão que se faz entre a Geografia Política e a Geopolítica, pode-se afirmar que
elas se sobrepõem em grande parte, mas não se identificam totalmente no sentido
histórico, pois cada um desses saberes mostra suas origens, suas especificidades,
embora, em alguns momentos, eles tenham se mesclado, se identificado.

A expressão “Geografia Política” existe há séculos, havendo inúmeros


livros dos séculos XVII, XVIII e XIX com esse título. Contudo, considera-se que
a Geografia Política moderna, pelo menos como a entendemos hoje, ou seja, um
estudo geográfico da política, ou como o estudo das relações entre espaço e poder,
nasce com Friederich Ratzel, com sua obra Politische Geographie (Geografia
Política), publicada em 1897. Antes dele era comum encontrar em obras com
esse título uma geografia descritiva, de rios ou montanhas de um determinado
Estado, ou seja, qualquer fenômeno ou acidente geográfico ligado ao Estado era
tido como assunto da Geografia Política.

Ratzel mostrou que o estudo da Geografia Política só iria se preocupar


com o meio ambiente e suas características naturais (localização, relevo, clima
etc.) se essas tivessem relações com a vida política. Segundo Vesentini (2010b),
Ratzel se preocupou em estabelecer uma série de temas pertinentes à Geografia

84
TÓPICO 2 | LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

Política que ainda continuam a ser atuais, por exemplo: o que é o Estado e quais
as suas relações com o território, soberania e território, o que é política territorial,
a questão das fronteiras, o que significa uma grande potência mundial etc. Ratzel,
portanto, não foi o primeiro a empregar esse rótulo, Geografia Política, nem
mesmo o primeiro a escrever sobre o assunto – a questão do espaço geográfico na
política. Essa análise é antiga, podendo ser encontrada nos filósofos Aristóteles,
Maquiavel, Montesquieu e em outros tantos filósofos da Antiguidade, da Idade
Média ou da época moderna (VESENTINI, 2010b). Contudo, normalmente, essa
preocupação com a dimensão espacial da política é algo que surgiu como um
aspecto secundário da realidade que se estudava, pois o essencial era entender a
natureza do Estado ou das Leis, os tipos de governo ou as maneiras de alcançar e
exercer eficazmente o poder.

Com Ratzel, lembra Vesentini (2010b), inicia-se um estudo sistemático da


dimensão geográfica da política, no qual a espacialidade ou a territorialidade do
Estado era o principal objetivo de preocupações. E com Ratzel a própria expressão
“Geografia Política” ganha um novo significado. Ela passa a ser entendida como
o estudo geográfico ou espacial da política e não mais como um estudo genérico
dos estados ou países.

Entendemos que, a partir de Ratzel, a Geografia Política recebe uma nova


roupagem de significado e objetivo. A descrição da paisagem presente na velha
concepção de Geografia Política ganha nova conotação quando agrega em seu
significado objetivos mais investigativos e justificativos, no sentido de expansão
imperialista do século XIX. Investigativo, ao que se refere em conhecimento
prévio sobre as futuras áreas a serem exploradas ou subjugadas, e justificativos,
no sentido de explicar as atrocidades cometidas nas áreas dominadas.

A expressão Geopolítica, segundo Vesentini (2010b), foi criada no início


do século XX, mais precisamente em 1905, num artigo denominado “As Grandes
Potências”, escrito pelo então já conhecido Rudolf Kjllén, mas, certamente, a
temática é antiga, pois as preocupações geopolíticas já faziam parte da história
da humanidade em tempos remotos – preocupações sobre o que é e quem é uma
potência mundial; como se dá a disputa mundial pelo poder entre os Estados; que
estratégias seriam adequadas para tal ou qual Estado se tornar potência regional
nessa ou em outra parte do globo, ou seja, já existiam preocupações, análises ou
estudos a respeito do poderio de cada Estado, das grandes potências mundiais
ou regionais, com a importância ou o uso do espaço geográfico na guerra ou no
exercício do poder estatal.

85
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

FIGURA 24 – GEOPOLÍTICA OU GEOGRAFIA POLÍTICA?

FONTE: Disponível em: <http://prestesaressurgir.blogspot.com/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Conforme já apresentamos anteriormente, Vesentini (2010b) corrobora


com a definição dos geopolíticos clássicos. Os grandes nomes da Geopolítica
foram Halford Mackinder, Mahan, Kjllén e Haushofer, desses, Mackinder e
Mahan tiveram as suas obras publicadas antes da criação da palavra Geopolítica
por Kjllén, portanto, nunca fizeram uso dela. A popularização da expressão
Geopolítica acontece com Haushofer, devido às circunstâncias – ligação com o
nazismo –, tornando-a popular através da sua revista Geopolítica (Zeitschrift für
Geopolitik), durante o período de 1924 a 1944 e com uma tiragem mensal que
iniciou com 3 mil e chegou a atingir 30 mil exemplares, resultado expressivo para
aquele momento.

A expansão da Geopolítica efetivou-se no período pré-guerra na primeira


metade do século XX. Sua preocupação sempre esteve voltada, em escala macro
ou continental planetária, à questão da disputa do poder mundial; o Estado é
uma grande potência; qual a melhor estratégia espacial para se atingir o status
de potência etc., tanto que existiram escolas de geopolíticas, em especial entre os
anos 1920 e 1970, em algumas partes do mundo, inclusive no Brasil.

Essas escolas não se apresentavam no sentido físico, com sala, carteiras


etc., mas no sentido de corrente de pensamento, de autores com afinidades
ideológicas. No caso da geopolítica brasileira, ela se constituiu no desenvolvimento
de um projeto – Brasil, grande potência –, que se expressa como uma estratégia
geopolítica e militar com uma definida dimensão espacial (VESENTINI, 2010b).

86
TÓPICO 2 | LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

Para a Geopolítica, assim como para o contexto atual, o saber ou


conhecimento sempre serviu como instrumento de ação, que dará suporte para
as futuras ações e atuações do Estado. Sua importância se revela atuante a partir
de meados de 1970, quando até então ficava mais restrita a pequenos círculos,
em especial, de militares, deixando de ser vista como ciência, como pretendia
Kjllén, ou como técnica ou arte a serviço do Estado, como defendiam inúmeros
geopolíticos, inclusive Haushofer, sendo cada vez mais entendida como um
campo de estudos, ramificando-se para além de estratégias de ataque, mas se
expandindo para temas abrangentes, como é o caso da questão ambiental.

Com a explosão da informática e dos setores de comunicação, ações


realizadas por lideranças estatais repercutem rapidamente em escala global
e as consequências dessas ações, que por vezes são negativas, tornam-se palco
de discussões e manifestações populares, resultando em várias partes do globo
em institutos de estudos geopolíticos e/ou estratégicos, dos quais fazem parte
inúmeros especialistas: cientistas políticos, geógrafos, historiadores, militares ou
teóricos estrategistas, sociólogos, até mesmo economistas.

Em suma, a palavra Geopolítica não é uma simples contração das palavras


geografia e política, como pensam alguns, mas é algo que diz respeito às disputas
de poder do espaço mundial, implicando dominação por parte do Estado ou
não. Esse poder se expressa de várias formas – culturais, sexuais, repressivas,
militares etc. –, diferentemente do que acontecia antes de 1975, deixando de ser
exclusivo da Geografia. A Geografia Política, dessa forma, também se ocupa da
Geopolítica, sendo uma disciplina da ciência geográfica que estuda outros temas
ou abordagens.

Fazendo uso de um esquema elaborado por Vesentini (2010b) sobre as


interpretações diferentes sobre o que é Geopolítica e as suas relações com a
Geografia Política, temos o seguinte:

1 A geopolítica seria dinâmica (como um filme) e a geografia política estática


(como uma fotografia)

Esta foi a interpretação de vários geopolíticos anteriores à segunda


Guerra Mundial, como Kjllén, Hausshofer e vários outros colaboradores da
Revista de Geopolítica, além do General Golbery do Couto e Silva e inúmeros
outros militares no Brasil. Segundo eles, a geopolítica seria uma “nova ciência”
que se ocuparia da política ao nível geográfico, mas com uma abordagem
diferente da geografia: ela seria mais dinâmica e voltada principalmente para a
ação. Eles viam a geografia como uma disciplina tradicional e descritiva e diziam
que nela apenas colhiam algumas informações relacionadas à localização,
demografia, economia, mas que fundamentalmente estavam construindo um
outro saber, seria um instrumento imprescindível para a estratégia, a atuação
político/espacial do Estado. Como se percebe, foi uma visão adequada ao seu
momento histórico – não podemos esquecer que o mundo na primeira metade
do século XX, antes da I Guerra, vivia uma ordem multipolar conflituosa,
com uma situação de guerra latente entre as grandes potências mundiais – e à

87
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

legitimação da prática de quem fazia geopolítica naquele momento. Ela também


foi pertinente de todo um clima intelectual europeu – especialmente alemão –
da época, que demandava o conhecimento científico (a ciência real, que era
contraposta a uma ciência ideal ou novo saber, que deveria estar em prol de um
mundo melhor) pela sua pretensa desconsideração pela vida concreta, pelas
emoções, pelos sentimentos humanos.

2 A geopolítica seria ideológica (um instrumento do nazifascismo ou dos


estados totalitários) e a geografia política seria uma ciência

Esta foi a interpretação de poucos geógrafos nos anos de 1930 a 1940


(Hetrner e Waibel) e da quase totalidade deles, assim como de inúmeros
cientistas sociais no pós-guerra. Um nome bastante representativo foi Pierre
George, talvez o geógrafo francês mais conhecido das décadas de 1950 a 1970,
que afirmava que a geopolítica seria uma pseudociência, uma caricatura da
geografia política. Esta visão foi praticamente uma reação àquela anterior, no
período pré-Segunda Guerra Mundial. Como toda forte reação, ela caminhou
para o lado extremo, desclassificando completamente a geopolítica (da qual
nada se aproveita, nos dizeres de inúmeros autores dos anos 50 e 60) e até
mesmo se recusando a explicá-la de forma mais rigorosa.

3 A geopolítica seria a verdadeira (ou fundamental) geografia

Esta foi a interpretação que Yves Lacoste inaugurou com o seu famoso
livro-panfleto “a Geografia – isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra”, de
1976, conforme já apresentado inicialmente. Nesta visão a geografia de verdade
(a essencial ou fundamental) não teria surgido no século XIX com Humboldt e
Ritter, mas sim na Antiguidade, junto com o advento dos primeiros mapas. O que
teria surgido no século XIX seria apenas a geografia dos professores, a geografia
acadêmica e que basicamente estaria preocupada em esconder ou encobrir, como
uma cortina de fumaça, a importância estratégica da verdadeira geografia, da
geografia enfim. A geopolítica – ou geografia dos estados maiores, ou geografia
fundamental – existiria desde a Antiguidade na estratégia espacial das cidades-
estado, de Alexandre o Grande; de Heródoto com seus escritos sobre Atenas.
Esses estudos foram reproduzidos academicamente de forma acrítica – no final
dos anos 1970 e nos anos 1980, mas acabou ficando confinada a um pequeno
grupo de geógrafos franceses que, inclusive, em grande parte, se afastaram do
restante da comunidade geográfica daquele país. Sua obsolência deve-se ao fato,
principalmente, de falta de comprovações e mesmo de possibilidades de ser
testada empiricamente, inclusive via documentos históricos e, na realidade, ela
surgiu mais como uma forma de revalorizar a geografia, tão questionada pelos
revoltosos do período repressivo, também no Brasil, em maio de 1968, tentando
mostrar a sua importância estratégica e militar.

88
TÓPICO 2 | LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

4 A geopolítica (hoje) seria uma área ou campo de estudos interdisciplinar

Esta interpretação começa a se vislumbrar a partir do final dos anos


1980, sendo quase um consenso nos dias atuais. Não se trata tanto do que foi a
geopolítica e sim do que ela representa atualmente. E mesmo se analisando quem
fez a geopolítica, os grandes nomes que teriam contribuído, para desenvolver
esse saber, vamos considerar que eles nunca vieram de uma única área do
conhecimento: houve juristas (por exemplo Kjllén), geógrafos (Mackinder),
militares (Mahan, Haushofer) e vários outros oriundos da história, da política,
da economia, da engenharia etc.

Existem trabalhos recentes sobre a geopolítica, de procedência tanto de


geógrafos, como de historiadores, de sociólogos, de militares etc. e ninguém
pode imaginar seriamente que num instituto ou centro de estudos estratégico
e/ou geopolítico – onde se pesquise os rumos do Brasil, ou de qualquer
outro Estado-Nação, ou mesmo de um partido político, no século XXI, as
possibilidades de confrontos ou de crises político-diplomáticas ou econômicas,
as estratégias para se tornar hegemônico no (sub)continente, para ocupar
racionalmente a Amazônia, por exemplo, deva existir apenas geógrafos, ou
apenas militares, ou apenas economistas ou juristas. Mais uma vez podemos
fazer aqui uma ligação com o nosso tempo, com o clima intelectual do final do
século XX e início do XXI. A palavra de ordem hoje é interdisciplinaridade ou
até transdisciplinaridade, pois o real nunca é convenientemente explicado por
apenas uma abordagem científica. O conhecimento da realidade, assim como a
atuação nela, com vistas a um mundo mais justo, é algo muito mais importante
do que as disputas corporativas.

Essa esquematização de Vesentini (2010b) é pertinente no sentido que,
para nós, geógrafos, está o compromisso de não apenas apresentar o objeto
ou os objetos de estudo da ciência geográfica, assim como seus objetivos, mas
principalmente saber fazer uso das diferentes temáticas inclusas nessa ciência,
com a participação de todas as outras, em buscar uma organização e produção
de espaços geográficos menos desiguais e que possam oferecer oportunidades
a todos seus cidadãos, independentemente de suas origens, sua cultura e suas
concepções de mundo.

3 GEOGRAFIA, SOCIEDADE E POLÍTICA


Da última década do século XX aos dias atuais, observa-se um renascimento
no interesse tanto pela Geografia Política como pela Geopolítica. Esse interesse
pode ser considerado natural, uma vez que o Estado, independente do sistema
econômico que adote, passou a ter uma grande influência na sociedade (lembre-

89
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

se de que, anteriormente, em especial no final do século XIX e por quase todo o


decorrer do século XX, os interesses do Estado ora estavam a cargo de uma visão
imperialista expansionista, ora estavam atendendo ao interesse de controle ou
hegemonia do mundo e, com isso, a sociedade, em ambos os momentos, estava
disciplinada a atender esses interesses), ora agindo como agente econômico, ora
como guarda-costas dos grupos econômicos.

Observa-se também que o poder dos Estados, mesmo quando demonstra


ser sólido, pode desmoronar rapidamente, da mesma forma que o poder dos grupos
dominantes dentro do Estado também é instável, muitas vezes, condicionado a
acordos partidários que se estabelecem em períodos eleitorais. Andrade (1993, p.
33) completa, dizendo que “[...] como não se pode fazer uma drástica transferência
de populações de um território para outro, ocorre que mesmo as revoluções
mais radicais não conseguem fazer totalmente a transformação da sociedade e a
implantação de seus objetivos”.

Quando as transformações da sociedade não são completas, restam-lhes


um período de ajustamentos, no qual o que sobrou da sociedade destruída é
organizado e, na primeira ruptura do novo sistema imposto, passa-se a conquistar
novos espaços. Essa situação nos permite fazer um paralelo entre a velha e a nova
ordem global, em que a primeira não foi totalmente destruída e nem a segunda
inteiramente instaurada.

Do ponto de vista geopolítico, lembramos de que mesmo os impérios mais


poderosos e extensos, mesmo destruídos e desintegrados, deixaram vestígios, que
dificilmente desaparecerão. Por exemplo: Império Britânico, que não destruiu
totalmente as ligações da Inglaterra com os países dela dependentes; da mesma
forma que a destruição do Império Francês com os países francófonos, suas
antigas colônias. A independência dos novos países é, muitas vezes, frágil no
sentido que lhe restam mazelas originárias ainda do tempo colonial.

Podemos verificar essas situações em muitos países africanos que, após


alcançarem sua independência política, instauraram-se as dependências tecnológica
e econômica, que são cruciais para que o desenvolvimento do território aconteça.
Assim como os Estados Unidos, que ainda mantêm, praticamente, um sistema
colonial em grande parte dos países da América Latina e do Caribe, embora se
saiba que a maioria dos países existentes nessa área é formalmente independente.

90
TÓPICO 2 | LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

FIGURA 25 – COLONIALISMO DOS EUA SOBRE A AMÉRICA LATINA

FONTE: Disponível em: <http://lahistoriadeldia.wordpress.com/2009/10/12/>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

Devemos, ainda, considerar que a destruição da estabilidade de um império


tanto pode ser decorrente de fatores internos como de fatores externos, sobretudo
porque o excesso de concentração de poder central pode refletir sobre a periferia
de maneira prejudicial, criando desigualdade entre os povos e fortalecendo a
ansiedade por autonomia e independência, a exemplo do que aconteceu com a
Federação Russa, que manteve um poder centralizado, contrariando os demais
países que compunham a antiga União Soviética, levando-nos a conclusão que
um sistema de confederação que concebe uma maior autonomia às partes diante
do todo é muito mais sólido do que uma simples federação ou um Estado unitário.

Diferente do que aconteceu com a Federação Russa, temos o exemplo


do Canadá e da Austrália, em que suas províncias gozam de grande autonomia,
cultivando suas diferenças sem comprometer as semelhanças. No caso brasileiro,
Andrade (1993) lembra de que em seus quinhentos anos de história, o Brasil vem
oscilando entre descentralização e centralização.

[...] pode-se admitir que a tendência ideal seria caminhar para uma
descentralização, que desse aos estados uma maior autonomia, ou
mesmo para uma redivisão político-territorial, que criasse novos
estados em áreas bem povoadas e territórios em áreas em ocupação.
Poder-se-á também atenuar a centralização, concedendo-se tanto
maior autonomia aos estados como dividindo-os em unidades
menores, que poderiam ser denominadas de regiões, províncias ou
departamentos e estes em municípios. A hierarquia ficaria assim
constituída: a federação ou confederação dividida em estados,
estados em regiões, províncias ou departamento e, finalmente, estes
em municípios. A dispersão de poder contribuiria para o equilíbrio
da descentralização [...]. (ANDRADE, 1993, p. 35).

91
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Defende-se que em nada seria satisfatório essa mudança organizacional


territorial sugerida por Andrade (1993) se não mudássemos o tratamento que se dá
em vários setores fundamentais que atendem o bem-estar da população, como: saúde,
educação e segurança pública, ainda que, para o funcionamento desses, fazem-se
necessários investimentos de capitais. Até que ponto cada uma dessas subdivisões
territoriais estaria em consonância entre arrecadação e investimentos nesses setores?
Além disso, haveria a necessidade de um novo planejamento sobre a arrecadação
e distribuição de impostos, que garantisse a sustentabilidade de cada uma dessas
frações territoriais? Realmente, é um posicionamento intrigante, mas necessário para
confrontarmos com o contexto atual, já que no momento em que foi realizado, o
Brasil encontrava-se “algemado” aos cursos econômicos e políticos externos.

Andrade (1993) observa que essas abordagens foram feitas a partir dos
acontecimentos que tumultuaram a organização territorial da superfície da Terra,
demonstrando que Francis Fukiuama estava errado ao pregar o fim da história,
ao contrário, a história se torna cada vez mais viva perante o jogo de interesses
que põe em risco tanto as fronteiras políticas como a existência dos Estados,
como ainda a organização dos mesmos. Essas organizações, muitas vezes, são
contestadas quando áreas de um Estado lutam para desmembrar e quando
grupos sociais e classes disputam a posse do poder.

Diante dessas realidades, podemos dizer que o conhecimento geográfico não


está isolado, mas permeia o ensinamento de várias ciências, separadas da Geografia
apenas por convenção, admitindo que a ciência é uma só e a divisão em áreas
científicas deve ser encarada apenas como uma forma de permitir especializações.

DICAS

Sugiro que você, Caro acadêmico, aprofunde seus conhecimentos sobre as


observações de Francis Fukuyama, cientista político norte-americano, que defende a ideia
que o socialismo e o comunismo foram vencidos pelo liberalismo econômico, portanto,
a história estaria apresentando seu fim. Confira uma entrevista realizada pela Folha Online
em 2001, no site <www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult94u29838.shtml>. Acesso em: 2 ago.
2010. É bem interessante!

4 ENTENDENDO A ORDEM GEOPOLÍTICA MUNDIAL


Essa contemporaneidade, que será privilegiada, inicia sua contextualização,
em nossos estudos, a partir da II Guerra Mundial, quando, então, a ordem
Geopolítica mundial é caracterizada pela bipolaridade, ou seja, duas potências
disputavam a hegemonia mundial – Estados Unidos e a antiga URSS –, que, para
atender a seus interesses, lançam seus tentáculos nos quatro cantos do globo – é
o período conhecido como Guerra Fria.

92
TÓPICO 2 | LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

FIGURA 26 – GUERRA FRIA

FONTE: Disponível em: <http://janelaamarela.blogspot.com/2007_02_01_archive.html>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

Contudo, o que vem a ser uma ordem Geopolítica mundial? Quais são seus
traços marcantes? Acredito ser importante refletirmos sobre essa temática, antes
de adentrarmos nos estudos sobre a bipolaridade e a multipolaridade vigente.

Apoiando-se nos estudos do professor José Wiliam Vesentini (2010b), esse


nos explica que a ideia de uma ordem mundial pressupõe um espaço mundial
unificado, algo que só ocorreu a partir da expansão marítimo-comercial europeia
e capitalista dos séculos XV e XVI. Daí os autores clássicos do século XIX terem
apresentado a expressão “grande potência” ou potência mundial associada à
ideia de ordem mundial.

A ideia de ordem mundial nos remete à ideia de equilíbrio e controle, sempre


instável ou provisório, de forças entre os Estados, pois é deles que partem as relações
diplomáticas, assim como o conceito de potência – médias ou regionais e grandes
ou mundiais – é importante na medida em que expressa algo que ajuda a definir ou
estabilizar a ordem ou desordem mundial. Segundo o Dicionário de Política (1986
apud VESENTINI, 2010b) cada Estado possui a sua soberania ou poder supremo
no interior de seu território, não estando, portanto, submetido a nenhuma outra
autoridade supraestatal, o que, em tese, redundaria numa espécie de “anarquia
internacional”. Contudo, a existência das grandes potências e a própria hierarquia
entre os Estados introduz um elemento estabilizador, uma “ordem”.

Diante disso, define-se uma ordem mundial pela presença de uma ou mais
grandes potências mundiais: ordem monopolar – Inglaterra no século XVIII; ordem
multipolar, no final do século XIX até a Segunda Guerra Mundial – Alemanha,
Inglaterra, França e Estados Unidos; ordem bipolar – Estados Unidos e antiga
URSS, final da década de 1940 até final da década de 1980; ordem multipolar –
Estados Unidos, União Europeia, Japão e, mais recentemente, a China, do final
da década de 1980 até o dias atuais. O que se destaca é a instabilidade de uma
ordem mundial, pois toda ordem mundial está suscetível a conflitos e guerras.

93
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Vemos, então, que no conceito de ordem se encontra um sentido dialético, pois


é contraditório, já que se expressa dentro de instabilidades, tensões e conflitos.

O contexto atual, no que se refere à ordem internacional, emergente


da ruína da bipolaridade, ainda, segundo Vesentini (2010b), suscita inúmeras
controvérsias e costuma ser definida ora como multipolar, defendida pela maioria
dos especialistas que não enfatizam tanto o poderio militar e sim o econômico,
dando destaque à União Europeia, Japão e à China, que se destaca como a economia
que mais cresce no planeta; ora monopolar, pelos que acreditam e defendem a
ideia de que existe uma única superpotência militar, os Estados Unidos, e que a
sua hegemonia planetária é incontestável após o final da União Soviética.

Sabe-se ainda que a China vem modernizando seu aparato militar. As


forças armadas da Europa, em especial da Alemanha, França, Itália e Reino Unido
tendem a se unificar com o desenrolar da integração dos países membros.

Vesentini (2010a) lembra de que mesmo em um momento de crise (Guerra


do golfo, em 1991, conflitos na Bósnia e no Kosovo, em 1993 e 1999, a luta contra
o terrorismo, em 2001, e a ocupação do Iraque, em 2003) os defensores da mono
e da multipolarização apresentaram perspectivas diferentes de análises: os
que defendem a monopolaridade argumentam que essas crises exemplificam
a hegemonia absoluta dos Estados Unidos, enquanto os que advogam pela
multipolaridade explicam que essa superpotência em todos esses momentos
necessitou do imprescindível apoio da Europa e da ONU, além de ter feito
inúmeras concessões à Rússia e à China em troca de seu suporte direto ou indireto
nesses bombardeios contra o Iraque, a Sérvia e o Afeganistão.

FIGURA 27 – MUNDO MULTIPOLAR

FONTE: Disponível em: <http://www.ptclondrina.com.br/artigo_ver.asp?registro=151>. Acesso


em: 2 ago. 2010.

94
TÓPICO 2 | LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

Contudo, independente de quem esteja certo, a ordem mundial possui


outros traços característicos que até então não estavam presentes nas ordens
anteriores: o avanço da Terceira Revolução, ou revolução técnico-científica
e informacional, e de uma globalização capitalista junto com uma nova
regionalização que lhe é complementar, isto é, a formação de blocos econômicos
ou mercados regionais.

DICAS

Para entender as três Revoluções, dê uma consultada em seus materiais do


Ensino Médio e registre em seu caderno os diferentes tipos de fontes de energia em que
cada uma delas se apoiou e de que maneira o desenvolvimento econômico e repercutiu.

Esse momento histórico do capitalismo traz mudanças significativas na


organização do espaço geográfico, esvaziando os setores primário e secundário
da economia, com a mecanização e, ao mesmo tempo, exigindo mão de obra
cada vez mais qualificada e flexível. Na reorganização do espaço geográfico, que
antes priorizava a existência de matérias-primas, mão de obra barata e mercado
consumidor, as demandas mudam.

Hoje, a acessibilidade aos meios de comunicação, a força de trabalho


qualificada, entre outros, são primordiais para a expansão da globalização,
na medida em que essa não existe sem as novas tecnologias de informática e
telecomunicações, influindo até mesmo na guerra, permitindo a construção de
armas chamadas “inteligentes”, que destroem alvos específicos sem ocasionar
grandes danos materiais e matanças indiscriminadas, e torna as informações
algo estratégico para a supremacia militar. Essas armas inteligentes não estão
relacionadas ao tamanho da população e nem mesmo à quantidade de soldados,
passando a depender da economia moderna e da tecnologia avançada.

95
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos que:

● Ratzel é lembrado por Vesentini (2010b) como o primeiro a iniciar um estudo


sistemático da Geografia Política.

● A Geopolítica é considerada um instrumento de ação do Estado, dando-lhe


suporte a suas ações futuras.

● A diferenciação da Geografia Política e da Geopolítica apresenta-se pontuada


pelas seguintes observações:

1 A Geopolítica sendo caracterizada como mais dinâmica, voltada para as ações


dos Estados, e a Geografia Política mais estática, pois estaria em atendimento a
uma geografia descritiva.
2 A Geopolítica atenderia a questão ideológica (caso do expansionismo alemão)
e a Geografia Política, uma ciência, com objetos e objetivos definidos.
3 A Geopolítica seria a verdadeira Geografia Política, no momento em que
atende aos interesses de dominação.
4 A Geopolítica (hoje) seria uma área de campo multidisciplinar, ou seja, sua
ação estaria condicionada ao conhecimento e à interferência de outras ciências.

● A nova ordem mundial é reflexo do avanço científico e tecnológico e, assim


como as outras ordens mundiais, também apresenta fragilidades.

● A organização do espaço geográfico na contemporaneidade é um reflexo das


ações, tanto dos Estados como da sociedade civil.

96
AUTOATIVIDADE

1 A partir do que foi exposto, tanto a Geopolítica como a Geografia Política


são estudos que atendem aos interesses da Geografia. A partir de exemplos,
estabeleça relações em que ambas podem ser identificadas. Por exemplo: O
crescimento econômico da China nas últimas décadas.

2 Quando falamos que a Geopolítica nos remete a estudos interdisciplinares,


estamos afirmando que a ciência é uma só, porém dividida em especializações,
as quais podemos chamar de especializações. Diante dessa afirmativa, é
possível aplicá-la em estudos sobre a questão ambiental? Se a resposta for
sim, de que maneira logisticamente isso funcionaria? Se for não, justifique-a.

97
98
UNIDADE 2 TÓPICO 3

A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

1 INTRODUÇÃO
Estaríamos sendo obsoletos e até mesmo desatualizados se a questão
ambiental e os impactos proporcionados pela ação do homem não fossem discutidos.

Diante de um final de século marcado por destruições sem precedentes


e por progressos inimagináveis, pelos massacres mais cruéis já ocorridos e
por avanços espantosos em matéria de conforto e bem-estar, pela produção e
aperfeiçoamento de armas de um poder desconhecido até então e pela exploração
fecunda do espaço, eis-nos chegando a um ponto crucial da longa e tortuosa
história de nossa espécie sobre a face do planeta Terra.

Assim como podemos entender que existe apenas um oceano banhando


todos os continentes e que sua divisão atende a interesses de estudos acadêmicos,
também podemos entender que a repercussão dos danos ambientais extrapola as
fronteiras, seguindo direcionamentos que, por muitas vezes, fogem do controle
das nações geradoras, tornando-se global.

Mesmo diante de tanto avanço tecnológico, em que as distâncias não


param de se reduzir e o tempo social sobrepõem-se sobre o tempo físico através
da instantaneidade, o homem ainda não consegue conter, a não ser de maneira
provisória, os impactos que ele mesmo provoca contra seu espaço de vida.

A presença do Estado, nesse novo contexto, apresenta-se imersa em


uma nova racionalidade, não mais se apoiando somente no expansionismo, mas
essencialmente na garantia de bem-estar aos seus cidadãos e a todos os cidadãos
do planeta.

99
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

2 A GEOPOLÍTICA E SEU COMPROMISSO LOGÍSTICO NO


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Conforme já mencionado anteriormente, a Geopolítica vem tomando cada
vez mais espaço nos centros de discussão. Livros, artigos, trabalhos se sucedem
e revalorizam as relações de poder, mais precisamente a prática do poder, mas
não só o poder de caráter militar, como também o exercício do poder nas mais
variadas estâncias.

Novas territorialidades – entendidas com estratégias que visam interferir


em ações a partir do controle de territórios – surgem acima e abaixo do poder do
Estado, desafiando os fundamentos do poder nacional, principalmente quando
esse não consegue impor sua eficiência no tratamento de determinada situação,
cabendo, muitas vezes, à iniciativa civil fazê-la ou, ainda, em situações que
extrapolam as fronteiras, repercutindo em escala global, como é o caso da crise
ambiental, que impõe novos padrões de comportamento do Estado diante da
natureza e de seus recursos; e as mudanças provocadas com a revolução científico-
tecnológica, que repercute em transformações, em especial, na economia, gerando
mudanças na organização da produção e do trabalho.

Tanto as questões ambientais como as científico-tecnológicas estão redefinindo


os estilos de vida, ética e a cultura, a dinâmica político-social e a organização do
espaço global e dos territórios nacionais e, certamente, da Geopolítica.

FIGURA 28 – AVANÇO TECNOLÓGICO E CIENTÍFICO

FONTE: Disponível em: <darkshieldworld.blogspot.com>. Acesso em: 2 ago. 2010.

100
TÓPICO 3 | A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

FIGURA 29 – DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

FONTE: Disponível em: <educacaoeaprendizagem.com.br>. Acesso em: 2 ago. 2010.

3 A TECNOLOGIA ESPACIAL DO PODER DO ESTADO


É importante entendermos que o Estado não representa uma forma
acabada em si mesmo, mas sim, como resultado de um processo em constante
dinâmica. Sempre esteve intimamente vinculado ao espaço, pois é nesse que
se concretiza a partir de relações, muitas vezes complexas, pois envolve seres
humanos para sua efetivação.

No decorrer da história da organização do Estado, houve momentos


cruciais identificados por Becker (2000), como: a) a produção de um espaço físico,
o território nacional, que tem a cidade como centro; b) a produção de um espaço
social, político, conjunto de instituições hierárquicas, leis e convenções sustentadas
por valores, em que há um mínimo de consenso, que é o próprio Estado.

O primeiro momento dessa relação teve seu auge com o capitalismo


industrial e a consolidação do Estado-nação no século XIX, com Ratzel em sua
Geografia Política, que teoriza a relação do Estado com seu território. Becker
(2000, p. 283-285) pontua duas contribuições de Ratzel, em sua obra, no que se
refere ao significado da Geografia Política e ao significado que o espaço exerce no
entendimento do Estado:

1 – A Geografia Política deveria ser um instrumento para os detentores do poder


que deveria ser aprendida e a usariam como instrumento, pois ela explica
que, para compreender a natureza de um império, é necessário passar

101
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

pelo entendimento do que é o espaço, para então tomar o espaço. Daí a


importância atribuída à Geoestratégia e à concepção da situação geográfica
como um dispositivo militar: para o geógrafo que analisa o comércio e as
relações em geral, a economia, sempre configurada espacialmente, é a
guerra ou desafio, pois cada fato no espaço é singular, cada qual situado na
interseção de processos múltiplos, onde necessariamente devem atuar as
estratégias para sua compreensão.

Em uma leitura mais atual dessa contribuição de Ratzel, vemos o Estado


como relação social. Na produção do território nacional, o Estado transforma
suas próprias condições históricas, a partir do momento que redimensiona suas
ações às relações sociais existentes no espaço, resultando na produção do próprio
espaço com sua complexidade, sendo regulador e ordenador do território
nacional, não se estendo apenas ao aparato militar para sua significação.

2 – A busca de leis gerais sobre a relação Estado-espaço que reside na ligação


estreita do Estado com o solo, considerando a única base da unidade do
Estado, uma vez que sua população apresenta-se diversificada. Assim,
politicamente, a importância absoluta do Estado é estabelecida segundo o
valor dos espaços povoados.

A releitura contextualizada dessa observação de Ratzel diz que o espaço


produzido e gerado pelo Estado é um espaço racional. É um espaço social, no
sentido que do conjunto de ligações, conexões, comunicações, redes e circuitos
se fazerem presentes, permitindo, ao Estado, tratar o espaço em grande escala,
controlando os fluxos e estoques econômicos, produzindo uma malha de duplo
controle, técnico e político, que impõe uma ordem espacial vinculada a uma
prática e a uma concepção de espaço global, racional, logística, de interesses
gerais estratégicos em detrimento à pratica do espaço local, criando, assim, um
espaço global fragmentado, global porque homogeneizado no sentido de estar
conectado, fragmentado porque faz parte de um todo, mas é caracterizado por
uma identidade espacial própria, assim como, por um Estado-espaço único.

4 O NOVO SIGNIFICADO DO TERRITÓRIO DIANTE DA NOVA


LOGÍSTICA TECNOLÓGICA E CULTURAL
A partir da Segunda Guerra, ciência e tecnologia direcionam suas ações
de maneira mais objetivada, as descobertas científicas do acaso perdem status,
passando a atender interesses ou alvos certeiros, a refletir na diferenciação dos
espaços globais, tanto na política, na cultura e no território.

O que antes estava atrelado a questões espaciais imperialistas expansionistas,


com a revolução científico-tecnológica, especialmente a microeletrônica e
a comunicação, reconfigura-se uma nova forma de produção baseada na
informação e no conhecimento como as maiores fontes de produtividade. Esse

102
TÓPICO 3 | A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

novo modo industrial, que se baseia em uma renovação constante e permanente,


não se constitui em uma nova forma técnica de produção, que pode ser aplicada
ou não, mas sim numa nova forma de produção e, portanto, de organização social
e política, que ocorre no contexto da reorganização do sistema econômico local e
mundial (CASTELLS, 1985 apud BECKER, 2000).

A fluidez acelerada da tecnologia moderna vem se tornando o elemento-


chave da transformação, alterando os setores produtivos civil e militar, assim
como as relações sociais de poder. A questão do controle do espaço agora se
estende também para o controle do tempo, no sentido de estar atualizado
tecnologicamente, pois, a partir das redes transnacionais de circulação e
comunicação, a globalização acontece em um só tempo, induzidas tanto pela
lógica de acumulação produtiva como também pela lógica cultural, o que se
reflete diretamente na valorização seletiva de territórios, ou seja, na segregação
dos espaços produtivos e não produtivos diante da globalização.

O espaço físico ocupado pelos Estados e suas fronteiras acabam sendo


superados pelo espaço de fluxos financeiros, mercantis e informacionais,
resultando no arranjo de uma nova divisão territorial de trabalho e uma nova
Geopolítica. Nesse sentido, a globalização não significa homogeneização, mas
redimensiona a dimensão política do espaço pela valorização da diferença.

Se de um lado, a aceleração do ritmo dos processos econômicos e da vida


social, viabilizado pelas redes, encolhe o espaço, derrubando barreiras
espaciais, por outro lado, num quadro de economia globalizada e
tecnificada é alta a seletividade. Quanto menos importante as barreiras
espaciais, tanto maior é a sensibilidade do capitalismo às variações de
lugares. (HARVEY, 1989 apud BECKER, 2000, p. 288).

A valorização econômica e estratégica de um território, a partir desse fluxo


científico-tecnológico, acaba sendo decorrente da velocidade em se apropriar das
novas formas de produção, para que o acesso às redes de informação permita
que o local se relacione diretamente ao espaço transnacional. Lembrando de que
tais vantagens competitivas não são determinadas somente pela tecnologia, mas
também pelas condições particulares do território, em termos de recursos e da
iniciativa política. Diante disso, a tendência de uma reorganização, em escala
global, se baseia em áreas identificadas como centros de inovação tecnológica,
áreas desindustrializadas, áreas de difusão da indústria e agroindústria
convencionais e áreas a serem preservadas, ou seja, um novo zoneamento
espacial, então, comandado por agentes econômicos e financeiros, fragilizando
o poder dos Estados, que perdem o controle do conjunto do processo produtivo.

A valorização da dimensão política do espaço também se relaciona à


redefinição da natureza e das relações sociedade-natureza. A natureza estabelece
seus limites, porém quando eles não são respeitados, configura-se uma crise, daí
a necessidade de uma nova concepção industrial que procure fazer uso de menor
volume de matérias-primas assim como de energia, em especial, as energias
fósseis. A tendência das novas tecnologias está em valorizar os elementos da

103
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

natureza como fonte de informação, tanto na sua gênese como na proliferação


da vida, para os estudos científicos e tecnológicos, servindo como capital das
realizações atuais e futuras.

Porém, a reorganização do espaço não é apenas expressão de processos


econômicos e tecnológicos, que, na verdade, são resultantes de decisões políticas
e estratégias organizacionais, mas deve, segundo Becker (2000), ser confrontada
com projetos alternativos vindos da sociedade, do território.

Os movimentos sociais extrapolam o controle do Estado e se organizam


em escala global em redes, graças, particularmente, à rede de comunicações, que
permite as comunidades se relacionarem diretamente num espaço transnacional.
Hoje, os movimentos ambientalistas tornam-se temáticas de discussões, fato
que merece ser analisado no contexto da Geopolítica, sob a tendência de novas
racionalidades.

FIGURA 30 – MANIFESTAÇÕES AMBIENTALISTAS

FONTE: Disponível em: <http://esseproblemaemeu.blogspot.com/2008_11_01_archive.html>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

5 A GEOPOLÍTICA DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO


Os movimentos contemporâneos da sociedade direcionados, em especial,
a práticas políticas, estão cada vez mais sustentadas por uma nova racionalidade,
que tenta explicar a simultaneidade da desordem e da ordem global, da
globalização e da fragmentação do espaço, da complexidade e da questão
ambiental. Segundo Becker (2000), essa racionalidade está no poder: a inovação
permanente aciona a economia e a guerra.

[...] Tal hipótese se fundamenta no aprendizado, adquirido com a


Geografia Política e a Geopolítica frente às profundas transformações
em curso no final do milênio [...]. Elas revelam que a relação política

104
TÓPICO 3 | A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

e território era uma questão do Estado, que se fundamentava na


inteligência militar e atendia a um imperativo estratégico. Para Ratzel,
preocupado com a construção de Estados imperiais, a preocupação
geográfica é sempre concebida como um dispositivo militar, e a
economia – configurada espacialmente – é a guerra. Na geopolítica,
hipóteses sobre o valor estratégico da massa terrestre, marítima ou de
espaço aéreo, bem como das posições para seu controle, explicaram o
poder mundial [...]. (BECKER, 2000, p. 290).

Essa citação, que perdurou nas ações e atuações dos Estados-nação,


foi ultrapassada pelas transformações oriundas da revolução tecnológica na
microeletrônica e na comunicação associada à crise/reestruturação do regime de
acumulação e do Estado e de sua centralidade, pois, diante do novo zoneamento, a
emergência de se tornar também competitivo é crucial. Competitivo não somente
em termos produtivos, mas essencialmente comprometido e engajado com ações
e atuações sustentáveis.

Para Becker (2000), a logística é uma das raízes da (des)ordem e da


globalização/fragmentação, pois a nova racionalidade tende a se difundir pela
sociedade e pelo espaço. No nível operacional, ela é concreta, gerando uma
geopolítica da inclusão – exclusão. Essa racionalidade avança rapidamente no
setor produtivo privado, empresarial, por meio da constituição dos sistemas
logísticos espaço-temporais, proporcionado pelo avanço científico-tecnológico.
Em contrapartida, o setor público, com sua estrutura pesada e rígida, muitas
vezes, desprovido de meios econômicos e de informações, tem muito mais
dificuldade em operar a logística.

A mesma situação é possível de ser observada na organização espacial.


Identificam-se sistemas operacionais concretizados por bancos e empresas
transnacionais, que incorporam espaços selecionados em seus sistemas globais,
demarcando territórios com diferentes características, que fazem parte de
conjuntos planetários, assim como espaços excluídos por estarem desprovidos de
sistemas operacionais.

6 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DIANTE DO


IMPERATIVO TECNOLÓGICO E A POLÍTICA VOLTADA
PARA A SUSTENTABILIDADE
A ideia, aqui, não é de aprofundarmos a temática sobre o desenvolvimento
sustentável, mas sim discutirmos a nova relação sociedade-natureza dentro do
contexto contemporâneo, a partir de uma feição específica da Geopolítica, pois
ela é reveladora da revalorização da dimensão política do espaço assim como dos
conflitos a ela inerentes em diferentes escalas geográficas.

Para Becker (2000) trata-se de uma iniciativa de tentar ajustar o sistema


capitalista por meio de entendimentos das tendências da lógica de acumulação
com a lógica cultural, particularmente os movimentos ambientalistas.

105
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

6.1 A ECOLOGIA COMO UM NOVO PARÂMETRO


GEOPOLÍTICO
Larissa Ramina é doutora em direito internacional e professora da UniBrasil
e da UniCuritiba e escreveu um artigo intitulado “A Catástrofe Ambiental”,
publicado no Jornal Gazeta do Povo, no dia 17 de junho de 2010, que vale a pena
reproduzi-lo na íntegra, para então discutirmos sobre o item em questão:

A catástrofe ambiental do Golfo do México, de dimensão ainda


subestimada, nos oferece um bom momento de reflexão sobre o esgotamento
da era das energias fósseis ou sujas.

O economista Ignacy Sachs, em evento na recém-criada Unila


(Universidade de Integração Latino-Americana), alertava para a ocorrência de
várias crises conjugadas nessa mudança de século. Enumerava a crise financeira
e especulativa dos EUA, a crise socioeconômica de âmbito mundial, a crise
epistemológica da forma como pensar o desenvolvimento e a crise ambiental,
que remete à coevolução da espécie humana com a biosfera.

Dizia ele que a solução para a crise ambiental estaria justamente em


efetuar uma saída ordenada da era das energias fósseis, que teve início no
século 17 com o carvão, o gás e o petróleo. Não se trataria de uma volta às
civilizações tradicionais do vegetal, e sim a uma transição em direção ao que
se chamou de “biocivilizações do futuro”, com o uso inteligente e múltiplo das
biomassas – bioprodutos produzidos por biorrefinarias.

O grande desafio do século 21, entretanto, estaria em encontrar uma


fórmula para mitigar as mudanças climáticas e ao mesmo tempo gerar progresso
social. Trata-se de fazer convergir o ambiental e o social, criando “empregos
verdes”. Justamente aqui estaria a grande tarefa: encontrar o equilíbrio entre
os objetivos sociais e os ambientais. As respostas estariam na transição para a
economia de matriz energética limpa, subordinada a um triplo critério, quais
sejam, uma economia socialmente includente, ambientalmente sustentável e
economicamente viável. Por óbvio a segurança energética não pode atropelar
a segurança alimentar.

A sociedade tecnológica atual, com alto uso das energias fósseis que
provocam o aquecimento global, levou a globalização a extremos que não se
justificam. Por que temos que comer frutas que amadurecem no verão durante
o inverno, trazendo as frutas de avião? O padrão de trocas internacionais é
totalmente irracional.

Deveríamos inserir no centro do debate sobre a crise ambiental a redução


do padrão da demanda energética. O consumo aumenta a um ritmo maior do
que a descoberta de novas jazidas, e esta por sua vez, são de mais difícil acesso, e
logo com custos de produção mais elevado e maiores riscos ambientais.

106
TÓPICO 3 | A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

Inevitável estabelecermos um paralelo entre a plataforma do golfo do


México e o pré-sal brasileiro, situado a 7 mil metros abaixo do sal. A questão
ética está em decidir explorar ou não essas novas jazidas. Se a resposta for
positiva, devemos dar um bom destino a essas riquezas. A riqueza gerada
deve ser usada para construir a transição a um mundo pós-petróleo. Assim,
buscaríamos uma resposta simultânea aos dois desafios do século: mudanças
climáticas e passivo social. Os estômagos vazios não decorrem de um déficit
de produção, mas de um déficit do poder de compra. O ambiental deve estar
sempre junto com o social, e a crise ambiental recoloca no centro do debate da
crise social.

Quanto aos riscos ambientais, como o de um vazamento no mar, ou


o impacto negativo do aquecimento global, caberá a nós fazermos a reflexão.
Estamos iniciando a substituição da matriz energética suja e o sucesso depende
de todo o planeta. Cooperação internacional, certamente, é um dos ingredientes
que não poderão faltar.

FONTE: Ramina (2010, p. 2)

AUTOATIVIDADE

Após a leitura desse artigo, sugiro uma discussão em sala sobre a


temática: Como entendemos o desenvolvimento sustentado por uma economia
socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente viável?

Certamente, esse artigo é digno de muitas observações, pois estamos


colocando em xeque não o planeta Terra, mas a própria perpetuação da espécie
humana. Nesse contexto em que se configura a revolução tecnológica, pontua-se
a questão tecno(eco)lógica, envolvendo conflitos de valores quanto à natureza e a
sua relação com a sociedade. Os elementos naturais como a água, o ar, o solo, as
florestas têm valor de existência como estoque de vida e condição de bem-estar
para todos os seres vivos, em especial, para os seres humanos.

Em paralelo, as novas tecnologias alteram a noção de valor até então


associadas a bens obtidos por meio do trabalho. Diante disso, a natureza passa a ser
vista como capital de realização futura. A apropriação de territórios e ambientes
como reserva de valor, visando à preservação e manutenção, é uma forma de
controlar o capital natural para o futuro, sobretudo o controle da biodiversidade,
na medida em que é a fonte de conhecimentos dos seres vivos, que se identifica,
no mundo atual, como fonte de poder.

107
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Diante dessa nova noção de poder, agora representada pelo conhecimento


e pelo controle da biodiversidade, isso demanda não apenas uma consciência
ecológica, como também uma utopia ecológica e uma ideologia ecológica, que
busque garantir e preservar essa e as futuras gerações.

É pertinente entendermos cada uma dessas noções, pois as mesmas


podem nos levar a cometer erros quanto à sua abrangência. Para Becker (2000),
elas correspondem:

● À consciência ecológica

Corresponde à verdadeira preocupação com a crise ambiental. Diante do


“fracasso” humano em tentar dominar a natureza, com a repercussão de atos
inconsequentes, a crise se originou. A exploração de recursos sem precedentes,
no século XX, resultou em uma abrangência global dos impactos gerados e numa
crise ambiental que se exprime o fato de se tocar nos limites objetivos da biosfera.

Ao mesmo tempo em que a tecnologia permitiu o conhecimento dos


recursos que a natureza dispõe, também proporcionou a observação dos danos
nocivos causados pelo homem sobre a natureza, além disso, chegou-se à conclusão
que a Terra é um bem comum e que, por isso, deve ser de responsabilidade
também comum.

● À utopia ecológica

Diferentemente do que muitos defendem, o fortalecimento do vetor


ecológico pesa igualmente tanto para o fracasso do progresso capitalista como do
socialismo real. O bem-estar do planeta está na mão de todos, independentemente
da sua defesa ideológica, para solucionar o bem-estar dos homens. O Estado,
nesse contexto, muda de natureza no sentido da governância e no seu controle
de poder, mas é importante perceber que não há um presente comum para todos
os Estados-nação, assim como, dificilmente, também haverá um futuro comum.
Portanto, dentro de uma totalidade, cada um deve traçar seu governo em busca
de sua sustentabilidade, assim como da sustentabilidade do planeta.

● À ideologia ecológica

Para Becker (2000, p. 294- 295):

[...] na medida em que todos os Estados possuem problemas, de


diferentes aspectos, a competição se acirra e a ecologia é também utilizada
pelos interesses dominantes, atribuindo-lhe um papel na geopolítica mundial.

Tendo como novo parâmetro da geopolítica mundial a pressão ecológica,


reflete-se na atuação em diversas formas: a mídia; a violenta retração do crédito; as
imposições da agenda internacional que define o que vai ser discutido, excluindo
temas mais essenciais; a proposta de conversão da dívida por natureza, que

108
TÓPICO 3 | A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

corresponde à criação de novos recortes territoriais, verdadeiros laboratórios


para experiências para a biotecnologia, ou seja, significa reduzir a velocidade do
desenvolvimento do momento em que o mundo gira justamente de acordo com a
lógica da velocidade acelerada e a imposição de um novo estilo de desenvolvimento
sustentável, cujas bases, contudo, não estão claramente definidas.

FIGURA 31 – SUSTENTABILIDADE PLANETÁRIA

FONTE: Disponível em: <http://ciencianamidia.wordpress.com/2008/11/19/aquecendo-as-


noticias-sobre-o-aquecimento-global/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

A figura anterior reflete de maneira lúdica, mas ao mesmo tempo


preocupante, as condições atuais do planeta, transferindo a todos os viventes, seres
humanos, sua parcela de responsabilidade no resgate do bem-estar da biosfera.

7 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO MODELO


LOGÍSTICO PARA ORDENAR O USO DO TERRITÓRIO
É importante ressaltar que o desenvolvimento sustentável não se restringe
à harmonização da relação economia-ecologia-técnica. Ele representa, antes de
mais nada, um mecanismo de regulação do uso do território, seja em escala local,
estadual, nacional e, diante da repercussão das crises ambientais, também global,
portanto, é um instrumento político. O desenvolvimento sustentável constitui a face
territorial da nova racionalidade logística do Estado, do Município e do mundo.

Segundo Becker (2000, p. 295):

[...] a sustentabilidade representa a patente no novo paradigma de


qualidade de produção que implica a rastrealidade do seu ciclo de
vida, isto é, a qualidade é avaliada não apenas pelo produto em si,
mas pela possibilidade que oferece de ser reutilizado ao fim de sua
vida útil como insumo ou como matéria-prima em novas linhas de
produção.

109
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Estamos falando da preocupação na produção de mercadorias retornáveis,


sejam pelo reúso, sejam a partir da reciclagem, que objetivem não somente
a diminuição de resíduos que agridem a natureza, mas também garantam a
diminuição da exploração feita aos recursos naturais.

Becker (2000) apresenta três princípios que podem ser identificados sob o
discurso da nova racionalidade e da sustentabilidade:

● O princípio da eficácia: no uso de recursos através da utilização da informação


e de novas tecnologias em atividades e produtos capazes de consumir menos
matérias-primas, energia em menos tempo e que são passíveis de reutilização.

Esse princípio se valida à medida que se encontram alternativas que


venham a substituir o uso das energias fósseis altamente poluentes, pelo uso de
energias limpas, as quais, gradativamente, estariam estabilizadas e até diminuindo
a liberação de poluentes na atmosfera, assim como, a criação de mercadorias com
alto grau biodegradável.

● O princípio da diferença: que professa a necessidade de renovação contínua


pela diversidade de mercado e recursos, bem como por condições sociais e
políticas que potencializem, de modo diverso, os recursos locais, gerando a
valorização máxima e seletiva das potencialidades autóctones em recursos
naturais e capital humano.

Nesse princípio, destaca-se o reconhecimento das potencialidades locais


em detrimento das globais, ou seja, a diversidade de mercado e recursos que se
encontra no local deve ser potencializada tanto por iniciativas do poder público
como do poder privado, fazendo-se uso do próprio capital humano.

● O princípio da descentralização: implica não apenas na distribuição territorial


de decisão, como também, em uma nova forma de planejamento e governo.
A gestão do território está baseada na parceria entre todos os atores do
desenvolvimento e, por meio da discussão direta, normas e ações são
estabelecidas e responsabilidades e competências são definidas.

Esse último princípio distribui, de maneira racional, a responsabilidade


a todos quanto à gestão do território. Tanto o governo como o cidadão civil
são atores e pertencentes ao território, portanto, ambos são responsáveis pela
execução de iniciativas voltadas ao gerenciamento do território, dentro daquilo
que lhe compete.

Define-se gestão do território como a “[...] prática estratégica, científico-


tecnológica do poder que dirige, no espaço e no tempo, a coerência de múltiplas
decisões e ações para atingir uma finalidade e que expressa, igualmente, a nova
racionalidade e a tentativa de controlar a desordem”. (BECKER, 2000, p. 296).

110
TÓPICO 3 | A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

Portanto, podemos concluir que a logística e a politização da natureza


afetam profundamente o poder do Estado e a estrutura do poder mundial.
Quando nos referimos ao poder mundial, estamos falando não só das potências
econômicas, mas incluindo todos os Estados, que, em maior ou menor grau,
possam garantir, por meio de seus conhecimentos e saberes acumulados, o bem-
estar do homem por meio do bem-estar da natureza.

111
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico estudamos:

● Os padrões de acumulação de produção e de relações de poder vigentes até o


final das décadas do século XX contrapõem as manifestações sociais diante dos
impactos ambientais, originários desses padrões.

● As novas territorialidades surgem a fim de desafiar o poder do Estado e da


centralidade do poder.

● A nova racionalidade apoia-se na logística associada aos avanços técnico-


científicos, em especial, para fins pacíficos e que garantam a sobrevivência
humana e planetária.

● A globalização aparece como uma diferenciação espacial, que resulta na


valorização seletiva de territórios.

● A valorização da dimensão política do Estado encontra-se também associada à


redefinição da natureza e das relações sociedade-natureza.

● O Estado reafirma-se diante do seu imperativo tecnológico e da sua prática


política voltada para a natureza, buscando garantir um desenvolvimento
sustentável.

● A complexidade da questão ambiental está na compreensão e diferenciação


entre a consciência ecológica, a utopia ecológica e a ideologia ecológica.

● O desenvolvimento sustentável vai além da harmonia entre a relação economia-


ecologia, mas representa um mecanismo de regulação do uso do território que,
semelhante aos outros mecanismos, tenta ordenar a desordem global.

● Três princípios são identificados para se garantir a sustentabilidade:

1 O princípio da eficácia: consumir menos matérias-primas, energia em menos


tempo e que são possíveis de reutilização.
2 O princípio da diferença: potencializar os recursos locais, gerando a valorização
máxima e seletiva das potencialidades autóctones em recursos naturais e
capital humano.
3 O princípio da descentralização: em que a gestão do território está baseado em
parcerias entre todos os atores planetários, assim como as normas e ações são
estabelecidas, as responsabilidades e competências são definidas.

● A política da natureza e a logística afetam diretamente o estrutura do Estado e


a estrutura do poder mundial.

112
AUTOATIVIDADE

1 Esse tópico direciona nossos olhares para uma nova postura do poder do
Estado diante dos problemas ambientais. Que fatores foram responsáveis
por essa mudança de posicionamento ou mesmo de racionalidade?

2 A globalização é apresentada no texto como um elemento responsável pela


valorização seletiva de território. Como se pode explicar esse fato?

113
114
UNIDADE 2
TÓPICO 4

O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

1 INTRODUÇÃO
Inauguramos, no final desse último milênio, uma nova era, não no
sentido geológico, mas defronte aos novos arranjos espaciais, resultantes da
globalização econômica que foi proporcionada pela revolução técnico-científica.
Essa nova era é identificada como Era Planetária, por estar, de maneira direta
ou indiretamente, convergindo todos a uma tendência mundial: a conexão entre
as diferentes realidades mundiais. Essa realidade, mesmo configurando-se de
maneira diferenciada nos diferentes espaços geográficos, nos faz perceber que
cada vez mais a parte e o todo se completam e são interdependentes, ou seja, a
globalização e a fragmentação andam paralelamente.

Morin (2004a, p. 67-68) elucida essa conexão com o seguinte exemplo:

O europeu, por exemplo, ao acordar cada manhã, ouve um rádio


de fabricação japonesa e recebe notícias do mundo: erupções vulcânicas,
terremotos, golpes de Estado, conferências internacionais chegam a ele,
enquanto toma chá do Ceilão, da Índia ou da China, se não tiver tomando
um moca da Etiópia ou um arábica da América Latina; veste camiseta, cueca e
camisa de algodão do Egito ou da Índia; usa paletó e calças de lã da Austrália,
fabricada em Manchester e, depois, em Roubaix-Tourcoing ou, então, blusão
de couro chinês com jeans estilo americano. Seu relógio é suíço ou japonês. Seus
óculos são feitos de casco de tartaruga equatorial. Pode encontrar em sua mesa,
durante o inverno, morango e cerejas da Argentina ou do Chile, vagens frescas
vindas do Senegal, abacates ou abacaxis da África, melões de Guadalupe.
Dispõe de garrafas de run da Martinica, de vodca russa, de tequila mexicana,
de Bourbon americano. Pode ouvir em casa uma sinfonia alemã regida por
um maestro coreano, a não ser que assista em sua tela de vídeo à La Bohème
com a “Negra”, Barbara Hendricks, no papel de Mimi e o “espanhol” Plácido
Domingo, no de Rodolfo.

115
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Enquanto o europeu está neste circuito planetário de conforto, grande


número de africanos, asiáticos e sul-americanos acha-se no circuito planetário
da miséria [...]. Esses aspiram à vida de bem-estar com a qual os fazem sonhar
os comerciais e filmes do Ocidente. Utilizam recipiente de alumínio ou plástico,
bebem cerveja ou coca-cola, dormem sobre restos recuperados de espuma de
polietileno e usam camisetas com estampas americanas [...].

Podemos considerar que, mesmo estando no circuito da miséria ou da
riqueza, cada ser humano, rico ou pobre, dos quatro cantos do planeta, traz em
si, sem saber, grande parte do planeta.

Diante dessa realidade, como podemos caracterizar a política do Estado-


nação? Pois a globalização, em suas diversas facetas, acaba comprometendo a
autonomia e a capacidade de decisão do Estado-nação. Isso ocorre justamente
no momento em que o exercício do poder do Estado, no cenário internacional,
também fica à mercê das limitações do multilateralismo no âmbito da defesa,
da política externa e das políticas governamentais globais, tais como a política
ambiental, trabalhada no tópico anterior.

2 O ESTADO-NAÇÃO NA ÉPOCA DO MULTILATERALISMO


A interdependência multilateral caracteriza-se cada vez mais entre os
Estados-nação, principalmente no período pós-Guerra Fria, ou seja, no final da
década de 1980 em diante. Isso se deve a três fatores em especial: a dissolução,
ou afrouxamento, dos blocos militares das duas potências (EUA e ex-URSS), com
a OTAN e o Pacto de Varsóvia; o enorme impacto das novas tecnologias sobre a
indústria bélica e a percepção social do caráter global de grandes desafios, que
se impõem à humanidade em decorrência do aumento do conhecimento e do
volume de informações, como é o caso da segurança ambiental.

Com o desmembramento da União Soviética, o principal mecanismo de


desestabilização das relações estratégicas para a maior parte dos Estados-nação
aliados às duas potências também desapareceu. Embora a OTAN continue a
existir como uma aliança entre os países ocidentais, liderada pelos EUA, suas
funções têm sido redefinidas, a partir da segunda década de 1990, objetivando
desempenhar tarefas voltadas à segurança de um grupo maior de nações, em
regime de cooperação, sempre que possível, com a ONU.

A exemplo da nova noção de segurança global, Castells (1999) cita a Guerra


do Golfo. Para fazer face ao perigo comum do corte de fornecimento de petróleo
do Oriente Médio, isso implicava uma relação de cooperação entre as forças
militares mais bem-preparadas e aparelhadas da época – os exércitos profissionais
dos Estados Unidos e do Reino Unido – os financiadores das operações – Japão,
Alemanha e os príncipes árabes, em primeiro lugar – e a retórica do discurso
em defesa do mundo. Outro exemplo constitui-se na tentativa da OTAN de
envolver a Rússia nas operações realizadas na Bósnia, firmando um indicativo

116
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

da transformação das alianças militares, não mais fundamentadas na busca


da hegemonia das superpotências, mas sim na participação de uma vigilância
conjunta de uma ordem mundial abalada, com o objetivo de evitar as possíveis e
imprevistas ameaças ao sistema.

Esse novo sistema de defesa ou segurança assenta-se contra a ação de


bárbaros externos, como, por exemplo, os grupos terroristas, espalhados pelos
Estados-nação de maior significado global.

Ao se constituir do sistema, os Estados-nação, inclusive os mais poderosos


militar e economicamente, veem-se capturados em um emaranhado de interesses
e negociações que assume formas diferentes para cada questão a ser abordada,
seja ela de cunho político, econômico ou social, apenas se registrando que a
necessidade de tomada de decisões de vida ou morte, como ocorria na Guerra
Fria, ao se considerar um confronto direto entre as duas potências, deixou de
existir, emergindo, então, outras tomadas de decisões. “O quadro difuso de uma
política externa com geometria variável traduz-se na incapacidade cada vez maior
de qualquer Estado agir por conta própria na arena internacional”. (CASTELLS,
1999, p. 307).

FIGURA 32 – COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

FONTE: Disponível em: <http://www.google.com.br>. Acesso em: 4 set. 2018.

Para Castells (1999), a grande velocidade nas tecnologias militares


também acaba comprometendo a capacidade de autonomia do Estado-nação,
pois sem a essencialidade eletrônica e tecnológica das comunicações, como
se evidenciou na Guerra do Golfo, o arsenal militar fica comprometido. A
devastação pode ser causada à longa distância, por meio de mísseis e ataques
aéreos, que podem esfacelar um exército de tamanho considerável em questão de
horas, principalmente, se a região atacada se encontra desprovida dos recursos

117
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

eletrônicos e se os alvos foram identificados por satélites e processados por


computadores situados a milhares de quilômetros de distância para direcionar os
disparos com extrema precisão nessa guerra invisível.

Devido à velocidade das mudanças tecnológicas, as armas tornam-se


obsoletas em curto espaço temporal, necessitando de uma constante atualização,
caso se tenha o interesse de manter um exército constantemente atualizado e a
pretensão de confrontos com outros exércitos, em vez de utilizá-los meramente
para exercer o controle sobre seu próprio povo, como ainda é regra para boa parte
da humanidade. Lembremos de alguns Estados-nação africanos, que após sua
independência formal, há grupos étnicos que disputam o controle do país.

DICAS

Os filmes Hotel Ruanda (direção Terry George, 2004) e Diamante de Sangue


(direção Edward Zwick, 2006) ilustram guerras civis, evidenciando que o grupo que possui
poderio militar controla os países. Vale a pena assisti-los!

O uso de tecnologia avançada no setor bélico torna países dependentes,


em caráter permanente, dos fornecedores de tecnologia, não só em termos de
equipamentos, mas também de recursos humanos capazes de manipular esses
equipamentos sofisticados. Essa dependência deve ser encarada como um aspecto
que se insere no contexto da diversificação da tecnologia de armas.

Dentro dessa realidade, Castells (1999) lembra que tanto o Brasil como
Israel podem ser bons fornecedores de armamentos bélicos avançados. França,
Reino Unido, Alemanha, Itália e China aumentam sua participação, juntamente
com os Estados Unidos e a Rússia, como fornecedores dos exércitos de todo o
mundo. Um sistema cada vez mais complexo de cooperação e concorrência está
surgindo, pois o fornecimento de armamentos bélicos avançados não significa,
obrigatoriamente, que o país possua um invejável controle de segurança sobre
suas fronteiras (tráfico de drogas, por exemplo, que acontece nas fronteiras entre
Brasil e Colômbia). Soma-se a essa complexidade, a existência do mercado negro
global de armamentos, que tem se proliferado, possibilitando a difusão de toda
e qualquer tecnologia recém-desenvolvida, desde gases que afetam o sistema
nervoso até aparelhos eletrônicos que despistam o inimigo.

Não podemos negar que os Estados Unidos representam a maior potência


autossuficiente em produção de armas, mas isso não traduz que todos os outros
Estados-nação estejam condenados a se tornar colônia norte-americana. Ao
contrário, a ausência de um adversário tão potente militarmente trouxe um certo
relaxamento nos controles sobre a tecnologia pelo Departamento de Defesa dos

118
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

Estados Unidos, uma vez que eles não têm condições de exercer controle sobre
as fontes de fornecimento de equipamentos de última geração, tornando-se
permanentemente dependente do ponto de vista de fazer guerra.

Diante de um contexto mais atualizado, o Irã vem causando preocupação


para os Estados Unidos, que acusa aquele país de gerar tensões diplomáticas,
resultantes de sua fabricação de armas de última geração – armas nucleares.

De acordo com Bueno (2010), os Estados Unidos assinaram uma lei contra
o Irã, que pode prejudicar firmas do Japão.

[...] presidente Barack Obama estaria assinando leis que impõe novas
sanções ao Irã, com a intenção de aumentar a pressão sobre o país persa por seu
programa nuclear. Essa medida atinge companhias de energia e financeiras do
Japão, assim como de outros países que operam nos EUA. A lei a ser firmada por
Obama proíbe companhias internacionais do setor energético do Irã de operarem
nos EUA. Multinacionais de vários países de toda Europa, Ásia e do Oriente
Médio também podem ser afetadas. A empresa Inpex, por exemplo, possui 10%
das ações no campo de petróleo de Azedegan, no sudoeste do Irã e não pretende
vendê-lo. Os EUA têm aumentado a pressão internacional contra o Irã, por causa
do programa nuclear desse país. Washington teme que o Irã busque secretamente
armas nucleares, mas Teerã garante ter apenas fins pacíficos.

FONTE: Bueno (2010)

Algumas observações são possíveis de ser pontuadas: estariam os Estados


Unidos com receio de perder sua supremacia militar ou realmente existe a
preocupação em manter a segurança mundial? Questões econômicas externas
encontram-se diretamente relacionadas a medidas políticas internas. Como
resolver esse impasse? A tecnologia bélica coloca em risco toda a humanidade,
como contê-la?

119
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

FIGURA 33 – PODERIO BÉLICO


Os arsenais das potências nucleares

2 5

1
3
7 6
4

1. EUA 4. Israel
Armas nucleares: 11.000. Armas nucleares: até 200.
Submarinos com mísseis: 14. 5. Rússia
Bombardeiros: 115. Armas nucleares: 16.000.
Mísseis Tomahawk: 325. Mísseis balísticos intercontinentais: 585.
Mísseis balísticos intercontinentais: 510. Mísseis balísticos em submarinos: 192.
Mísseis balísticos em submarinos: 336. Bombardeiros: 78.
2. Inglaterra Submarinos com mísseis: 12.
Armas nucleares: 190. 6. China
Submarinos nucleares: 4. Mísseis balísticos: 120.
3. França 7. Paquistão
Armas nucleares: 120. Armas nucleares: até 50.
Mísseis em submarinos: 48. 8. Índia
Bombardeiros: 70. Armas nucleares: até 30.
Mísseis disparados de aviões: 70.
FONTE: Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT1004229-1706-5,00.
html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Segundo Nogueira (2007), podemos perceber que o medo se encontra


pairando sobre um número significativo de Estados-nação, que buscam segurança
por meio de altíssimos investimentos em aparatos bélicos.

Graham Allisson, diretor do Centro Belfer para assuntos internacionais,


da Universidade Harvard, explica que um dos gatilhos da chamada proliferação
nuclear foi o interesse dos países em garantir sua segurança. ‘Quase todo país
tem uma relação competitiva com algum outro. E a pior situação é quando
o seu competidor tem armas nucleares e você não’, diz. A bomba atômica

120
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

americana levou à bomba atômica russa. Para se defender dos russos surgiram
os arsenais atômicos de Inglaterra, França e China. O medo da China gerou
o programa nuclear da Índia, que foi copiado pelo seu inimigo Paquistão. A
posse da bomba tornou-se status.

Nogueira (2007) ainda explica que mesmo havendo uma forte mobilização
internacional contra a proliferação nuclear, a partir de esforços diplomáticos
dos estados Unidos e da ONU, com o Tratado de Não Proliferação, que conta
com 184 países, a construção de bombas acabou acontecendo, mesmo o Tratado
registrando algumas vitórias importantes. Nos últimos 15 anos o número de
países que abandonou a busca de armas nucleares é maior do que daqueles que
se empenham em desenvolvê-la. Alguns exemplos: África do Sul desmoronou
seis armas nucleares que havia construído; Brasil e Argentina abandonaram
parcialmente seus programas nucleares; Bielo-Rússia, Casaquistão e Ucrânia
entregaram o armamento atômico que herdaram da URSS para a Rússia.

Mesmo havendo exemplos de desarmamento nuclear, o perigo persiste


e, caso se iniciasse uma guerra mundial, a destruição seria em massa, pois, pelo
fato da simples existência das bombas nucleares, seria impossível identificar um
Estado vencedor, por isso, vivemos, segundo Castells (1999), o “equilíbrio do
terror” global, que se encontra em processo de descentralização, transformando-
se em vários pontos de equilíbrio de terror local, conforme podemos observar na
figura anterior.

Se, por um lado, existe a tendência das grandes potências evitarem esforços
multilaterais (como o Tratado de Não Proliferação), no sentido de impedir o acesso
a essas armas por parte de novos países, por outro, quem está no controle sobre
essas armas passa a representar o sistema de segurança global, sendo forçado
tanto a interferir como auxiliar no estabelecimento de equilíbrio entre o poder de
destruição em diferentes regiões do mundo, para evitar perigosos confrontos locais.

Diante dessa complexidade de relações, nem mesmo os Estados Unidos são


considerados livres, pois um erro no exercício de demonstração da superioridade
bélica pode desencadear uma hecatombe nuclear (mortes) ou bacteriológica
em uma determinada região do planeta, ou seja, a humanidade está tendo que
conviver com os monstros criados por ela própria.

Castells (1999) lembra de que os Estados-nação também enfrentam limites


de sua legitimidade e de seu poder quando se discute a administração global
do meio ambiente do planeta. Conforme já pontuamos com Becker (2000), os
avanços científico-tecnológicos têm proporcionado amplos conhecimentos sobre
a degradação ambiental e suas consequências para a espécie humana, assim como
para todos os seres vivos do planeta.

Movimentos ambientalistas vêm despertando a consciência ecológica da


sociedade em todo o mundo, exercendo grandes pressões sobre a responsabilidade
dos governos em conter o avanço do progresso econômico em direção à catástrofe.

121
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Contudo, assim como a segurança global, os Estados-nação nada podem fazer


se agirem isoladamente no que diz respeito ao aquecimento global, à expansão
da camada de ozônio, ao desmatamento, à poluição dos recursos hídricos, ao
desaparecimento da vida marinha etc. As ações precisam ser conjuntas, com a
efetivação de programas que se concretizem.

Lipschutz e Coca (apud CASTELLS, 1999, p. 310) em conclusão de sua


pesquisa global sobre políticas ambientais conjuntas, afirmam:

[...] A possibilidade de uma direção hegemônica ou do surgimento de


um órgão coordenador central parece bastante remota no que concerne
às questões ambientais. A probabilidade de coordenação multilateral
efetiva parece igualmente pequena devido a grandes incertezas sobre
o custo-benefício envolvido no gerenciamento e proteção do meio
ambiente. A essas barreiras e condicionantes aliam-se uma série de
fatores que decorrem da própria natureza do Estado: a evidente
incapacidade de os governos exercerem controle sobre os processos
destrutivos, a falta de diretrizes políticas e efetivas e a importância da
extração de recursos fundamentais (causando, portanto, a destruição
do meio ambiente) para a manutenção de alianças básicas entre Estado
e sociedade [...].

O que se pode concluir da citação é que a maioria dos Estados-nação


continua agindo em defesa de seus próprios interesses ou de interesses das bases
políticas mais importantes, tornando a cooperação mútua ou o multilateralismo
apenas apoiado em discursos e não sendo usado como ferramenta no exercício de
responsabilidade coletiva, o que leva à percepção pelo cidadão do enfraquecimento
do Estado como instituição política diante da incapacidade de resolver desafios
importantes. Assim, no intuito de superar sua imagem, os Estados-nação estão
se agrupando cada vez mais e se organizando em blocos, conforme veremos no
item a seguir.

3 REDEFINIÇÃO DO ESTADO E DA ESTRUTURA DO PODER


GLOBAL
O momento atual é caracterizado tanto pela instabilidade como pela
valorização da dimensão política do espaço e do território, o que afeta os
pressupostos geopolíticos: O Estado e a estrutura do poder mundial.

As supostas novas territorialidades situadas abaixo e acima do Estado,


criadas pelos agentes de acumulação econômica e pelos agentes intelectuais,
trazem incertezas quanto à permanência ou não do sistema de Estado como
estrutura básica da organização da política. Dentro dessa incerteza surge uma
nova forma de Estado, aqui apresentada a partir das observações de Becker (2000),
que se tornam atuais diante do contexto mundial, assim como Santos (2000), que
nos servirá de referência no trato sobre o governo global.

122
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

3.1 A NOVA FORMA DO ESTADO


Atendendo aos interesses neoliberais, iniciados na era Reagan, a
globalização representada pelas grandes corporações financeiras e transnacionais
acaba retirando, de maneira sutil, o Estado do controle nos processos produtivos,
refletindo sobre a validade da integridade do território nacional e da autonomia
do próprio Estado, assim como influenciando nos movimentos separatistas e
sociais, apoiados na afirmação de identidade e na tradição do lugar.

ATENCAO

Pesquise sobre a questão do desmembramento ou a crise da Iugoslávia. É


um, entre tantos bons exemplos, para entender a questão dos movimentos separatistas e a
afirmação de identidade.

Porém, para Becker (2000, p. 298) outras razões possuem o mesmo status
para não se considerar o fim do Estado e do sistema de Estados, entre eles
podemos destacar:

A lógica instrumental: o esquema de acumulação econômica não


é simplesmente o resultado do livre jogo das forças de mercado e não está
predeterminado pelo avanço tecnológico, mas sim, um processo social e
político; o poder econômico se fortalece, mas a velocidade em passar as novas
formas de produção e se tornar competitivo é produto das interferências
políticas estabelecidas pelo Estado. Ainda, é o Estado que garante o direito de
propriedade e realiza a gestão da moeda e do mercado de trabalho necessários
à reconversão produtiva, além de ser o sistema de Estado que assegura a
distinção necessária entre Estados para a troca desigual.

A lógica cultural, nacionalismo e regionalismo: buscam autonomia


para a rápida inserção na economia mundial, reagindo contra o capitalismo de
Estado e a favor da liberdade de competir. Movimentos não governamentais
que não se apoiam no Estado contribuem para sua desintegração, tornando-se
enfraquecidos quanto às suas capacidades de fazer frente à cooperação pela
lógica da acumulação econômica, que favorece o neoliberalismo.

É Importante destacar que, dentre os movimentos sociais, um dos únicos


bem-sucedido é o ambientalista, os demais fracassaram em face do crescente
individualismo que se registra no mundo contemporâneo e que as ONGs atuam,
sobretudo, na periferia, mesmo tendo suas sedes em países centrais.

123
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Portanto, não estamos frente ao fim do Estado, mas de uma mudança de sua
natureza e papel, entendendo que ele não pode ser visto como uma forma acabada,
pois está sempre em processo. Assim, as novas formas de produção e as demandas
por autonomia requerem uma organização social e política flexível, que favorece a
competição. “A estratégia de modernização dos aparatos institucionais da ideologia
liberal que inclui como componentes centrais a desburocratização, a privatização e a
descentralização expressa e induz essa transformação” (BECKER, 2000, p. 298).

FIGURA 34 – FRAGMENTAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://candil.blogs.sapo.pt/arquivo/2004_04.html>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

Podemos entender, então, que o Estado não é mais a única representação


do político e nem a única escala de poder, mas, certamente, uma delas sobre
novas formas e funções. Essas novas formas são, especialmente, representadas
pela presença ativa de grandes corporações e bancos que tomam decisões e a
executam com o aval do governo, tornando-se, portanto, componente do Estado
contemporâneo; por outro lado, os conflitos do governo em questões territoriais
exigem a participação da sociedade civil nas decisões e ações, por meio de
instrumentos legítimos, como plebiscitos por exemplo. Assim, o Estado, deixando
de ser executor exclusivo dos processos econômicos e político, passa a acumular,
em contrapartida, funções de cooperação e regulação crescentes, fixando regras
básicas das parcerias e, consequentemente, legitimando-se perante a sociedade
local e global.

124
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

3.2 MULTIPOLARIZAÇÃO: A QUESTÃO DA HEGEMONIA


MUNDIAL
Assim como questões internas da dinâmica política e territorial, o mundo
contemporâneo também se traduz na ambiguidade sobre a questão da estrutura
do poder mundial.

Para Chiappin (1994, apud BECKER, 2000), no campo das relações


internacionais, essa ambiguidade transparece em duas posições: realismo em sua
proporção original, em que o Estado é a unidade básica do sistema de Estados e
os conflitos são de natureza ideológica básica/militar; e o globalismo, que, com
base no surgimento de outros atores transnacionais e na instabilidade do poder,
elege a capacidade econômica como base dos conflitos, ou seja, o exercício do
poder militar frente ao avanço econômico mundial.

Já se registra o esgotamento da Geopolítica determinada pelas rivalidades


ideológicas e militares das duas grandes potências no período da Guerra Fria,
mas a configuração da Geopolítica está longe de ser definida. Em substituição ao
período bipolar, configura-se uma situação de competição entre Estados Unidos,
Japão e Alemanha.

Segundo Becker (2000), o potencial de conflitos e a instabilidade se


ampliam com a formação de mercados supranacionais, devido à competição,
ao confronto cultural e às excedentes de população não absorvidos na nova
forma de produção. Questões relacionadas aos conflitos fronteiriços, aguçados
pelo aumento das migrações; movimentos reivindicatórios da cidadania e dos
recursos escassos nas regiões periféricas contribuem para aumentar a mobilidade
da população mundial, repercutindo na vulnerabilidade entre as rivalidades
comercial, financeira e tecnológica, aguçando sentimentos de xenofobia.

Ao Estado compete responder a essas tensões, na posição de liderança


futura, fazendo uso de todas as suas capacidades de gestão para administrar
a interdependência entre as economias do mundo; romper, ou pelo menos,
buscar alternativas que amenizem as desigualdades e respeitar e reconhecer a
potencialidade do outro.

Para Becker (2000, p. 300), quatro alternativas se configuram quanto à


hegemonia no início do século XXI:

1 O fortalecimento da hegemonia dos Estados Unidos, que com o fim da


Guerra Fria e a vitória na Guerra do Golfo, se estenderia até a Europa, uma
confederação apenas econômica abrangente, que inclui países do Leste
europeu. Os Estados Unidos detêm o maior poder militar, o maior domínio
sobre as redes transnacionais e a informação, e sua extensão continental e
unidade interna são elementos importantes, que ameaçam movimentos
separatistas existentes dentro da Europa. Nessa realidade, as semiperiferias
permanecem, mesmo com autonomia limitada, reduzindo-se a potências
regionais com pequeno raio de ação.

125
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

2 O movimento de defesa da economia-mundo prevenindo sua conversão


em um império. Os Estados Unidos se apresentam com concorrentes, mas
não deixam de ser o Estado mais poderoso do sistema global: declinam sua
liderança econômica, mas se fortalecem como potência político-estratégica
hegemônica. À divisão de poder econômico se segue a divisão do poder
político, mas isso não significa o rompimento da estrutura atual do sistema
norte-americano. Havendo, nesse caso, um novo espaço de manobra para as
semiperiferias de grande peso, como é o caso da China, que vislumbra ser
uma grande potência, assim como para o Brasil, que pode tirar vantagens na
disputa entre os blocos.
3 Uma outra alternativa se aproxima da concepção globista. O fim da hegemonia
dos Estados Unidos com a partilha do poder entre os vários superestados, tal
como se encontram hoje, fragilizados pelo poder financeiro. Uma geopolítica
plural e multipolar fragmenta o atual sistema americano de âmbito quase
mundial em vários sistemas sub-regionais mais rígidos.
4 Por fim, a tendência de formação de processo-consórcio entre EUA e Japão
com vistas à tentativa de controle da fronteira tecnológica deslocando o
eixo Atlântico para o Pacífico. O consórcio tentaria assegurar um mercado
englobando, o leste da Ásia, as Américas e a Austrália, colocando a Europa
em situação de desvantagem.

Vê-se que são alternativas e configurações apenas observadas por Becker


(2000), pois as questões políticas mundiais se centram na acentuada desigualdade
entre os Estados centrais e os Estados periféricos. A disputa Leste-Oeste
desaparece e o mundo passa a ser dividido entre os Estados rápidos e os Estados
lentos a partir da posse do conhecimento científico e das redes de comunicação.
Trata-se da era do apartheid tecnológico.

O comércio mundial se organiza em blocos, regionalizando-se. A


globalização induz os Estados a fazerem uso das suas forças para ser competitivo
internacionalmente por mercados e lucros. Na tentativa de alcançar uma escala
mais ampla em menos tempo, nas produções das novas tecnologias, os países
centrais criam mercados supranacionais. Integrados pelo espaço de fluxos e
redes, esses mercados tendem a ser fortemente excludentes. A morosidade em
se instalar infraestrutura logística, tanto de funcionamento como de aparato
tecnológico de informação e comunicação, capaz de atender às demandas das
transnacionais, acaba servindo de obstáculo para a sua fixação.

Observa-se ainda a redução do volume e do tipo de matérias-primas com
a criação de novos materiais sintéticos ou similares. Essa situação acaba gerando
crises, transformando os principais mercados de matérias-primas tradicionais.
Podemos citar o caso da borracha, matéria-prima extraída da seringueira, em
que o Brasil, em tempos áureos, foi um grande exportador, hoje já é fabricada
artificialmente com as mesmas propriedades. Outra observação refere-se ao uso
da mão de obra barata, que deixou de ser vantagem para os países periféricos,
havendo a carência de mão de obra especializada e de pesquisas científicas.

126
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

Diante do acelerado processo de decisão oriundo no novo


multilateralismo, vários países são excluídos, não podendo se
posicionar. As forças multinacionais serão formadas para atuar
nas interfaces de interesses dos blocos de poder, especialmente do
poder econômico, tendo composição diferente para cada caso. A
segurança global, que divide o governo em países comprometidos e
não comprometidos, justifica-se na ação extrajurisdicial e territorial
e a implantação de um sistema de soberanias limitadas nos setores
periférico e semiperíférico da economia global. (BECKER, 2000, p.
303).

Santos (2000) corrobora com Becker (2000) quando apresenta a ideia de


que a irreversibilidade da globalização atual é nítida, expressando-se cada vez
que constatamos a inter-relação entre os países, assim como a interdependência
não só econômica, mas também entre suas histórias, ou seja, entre a história geral
e as histórias particulares.

Porém, quando observamos de perto os aspectos mais estruturais da


situação atual, verificamos que o centro do sistema – os países centrais
– busca impor a globalização de cima para baixo aos demais países.
No seu interior reina uma disputa entre esses mesmos países centrais,
que lutam para guardar e ampliar sua parte do mercado global e
afirmar sua hegemonia econômica, política e militar, sem, todavia,
abandonar a ideia de ampliar sua própria área de influência. Diante
desse desafio, cada fração de mercado, não importa onde esteja, torna-
se fundamental à competitividade das empresas, que põem em ação
suas forças e incitam governos respectivos a apoiá-las. O limite da
cooperação dentro da Tríade (EUA, Europa e Japão) é essa mesma
competição, de modo que cada um não perca terreno frente ao outro.
(SANTOS, 2000, p. 150)

Santos (2000) lembra, ainda, que a ideia de cidadania nesses países é


bastante forte, deixando em alerta os posicionamentos tanto das empresas como
do próprio Estado no que se refere à garantia do bem-estar social, que, caso seja
contrariado, pode se repercutir em contradições. Como as empresas tendem
a traçar seus planos a sua vontade de poder no plano global, a luta entre elas
se agrava, arrastando os países nessa competição, estabelecendo, mesmo que
sutilmente, momentos de tensão entre o local e a representante global, que é
protagonizada pelos Estados.

O que se registra é que a cooperação da tríade, em conjunto ou


separadamente, aos mercados comuns regionais, formado pelos países emergentes,
é uma representatividade do interesse próprio das grandes potências do que uma
vontade efetiva de cooperação, induzindo esses países a se reportarem a ajudas
de organismos internacionais, como: Banco Mundial, BIRD etc., que acabam
exercendo um papel determinante em qualidade de intérpretes dos interesses
comuns dos Estados Unidos, Europa e Japão.

Tais realidades nos fazem duvidar da vontade de cada um ou do conjunto


desses atores hegemônicos de construir um verdadeiro universalismo, fazendo-nos
pensar que as condições atuais de competição perdurarão por muito tempo ainda.

127
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

Finalizamos nossa Unidade com as palavras de Morin (2004a, p. 43-44)


explicitando sobre as falsas racionalidades que imperaram no mundo durante o
século XX e que contribuíram para a falta de rumo no século XXI.

[...] a subordinação às I.A. (inteligências artificiais), instaladas nas mentes


em profundidade, sob a forma de pensamento tecnocrático; este pensamento,
pertinente para tudo o que se relaciona com as máquinas artificiais, é incapaz
de compreender o vivo e o humano aos quais se aplica, acreditando-se o único
racional.

A falsa racionalidade, isto é, a racionalização abstrata e unidimensional,


triunfa sobre as terras. Por toda parte e durante décadas, soluções presumivelmente
racionais trazidas por peritos convencidos de trabalhar para a razão e para o
progresso e de não identificar mais que superstições nos costumes e nas crenças
das populações, empobreceram ao enriquecer, destruíram ao criar. Por todo
o planeta, o desmatamento e a retirada das árvores em milhares de hectares
contribuem para o desequilíbrio hídrico e a desertificação das terras. Caso não
sejam regulamentados, estes desmatamentos transformarão, por exemplo, as
fontes tropicais do Nilo em cursos de água secos durante três quartos do ano
e acabarão por secar o Amazonas. As grandes monoculturas eliminaram as
pequenas policulturas de subsistência, agravando a escassez e determinando
o êxodo rural e a favelização urbana. A pseudofuncionalidade, que não
considera as necessidades não qualificáveis e não identificáveis, multiplicou
os subúrbios e as cidades novas, convertendo-as rapidamente em lugares
isolados, depressivos, sujos, degradados, abandonados, despersonalizados e
de delinquência.

As obras-primas mais monumentais da racionalidade tecnoburocrática


ocorreram na ex-União Soviética; ali, por exemplo, se desviou o curso de rios
para irrigar, mesmo nas horas mais quentes, hectares de plantações de algodão
sem árvores, provocando a salinização do solo com a subida do sal na terra, a
volatilização das águas subterrâneas, o desaparecimento do mar de Aral.

De tudo isso resultam catástrofes humanas cujas vítimas e cujas


consequências não são reconhecidas nem contabilizadas, como se faz com as
vítimas das catástrofes naturais. Desse modo, o século XX viveu sob o domínio
da pseudoracionalidade que presumia ser a única racionalidade, mas atrofiou
a compreensão, a reflexão e a visão em longo prazo. Sua insuficiência para
lidar com os problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas
para a humanidade.

128
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

O MUNDO COMO FÁBULA, COMO PERVERSIDADE E COMO


POSSIBILIDADE

Milton Santos

[...] Este mundo globalizado, visto como fábula, erige como verdade um
certo número de fantasias, cuja repetição, entretanto, acaba por se tornar uma
base aparentemente sólida de sua interpretação.

A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade


é feita de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os
elementos essenciais à continuidade do sistema. Damos aqui alguns exemplos.
Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea
de notícia realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento
das distâncias – para aqueles que realmente podem viajar – também se difunde
a noção de tempo e espaço contraídos. É como se o mundo se houvesse
tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global
é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as
diferenças locais são profundas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos
atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante
o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao
consumo é estimulado.

Fala-se, igualmente, com insistência, da morte do Estado, mas o que


estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de
outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as
populações cuja vida se torna difícil.

Esses poucos exemplos, recolhidos numa lista interminável, permitem


indagar se, no lugar do fim da ideologia proclamado pelos que sustentam a
bondade dos presentes processos de globalização, não estaríamos, de fato, diante
da presença de uma ideologização maciça, segundo a qual a realização do mundo
atual exige como condição essencial o exercício de fabulações.

A Globalização como perversidade

De fato, para a maior parte da humanidade a globalização está se


impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-
se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de
vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em
todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas

129
UNIDADE 2 | GEOGRAFIA POLÍTICA

doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade


infantil permanece a despeito dos progressos médicos e da informação. A
educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-
se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção. A
perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade
tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que
atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta
ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização.

Globalização por possibilidade

Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante


uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, entre
outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento
do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se apoia para construir
a globalização perversa de que falamos acima. Mas, essas bases técnicas poderão
servir a outros objetivos se forem postas ao serviço de outros fundamentos sociais
e políticos. Parece que as condições históricas do fim do século XX apontavam para
esta última possibilidade. Tais novas condições tanto se dão no plano empírico
quanto no plano teórico.

Considerando o que atualmente se verifica no plano empírico, podemos,


em primeiro lugar reconhecer um certo número de fatos novos indicativos da
emergência de uma nova história. O primeiro desses fenômenos é a enorme
mistura de povos, raças, culturas, gostos, em todos os continentes. A isso se
acrescenta, graças aos programas de informação, a “mistura” de filosofias, em
detrimento do racionalismo europeu. Um outro lado de nossa era, indicativo
da possibilidade de mudanças, é a produção de uma população aglomerada em
áreas cada vez menores, o que permite maior dinamismo àquela mistura entre
pessoas e filosofias. As massas ganham uma nova qualidade em virtude da
sua aglomeração exponencial e de sua diversificação. Trata-se da existência de
uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que
a própria biodiversidade. Junta-se a esses fatos a emergência de uma cultura
popular que se serve dos meios técnicos antes exclusivos da cultura de massa,
permitindo-lhe exercer sobre esta última uma verdadeira revanche ou vingança.

É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da escassez, afinal


descoberta pelas massas. A população aglomerada em poucos pontos da
superfície da Terra constitui uma das bases de reconstrução e da sobrevivência
das relações locais, abrindo a possibilidade de utilização, ao serviço dos homens,
do sistema técnico atual.

130
TÓPICO 4 | O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO

No plano teórico, o que verificamos é a possibilidade de produção de


um novo discurso, de uma nova metanarrativa, um novo grande relato. Esse
novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez na história
do homem, se pode constatar a existência de uma universalidade empírica. A
universalidade deixa de ser apenas uma elaboração abstrata da mente dos
filósofos para resultar da experiência ordinária de cada homem. De tal modo, em
um mundo datado como o nosso, a explicação do acontecer pode ser feita a partir
de categorias de uma história concreta. É isso também que permite conhecer as
possibilidades existentes e escrever uma nova história. [...]

FONTE: Santos (2001, p. 17-21)

131
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico estudamos:

● O multilateralismo pode ser entendido como a condição em que os Estados-


nação se encontram: frente à globalização e frente ao desafio de sua autoridade
e poder.

● Globalização e fragmentação são duas situações que se confrontam na


contemporaneidade.

● A interdependência multilateral se intensifica cada vez mais entre os países,


principalmente após o fim da Guerra Fria.

● A hegemonia militar ainda é cabida aos Estados Unidos, mas isso não lhe
garante a hegemonia econômica.

● A questão ambiental aparece como um dos principais desafios a ser solucionado,


mesmo se tendo acesso a tecnologias de ponta.

● Mesmo com a pré-disposição de cooperação mútua entre os Estados-nação, os


interesses individuais se sobressaem diante dos interesses coletivos.

● O Estado, na contemporaneidade, conta com a parceria de grandes


grupos econômicos, assim como com iniciativas da população civil, para o
gerenciamento do país.

● A lógica instrumental e a cultural são elementos que conferem ao Estado sua


legitimação.

● Os Estados-nação passam a ser caracterizados pela sua flexibilidade diante da


globalização e das questões internas.

● O contexto atual é caracterizado sobre uma incerteza nos rumos da Geopolítica


mundial.

● No contexto atual, a Tríade (EUA, Europa e Japão) possui a maior


representatividade econômica e militar.

● A bipolaridade da Guerra Fria é substituída pelo desencontro entre Estados


rápidos (possuidor de tecnologias) e Estados lentos (carentes de tecnologias).

● A organização dos países em blocos econômicos é uma alternativa implantada


por alguns países, com o intuito de uma cooperação e ação mútua.

132
● Da globalização resultam áreas excluídas.

● A vontade de cooperação mútua entre os países de centro e os periféricos ainda


é discutível e a mudança de postura dos países centrais diante das mazelas do
mundo ainda está longe de ser sanada.

133
AUTOATIVIDADE

1 Identifique as principais mudanças das funções do Estado-nação nos


períodos anteriores ao final da Guerra Fria e no período atual.

2 Algumas alternativas vêm se vislumbrando diante da postura dos países


centrais, como é o caso da organização do G-20. Que fatores viriam a
contribuir para tornar os países do G-20 competitivos frente aos países
centrais? (Lembre-se de que são considerados países emergentes, pois não
possuem um grande potencial econômico.)

134
UNIDADE 3

GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E
ESTUDOS DE CASO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:

• conhecer a evolução geopolítica de formação do território brasileiro;

• entender a evolução geográfica e histórica dos diferentes Estados-nação,


assim como do surgimento das relações de interdependência entre eles;

• buscar resgatar valores que favoreçam a organização de uma sociedade


planetária mais justa e comprometida com o bem-estar social e natural;

• ter compreensão sobre os diferentes momentos em que as manifestações ter-


roristas atuaram e atuam e estabelecer posicionamento crítico diante delas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em quatro tópicos. Em cada um deles você encon-
trará atividades para uma maior compreensão das informações apresentadas.

TÓPICO 1 – A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

TÓPICO 2 – A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

TÓPICO 3 – A ANTROPOLÍTICA

TÓPICO 4 – ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

135
136
UNIDADE 3
TÓPICO 1

A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

1 INTRODUÇÃO
Na Unidade anterior debruçamos nossas atenções sobre a concepção
de Geopolítica e da Geografia Política dentro de um contexto global, suas
distinções e a legitimação do papel do Estado-Nação nos diferentes momentos
históricos. Também abordamos temáticas referentes à questão do arsenal militar
e sua discutível atuação, lembrando que, se houvesse confronto entre os países
possuidores desse aparato, certamente não haveria vencedores. Outra questão
pertinente tratada na Unidade 2 foram os impactos ambientais globais. Alertamos
que a tomada de decisão e iniciativas está na mão de todos aqueles que se envolvem
com a ameaçada extinção da espécie humana, tanto quanto da natureza.

Nesta Unidade, nossas atenções atenderão à discussão referente ao nosso


país, no que concerne ao seu processo geopolítico nos diferentes momentos de sua
história até os dias atuais, entendendo que nenhum país é, por si só, autônomo
no que se refere, em especial, à economia, pois ele estabelece relações comerciais,
tanto de importações como exportações, assim como aplicações especulativas. É
importante, também, lembrar que o Brasil é o país que oferece as melhores taxas
de juros para os investidores.

Nosso território, dentro de seu processo evolutivo econômico, não se


basta mais em oferecer apenas matérias-primas, mas já se coloca frente ao mercado
internacional com alternativas de alto valor agregado, como é o caso da indústria
aeronáutica. Ressalva-se que a evolução econômica está intimamente ligada a
medidas e intervenções do poder público federal, estadual e até mesmo municipal,
por meio de incentivos fiscais, entre outras interferências diretas ou indiretas.

Outra discussão presente nesta Unidade está na proposta de revertermos a


colocação da humanidade e do meio natural, ou seja, diferentemente das decisões
de poder e manipulação do poder público, a necessidade de humanização,
assim como da preservação ecológica, passa a ocupar o centro das discussões
internacionais, resgatando, ou quem sabe deslumbrando, valores de igualdade,
liberdade e fraternidade tão obsoletos no mundo contemporâneo.

137
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Finalizamos nossas discussões com a temática do terrorismo e as


principais áreas de conflito no mundo. Apresentaremos um paralelo entre
o “velho” e o “novo” terrorismo, no que se refere a seus objetivos e forma de
atuação, propiciada a partir do desenvolvimento tecnológico, assim como do
apoio popular e do Estado.

Diante das três Unidades apresentadas neste Caderno é possível


estabelecer um paralelo. Por mais que cada uma esteja fundamentada em objetos
de análise distintos, a Geografia Cultural estendeu-se para a Geografia Política
e Geopolítica e vice-versa. Como, por exemplo, quando tratamos do terrorismo,
em que questões relacionadas a um fundamentalismo exacerbado emergem e
buscam sustentar e justificar a sua atuação, ou, então, quando falamos sobre as
guerras étnicas que assolaram parte da Europa Oriental no início do século XXI,
quando do desmembramento da ex-Iugoslávia.

Portanto, caros acadêmicos, temos muitos assuntos para discutirmos


pela frente.

O Brasil, como grande parte dos países americanos, teve sua história e
formação de configuração do território realizadas a partir de interesses externos,
que, lentamente, foram sendo substituídos, não na sua totalidade, pelas
emergências internas.

Nos diferentes períodos históricos do nosso país, sempre ficou


muito evidente a necessidade de atender e integrar toda extensão territorial,
especialmente no que se refere às relações econômicas e políticas. Diferentes
iniciativas governamentais ora desmembraram, ora integraram ou reintegraram
áreas aos Estados, que se tornaram Províncias e depois se tornaram Estados.

A inserção do Brasil como nação independente no contexto mundial se


aprofunda com o período da Guerra Fria, tornando-se área de influência dos
Estados Unidos, com os quais mantém uma relação de informações e postura
política. Com o fim da Guerra Fria e no desenvolvimento de alternativas que
deem sustentabilidade ao seu desenvolvimento, o país, em especial nas últimas
quatro décadas, inaugura uma nova fase que, entre outras características, abre
suas portas ao desenvolvimento tecnológico, assim como absorve aquelas que o
coloquem junto àqueles Estados-nação que disputam um lugar nas tomadas de
decisões mundiais.

Dentro das condições atuais do crescimento capitalista e do atual estágio


da globalização, o Brasil cria uma forma particular de organização do seu espaço,
indispensável para a reprodução das relações econômicas, sociais e políticas,
tanto em âmbito local como internacional.

Nesse contexto, é emergente a demanda de intelectuais, dos quais os


geógrafos fazem parte do grupo, para as discussões que reproduzam não só a
organização e a reprodução dos espaços e do desenvolvimento econômico, mas

138
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

que esses estejam associados ao desenvolvimento do ser humano e das diferentes


sociedades que ocupam o solo nacional.

Respeitando suas características locais e levando sugestões que façam


superar as dificuldades, retirando-os das condições, muito comum em várias
regiões do país, de manipulados pelos interesses políticos, mas que lhe sejam
dadas alternativas de escolhas, que realmente se efetivem na garantia de uma
vida mais digna.

2 O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO NO BRASIL: A


GEOPOLÍTICA DO ESTADO E A GEOPOLÍTICA DO POVO
Iniciamos nosso trabalho retomando a diferenciação entre Geopolítica
e Geografia Política. Enquanto a Geopolítica é considerada um saber engajado,
comprometido com um pensamento e com objetivos políticos, embora analisando
o Estado como produtor e gerenciador de um espaço, ele não tem um rigoroso
saber científico.

A Geografia Política, ao contrário, é um dos enfoques da ciência geográfica


no qual se estuda a distribuição dos Estados na superfície terrestre, o problema do
estabelecimento de fronteiras e dos tipos de organização do território a que eles
dão origem. Ela não está marcada fortemente pelos preconceitos do determinismo
geográfico, que tenta explicar, muitas vezes, por meio de atrocidades, atitudes
desleais e covardes, a expansão ou a necessidade de expansão dos Estados,
baseando-se nas condições naturais da área de interesse.

O século vinte é marcado pelo desenvolvimento do capitalismo


monopolista, com maior configuração a partir das últimas quatro décadas.
Com esse capitalismo, os Estados são caracterizados por vários tipos de áreas
de influências, não caracterizando uma coincidência entre a área político-
administrativa, delimitada por fronteiras, e a área de atuação das empresas
transnacionais, ligadas a um Estado que se expande além de fronteiras políticas.

Para Andrade (1995), nessas condições é possível se admitir que, ao lado


da geopolítica, se desenvolve um ramo do conhecimento que estudaria a projeção
espacial dessas empresas e a repercussão dessa expansão sobre os Estados de que
são originárias e em que atuam, dando origem ao saber geoeconômico ou, ainda,
da geoeconomia.

Na proporção que a complexidade está presente tanto nas relações


econômicas quanto nas relações sociais, é aceitável que se desenvolvam setores
de conhecimentos paralelos ou transversais aos mais tradicionais ramos do
conhecimento social, sem que se perca uma visão global ou de totalidade.

É uma observação bastante pertinente, pois são inúmeras as especializações


que acabam emergindo de um saber mais tradicional, e isso se percebe em todos
os segmentos científicos, por isso na Geografia não seria diferente.
139
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

3 BREVE HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA


O Brasil traz, na sua história, a participação efetiva de uma colonização
externa, realizada pelos portugueses, o que se refletira por três séculos, a partir de seu
suposto descobrimento em 1500, numa vinculação direta com a coroa portuguesa.

Suas dimensões iniciais eram modestas, aproximadamente 2,8 milhões de


km², segundo o Tratado de Tordesilhas, e teve esse território consideravelmente
ampliado, graças à anexação de porções que se encontravam sob o domínio da
coroa espanhola.

FIGURA 35 – TRATADO DE TORDESILHAS

OCEANO
ATLÂNTICO
LINHA DO TRATADO DE TORDESILHAS

TERRAS PERTENCENTES TERRAS

A ESPANHA PERTENCENTES

A PORTUGAL

OCEANO

ATLÂNTICO

FONTE: Disponível em: <http://fritandomiolos.blogspot.com/2007/06/fronteiras-no-fim-do-


perodo-colonial.html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Corroborando com textos de pensadores, políticos e militares, observa-se


uma forte ideia de expansão territorial, o que leva a dizermos que a Geopolítica
foi de interesse das elites desde o Período Colonial.

Um dos personagens marcantes desse período foi Alexandre de


Gusmão, que, como diplomata, defendia a aplicação do princípio Uti possidetis
na delimitação das fronteiras entre as colônias portuguesas e espanholas,
conseguindo que o território da então América portuguesa se expandisse para
Oeste, em áreas pertencentes à América Espanhola.

No período de independência, o cientista e político José Bonifácio de


Andrade e Silva dirigiu a política do Novo Estado, no sentido de manter as
estruturas coloniais conservadoras, como forma monárquica de governo; para
manter a credibilidade do seu projeto, programou a transferência da capital do

140
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

Império para o Planalto Central e defendeu uma política de liberação gradativa


da escravidão. Defendia que no século XIX os Estados não podiam se consolidar
apenas em torno dos interesses dinásticos, mas que deveriam se formar em torno
de nações. (ANDRADE, 1995, p. 9).

Durante o período Imperial, os estadistas que representavam o Brasil


procuraram manter fechada à navegação estrangeira a bacia do Amazonas, na
mesma ocasião em que defendiam a abertura da navegação no rio da Prata. Essa
iniciativa política levou o Brasil a intervir na Prata numerosas vezes: durante a
incorporação do Uruguai (1816-1824); durante a tentativa de Rosas de realizar
a unificação da Argentina em torno dos limites do antigo Vice-Reinado do rio
da Prata (1851-1852) e, finalmente, de 1864-1870, quando, aliado à Argentina e
ao Uruguai, destruiu o Estado autárquico que se formava no Paraguai, sob a
ditadura dos López.

Desses conflitos resultara uma série de questões fronteiriças com a França,


com a Inglaterra, com a Bolívia e com a Argentina, levando os envolvidos, como
o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco, a se aprofundarem em estudos tanto
geográficos como geopolíticos.

Assim com vimos na Unidade anterior que os estudos ou ensinamentos


de Ratzel serviram com justificativa ao expansionismo dos Estados-nação
imperialistas europeus e até mesmo norte-americano, no Brasil também se
seguirá esse pressuposto. Nas primeiras cinco décadas do século XX, numerosos
pensadores partidários de um governo centralizado, possuidor de um setor
executivo forte e atuante, com ideias expansionistas no Prata e na Amazônia,
formularam estudos geopolíticos ratzeanos e de seus seguidores. Dentre
eles, destacam-se Everaldo Backhauser (1952), Teixeira de Freitas (1941) e
Lysias Rodrigues (1947), que defendiam uma melhor ocupação dos territórios
ocidentais do Brasil, uma redivisão territorial, anulando a existência dos estados,
e a transferência da capital federal para o Oeste. Essas ideias também foram
estimuladas por Alberto Torres e Oliveira Viana, que defendiam um sistema
autoritário de governo para o Brasil (ANDRADE, 1995).

A extensão desses pensamentos se seguiu à Revolução de 1930, quando


foi desenvolvida pelo então governo federal a política em favor da Marcha para
o Oeste e da criação de territórios federais, desmembrados dos estados de grande
extensão territorial e fraco povoamento, resultando numa maior centralização do
poder político.

Com a formação do Estado Novo, o então governo de Getúlio Vargas


retirou a autonomia dos Estados, transformando-os em verdadeiras
províncias, no modelo do Império, e organizou o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE –, que deveria formular uma política
de racionalização da utilização do território brasileiro. (ANDRADE,
1995, p. 11)

141
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

FIGURA 36 – MAPAS BRASILEIROS DE 1930 – 1932

FONTE: Disponível em: <http://blogdogiesbrecht.blogspot.com/2009/04/no-papel-e-facil.


html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

No comando do Governo Provisório, após a revolução de outubro de


1930, Getúlio Vargas começou uma série de novos planos e novas esperanças.
Entre esses novos planos estava a redivisão do território nacional e a resolução
de entraves históricos existentes nas fronteiras. No final de 1943, seis novos
territórios federais surgiram, resultantes do desmembramento dos estados já
existentes. A figura anterior ilustra as transformações na organização espacial do
período, objetivando a centralização do Estado-nação. Observa-se uma grande
fragmentação do território, que era nomeado a partir de acidentes geográficos e
nomes de cidades importantes para o momento.

Na contramão da centralização, existiam os defensores do espírito


regional e a preservação de suas particularidades locais. Entre eles, podemos
citar Gilberto Freyre, com seu Manifesto Regionalista de 1926, e Caio Prado
Júnior, com sua interpretação marxista, mas não ortodoxa, da realidade e da
evolução da política do Brasil.

O Brasil segue sua história para uma maior centralização e para uma
política de alinhamento com os Estados Unidos, principalmente no período da
Guerra Fria, participando até de forças internacionais de repressão a movimentos
populares – período da ditadura militar. Dessa maneira, formou-se, nesse
contexto, a ideologia da segurança nacional, que se estruturava dentro de um
sistema autoritário de governo, no âmbito interno; e uma política externa, visando
classificar o país como uma potência emergente. Essa política levou o país para
uma posição de satelização dos Estados Unidos, para a execução dos interesses
das grandes potências internacionais em sua área de influência. “Naquela fase
destacam-se como pensadores geopolíticos os generais Golbery do Couto e Silva
e Meira Matos” (ANDRADE, 1995, p. 12).

142
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

ATENCAO

Existem vários instrumentos que ilustram o período da ditadura militar no


Brasil. Muitos artistas foram perseguidos e até mesmo torturados quando manisfestavam
descontentamento com a situação. Sugiro que você escute algumas músicas de Geraldo
Vandré, como “Pra não dizer que não falei das Flores”, disponível em: <http://www.youtube.
com/watch?v=PDWuwh6edkY>, acesso em: 2 ago. 2010, para tentar contextualizá-la com
aquele momento.

4 O ESPAÇO BRASILEIRO E A GEOPOLÍTICA


Focando a produção espacial do Brasil, no decorrer da história, podemos
admitir a existência de uma primeira fase baseada nos interesses imperiais de
Portugal, destacando o traçado do Tratado de Tordesilhas e sua ampliação para
o Tratado de Madrid, deixando-se no espaço delimitado grandes porções do
território ocupadas por nativos ou mesmo desabitadas.

Na segunda fase, que se estenderia dos meados do século XVIII até início
do século XX, o Brasil volta suas preocupações em precisar melhor suas fronteiras,
resolvendo, por arbitragem internacional ou por tratados diretos, questões de
limites com seus países vizinhos. Essa fase foi caracterizada como um período de
tensões em nossas fronteiras.

Na primeira metade do século XX, com o desenvolvimento da expansão


ferroviária na Argentina, estabeleceu-se uma grande rivalidade entre os dois
Estados, consequente da disputa por áreas de influência no Uruguai, no Paraguai
e na Bolívia.

O período após a Segunda Guerra Mundial é marcado por um maior


dinamismo econômico no país e mais rápido desenvolvimento
industrial que a Argentina, o que veio a influenciar uma ofensiva
na expansão de sua influência nos países platinos; em paralelo,
desenvolveu-se uma política de expansão interna no Centro-Oeste
e na Amazônia, procurando ter uma presença mais constante junto
aos países da Bacia Amazônica e das Guianas. Vislumbrava-se até
uma preocupação com a presença brasileira no Caribe, materializada
com a participação de forças brasileiras em intervenção na República
Dominicana, em 1965, e em uma mais ativa preocupação com a ação
do grupo de Contadora na Nicarágua. Mas, recentemente, após a Nova
República, se registra uma maior aproximação em Cuba, que teve suas
relações diplomáticas interrompidas por vinte anos. Com a África, o
Brasil posicionava-se contra as práticas do racismo oficializadas na
África do Sul, também foi o primeiro país americano a reconhecer
o governo socialista de Angola, ao ser proclamada a Independência
desta antiga colônia portuguesa. (ANDRADE, 1995, p. 13).

143
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

4.1 A REDIVISÃO TERRITORIAL


Focalizando a divisão do território nacional, observa-se que isso já era
uma preocupação de estudiosos e políticos no período imperial. Como exemplo,
podemos destacar o norte de Goiás e o Triângulo Mineiro que têm pretensões
seculares à autonomia política. As manifestações locais são fortes, mas encontram
oposição diante dos governos estaduais.

“Durante o período da Primeira República, as províncias se transformaram


em Estados nacionais e uma nova unidade política foi implantada – o Território
do Acre – em terras adquiridas da Bolívia pelo Tratado de Petrópolis. Na ocasião,
o Amazonas pretendeu a sua anexação, mas não obteve êxito”. (ANDRADE,
1995, p. 44).

No período do Estado Novo, Getúlio Vargas criou os territórios do Amapá,


desmembrando-o do Pará; o de Rio Branco, atual Roraima, desmembrando-o
do Amazonas; o de Guaporé, atual Rondônia, desmembrando-o do Amazonas
e de Mato Grosso; o de Ponta Porã, desmembrando-o de Mato Grosso; e o de
Iguaçu, desmembrando-o do Paraná e de Santa Catarina. Os constituintes de
1946 devolveram esses dois últimos territórios aos Estados de que se originaram.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o arquipélago de Fernando de Noronha foi
desmembrado de Pernambuco, tornando-se um território militar.

Com a criação dos territórios, Getúlio Vargas atendia, mesmo que de


maneira superficial, os princípios dos geopolíticos mais exaltados, como Everaldo
Backhauser (1952) e Teixeira de Freitas (1941), que defendiam a anulação das
fronteiras estaduais existentes e a redivisão do território nacional em unidades
separadas por linhas geométricas, como os Estados Unidos, ou por acidentes
geográficos. Aqueles estudiosos acreditavam que todos os novos Estados
deveriam ter uma limitação na extensão territorial, a fim de que não se formassem
Estados grandes ao lado de Estados pequenos, como se a grandeza e o poder
de um Estado dependessem apenas da sua extensão territoral. Com sua altivez,
Getúlio não interferiu nos grandes Estados e desmembrou áreas subpovoadas e
fronteiriças, alegando necessidades de segurança nacional.

Mais recentemente, alguns territórios foram elevados à categoria de


Estado e o Mato Grosso foi dividido, passando a se chamar, ao sul,
como Estado de Mato Grosso do Sul, em 1977. Em 1960, um território
quadrangular foi desmembrado do Estado de Goiás para abrigar a nova
capital, Brasília, como um novo Distrito Federal. Paralelo à criação de
Brasília, o território do antigo Distrito Federal foi transformado em
Estado da Guanabara, mas alguns anos depois os militares, no poder,
resolveram integrá-lo ao Rio de Janeiro, passando a formar uma só
unidade política. O território Federal do Acre foi elevado à condição
de Estado em 1962. Em 22 de dezembro de 1981 foi criado o Estado de
Rondônia e instalado em 4 de janeiro de 1982, pelo então presidente
João Batista Figueiredo, tendo como capital a cidade de Porto Velho.
(ANDRADE, 1995, p. 43).

144
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

Com a Constituinte de 1987, as pressões de várias regiões que pretendiam


formar novos Estados foi intensa. A exemplo de Juruá no Amazonas, o Tapajós no
Pará, o Tocantins em Goiás, o Santa Cruz na Bahia, o Triângulo Mineiro em Minas
Gerais. As pressões dos grandes Estados contra um possível desmembramento,
as despesas que teriam de ser feitas para a instauração dos novos Estados e a
força da tradição vêm contribuindo para que essas intenções não se concretizem.

Mesmo assim, a Constituição de 1988 eleva Roraima e Amapá à condição


de Estados e reintegra Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco. Na
mesma lei, a porção norte de Goiás foi demembrada, dando origem ao Estado de
Tocantins, tendo como capital a cidade de Palmas.

FIGURA 37 – EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL-TERRITORIAL DO BRASIL

FONTE: Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-surgiram-os-


estados-brasileiros/>. Acesso em: 13 set. 2018.

145
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

As temáticas sobre federação, confederação ou sistema unitário continuam


a interessar os estudiosos e políticos. Encontramos tanto os que defendem a
supressão dos Estados atuais ao lado daqueles que defendem a restauração da
federação ou até a formação de uma confederação em que as diversas regiões
tenham maior autonomia política e econômica.

Entre as observações apontadas por aqueles que almejam autonomia


territorial estão os desníveis de desenvolvimento regional (ANDRADE,
1995), gerando rivalidades regionais, que mesmo a partir da criação das
superintendências de desenvolvimento criadas pelo governo federal – Sudam
para a Amazônia, Sudene para o Nordeste, Sudeco para o Centro-Oeste e Sudesul
para o Sul – sem atribuições político-administrativas, mas sim econômica, não
se percebeu a busca de um equilíbrio socioeconômico entre as regiões. Sudam e
Sudene foram extintas em 2003 e ressurgiram em 1997; Sudeco e Sudesul foram
extintas em 1999, mas tramitam as suas reimplantações, o que até o final de 2009
não havia se concretizado.

Essas questões de formação de novos Estados também repercutem dentro


dos próprios Estados com a formação de novos municípios. Como, por exemplo,
o Estado de Santa Catarina. Em 2009, dois novos municípios foram criados:
Balneário Rincão (10.330 mil habitantes) e Pescaria Brava (12 mil habitantes),
no litoral sul de Santa Catarina, passando de 293 para 295 municípios o total
existente. O que se defende nessas emancipações municipais, tanto como as
estaduais, são as expectativas que se estendem desde melhorias em infraestrutura
até investimentos na corrida eleitoral para definição de prefeito e vereadores.

Independente da configuração que um território tem, seja ele estadual ou


municipal, é a conscientização em busca de bem-estar tanto do poder público
como da população em geral, que dão unidade à comunidade nacional; que
integrem, sem dominação e sem exploração, as demais regiões e os vários setores
e classes sociais; que as disparidades sociais locais sejam sanadas com ações
conjuntas, nas quais todos se sintam corresponsáveis pelo espaço vivido.

5 PROBLEMAS GEOPOLÍTICOS BRASILEIROS NO


PERÍODO DA BIPOLARIZAÇÃO – GUERRA FRIA
Antes de tratarmos esse assunto referente ao Brasil, faremos uma breve
contextualização mundial dos fatos ocorridos.

Desde o final da II Guerra Mundial (1939-1945) até a queda do muro de


Berlim, em 1989, o mundo esteve dividido em dois grandes blocos geoeconômicos,
alinhados às duas superpotências: Estados Unidos, que liderava o bloco
capitalista; e a antiga União Soviética, frente ao bloco socialista. Essa ordenação
se caracterizava em dois polos contraditórios quanto à política, à economia, à
ideologia e à organização militar, mas coincidiam em buscar a hegemonia e
liderança do mundo.

146
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

FIGURA 38 – BIPOLARIZAÇÃO DO MUNDO

FONTE: Disponível em: <http://henriquegeo.blog.terra.com.br/2010/02/23/sugestao-de-pauta-


pelos-leitores-a-guerra-fria-e-o-mundo-bipolar/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

A Segunda Guerra Mundial provocou expressivas mudanças no quadro


geopolítico internacional, das quais podemos citar: o deslocamento do poder
mundial das tradicionais potências europeias – Reino Unido, França e Alemanha
– para os Estados Unidos e União Soviética. Esse deslocamento foi resultado
principalmente do enfraquecimento político e econômico dessas antigas potências,
duramente atingidas pelo conflito. No caso do Reino Unido e da França, esse
enfraquecimento foi agravado pelo desmoronamento de seus impérios coloniais
no pós-guerra. No caso do Reino Unido, houve a perda da Índia, sua mais preciosa
colônia, que proclamou independência em 1947.

DICAS

Existem vários materiais que abordam a questão da independência da Índia.


Por isso, recomendo a você, Caro acadêmico, uma pesquisa sobre esse assunto para que
se perceba o porquê de essa guerra ser chamada de guerra pacífica. Vale a pena verificar!

147
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Derrotada no conflito, a Alemanha sofreu um golpe ainda mais duro.


Por decisão de líderes aliados, o país foi desmilitarizado e dividido, primeiro em
quatro áreas de ocupação (soviética, norte-americana, francesa e inglesa) e depois
em dois países – A República Democrática Alemã RDA e a República Federal da
Alemanha – RFA.

Para Arbex Júnior (1997, p. 10-11):

[...] a oficialização de uma data para servir de marco, que identifique


o início preciso da Guerra Fria, pelo fato de não estarmos lidando com
um simples acontecimento, mas, ao contrário, trata-se de um processo
global, extremamente complexo, sujeito a múltiplas interpretações,
podemos citar: aqueles que acham que a questão nuclear relaciona-
se ao início da Guerra Fria com a bomba sobre Hiroshima em 1945 e
terminou em 1972, com o Salt -1 (tratado de desarmamento assinado
por soviéticos e norte-americanos); outros acham que o fato principal
que dá início ao período foi a relação entre os blocos através da Doutrina
Truman, em 1947, e a queda do muro de Berlim, em 1989. Mas, a Guerra
Fria foi mais que uma disputa armamentista ou geopolítica. Ela teve
uma importante dimensão cultural, que colocou em movimento um
jogo simbólico do Bem contra o Mal. Ela mexeu com a imaginação
das pessoas, criou e reforçou preconceitos, ódios e ansiedades. Nesse
sentido mais amplo, de natureza psicossocial, dois marcos parecem
ser mais adequados: a conquista da tecnologia da bomba atômica,
como o início do período, e seu término se identificaria com a Guerra
do Golfo, quando os Estados Unidos escolheram outros símbolos do
Mal para ocupar o lugar que antes pertencia ao comunismo, ainda
chamado de fanatismo islâmico.

Muitos conflitos internacionais foram estimulados pelas duas potências,


que, na tentativa de expansão de suas ideologias, promoviam ajudas econômicas
e militares aos países envolvidos. Em muitos desses conflitos a intervenção tanto
dos EUA como da URSS não estava voltada em estabelecer a paz, ao contrário,
instigava a violência. Podemos citar a Guerra da Coreia (1950), a construção do
Muro de Berlim (1961), a crise dos mísseis em Cuba (1962), a Guerra do Vietnã
(1973) e o conflito entre as duas Chinas (nos anos 60).

O Brasil, nesse contexto, aliou-se ao grupo norte-americano, do qual recebia


orientação política, participando da Força Interamericana de Paz (FIP) e assinando
o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). Configurava-se,
então, que a independência nacional estava ultrapassada, sendo substituída por
uma interdependência e uma aliança incondicional com a potência que exercia a
liderança no mundo ocidental – os Estados Unidos.

Esse período se caracterizou por um grande intercâmbio de informações,


pela homogeneização tática e ideológica das Forças Armadas, pela abertura
do território e da economia ao capital estrangeiro, assim como pela completa
dependência na política externa.

148
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

A década de 60 foi marcada pelo alinhamento do Brasil com os demais


países latino-americanos, com exceção do México, no rompimento das relações
diplomáticas e comerciais com Cuba – primeira e única nação socialista do
Continente Americano – e um expressivo apoio aos Estados Unidos em suas
intervenções na República Dominicana.

Na década de 70 essa bipolarização passou a ser atenuada face à


desagregação dos blocos hegemônicos, quando alguns governos
passaram a discordar dos Estados Unidos. Inicia-se um período
de conscientização dos povos controlados pelas ideologias norte-
americanas quanto à exploração e à dependência a qual eram
submetidos. A China fugiu do controle soviético; a resistência
vietnamita pôs em xeque o poder hegemônico dos Estados Unidos;
as duas superpotências caminhavam para a realização de acordos
parciais que atenuassem as tensões existentes. Mas as marcas desse
período ficaram na consciência dos povos oprimidos e na deterioração
da economia das nações destroçadas, satelizadas e gravadas com
dívidas externas astronômicas. (ANDRADE, 1995, p. 48)

Em relação ao Brasil, podemos afirmar que sofremos até hoje a sangria que
foi feita com nossa economia, com a construção de obras inúteis e faraônicas, com
grandes escândalos financeiros e, na época, com a maior dívida externa do mundo.

6 A DEPENDÊNCIA EXTERNA DA GEOPOLÍTICA


BRASILEIRA E A SUA INSERÇÃO NO SISTEMA
INTERNACIONAL
Assim como nos Estados Unidos, a formação territorial do Brasil foi
constituída mediante projetos expansionistas, iniciando-se primeiramente na
faixa atlântica. A diferença entre Estados Unidos e Brasil, nesse aspecto, está na
construção das estratégias geopolíticas externas, que vai se refletir na evolução
econômica dos países, assim como na posição que esses ocupam no sistema
internacional: “[...] enquanto o país do Norte edificou uma potência econômica e
militar terrestre-marítima e impôs sua hegemonia sobre o sistema internacional, o
país do Sul permanece constrangido ao cenário regional e resignado à sua condição
periférica (Fiori, 2007; Harvey, 2004)” (ALBUQUERQUE, 2010, p. 68).

Albuquerque (2010, p. 68) explica que:

[...] a razão periférica brasileira no contexto do projeto de hegemonia


estado-unidense já é perfeitamente reconhecida em todo o espectro
político da intelectualidade política brasileira, inclusive no viés da
dependência da política externa nacional. A lacuna bibliográfica
é quanto ao papel do pensamento geopolítico oficial brasileiro na
construção e justificativa desta razão periférica e aliada das estratégias
ocidentais. [...]

149
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

6.1 ENTENDENDO O PROBLEMA INTELECTUAL BRASILEIRO


A intelectualidade brasileira sempre esteve baseada aos modismos intelectuais
europeus, consequência, talvez, da própria rejeição das maneiras pelas quais os
povos nativos se organizavam tanto política, como cultural e economicamente. Ou,
ainda, por acreditar nos projetos de modernização que os ocidentais apresentavam,
talvez ainda pela facilidade e comodidade dos atos imitadores. Existe um certo
ditado apresentado pelos inconformistas: “No Brasil nada se cria, tudo se copia”, que
durante muito tempo fez parte dos discursos acadêmicos.

Dessa origem incerta quanto à formação da intelectualidade brasileira estão


aqueles que adotam os referenciais teórico-metodológicos mais recentes produzidos
no Ocidente, e desses fazem seus discursos, assim como aqueles que debatem,
sustentando-se em discursos de uso acadêmico e político interno. Contudo toda essa
situação é considerada válida no sentido de se estar construindo a intelectualidade
brasileira que ainda não completou seu processo de construção nacional.

Diante da globalização vista como abertura comercial e redução


das atividades de planejamento econômico pelo Estado, a construção das
interpretações acadêmicas desse processo representa, segundo Albuquerque
(2010), uma característica de colonialidade do saber. Esse autor questiona o fato
de aceitar sem criticar o modelo de globalização emanado dos países centrais e
das instituições reguladoras do mundo ocidental, como foi o caso do receituário
do neoliberalismo emanado a partir do governo, “que prega a submissão da
política ao funcionamento do mercado e a submissão dos países periféricos aos
centrais pela manutenção das assimetrias econômicas, políticas e militares do
sistema internacional” (ALBUQUERQUE, 2010, p. 69)

O consenso de neoliberalismo é materializado na ciência geográfica nos


estudos de desenvolvimento local e ambiental em oposição ao planejamento
global de Estado-Nação e na leitura culturalista enraizada na identidade local
em detrimento à modernização, e também nos esforços de dissociação entre a
Geografia Política e a Geopolítica Clássica. Como a Geopolítica é indissociável
das estratégias do Estado-Nação no controle do território e/ou projeção de poder
para o exterior, a Geografia Política traz a visão centralista e unitária do Estado-
Nação em nome das diversas estratégias espaciais de poder.

Albuquerque (2010, p. 70) destaca que:

Evidente que essa nova agenda da geografia em geral, bem como da


geografia política em particular, não constitui um problema em si, mas
o quase desaparecimento de trabalhos geográficos sobre as estratégias
territoriais dos Estados nacionais atuais sim. E nas raras exceções
em que esse é o enfoque, a perspectiva é radicalmente crítica, quase
ingênua, pois leva a crer que sem Estado o mundo seria algo melhor.
Os novos conceitos da geografia política apresentam graves problemas
epistemológicos, caso da dificuldade de definição e delimitação das
zonas transfronteiriças em relação às soberanias estatais, caso da

150
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

reificação da ideia-força de “economia-mundo” com a desvalorização


de seu constructo político em nome do determinismo de suas
estruturas técnicas hegemônicas. Em síntese, a geografia política
atual é incapaz de perceber o conteúdo ideológico do discurso da
“abertura de mercados” presente nessa forma quase metafísica de
compreender a “economia-mundo”.

Esse posicionamento nos coloca frente ao desafio de apresentarmos


leituras baseadas em instrumentos legais, reais e principalmente locais, pois
mesmo considerando que o local é parte de uma totalidade, ele possui identidade
e particularidades e, consequentemente, suas próprias demandas.

6.2 A GEOPOLÍTICA OFICIAL BRASILEIRA


A geopolítica brasileira não se constitui apenas nas ideias expansionistas
concebidas durante o período colonial e imperial, nem da interferência em assuntos
internos dos países da região em período republicano. “A defesa militarizada
das fronteiras consorciada da expansão econômica pelos países vizinhos seria
o corolário da geopolítica republicana, e que se faz cada vez mais presente na
atualidade com os acordos integracionistas comerciais e de infraestrutura e o uso
dos recursos energéticos daqueles países”. (ALBUQUERQUE, 2010, p. 74).

Podemos dizer, então, que as estratégias geopolíticas antecedem no Brasil


a institucionalização da geopolítica, quando os trabalhos só iniciaram em 1920,
com o professor e geólogo Everaldo Beckhauser.

Para Costa (2008, apud ALBUQUERQUE, 2010), o avanço da geopolítica


brasileira ocorreu fundamentalmente no meio militar, quando se torna “mais
pragmática” por se ligar aos assuntos de Estado. Daí que, entre as décadas de 30
e 60, emerge uma geopolítica oficial brasileira, produzida por um seleto grupo
intelectual ligado às elites econômicas e políticas, geralmente articulado ao setor
militar ou diretamente dele proveniente.

Com a redemocratização em meados da década de 1980, esse grupo


geopolítico vai perder poder de influência na política externa, mas ainda
continua participando ativamente das políticas de defesa, especialmente a
partir da produção da Escola Superior de Guerra (ESG), embora tenha que
compor com especialistas civis e políticos. Assim, argumentamos que é
possível identificar certos traços de continuidade no pensamento geopolítico
oficial durante esse longo período compreendido entre as décadas de 30 e a
atual, cuja agenda converge para três linhas de raciocínio basilares: a) a questão
da unidade/integração nacional; b) a defesa das fronteiras terrestres contra
eventuais agressões de países vizinhos; c) a importância da manutenção das
linhas de comunicação do Atlântico Sul. Esses verdadeiros objetivos nacionais
permanentes se refletiram e refletem nas projeções de poder do Estado
brasileiro, tanto em sua dimensão interna quanto externa.

151
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

De onde surgiram esses objetivos nacionais permanentes? A


consolidação do regime republicano e a estabilização dos limites fronteiriços
do país haviam representado o sepultamento da política externa agressiva de
cunho expansionista, mas a questão da integração nacional continuava dentre
as preocupações principais dos geopolíticos brasileiros, e para além destes,
pois permanecem até hoje na questão do desenvolvimento regional e expansão
das infraestruturas físicas de integração nacional.

Na questão do fortalecimento militar das fronteiras como estratégia


de vivificação das faixas de fronteira, esta foi seguida de perto por Estados
vizinhos, especialmente a Argentina, que até a Guerra das Malvinas mantinha
suas forças armadas concentradas nas proximidades das fronteiras brasileiras.
Assim, a Guerra Fria e a bipolarização ideológica do mundo não impediram a
continuidade de disputas geopolíticas regionais, caso entre Brasil e Argentina.
Embora esse tensionamento das fronteiras tenha diminuído sensivelmente na
Bacia do Prata em razão da integração comercial estabelecida com o Mercosul,
foi quase que simultaneamente transferido para as fronteiras amazônicas no
atual esforço político-militar de evitar a infiltração de elementos não nacionais
naquela região.

FONTE: Albuquerque (2010, p. 75)

6.3 AS RAZÕES ESTRUTURAIS DA MANUTENÇÃO DA


GEOPOLÍTICA DA DEPENDÊNCIA
Ao longo da Guerra Fria, o Brasil posicionou-se, geopoliticamente
falando, com um certo comodismo quanto à posição de dependência dentro de
uma margem de tolerância permitida pelos Estados Unidos (Cavagnari, 1999,
apud ALBUQUERQUE, 2010). A industrialização tardia brasileira refletia essa
dependência da intervenção de capital e tecnologias externas, de preferência,
oriunda dos Estados Unidos, o que também corresponderia à efetivação
da participação do Brasil como aliado deste país e, consequentemente, seu
posicionamento contra o avanço do comunismo.

DICAS

Hoje se tem uma gama de materiais cinematográficos que ilustram a


participação do Brasil no contexto da Guerra Fria como aliado dos Estados Unidos. O filme
brasileiro intitulado Olga, dirigido por Jaime Bonjardim, 2004, retrata de maneira bastante
dramática o comprometimento do nosso país com a potência norte-americana.

152
TÓPICO 1 | A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA

No decorrer do século XX o desenvolvimento econômico do país se


caracterizou por uma diplomacia comercial, baseada em uma cesta de produtos
industrializados voltados para o abastecimento dos países da América Latina,
África e Oriente Médio, assim como ofereceu-se o território para conglomerados
industriais e comerciais, atendendo aos interesses do expansionismo comercial
dos países centrais.

Foi a chegada das transnacionais automobilísticas, a partir da década


de 1950, que inaugurou um novo período econômico no país. A própria
configuração da organização espacial é projetada para auxiliar essas indústrias,
com a pavimentação de estradas, criação de aeroportos e portos mais equipados
para atender às novas demandas.

Durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), o desenvolvimento


industrial brasileiro ganhou novos rumos e feições. JK estimulou a atração de
indústrias montadoras. Foi nesse período que ocorreu a instalação de montadoras
de veículos internacionais – Ford, Volkswagen, General Motors e Willys – em
território brasileiro.

FIGURA 39 – GALPÃO ONDE ERAM MONTADOS OS PRIMEIROS VOLKSWAGEN NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://www.osintrocaveis.com.br/historiadoautomovelnobrasil.asp>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

153
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Nesse contexto, a parceria do Brasil com os Estados Unidos demonstra


fragilidades, no sentido de que as novas relações comerciais estabelecidas com
a África e o Oriente Médio se estreitam, pois o amplo intercâmbio comercial e
militar com os árabes foi baseado, sobretudo, na aproximação com o Iraque,
profundamente afetado pelos boicotes ocidentais e quase extinto desde a invasão
estadunidense em 2003.

O comércio com as nações africanas baseava-se, sobretudo, na troca de


alimentos por petróleo. Assim, segundo Albuquerque (2010), a política comercial
e externa brasileira mais autônoma estaria sendo novamente confinada aos limites
geográficos do período colonial: A América do Sul.

Mesmo entre os países vizinhos a liderança econômica brasileira causa


crescente desconforto, pois se registra fortalecimento do sistema financeiro
e empresarial brasileiro, sem contrapartidas ao desenvolvimento dos países
vizinhos. O diplomata Samuel Pinheiro Guimarães (2005 apud ALBUQUERQUE,
2010) destaca o retrocesso representado pelo Mercosul em relação aos acordos
setoriais de complementação econômica originalmente assinados entre Brasil e
Argentina (PICE), com o abandono da visão desenvolvimentista e de integração
econômica para a adoção de uma agenda puramente comercial.

A agenda diplomática brasileira se descreve, dentro de uma realidade


atualizada, ainda se refletindo na geopolítica de dependência, preocupada em
honrar os compromissos internacionais segundo a concepção de segurança dos
países centrais.

Focando alguns entraves locais, destaca-se a questão da Amazônia, que,


dentro da proposta de desenvolvimento sustentável, baseada no manejo da
floresta, que não leva à garantia de progresso material e intelectual de quase
20 milhões de habitantes. Os financiamentos dos projetos de desenvolvimento
econômico da região se encontram praticamente congelados internacionalmente,
não restando outra alternativa se não contar com iniciativas próprias ou privadas,
às vezes, representadas por ONGs ou pela comunidade local.

No que se refere ao Atlântico Sul, o Brasil se faz presente nos mais de


9 mil km de costa e na efetivação de cerca de 95% de seu comércio exterior. “A
reivindicação junto à ONU de extensão de águas jurisdicionais das atuais 200
milhas para 350 milhas implicaria em aumento da área territorial nacional,
resultando na incorporação de novos recursos pesqueiros e nódulos metálicos
marinhos e, principalmente, novos megacampos de petróleo e gás natural.”
(ALBUQUERQUE, 2010, p. 80)

Contudo, os interesses econômicos brasileiros se projetam para além


do Atlântico Sul, pois, à medida que vem recuperando seu desenvolvimento
industrial e também social, é possível se projetar, política e economicamente,
além dos limites geográficos impostos pelo pensamento geopolítico oficial,
reafirmados nas políticas de defesa impostas pelos países centrais e buscar sua
própria política e geopolítica estratégica.

154
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico vimos que:

● No período colonial a extensão do Brasil era de aproximadamente 2,8 milhões


de km².

● O século XIX foi marcado por áreas de litígios entre o Brasil e alguns países
vizinhos.

● Tanto a Geopolítica como a Geografia Política estiveram bastante presentes na


organização espacial do território brasileiro.

● No governo de Getúlio Vargas formou-se o Estado Novo, que retirou a autonomia


dos estados existentes, transformando-os em verdadeiras províncias.

● Getúlio Vargas criou o IBGE, que deveria formular uma política de racionalidade
da utilização do território.

● O Brasil segue sua história com maior centralização e maior alinhamento com
os Estados Unidos, principalmente no período da Guerra Fria.

● O século XX foi marcado por diferentes configurações territoriais em nosso


país, inicialmente com a criação de territórios: Amapá, Rio Branco, Guaporé,
Ponta Porã, Iguaçu. A partir da segunda metade do século: 1960 – criação de
Brasília e de um Distrito Federal; 1962 – anexação do Acre; 1977 – criação do
Estado de Mato Grosso do Sul; 1981 – criação de Rondônia; 1988 – criação dos
Estados de Roraima, Amapá, Tocantins e o território de Fernando de Noronha,
que passa a pertencer a Pernambuco.

● Na intenção de atender o desenvolvimento regional foram criadas as


superintendências regionais: Sudam, Sudene, Sudeco, Sudesul.

● No período da Guerra Fria o Brasil aliou-se com o sistema capitalista norte-


americano, caracterizando um período de grande intercâmbio de informações
e cooperações econômicas.

● A Geopolítica brasileira hoje é caracterizada pela defesa militarizada das


fronteiras consorciada à expansão econômica, em especial com o uso dos
recursos energéticos dos países vizinhos, assim como de uma postura
diplomática frente aos assuntos internacionais.

155
AUTOATIVIDADE

1 Você observou, no decorrer dos diferentes subtemas apresentados, uma


situação de construção do espaço geográfico brasileiro. Sendo assim,
desenvolva um esquema situando temporalmente e espacialmente as
mudanças ocorridas.

2 Caracterize a Geopolítica atual do Estado brasileiro, assim como suas


influências internacionais.

156
UNIDADE 3
TÓPICO 2

A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

1 INTRODUÇÃO
A partir do fim da Guerra Fria, que, como já vimos, sua datação ainda é
discutível, inaugura-se um novo período geopolítico e político no mundo. Novas
potências ressurgem – Alemanha, Japão e Reino Unido –, países classificados
como terceiro-mundistas se projetam nas brechas dos países centrais, impondo-
se não mais dentro de uma obediência cega aos países centrais, no que se refere a
uma política de defesa, mas se apresentando competitivos economicamente e se
posicionando dentro das discussões de âmbito mundial.

Paralelo à ascensão de alguns países, há conflitos e misérias que assolam


muitos países africanos e do sudeste asiático, pois, com o fim da aliança com
as superpotências, esses países se viram abandonados à própria sorte, às vezes,
cercados de velhos inimigos. Esse abandono determinou o enfraquecimento,
estimulando os rivais a lutar pela conquista de maior poder. Eclodiram, em
maior grau de violência, nos países africanos, numerosos conflitos que, por sua
intensidade e barbárie, por vezes desarticularam por completo a estrutura política
e econômica desses países. Exemplos: Somália, Etiópia, Ruanda, Burundi, Angola
e Moçambique.

Na Europa, podemos destacar os conflitos da divisão da Tchecoslováquia,


que ocorreram de maneira pacífica, diferentemente do desmembramento da
Iugoslávia e o conflito étnico-religioso nos Balcãs, resultando em um dos piores
massacres ocorridos após esse período; a questão da Irlanda do Norte, que se
apoia entre rivalidades de católicos e protestantes desde a década de 1920, mesmo
de maneira mais sutil; a luta dos bascos pela independência e a formação do país
Basco, na região da fronteira norte entre Espanha e França.

Na Ásia, o conflito da Caxemira, área de disputa entre Paquistão e Índia,


dois países possuidores da bomba atômica, o que gera preocupação internacional;
os eternos conflitos entre judeus e palestinos que lutam para construir um Estado
autônomo se estendem desde o período da Guerra Fria e vão até hoje; a luta
separatista do povo curdo, que também almeja a formação do Estado Curdo,
contrariando os iraquianos. Dentro desse contexto, a China vem apresentando
um dos maiores crescimentos econômicos mundiais, respondendo a medidas
políticas que acabaram projetando o país como possível potência mundial.

157
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Confrontamos, então, com a formação da nova ordem mundial, que


se apresenta não tão bem definida como a anterior. A economia está cada vez
mais internacionalizada, ficando cada vez mais difícil estabelecer os limites de
influências econômicas de qualquer Estado-Nação do planeta.

Nessa realidade, veem-se os princípios básicos de sustentação do sistema


capitalista, como a propriedade privada e o livre mercado, cada vez mais
invadindo países socialistas, fortalecendo os países capitalistas centrais, ou seja,
podemos traduzir essa nova ordem em uma desordem mundial, marcada pela
redefinição do mapa político: vários Estados-nação desapareceram e surgiram ou
ressurgiram outros e países que se apresentavam consolidados em si só abrem
suas fronteiras para negociações e diálogos.

2 A GEOPOLÍTICA EM MOVIMENTO
A legitimidade da geopolítica em um contexto atual vislumbra-se,
principalmente a partir do centro hegemônico, para justificar o contínuo
aperfeiçoamento bélico edificado pelos Estados Unidos e suas ações militares de
larga escala, comandadas no Iraque, no Afeganistão e Paquistão em pleno século
XXI. Os interesses norte-americanos são inúmeros, projetando-se no Oriente
Médio e na Ásia Central em torno do petróleo; no leste europeu por meio da
expansão da OTAN em direção ao cercamento da Rússia; e em países como Irã e
Coreia do Norte para destruir seus programas nucleares atômicos, entre outros.

Além dos Estados Unidos, outros Estados nacionais também se movimentam,


como é o caso dos russos, que voltaram (ou nunca deixaram) a considerar o
Cáucaso sua “fronteira exterior”, deixando isso claro com o bombardeio às forças
georgianas em 2008. Outro exemplo é o dos chineses, que apresentam irritabilidade
na interferência dos Estados Unidos na questão de apoio às forças autonomistas do
Tibet, assim como nas questões de reincorporação de Taiwan.

Na América do Sul destacamos a Venezuela, que reequipa suas forças


armadas e desafia abertamente a influência regional dos Estados Unidos, levando
junto nessa questão da modernização militar quase toda essa porção da América.

Ainda é preciso considerar que o complexo industrial-militar é fonte de


riqueza para os países centrais e de perpetuação das relações entre países do
centro e da períferia, na compra de armas. “Segundo o Instituto Internacional de
Estudos Estratégicos (IISS – The Military Balance 2010), sediado em Londres, os
gastos com defesa passaram de US$1,3 trilhão em 2006 (2,56% do produto global)
para 1,55 trilhão em 2008 (2,6%), um recorde histórico ocorrido mesmo em meio a
quase dois anos de crise econômica global”. (ALBUQUERQUE, 2010, p. 73). Se os
países periféricos abandonarem o desenvolvimento dessa indústria, não teremos
um mundo justo, pelo contrário, será um fator a mais a se contabilizar na balança
de pagamento desses países e de dependência de sua política externa, ou seja,
sustentam-se os “monstros” para que os mesmos tenham controle sobre nós.

158
TÓPICO 2 | A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

Assim, se a Geopolítica continua viva, é inevitável perguntarmos sobre


a visão estratégica e as ambições brasileiras em relação à política de defesa, bem
como sua inserção no mundo global, assim como que tipo de equilíbrio de poder
o país imagina para o mundo.

FIGURA 40 – COGUMELO ATÔMICO DE HIROSHIMA

FONTE: Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/hiroshima-e-nagasaki/


guerra-nuclear.php>. Acesso em: 2 ago. 2010.

DICAS

No site <www.adital.com.br/site/noticias.asp?lang+PT>, acesso em 8 jul. 2010, foi


publicada a reportagem intitulada “O Brasil emerge como potência militar”, por Raúl Zibechi.
É interessante dar uma conferida, pois traça as futuras ações estratégicas militares do Brasil.

159
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

3 GEOPOLÍTICA ATUAL
Baseando-se em uma concepção imediatista, existe a concepção de que o
mundo, perante as transformações proporcionadas pelo avanço da tecnologia,
vem se tornando cada vez menor, e isso se estende, inclusive, para as relações
humanas. Essa concepção se sustenta na legitimidade da técnica que estabelece
a expansão das nações. Os resultados desse atual processo tanto podem ser
enumerados positiva como negativamente.

Já vimos anteriormente que essas manifestações se referem,


particularmente, ao processo de globalização, datado no período colonial, séculos
XV e XVI, quando espanhóis e portugueses desbravaram o Oeste à procura de
novas terras, riquezas e fiéis para seus respectivos reinos.

Nas últimas décadas do século XX, o então processo de globalização tomou


forma de grande influência no mundo todo, sendo resultante de um mundo
anterior bipolarizado – capitalista e socialista – que se desmoronou a partir da
queda da União Soviética e, consequentemente, do socialismo. O que se pode dizer,
então, foi que o capitalismo acabou se deparando com uma extensão territorial
a ser influenciada. Resultam desse período o início da 3ª Revolução Industrial
(centrada no conhecimento) e a formação de blocos econômicos. Teoriamente,
poder-se-ia afirmar que o sistema capitalista pode reinar sem problemas e sem
barreiras, construindo um mundo dito globalizado e interligado.

O norte-americano Francis Fukuyama, assessor do Pentágono, escreveu


que a queda do Muro de Berlim e a consequente derrocada do Socialismo no
Leste europeu constitui-se no “Fim da História”. Ou seja, a humanidade teria
alcançado o seu estágio final na sua evolução política (a democracia liberal) e
econômica (o Capitalismo avançado).

Sem levar em conta a provocação dessa tese e a subsequente polêmica,


é difícil acreditar que todos os povos estejam se encaminhando na mesma
direção sugerida por Fukuyama. A geopolítica atual se vê imersa (e às vezes
imoblizada por) em uma complexidade que o modelo de democracia liberal
capitalista não consegue dar conta de explicar.

FONTE: Martinez; Tanaka (1996, p. 11)

Diante do que se professa, que a ordem mundial, na atualidade, é


multipolar, reforçamos e reafirmamos que o presente começou sua
gestão dentro do período da Guerra Fria. A Guerra Fria envolveu-se,
entre outros aspectos, com a questão militar e a guerra nuclear. Hoje,
além desses aspectos, acrescentamos a preocupação com os caminhos
da economia mundial. “Nesse sentido, parece claro que, militarmente,
os problemas internacionais serão tratados diretamente pelo Conselho
de Segurança da ONU, mas com a ressalva de que, em último caso,
as forças da OTAN poderão entrar em ação para manter os interesses
dos EUA e dos seus tradicionais aliados da Europa ocidental. De certa
forma, os EUA se transformaram nos únicos guardiães do planeta,
podendo impor a sua vontade na resolução ou não dos conflitos
internacionais – como ficou provado na Guerra do Golfo e nos acordos
de paz entre árabes e judeus ou na guerra civil da Bósnia como
contraexemplo. (MARTINEZ; TANAKA, 1996, p. 15)

160
TÓPICO 2 | A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

FIGURA 41 – ORDEM MULTIPOLAR

FONTE: Disponível em: <http://interna.coceducacao.com.br/ebook/content/pictures/2002-11-


171-04-i003p.gif>. Acesso em: 14 set. 2018.

Todavia, no campo econômico as coisas parecem ser mais complexas. Por


isso, a tendência que se afirma no momento é a de um mundo multipolarizado.
Assim, sem sombra de dúvidas, os EUA permanecem com a economia mais
vigorosa do planeta – contudo, enfrentando inúmeros problemas colaterais
gerados por sua posição hegemônica. É para os EUA que se continuará
sendo canalizada grande parte dos recursos financeiros do mundo inteiro,
através da Bolsa de Nova York ou da compra de títulos do governo federal.
Em consequência, os EUA permanecem como principal centro de pesquisas e
desenvolvimento da ciência e tecnologia que se pulverizam para todo o mundo
cada vez mais rapidamente e continuarão sendo os provedores dos organismos
internacionais como o Banco Mundial e o FMI – apesar de todo o desprestígio
dessas instituições atualmente.

Por continuarem sendo os detentores da economia mais vigorosa, os


EUA continuarão a ser obrigados a permanecer, também, como o mercado
mais aberto do sistema comercial mundial. Apesar da assinatura do NAFTA
– o Acordo de Livre Comércio da América do Norte – englobando os EUA,
Canadá e México, e com a pretensão de criar um imenso corredor comercial

161
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

englobando todo o Continente Americano, parece improvável que a hegemonia


relativa dos EUA na economia mundial permita o seu fechamento em relação
aos mercados europeu e asiático. Nesse sentido, o papel que restou aos EUA
na geopolítica atual força-os a tentar, ao menos, manter os laços econômicos
e militares com os seus tradicionais aliados, mesmo que o custo disso não
seja muito apreciado pelos economistas: déficit orçamentário e fiscal, gastos
militares e dispêndio com verbas a fundos perdidos em alguns casos.

Com uma certa razão, os EUA não pretendem arcar com todos esses
compromissos sozinhos. E o olhar deles – como de resto, de todo o mundo – se
volta, necessariamente, para dois países em especial: a Alemanha e o Japão. São
os dois países que saíram arrasados da Segunda Guerra e que hoje constituem,
respectivamente, a terceira e a segunda economias mais vigorosas e dinâmicas
do planeta. É mais do que reconhecido que esses dois países se reergueram
economicamente em função da ajuda mais que providencial dos EUA ao longo
das duas décadas, após o término da Segunda Guerra.
FONTE: Martinez; Tanaka (1996, p. 15-16)

Contudo, apesar das declarações de boas intenções de Bonn e Tóquio,
esses países vêm apresentando interesses e projetos econômicos que se distanciam
dos interesses diretamente ligados aos Estados Unidos.

A Alemanha apresenta-nos uma nova caracterização política e econômica,


respaldada pelo esforço de superação (REINSERÇÃO, 2010).

A partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, “[...] abriu caminho para 17


anos de investimento financeiro contínuo no cenário interno para a reconstrução
de uma unidade social, política e econômica” (REINSERÇÃO, 2010). Voltando
suas atenções para a superação e a busca de equilíbrio entre as duas Alemanhas,
o país se reestabelece “como uma das grandes instâncias da decisão política
internacional” (REINSERÇÃO, 2010). Entre seus principais objetivos de ordem
externa, destaca-se ser incluída “como membro permanente do Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), seleto grupo que já conta
com Estados Unidos, China, Rússia, França e Inglaterra” (REINSERÇÃO, 2010).

Neste atual cenário político global multipolar, formado por diversos


expoentes que tentam equilibrar a disposição de poder no mundo, a Alemanha
vê-se obrigada a inovar e assumir responsabilidades internacionais para
competir com outras nações pelos mesmos objetivos. As recentes intermediações
germânicas nas principais negociações entre o Conselho de Segurança e o Irã
– a respeito do impasse nuclear promovido pela vontade do país árabe de
enriquecer urânio – configuram esse interesse político de angariar projeção
externa para garantir o alcance de suas metas globais.. No fronte militar, o
governo alemão declara abertamente apoio aos Estados Unidos na chamada
“guerra contra o terrorismo”, além de fazer parte da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN).

162
TÓPICO 2 | A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

[...] a Alemanha também é peça central do maior fenômeno de integração


transnacional existente: a União Europeia (UE). Desejosa de aumentar sua
influência entre os países membros da UE, [...] a Alemanha atualmente exporta
conhecimento científico e assume a liderança em debates para a resolução
de problemas que atormentam o continente, principalmente sobre questões
referentes à imigração, ao envelhecimento populacional e à viabilidade de
políticas de restrição dos benefícios sociais concedidos aos cidadãos para
preservação dos sistemas públicos de pensão.

Já no cenário interno, todas as decisões políticas são tomadas dentro


da estrutura de uma república democrática, representativa, federativa e
parlamentar, na qual o chanceler, apesar de não ser o chefe de Estado, é o chefe
de Governo em um ambiente multipartidário. [...]

FONTE: Reinserção (2010)

“A economia alemã produz, na atualidade, US$ 2,73 trilhões por ano, e é


o maior exportador mundial. Essa economia é controlada por um banco central,
que controla a política monetária europeia, que se reflete na economia global”.
(Disponível em: < veja.abril.com.br/idade/.../alemanha/politica.html>. Acesso em:
2 ago. 2010)

O sistema econômico alemão ou economia de mercado social tem


dimensões tanto materiais como sociais. O peso financeiro dos extensos benefícios
sociais concedidos aos cidadãos alemães não se reflete na economia interna e
externa, tanto que esse país é a terceira maior economia do mundo em termos
de PIB – atrás apenas dos Estados Unidos e Japão – e um dos países líderes em
relação à renda per capita. Apesar das modestas médias de crescimento econômico,
ao redor de 1% ao ano, a economia é dinâmica no sentido de ser direcionada a
uma expansão lenta e contínua.

Em relação ao Japão, segunda maior economia do mundo, depois


de experimentar um crescimento vertiginoso no pós-guerra, impulsionado
principalmente pela indústria eletrônica e automobilística, o país passou por um
período recessivo durante toda a década de 90, levando-o a reformas estruturais
profundas tanto no setor privado como no sistema bancário e nas contas públicas,
que conseguiram reaquecer a economia a partir de 2003.

Para os analistas econômicos japoneses, o aspecto mais animador do atual


ciclo de crescimento é o fato de ele ser sustentado pelo consumo interno (são
aproximadamente 130 milhões de habitantes), e não pelas exportações, o que gera
produção, emprego e salários. Na esfera pública, as políticas incluem privatizações
e uma revisão no sistema de bem-estar social, que encareceu o custo de mão
de obra. As grandes corporações também buscam se adaptar e implantaram
inovações para aumentar a produtividade. Aboliram-se traços característicos da
cultura corporativa japonesa, como os cargos vitalícios e as promoções com base
no tempo de serviço, e transferiu algumas das suas atividades para a China e para
o leste europeu, que oferecem mão de obra barata.

163
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Com o reaquecimento da economia, o país voltou a investir no exterior. Em


2005, os japoneses investiram US$ 45 bilhões em outros países. Desse montante,
US$ 12 bilhões nos Estados Unidos e US$ 6,5 bilhões na China, e nos últimos seis
anos as empresas japonesas investiram cerca de US$ 4 bilhões no Brasil.

FONTE: Disponível em: <veja.abril.com.br/idade/exclusivo/conheca.../index.html>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

No ano de 2005, o PIB japonês foi de US$ 5 trilhões. Mesmo importando


quase toda a matéria-prima e o petróleo que consome, a indústria é o principal
motor da economia; a atividade agrícola é subsidiada e apenas 15% das áreas são
cultiváveis e nelas predominam pequenas propriedades. Mesmo assim, o país é
autossuficiente na produção de arroz, ingrediente básico na dieta alimentar de
sua população; porém, em contrapartida, importa quase toda metade dos cereais
e praticamente toda a carne que consome.

[...] o Japão parece não ter tanto em financiar o seu próprio sistema de
defesa nacional, há muito tempo controlado pelos Estados Unidos. Ao
contrário, parece que o seu objetivo é realizar a conquista de amplos
mercados para os seus produtos e sua tecnologia através do domínio
da extensa bacia do Pacífico que envolve a Coreia, sudeste asiático e a
Oceania. Nos últimos vinte anos, o Japão intensificou a sua presença
na região, aliando-se a empresas locais que se utilizam em larga escala
da tecnologia japonesa, reproduzindo o modelo agressivo de aumento
das exportações. (MARTINEZ; TANAKA, 1996, p. 16).

Nesse contexto, acrescentamos a China, que emerge como uma nova


potência, reforçando a tese da multipolaridade. O país possui a maior população
do planeta, consequentemente, um dos maiores mercados consumidores. Além
de oferecer mão de obra barata, oferece também facilidades para atrair capitais
estrangeiros, o que justifica ser a economia que mais cresce no mundo, há duas
décadas. Soma-se ainda seu crescente poderio militar: possui armas nucleares e é
membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Diante desses “tentáculos” do capitalismo político, reforçamos que, mesmo


os Estados Unidos tendo novos concorrentes na liderança econômica mundial,
o país ainda se garante com a hegemonia militar, conforme já referenciamos
anteriormente, considerando como se vivêssemos em um mundo unipolar.
Ilustrando essa condição norte-americana, podemos tomar os seguintes fatos como
exemplo: o fato do dia 11 de setembro de 2001; o episódio que levou os Estados
Unidos à guerra no Afeganistão em 2002, com o objetivo de capturar Osama Bin
Laden e destruir as bases da organização Al Qaeda naquele país; em 2003, a guerra
contra o Iraque para depor Saddam Hussein, que supostamente armazenava armas
de destruição em massa. Essa última guerra, na realidade uma invasão nos moldes
do antigo imperialismo, ocorreu sem a legitimação de uma resolução do Conselho
de Segurança da ONU, reforçando o unilateralismo norte-americano e, ainda,
também relembrando o Irã e a Coreia do Norte, países que compõem o chamado
“eixo do mal” e que acabam sendo vistos como estabelecedores do “desequilíbrio
emocional” nas relações diplomáticas norte-americanas.

164
TÓPICO 2 | A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

4 NOVA ORDEM OU NOVA DESORDEM A PARTIR DO


CAPITALISMO
O capitalismo é considerado um sistema político ideológico e econômico
muito mais dinâmico, produtivo e competitivo que o socialismo. Entretanto,
juntam-se aos países desenvolvidos capitalistas os países considerados
subdesenvolvidos, onde vivem quatro quintos da humanidade.

Há uma série de problemas criados pelo próprio sistema capitalista, que


estão se agravando cada vez mais, como a concentração de renda, o aumento
da pobreza, do desemprego, entre outros. Com o fim do conflito Leste x Oeste,
muitos problemas e contradições, tanto do capitalismo quanto do socialismo,
passaram a chamar a atenção de todos: exacerbações nacionalistas, sentimentos
xenófobos e racistas, desigualdades sociais e regionais, várias formas de
agressão ao meio ambiente, etc. (Sene e Moreira, 1998, p. 60).
FONTE: Adaptado de: < http://ava.ead.ftc.br/conteudo/circuito1/Circuito_Novo/Periodo_
05/geografia/05-organizacao_do_espaco_mundial/bloco2/tema3/total.php>.
Acesso em: 2 ago. 2010.

Segundo Moreira e Sene (2008, p. 215-217):

[...] um dos problemas mais sérios da atualidade está na profunda


desigualde social e econômica que alarga cada vez mais o abismo entre
ricos e pobres, ocorrendo em todos os países, até mesmo nos mais
desenvolvidos. Esse aumento de disparidades sociais é consequência
da incorporação de novas tecnologias nos processos produtivos,
que tem levado a uma significativa redução do número e postos
de trabalho – o que chamamos de desemprego estrutural, onde a
máquina substitui a mão de obra. Como consequência, vem ocorrendo
o aumento de trabalhadores que vivem na informalidade ou que se
submetem a relações de trabalho que não oferecem garantias legais.

FIGURA 42 – DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

FONTE: Disponível em: <http://pimentanegra.blogspot.com/2008/09/desigualdade-social-


mata-segundo-um.html>. Acesso em: 2 ago. 2010.

165
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Observa-se um distanciamento cada vez maior entre países ricos e pobres.


Essa é uma tendência histórica do sistema capitalista, acentuada, sobretudo,
na sua fase informacional, como resultado da Revolução técnico-científica.
Entretanto, esse fenômeno não ocorre de forma linear. A desigualdade aumenta
entre determinadas regiões, mas diminui entre outras. Por exemplo, entre países
ricos e a África Subsaariana aumenta continuamente, mas entre a China e os
países ricos, diminui significativamente.

O conflito chamado Norte x Sul, que se acentuou após a Guerra Fria, é


de natureza essencialmente econômica, portanto, diferente do conflito Leste x
Oeste, que é de natureza geopolítica. O aspecto socioeconômico é, atualmente,
uma das formas utilizadas para a regionalização do planeta, embora seja genérica
e simplista. Por essa divisão, tem-se: os países desenvolvidos, designados como
países do Norte, e os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, os do Sul.
A fronteira estabelecida com essa divisão tenta acompanhar, paralelamente,
a linha do Equador, com várias exceções de países com características do
Norte situados no Sul e vice-versa, como é o caso da Austrália, por exemplo.
A China se torna inclassificável por seus aspectos demográficos, econômicos,
geopolíticos e pelas suas contradições.
FONTE: Adaptado de: <http://ava.ead.ftc.br/conteudo/circuito1/Circuito_Novo/Periodo_05/
geografia/05-organizacao_do_espaco_mundial/bloco2/tema3/total.php>.
Acesso em: 2 ago. 2010.

Outra característica que se evidencia no momento atual é o esforço que os


países em desenvolvimento têm expressado para aprofundar as cooperações entre
os países do Sul, objetivando aumentar o poder de negociação nos organismos
internacionais com os países do Norte. Um exemplo desse empenho foi o acordo
de cooperação firmado em 2003, por iniciativa do governo Lula, entre o Brasil,
Índia e África do Sul, o G-3, que pode ser ampliado para G-5, com o ingresso da
China e da Rússia.

O objetivo do grupo está em atuar de forma coordenada nos fóruns


internacionais para aumentar o poder de negociação entre os países membros,
que em outras medidas pretendem se apoiar mutuamente na indicação, como
representantes de seus respectivos continentes, para membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU. “Outro exemplo da cooperação Sul ocorreu
na 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC),
realizada em Cancun, México, em setembro de 2003. Naquela conferência foi
constituído, sob iniciativa brasileira, um grupo de países em desenvolvimento, o
G-20”. (MOREIRA; SENE, 2008, p. 216). Sob a liderança do Brasil, Índia e China,
o G-20 busca defender seus interesses nas negociações comerciais com os países
ricos na OMC e tenta, sobretudo, pressionar a redução dos bilionários subsídios
concedidos aos agricultores dos Estados Unidos e da União Europeia, que, muitas
vezes, distorcem a competição num setor vital para a economia.

166
TÓPICO 2 | A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO

Outra característica crescente na atualidade é decorrente da desigualdade


entre os países ricos e pobres, em que aqueles recebem migrações em massa
oriundos desses, tornando-se um fenômeno cada vez mais preocupante devido a
suas dimensões sociais, econômicas, culturais e geopolíticas.

Milhões de pessoas, a cada ano, estão saindo de seus países, em consequência


do desemprego, dos baixos salários, da fome e da miséria, aliados ao crescimento
populacional nos países subdesenvolvidos, às perseguições políticas e violações
dos direitos humanos, comuns em muitos países, e às várias guerras que ocorrem
no mundo. Desde o início da década de 1990, ao tradicional fluxo de imigrantes dos
países subdesenvolvidos somou-se o de imigrantes dos antigos países socialistas.
Essa multidão de gente dirige-se, sobretudo, aos Estados Unidos, países da Europa
Ocidental e Japão, assim como para os ricos países produtores de petróleo do Golfo
Pérsico. Em resposta à invasão, muitos países ricos fazem exigências para a entrada
de imigrantes ou de turistas em seu território.

FIGURA 43 – FLUXOS MIGRATÓRIOS ATUAIS

FONTE: Disponível em: <http://www.geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=terrsoc_


cap20>. Acesso em: 2 ago. 2010.

As soluções para esse impasse estariam voltadas para iniciativas locais


dos países pobres, com a criação de oportunidades de empregos, investimento
em educação, em profissionalismo, em saúde e em infraestrutura.

167
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Em suma, com o fim da Guerra Fria, muitas tensões vieram à tona. Com
a instauração de uma ordem geopolítica e econômica, emergiu uma série de
novos conflitos, tais como: étnicos e sociais. É importante ficar claro que, quando
se fala na emergência de uma nova ordem mundial, fala-se na instituição de
novos arranjos geopolíticos, políticos e econômicos internacionais e não em um
mundo em que imperem a ordem, a paz e a estabilidade. Ao contrário, com o fim
da velha ordem e, consequentemente, com o surgimento de uma nova ordem
– aparentemente unipolar, assentada na hegemonia do capitalismo, em que
a capacidade tecnológica e financeira é determinante na definição do poder, a
instabilidade e a desordem no mundo aumentaram.

Surgiram novos problemas e os que estavam mascarados pela disputa


Leste x Oeste afloraram. O mundo ficou mais instável. O ataque às torres gêmeas
do World Trade Center atestou esse fato. Antes, os conflitos eram interestaduais
ou contra guerrilheiros que lutavam para se apoderar do aparelho do Estado.
Hoje, a guerra é contra as redes terroristas, uma das quais, a Al Qaeda, atacou os
Estados Unidos em seu próprio território, usando como armas aviões civis lotados
de passageiros, comprovando que todo o aparato militar construído na época da
Guerra Fria não tem utilidade para esse novo enfrentamento. Diante dessa nova
realidade, não podemos concordar com o norte-americano Francis Fukuyama, com
o fim da História. Ao contrário, uma nova História começa a surgir.

168
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico estudamos:

● Com o fim da Guerra Fria, inaugura-se um novo período geopolítico, político


e econômico no mundo.

● Junto da ascensão econômica e política de alguns países, aprofundam-se os


problemas de pobreza e violência em outros.

● Territórios da África, Ásia e Europa são palco de conflitos causados por disputas
de territórios, supremacias étnica, religiosa, cultural e econômica, com maior
agressividade.

● A globalização, nas últimas décadas do século XX, configura-se com a conexão


econômica, política e militar entre países capitalistas.

● A definição da supremacia militar no mundo é apresentada pelo poderio


militar dos Estados Unidos, sendo, então, caracterizado como unipolar.

● O atual cenário político global é também caracterizado por países chamados


“eixo do mal”, como o Irã e a Coreia do Norte, por não estarem em obediência
à supremacia dos Estados Unidos.

● O conflito Leste x Oeste foi substituído pela concorrência Norte x Sul, que
intensifica as diferenças entre países ricos e pobres, estimulando a imigração.

169
AUTOATIVIDADE

1 Identifique, por continente, os principais conflitos existentes e suas causas.

2 A imigração pode ser caracterizada voluntária e involuntariamente. No


decorrer do período pós-Guerra Fria, qual tipo de imigração se evidenciou
e por quais motivos?

170
UNIDADE 3
TÓPICO 3

A ANTROPOLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
Dando continuidade aos trabalhos a respeito da geopolítica e da política,
abriremos parênteses para o interior de nossas concepções, naquelas que se baseiam
no entendimento, assim como na busca de alternativas que levem aos olhares dos
seres humanos, um mundo mais igual, livre, fraterno e ecologicamente correto.

Discutimos, nos tópicos anteriores, sobre a concretude da Geopolítica e da


Geografia Política inseridas em um espaço concreto; as diferentes estratégias de
ação governamental que se sustentam na imposição do poder, seja ele econômico
e/ou militar, por parte dos subordinantes e as tentativas de se posicionar por
parte dos subordinados.

Este tópico não visa apontar este ou aquele Estado-Nação de maneira


objetiva, nem no sentido econômico e nem no sentido militar, mas sim, na
emergência de formulação de novos paradigmas, para que se preserve e se venha
a dar continuidade a todas as espécies de viveres do mundo, em especial a da
espécie humana, pois cabe a ela repensar sobre a continuidade do capitalismo e
da globalização perversa e resgatar valores que garantam a existência do ser e do
bem-estar.

Os princípios da antropolítica servem como norteador para que a


sociedade planetária fuja da linha de risco na qual se encontra. Igualdade,
fraternidade, liberdade e ação ecológica apresentam-se como valores a serem
resgatados pela política global, assim como ação conjunta de todos os Estados-
nação, em correspondência com o seu tempo e no seu espaço. Já se tem ciência
de que a repercussão dos acontecimentos locais é global, em maior ou menor
escala, portanto, a utopia na efetivação do bem-estar planetário, social e natural
é emergencial, no sentido de garantir a perpetuação das espécies, em equilíbrio
com a manutenção do meio.

171
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

2 DA POLÍTICA À ANTROPOLÍTICA
O século XX foi modificado de política do bom governo e de política-
providência do Estado expansionista, por meio da guerra, a Estado assistencialista.
Inicialmente, a política pôs a economia sob seu abrigo com o protecionismo do
século XIX; depois, com as leis antitrustes, a política se encarregou da economia,
orientando-a e estimulando-a ao crescimento e ao controle do Estado, à planificação
que se observou na antiga URSS e na China, entre outros. E, mais recentemente,
as necessidades dos indivíduos e populações entraram na competência política,
mesmo que de uma maneira muito tímida, dependendo do país observado.

Segundo Morin e Kern (1995), as necessidades dos indivíduos e populações


entraram na competência política pela:

● Assistência às pessoas e sua proteção, que são exercidas por alocações diversas,
como: seguro de vida, trabalho, doença, velhice e, também, serviços como:
maternidade, creches, asilo e funerárias.
● Reparação dos danos causados pelas catástrofes naturais (inundações, tremores
de terras, etc.).
● Política da educação, que foi sistematizada e ampliada em política da cultura e
lazer.
● Liberdade ou controle dos meios de comunicação moderno.
● Prosperidade e o bem-estar, que foram elevados à condição de fins políticos.

Dessa forma, a política penetrou todos os poros da sociedade, ao mesmo


tempo em que se deixava penetrar por todos os problemas da sociedade. Os
problemas do viver e do sobreviver, no sentido biológico, fizeram uma entrada
espetacular e generalizada na política, como, por exemplo:

● A política da saúde sucedeu à assistência pública, ela se encarrega da luta contra


doenças contra o câncer e a AIDS, consumo de drogas e até mesmo o fumo.
● Uma política de garantia do mínimo vital, ou seja, as condições mínimas para
garantir a sobrevivência.
● A demografia passou a ser uma preocupação política forte, tanto no caso de
uma tendência ao despovoamento, como é o caso da Alemanha, como de um
superpovoamento, como é o caso da Índia.

As possibilidades de intervenção biomédicas, que agora afetam e


transformam a morte, nascimento, identidade, colocam-se como problema político:

● A eutanásia, a retirada de órgãos, a transfusão de sangue, o direito ao aborto,


a conservação de espermatozoides, a fecundação artificial e, sobretudo,
as manipulações genéticas, que vão permitir determinar o sexo e depois as
qualidades físicas e até psicológicas do filho ao nascer, tornaram-se problemas
mais individuais e familiares, mas que dependem de decisões políticas.

172
TÓPICO 3 | A ANTROPOLÍTICA

Diante disso, dizemos que a natureza humana e a natureza da sociedade,


que entram na problemática política, apresentam-se ao viver, ao nascer e ao
morrer. A noção de ser humano, tornada modificável por manipulações, em
breve se arrisca a ser normatizada por um poder político que dispunha do
poder de manipular o poder de manipulação, ou seja, a política, sem querer
e frequentemente sem saber, torna-se uma política do homem, estando a seu
dispor, para regular sua vida, ou ainda, sua morte.

Interessante essa reflexão, pois foge das abordagens que fizemos até aqui
quando tratávamos da Geografia Política ou da Geopolítica e até mesmo da Geografia
cultural. Tanto em uma como na outra a questão territorial e espacial está muito
presente e as sustenta. Já no momento presente da nossa discussão, abrangemos um
novo aspecto: o da “intromissão” da política em nosso livre-arbítrio.

Seguindo o raciocínio de Morin e Kern (1995, p. 143), tem-se que:

[...] A política deve tratar da multidimensionalidade dos problemas


humanos. Ao mesmo tempo, como o desenvolvimento se tornou
um objetivo político maior e a palavra desenvolvimento significa
a incumbência política do devir humano, a política se incumbe,
também de forma pouco consciente e mutilada, do devir dos homens
no mundo. E o devir do homem no mundo traz em si o problema
filosófico, doravante politizado, do sentido da vida, das finalidades
humanas, do destino humano. A política, portanto, se vê de fato levada
a assumir o destino e o devir do homem assim como do planeta. [...]

Entende-se, a partir da citação, que o caráter multidimensional, planetário


e antropológico é consequência de uma tomada de consciência global, concebida
a partir de uma política do homem no mundo, uma política da responsabilidade
planetária, mas que não negligencie a realidade imediata, o local e o regional.
Hoje, o Homo sapiens reflete-se na sua própria evolução, a quem os estudiosos
denominam Homo demens, que se caracteriza dentro da complexidade do vivo,
da complexidade da Terra, da complexidade cósmica, em que todas as partes
contêm em si o todo e esse todo também é constituído de todas as partes.

Na Unidade anterior falamos sobre isso no exemplo referente ao europeu


que toma chá. Agora, atribuímos essa mesma concepção de organização ou
desorganização presente na configuração cósmica, mesmo conhecendo uma parte
minúscula ou, até mesmo, insignificante diante de sua grandeza e complexidade.
Dentro dessa concepção, o homem não tem a missão soberana de dominar a natureza,
mas deve levar adiante a sua hominização em parceria com ela.

Também abordamos, na Unidade anterior, a questão da Ecologia, ou


seja, os impactos ambientais ainda sem controle oriundos das ações antrópicas.
Retomamos esse tema apresentando o princípio da ecologia da política, em
que essa não tem soberania sobre a sociedade e sobre a natureza; a política se
desenvolve de maneira autônoma/independente num ecossistema social, que se
encontra situado num ecossistema natural, e as consequências de suas ações, que

173
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

entram no jogo das inter-retroações do conjunto natural e social, só obedecem,


por pouco tempo e raramente, à intenção ou à vontade de seus atores, ou seja,
considerado que cada um é um Homo demens, a objetividade perde o sentido,
dando lugar ao imprevisível. Isso ainda é mais verdadeiro na era planetária que
vivemos atualmente, na qual a interdependência generalizada faz que ações
locais e singulares tenham consequências gerais, longínquas e inesperadas. O
princípio de Ecologia da ação política deve, portanto, estar presente sem descanso
no pensamento antropolítico e no pensamento planetário.

AUTOATIVIDADE

Ilustrando o fato que as ações locais repercutem de uma maneira


longínqua e inesperada, dê uma olhadinha no site do YouTube – Teoria do
Caos – de 22 de dezembro de 2006, sobre a evolução dos acontecimentos
a partir de um simples toque de uma borboleta, dura só 31 segundos,
mas é bem interessante. Disponível em: <http://www.youtube.com/
watch?v=o6FySV31Y6g&feature=fvs>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Para Morin e Kern (1995), a estratégia da antropolítica planetária está


condenada a se desenvolver numa incerteza extrema. As previsões futurológicas
de três décadas atrás não se concretizaram. Há tantos processos discordantes,
conflituosos, interdependentes e aleatórios, tantas interações e retroações, que
não se pode apostar num futuro certo, apenas num futuro desejável, possível,
mas incerto, elaborando estratégias justamente adaptadas à incerteza planetária.

FIGURA 44 – CONSCIENTIZAÇÃO/ERA PLANETÁRIA

FONTE: Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/arte-e-cultura/moda-e-budismo-uma-


visao-ocidental-e-oriental-convergidas/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

174
TÓPICO 3 | A ANTROPOLÍTICA

A antropolítica também se complementa com o princípio de solidariedade


e de globalidade, que exige o tratamento, em relação ao planeta, dos problemas
de importância global e geral, e o princípio de subsidiaridade, que reserva às
instâncias nacionais, regionais ou locais o direito de tratar de maneira autônoma
problemas que dependem de sua competência.

Assim, os princípios de Liberdade, Igualdade, Fraternidade são


complementares quando: é preciso um mínimo de liberdade e igualdade para
que haja fraternidade; um mínimo de fraternidade para que a liberdade não
se torne abuso e que a igualdade seja em princípio aceita. Esses termos são
igualmente antagônicos, uma vez que a liberdade tende a destruir a desigualdade
e ignora a fraternidade; que a igualdade necessita de coerções que atentam contra
a liberdade; e que a fraternidade, contraditoriamente aos dois princípios, não
pode ser imposta ou garantida por lei ou constituição, pois é um valor moral
que se cria, se processa e se interioriza no ser humano. Devemos somar, ainda, o
princípio da ecologia da ação para cuidar que as virtudes de liberdade, igualdade
e fraternidade não sejam pervertidas e nem egoístas, pois quantos crimes contra
a liberdade foram cometidos em nome da liberdade, contra a igualdade em nome
da igualdade, contra a fraternidade em nome da fraternidade?

Realmente são antagonismos e se sustentam na sua validade diante de


determinado grupo que lute contra a desigualdade, a falta de fraternidade e
liberdade. Um bom exemplo ilustrativo que procura assegurar esses princípios
a todos os seres humanos está na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
criada pela ONU, em 10 de dezembro de 1948. Bastante irônico, mas quando
da sua criação, contextualizava com o final da II Guerra Mundial. Interessante
conhecermos suas primeiras palavras:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da  Assembleia Geral


das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos


os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, 

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos


resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade
e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de
palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade
foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

175
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo


Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso,
à rebelião contra a tirania e a opressão,  

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações


amistosas entre as nações,   

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta,


sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa
humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram
promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade
mais ampla, 

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a


desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos
direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e
liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades


é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,   

A Assembleia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal


comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo
de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente
esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o
respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas
de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua
observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-
Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.  

[...]
FONTE: Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.
htm>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Percebe-se que os termos liberdade, igualdade e, de maneira implícita,
fraternidade estão presentes no início da declaração diversas vezes. Então,
questiona-se: onde está a validade desse documento universal? Por que
teoricamente é tão completo e a sua execução torna-se tão ausente nas relações
entre os homens e entre os homens e seu espaço de vida?

Para Morin e Kern (1995), o cumprimento das estratégias antropolíticas


deve obedecer a normas ou regras de conduta que dependem tanto das finalidades
e dos princípios como de consideração empírica das condições de ação, ou
seja, aprofundar-se no contexto histórico de cada povo, para então entender

176
TÓPICO 3 | A ANTROPOLÍTICA

e quem sabe posicionar-se de maneira mais prudente e qualitativa diante das


complexidades das relações sociais, para daí, quem sabe, validar a execução e
implantação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Esses autores (MORIN; KERN, 1995, p. 150-151) destacam duas normas,


que podem ser consideradas permanentes, diante das relações sociais e ecológicas:

Norma 1- Trabalhar a favor de tudo que é associativo, lutar contra tudo que
é dissociativo. Isso não significa que é preciso manter coerções hegemônicas
sobre uma nação ou uma etnia que queiram emancipar. Significa que,
mesmo nesse caso, a emancipação deve conduzir não ao isolamento e às
rupturas das conexões preestabelecidas – econômicas, culturais –, mas há
necessidade de participar de um conjunto associativo. Assim, por exemplo,
a emancipação dos países bálticos deveria ser acompanhada de integração
num novo conjunto báltico – Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Rússia
– e do estabelecimento de vínculos espaciais com a Rússia, não apenas para
salvaguardar complementaridades econômicas, mas também para dar um
estatuto protegido às minorias russas que aí se encontram.

Contraditória com a proposta dos autores, temos a realidade das ex-


colônias europeias, na África, onde, após o processo emancipatório, tornaram-
se palcos de lutas, resultantes de rivalidades étnicas, as quais eram, de certa
maneira, apaziguadas pela interferência dos colonizadores. Além da rivalidade
ética, também se instauraram nesses novos Estados-nação uma pobreza profunda
e impactos ambientais, muitos sem precedentes e isentos de recuperação.

Norma 2 – Visar à universalidade concreta. O obstáculo não procede apenas


das instâncias ego ou etnocêntricas que sacrificam sempre o interesse geral
a seus interesses particulares, mas também de uma aparente universalidade,
que julga conhecer/servir o interesse geral, no entanto, obedece apenas a uma
racionalidade abstrata. A norma do universal concreto é muito difícil de se
aplicar. O interesse geral não é nem a soma, nem a negação dos interesses
particulares. A ecologia da ação nos mostra que a ação a serviço do interesse
geral pode ser desviada num sentido particular. Nossa ideia do interesse geral
pode ser frequentemente reexaminada em referência a nosso universo concreto,
que é o Planeta Terra.

Infelizmente, essa norma ainda não encontrou sua aplicabilidade. Vários


são os exemplos que ilustram as privações de ações universais, visando um bem-
estar social e ambiental. Entre eles, podemos destacar:

[...] a questão sobre o Mar de Aral, situado entre Cazaquistão e


Uzbequistão, na Ásia, o qual em menos de 40 anos tem sua área de abrangência
reduzida em quase 90%, tornando-se um dos maiores impactos ambientais na
atualidade, conforme afirma o atual secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon,
em visita à região no início de 2010.

177
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

FIGURA 45 – O DESAPARECIMENTO DO MAR DE ARAL

FONTE: Disponível em: <planetasustentavel.abril.com.br/.../conteudo_345576.shtml>. Acesso


em: 2 ago. 2010.

Esse mar já foi o quarto maior do planeta e faziam parte de sua bacia
mais de cinco mil lagos. O desvio dos rios que o alimentavam (Amu Daria e
Sir Daria) foi feito pelos soviéticos para irrigar plantios de algodão. A floresta
que cercava suas margens também foi prejudicada e cerca de 80% das espécies
de animais desapareceram. Em consequência da retirada de água, a erosão
apareceu e, somado a esse processo erosivo, têm-se ainda 60 milhões de
toneladas de sal carregadas pelos rios, matando peixes e a indústria pesqueira
que sustentava a economia local. Já se registra a contaminação dos lençóis
freáticos com pesticidas, elevando o nível de doenças como o câncer. Os ventos
que sopram na região levam a areia com alto grau de sal para áreas do Japão e
Escandinávia, provocando sérios problemas de saúde.

FONTE: Disponível em: <www.estadao.com.br/.../vidae,morte-do-mar-de-aral-e-desastre-


chocante-diz-secretario-geral-da-onu,533577,0.htm>. Acesso em: 2 ago. 2010.

Esse foi apenas um exemplo. Quantos hoje se somam a esse e quantos


ainda marcam presença mesmo tendo se iniciado em épocas remotas, como é o
caso do aquecimento global, quando se inaugurou, no século XVIII a Revolução
Industrial? Podemos entender, portanto, que a estratégia da política complexa
necessita a consciência das interações entre os setores e os problemas e não
pode tratar isoladamente esses problemas e setores. Deve agir sobre as próprias
interações, evitando tratamentos unilaterais e brutais.

Morin e Kern (1995) explicam que a política permanente sobre um único foco
desconsidera as interações que repercutem a partir desse foco. Assim, em relação
aos problemas de saúde demográficos, modo de vida e meio ambiente, praticam-se
políticas separadas, mas não uma política de intervenções entre esses problemas.

178
TÓPICO 3 | A ANTROPOLÍTICA

Focalizando a questão da espacialidade dentro do contexto da globalização,


Santos (2004) observa uma maneira particular de organização do espaço, sendo
essa indispensável à reprodução das relações econômicas, sociais, ambientais
e políticas. Assim como até agora o espaço foi utilizado, em quase toda sua
extensão, como veículo do capital e instrumento da desigualdade social, necessita
agora organizar-se de maneira oposta, ou seja, que vise estabelecer os princípios
propostos inicialmente: igualdade, liberdade, fraternidade e ação ecológica.

Santos (2004, p. 74), propõe duas grandes linhas de ação:

Em primeiro, será preciso dar a todos os homens o direito a um


emprego e uma acessibilidade igual a todos os bens e serviços
considerados essenciais. Em segundo lugar, ao lado de uma política
de consumo e de uma política de produção coordenadas, de uma
política de preços audaciosos e de uma política de criações novas não
subordinada a qualquer preocupação de contabilidade capitalista,
precisa-se, igualmente, uma política de ordenamento do espaço. Sua
preocupação essencial deverá ser a eliminação das injunções que se
criaram através de uma organização capitalista do espaço regional e
urbano e que contribui para agravar ou perpetuar a separação entre os
homens em classes sociais.

Lembra Santos (2004, p. 75) que:

[...] o fato é que cada estrutura do todo reproduz o todo. Assim como
uma fase de transição, as estruturas vindas do passado, ainda que
parcialmente renovadas, tenderão a continuar reproduzindo o todo
tal como era na fase precedente. Todavia, se cada estrutura conhece
seu próprio ritmo de mudança, a estrutura do espaço é a instância
social de mais lenta metamorfose e adaptação. Por isso, ela poderá
continuar, por muito tempo, a reproduzir o todo anterior, a situação
que se deseja eliminar [...]

O que Santos (2004) reforça é a permanência de ranços que comumente


estão interiorizados no ser humano, sendo eles, muitas vezes, que criam
julgamentos e ações diante dos problemas sociais e ambientais existentes na
contemporaneidade. Além disso, reforça que as mudanças de concepções estão
intimamente ligadas às mudanças da organização espacial. Interessante perceber
que essa preocupação sobre o arranjo da organização espacial dentro do sistema
capitalista e da globalização, aparentemente, está em atendimento da própria
revitalização do sistema e não da revitalização do ser humano, das diferentes
sociedades, dos diferentes ecossistemas planetários.

Entre algumas propostas de Santos (2004, p. 78-79) sobre uma maneira de


planificar o espaço, ou seja, estabelecer os princípios da antropolítica, destacamos:

● a redução da dependência frente ao estrangeiro, investindo-se em técnicas


locais que trariam a libertação da necessidade de grandes capitais;
● o Estado tornar-se mais próximo da Nação, uma vez que as retiradas dos
monopólios sob o disfarce de fundos de reserva e outros não mais seriam
necessárias, as remessas a títulos de importação cessariam, e o produto
nacional tornar-se-ia mais rico, e ainda, permitiria a criação, nas cidades
regionais, de atividade industrial;

179
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

● a atividade industrial desenvolvida nas cidades médias e pequenas


absorveria os excedentes rurais, resultando em uma distribuição espacial
urbana e rural diferentes, comum ao número maior de cidades importantes.
Teoricamente, não haveria lugar para as disparidades regionais com efeitos
circulares negativos;
● uma economia mais voltada para dentro liberaria cada homem e o país inteiro das
múltiplas formas de dependência: econômica, técnica, cultural. Isto permitiria
uma política autêntica de polos de desenvolvimento econômico e social.

Podemos conceber que as observações de Santos (2004) podem nos parecer
utópicas frente ao comprometimento que o local tem com o global e esse com o
local. Dificilmente, voltar-se somente para dentro seria uma prática viável no atual
contexto das conexões econômicas, sociais, ambientais e políticas existentes entre
os vários Estados-nação do mundo, mas, certamente, uma preocupação política
inicialmente voltada para dentro é viável e possível, basta o comprometimento
do poder público e do cidadão planetário.

Terminamos este tópico associando a evolução tecnológica com a urgente


necessidade de evolução da humanidade, no sentido de aplicarmos os princípios
da antropolítica, que vislumbrem a sobrevivência de nossa espécie.

Estando inseridos dentro da terceira revolução tecnológica – a primeira


foi a máquina a vapor, a segunda a da eletricidade – que é de natureza
computacional/informática/ comunicacional, temos a tendência de diminuir os
obstáculos da distância e do espaço. As redes predominam sobre os espaços e o
trabalho pode cada vez mais ser separado de um lugar centralizador. A evolução
da técnica permitirá considerar em breve uma nova lógica da máquina artificial
mais próxima da lógica cerebral humana, pelo desenvolvimento de computadores
com redes quase neuronais, cujos efeitos poderão modificar não apenas a vida
fora do trabalho, mas também a vida do trabalho.

Diante dessa realidade, a estratégia de uma antropolítica planetária


necessita, ao mesmo tempo, a manutenção simultânea de atualização e
ajustamento diante das exigências de cada tempo e de cada espaço, assim como
de recursos permanentes do repensar sobre essas exigências, no sentido de buscar
a satisfação da totalidade social e ambiental. É um desafio, mas é tão emergente
como a garantia de sobrevivência das próximas gerações, sejam elas de natureza
humana ou ecológica.

180
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico vimos que:

● A antropolítica caracteriza-se no resgate ou apropriação de valores ético-sociais


e ecológicos, que possam garantir a sobrevivência das espécies vivas presentes
no planeta.

● Os problemas do indivíduo e da população, como: vida, morte, educação,


sustentabilidade, atualmente fazem parte da competência política.

● Os princípios que regem a antropolítica são identificados por: liberdade,


igualdade e fraternidade, somados à ação ecológica, caracterizando um alto
grau de interdependência.

● Existe a proposta de normas diante das relações sociais e ecológicas que se


sustentam:

a) trabalho a favor de tudo que é associativo;

b) visar à universalidade concreta.

● Aos Estados-nação está a demanda de alternativas políticas voltadas,


inicialmente, aos interesses internos.

● Com o uso da tecnologia é possível maior ajustamento entre o crescimento


econômico, social e ecológico, nas decisões político-administrativas dos
Estados-nação.

181
AUTOATIVIDADE

1 Trabalhamos, nas unidades anteriores, com questões que abordavam a


tentativa ou a afirmação da supremacia econômica e militar por alguns
países. Que aspectos, do contexto atual, evidenciam a emergência de um
novo rumo político no que se refere à sobrevivência dos seres vivos?

182
UNIDADE 3
TÓPICO 4

ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

1 INTRODUÇÃO
Para o último tópico de nossa Unidade trabalharemos a temática a respeito
do terrorismo e a Geopolítica atual. É um tema pertinente e complexo, no sentido
de que envolve a tomada de partido ou de posicionamento político dos Estados-
nação existentes.

Devido à repercussão que o terrorismo tem sobre o dia a dia do mundo,


sobre a economia do mundo, sobre a vida das pessoas, assim como no investimento
em discussões de como evitá-lo, é que se sustenta a apresentação desse tema.

Os atentados terroristas podem ter seus precedentes em fatos muitas


vezes longínquos, temporalmente falando, mas que ainda se preservam no
interior de uma sociedade que pode ter sido perseguida ou prejudicada por ações
governamentais, ter suas origens em questões de fundo religioso ou, ainda, a
necessidade de se reafirmar como uma nação.

Sendo assim, o terrorismo é considerado uma estratégia política por


excelência, que consiste no uso da violência física e psicológica, em momento em
que está presente a paz, e, ao Estado, configura-se como perda de controle frente
a esses abusos. Diante disso, questiona-se até onde vai o poder do Estado e do
próprio cidadão sob a proteção do Estado?

2 APRESENTANDO O PROBLEMA: O TERRORISMO


Entre os vários assuntos que nos são apresentados pelos meios
de comunicação, o terrorismo sempre acaba ocupando espaço, pois suas
repercussões extrapolam o local do acontecido e atingem bolsas de valores e,
consequentemente, o crescimento das economias, em especial a dos Estados
Unidos – mais poderosa do globo, além de suscitar discussões de como evitá-lo,
que certamente se repercutem na ordenação geopolítica mundial, voltadas, em
especial, na luta contra o terrorismo.

183
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Fazendo uso da datação indicada por Vesentini (2010c), temos que o


começo das ações terroristas de repercussões globais deu-se em 11 de setembro
de 2001, quando destruíram as duas torres gêmeas do World Trade Center, em
Nova Iorque, e parte das instalações do Pentágono, em Washington.

A reação do então presidente dos Estados Unidos, George Bush, antes de


iniciar uma contraofensiva, foi procurar cimentar toda uma aliança internacional
de apoio. Quase um mês após os atentados, as forças armadas estadunidenses,
com aval da ONU e com a colaboração ativa – envio de tropas – e passiva – apoio
logístico, de inúmeros outros países, iniciaram uma série de fortes bombardeios
sobre o Afeganistão, país onde se localizavam o quartel general e vários campos
de treinamento do grupo terrorista El Qaeda (A Base), liderado pelo milionário
saudita Osama Bin Laden, considerado pelos Estados Unidos e seus aliados como
o responsável pelo planejamento daqueles atos destrutivos. Até então, Bin Laden
negava qualquer envolvimento naqueles atentados, mas seu envolvimento com
o terrorismo é patente, sendo apontado como o responsável por alguns outros
violentos atentados ocorridos anteriormente.

Não estaremos, neste tópico, restritos aos acontecimentos do dia 11 de


setembro, mas sim, faremos inferências a respeito de seu significado na nova
ordem mundial, e nem mesmo ao futuro de Bin Laden e seu grupo terrorista.
O essencial são as mudanças permanentes que todo esse episódio ocasionou
nas relações econômicas, políticas, diplomáticas e militares internacionais. O
terrorismo, que, segundo Castell 2001 (apud VESENTINI, 2010c), não se resume
a este grupo referido, passou a ocupar o antigo papel do “comunismo”, o de
“inimigo” ou ameaça maior à continuidade do sistema de globalização projetado
a partir do capitalismo.

A luta do terrorismo ainda deverá, por muito tempo, prosseguir. E, mais


uma vez, (pois isso já ocorreu anteriormente diante de atentados terroristas),
o movimento terrorista deverá produzir um efeito contrário ao que objetiva:
ao invés de desestabilizar as instituições dominantes, em especial os Estados
Unidos, as fortalecerá; ao invés de gerar o pânico, insegurança e desestruturação
social (algo que de fato produz, no curto prazo), ele deverá, a médio e a longo
prazo, fortalecer e até legitimar novas e mais severas medidas de segurança e de
vigilância sobre a vida cotidiana das pessoas em geral.

3 O QUE É O TERRORISMO NA NOVA ORDEM MUNDIAL?


O terrorismo é caracterizado como uma forma violenta de protesto, uma
tentativa de desestabilizar alguma ordem existente e já é conhecido desde a
Antiguidade. Segundo Vesentini (2010c), existem referências de atos terroristas
desde a Grécia Antiga, passando pelo Império Romano e por inúmeros outros
momentos da história. No final do século XIX e início do século XX, tivemos os
seguintes fatos: em 1894, um anarquista italiano assassinou o presidente francês
Sai Carnot; em 1897, anarquistas mataram a punhaladas a imperatriz Elizabeth

184
TÓPICO 4 | ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

da Áustria e assassinaram o Primeiro-Ministro espanhol Antonio Canovas; em


1900, o rei Humberto I, da Itália, foi vítima de outro ataque terrorista e, no ano
seguinte, um anarquista matou o presidente norte-americano William McKinley.
E, não podemos nos esquecer da Primeira Guerra Mundial, que foi deflagrada
após o assassinato, em 1914, de um arquiduque austríaco por um terrorista sérvio.

O terrorismo, assim, é caracterizado por atos de desespero, de violência,


feitos por grupos ou por indivíduos que almejam mudar alguma coisa na vida
política, econômica, cultural e social – derrubar um regime, lutar contra uma
potência colonialista ou imperialista, alterar radicalmente os valores de uma
sociedade, alcançar independência nacional e de guerrilha, no qual um grupo
almeja controlar um território. A principal finalidade dos atos terroristas é semear
o pânico, desestabilizar as instituições e, com isso, suscitar mudanças radicais.

O terrorismo atual, também chamado de pós-moderno ou de global,


apresenta-se com características diferentes das formas anteriores, pois hoje se
baseia em planejamentos prévios e pelos objetivos, pela natureza globalizada e
pelo uso inteligente da mídia e da tecnologia.

O antigo ou velho terrorismo, aquele do final do século XIX e início do


XX, era formado por organizações anarquistas e nacionalistas, que apresentavam
propostas políticas bem definidas e, em geral, assumiam seus atos, dos quais
se orgulhavam, principalmente quando assassinavam autoridades de regimes
contrários, acreditando que a maioria da população os apoiava. Além disso,
procuravam eliminar figuras estratégicas, evitando atingir inocentes. Já o
terrorismo atual, chamado pós-moderno ou global, não apresenta, segundo
Vesentini (2010c), objetivos políticos precisos e, normalmente, as organizações
que o praticam não fazem muita questão de assumir a autoria dos ataques,
embora, ocasionalmente, o façam após uma premeditada demora. Já para o
novo terrorismo, não há inocentes, todos sofrem as consequências dos atos do
regime sob o qual vivem e eventualmente apoiam. A destruição de edificações e
monumentos simbólicos, a matança de centenas de pessoas, é algo que chama a
atenção da mídia e, justamente, essa é uma das grandes preocupações desse novo
terrorismo. Ele busca cobertura da mídia internacional, em que explicita seus
objetivos e, em seus discursos, seus atos só têm sentido no contexto de sociedades
democráticas, em que a mídia e, em especial a televisão, é, teoricamente, livre e
procura dar uma cobertura imediata aos acontecimentos considerados “quentes”
ou de grande importância.

Aliás, o avanço tecnológico dos meios de comunicação apresenta-se


como um forte aliado, estabelecendo uma relação simbiótica entre o terrorismo
e a nova mídia: ambos são globalizados e visam à opinião pública internacional,
ambos preocupados com o sensacionalismo, com acontecimentos trágicos, que
precisam ser (re)produzidos constantemente para prender a atenção do público,
aumentando os índices de audiência. Como exemplo, podemos citar o acontecido
no dia 11 de setembro de 2001, em que, durante semanas, algumas redes de
televisão alcançaram altíssimos índices de audiência procurando mostrar o
melhor ângulo do ocorrido, assim como criando especulações do caso.

185
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

O terrorismo de inspiração anarquista, intenso no final do século


XIX e no início do XX, praticamente não existe mais. A exceção seria
a figura isolada do Unabomber, terrorista que agiu durante 18 anos
nos Estados Unidos e foi capturado em 1996. Suas ações apoiavam-
se contra as desigualdades sociais, diferentemente dos anarquistas
atuais ou neoanarquistas, que preferem as manifestações de massas,
sejam pacíficas ou violentas, as quais também se apoiam na mídia
internacional e fazem amplo uso da internet, tais como aquelas
rotuladas como antiglobalização, nos encontros da OMC: Seattle,
Toronto, Genebra, Porto Alegre etc. (VESENTINI, 2010c)

Contudo, esses anarquistas contemporâneos não são cúmplices e nem


simpatizantes do terrorismo, pois esse prejudica a sua causa ao confundir protestos
com matanças indiscriminadas e ao contribuir para a legitimação de novas e mais
severas medidas de segurança e de repressão por parte dos aparatos estatais.

Existe, ainda, o terrorismo de cunho nacionalista em algumas regiões do


mundo, como na Espanha, o grupo ETA; na Irlanda do Norte, o IRA; e no México,
os zapatistas. Esse tipo de terrorismo não é considerado global e sim circunscrito
à região ou nação que pretende libertar ou dominar. Outra característica desse
tipo de terrorismo é que ele não ataca civis de maneira indiscriminada, pois, na
maioria das vezes, sua preocupação está em obter apoio da opinião pública, pois
considera sua causa nobre, estando em atendimento aos interesses daqueles que
lutam por uma causa “justa”.

FIGURA 46 – ÁREA DE INTERESSE BASCO

FONTE: Disponível em: <https://www.mochileiros.com/uploads/


monthly_2014_11/598dbf1f76c8a_PisBasco.jpg.de6ab5a6d27e720ed520bf4fd9372cc8.jpg>
Acesso em: 13 set. 2018.

186
TÓPICO 4 | ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

DICAS

Para complementar seus estudos, pesquise materiais sobre o terrorismo


nacionalista e identifique as causas desses movimentos e atuações. Observe se as causas
podem ser consideradas legítimas no que se refere à afirmação de uma identidade e à
configuração de um território e depois discuta com seus colegas.

Há ainda outra modalidade de terrorismo pós-moderno ou global,


que também acaba ocupando espaço na mídia: as seitas ou organizações
fundamentalistas e tradicionalistas. Essa é também considerada uma diferença
essencial entre o velho e o novo terrorismo. Observa Vesentini (2010c) que o
velho terrorismo, em especial o anarquista, era considerado de “esquerda”,
mesmo se considerando progressista, no sentido de lutar por uma maior
igualdade social, de se opor contra o progresso que exclui. Já o pós-moderno é
essencialmente conservador, é radicalmente contrário aos ideais de igualdade
e liberdade para todos.

Veja que, normalmente, o novo terrorismo combate esses ideais


democráticos, taxando-os de “ocidentais”, que põem em risco as culturas
tradicionalistas ou fundamentalistas, nas quais, geralmente, o radicalismo
está presente, não estando nem um pouco preocupado com as desigualdades
internacionais ou com a pobreza de exclusão de inúmeros povos, e sim com
a ameaça a certos valores. Alguns exemplos dessa situação são considerados,
como: a superioridade masculina e outros princípios do islamismo; a destruição
da ordem atual das coisas com vista à construção de um mundo novo alicerçado
em determinadas crenças religiosas, como a seita apocalíptica japonesa Aum
Shinrikyo, que em alguns anos espalhou o gás sarim no metrô de Tóquio.
Podemos lembrar, ainda, da situação precária dos palestinos, que, ainda sem
solução, repercutem atos terroristas sem data para terminar.

Outro traço característico do terrorismo pós-moderno é que ele não


se limita a assassinatos ou explosões isoladas, que eram as tônicas no “velho
terrorismo”. Ele é global - ele convive com e se alimenta da globalização - e
dispõe de todo um sofisticado arsenal de financiamento e de artefatos: novos
meios de destruição (químicos, biológicos, tecnológicos), contas bancárias
numeradas na Suíça ou em “paraísos fiscais” e membros recrutados em vários
países (e treinados em outros), alguns inclusive com um nível educacional
elevado (pós-graduação ou até doutorado em microbiologia, química, eletrônica,
sistemas de redes etc.). Ele é financiado tanto por contribuições dos membros e
principalmente dos simpatizantes - muitos dos quais arquimilionários, pessoas
muito bem inseridas no sistema global e que reconditamente combatem a atual
supremacia de determinados valores que detestam - como também em alguns
casos pela associação com o tráfico de drogas. Ele dispõe do indispensável

187
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

apoio de alguns Estados que os escondem ou até que permitem (ou financiam
em parte) os seus campos de treinamento: como se sabe, nos anos recentes
esse papel foi desempenhado, em maior ou menor proporção, pelo Sudão, pela
Somália, pela Líbia, pela Síria, pelo Iraque e pelo Afeganistão.
FONTE: Disponível em: <http://www.geocritica.com.br/geopolitica03-1.htm>. Acesso em: 2
ago. 2010.

Assim, temos que o terrorismo pós-moderno dispõe de novos e mais
potentes instrumentos de ação: não somente os assassinatos e as explosões, mas
também gases nocivos, agentes patogênicos e, às vezes, até mesmo material
radioativo, tornando-o cada vez mais fatal ou até mesmo catastrófico.

4 AS REDEFINIÇÕES NA ORDENAÇÃO GEOPOLÍTICA


MUNDIAL
Anteriormente, comentamos que a definição da nova ordem mundial
estava a critério de quem a analisasse, mas predomina, entre a grande maioria
dos estudiosos, que a retomada da história, a partir do dia 11 de setembro de
2001, estaria a contento, pois inaugura um reposicionamento dos Estados-nação
diante da resposta dos Estados Unidos frente ao terrorismo declarado por Osama
Bin Laden.

Um novo sistema de alianças deverá ser construído a partir desse


episódio. É algo que já estava latente desde o final da Guerra Fria, mas que
precisava de uma iniciativa deflagradora. A tradicional rivalidade entre Estados
– e principalmente entre as grandes potências –, mesmo sem deixar de existir,
deverá se enfraquecer e dar lugar a um sistema de apoio interestatal e uma
luta contra outras alternativas (contra as redes terroristas, em primeiro lugar, e
também contra as máfias, o tráfico de drogas, determinadas organizações não
governamentais que desestabilizam o poder dos Estados etc.).

A aceitação da Rússia como parceira do Ocidente - ou talvez até como


parte deste num futuro próximo - é o exemplo mais significativo dessas
mudanças. Isso foi favorecido pela perspicaz política externa de Vladimir
Putin, que ao invés de se opor aos bombardeios norte-americanos sobre um
país estrangeiro (posição tradicionalmente adotada por Moscou), colaborou
com a coalisão liderada pelos Estados Unidos oferecendo assessoria (e até
tropas) e pressionando as ex-Repúblicas soviéticas que fazem fronteira com
o Afeganistão - o Turcomenistão, o Tajiquistão e a Quirguízia - a aceitarem o
uso de seus territórios como bases de apoio nessa guerra. Com isso cessaram
as críticas do Ocidente em relação aos massacres russos na Chechênia e esta
república rebelde passou a ser vista pelos norte-americanos e pelos europeus

188
TÓPICO 4 | ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

não mais como uma vítima das atrocidades russas e sim como uma área onde
há muitos fundamentalistas e grupos terroristas. [...] Somente depois de 10
anos do final do império socialista soviético, o Ocidente capitalista começa a
eliminar a sua antiga desconfiança frente à Rússia e começa a ver esse Estado-
Nação como um membro de fato do sistema global e inclusive da Europa.
Nesse sentido, o terrorismo no final das contas pode ter sido benéfico para os
interesses econômicos e estratégicos russos.

Um outro provável ganhador dessas redefinições geopolíticas é a China.


Ela também adotou um posicionamento de realpolitik, isto é, de perseguir os
seus interesses específicos e esquecer o seu antigo discurso anticapitalista e
de “simpatia para com os oprimidos”. Nesse sentido, ela procurou ganhar
algo em troca de sua aceitação dos bombardeios sobre o Afeganistão e do seu
apoio no combate aos grupos terroristas. Ela até aproveitou o momento para
intensificar a repressão sobre os grupos islâmicos que existem na parte oeste
do seu território, na região de Xinjiang. E o governo Bush começou a esquecer
o seu discurso anterior, de considerar a China como o grande “competidor
estratégico”, e passou a vê-la como um parceiro na luta contra o terrorismo
e os demais fatores de instabilidade do sistema global. Com isso fica mais
fácil a assimilação da China na OMC [...]. Mas o grande sonho ou objetivo
geoestratégico da China ainda está distante: [...] a incorporação de Taiwan.
FONTE: Disponível em: <http://www.geocritica.com.br/geopolitica03-1.htm>. Acesso em: 2
ago. 2010.

O posicionamento dos Estados-nação diante dos acontecimentos acaba se


legitimando com o apoio e/ou cooperação entre si. Observa-se que, geralmente,
são países de maior significado internacional que se unem, fortalecendo cada vez
mais seus posicionamentos diante do contexto global.

Os estrategistas norte-americanos perceberam afinal que não podem


dominar o mundo sozinhos, nem mesmo via OTAN, e que é necessário haver uma
base legal de sustentação, um fórum internacional que legitime determinadas
medidas duras [...] na luta contra o terrorismo. Além disso, qualquer ação com
o aval da ONU sempre será mais palatável para os demais povos do que uma
outra decidida exclusivamente pelos Estados Unidos ou mesmo pela OTAN.
E como todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da
ONU estão atualmente alinhados nessa luta contra o terrorismo, fica mais fácil
usar essa organização internacional.

[...]
FONTE: Disponível em: <http://www.geocritica.com.br/geopolitica03-1.htm>. Acesso em: 2
ago. 2010.

189
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

Nesse contexto, também a Europa deverá redefinir a sua política de


expansão e construção de um continente unificado. Até o ano de 2007, contava
com 27 países membros e atualmente:

A Croácia, a Turquia, a República da Macedônia e a Islândia são


os Estados candidatos à adesão à UE. As negociações com os três
primeiros países iniciaram-se oficialmente em outubro de 2005, mas
ainda não há uma data de adesão definida – o processo pode estender-
se por vários anos, sobretudo no que concerne à Turquia, contra
a qual há forte oposição da França e da Áustria. Quanto à Islândia,
formalizou em julho de 2009 a sua candidatura, e caso as negociações
sejam bem-sucedidas realizar-se-á um referendo para que a adesão se
possa efetivar.

FONTE: Disponível em: <http://wapedia.mobi/pt/Uni%C3%A3o_Europeia>.


Acesso em: 2 ago. 2010.

[...] existem na Europa cerca de 20 milhões de muçulmanos, portanto


bem mais que nos Estados Unidos, e, além disso, o continente está praticamente
cercado pelo mundo islâmico. Isso significa que a Europa deverá se empenhar
muito mais no apaziguamento do descontentamento islâmico, talvez até
encarando com mais seriedade as pretensões da Turquia de ingressar na
União Europeia e procurando se envolver com mais afinco nos conflitos ainda
pendentes na região dos Bálcãs. Mas o tema da segurança e do controle sobre
as fronteiras, com vistas principalmente a selecionar quem entra no continente,
deverá ocupar um privilegiado papel que não tinha antes deste episódio.

Quanto aos prováveis perdedores desse episódio, em curto prazo


evidentemente é o regime do Talibã no Afeganistão. Mas em longo prazo outros
participantes do cenário mundial poderão sofrer algumas consequências da
ação preventiva contra o terrorismo, em especial aqueles Estados que escondem
terroristas e/ou permitem a existência de campos de treinamento terroristas no
seu território. Eles deverão ser objeto de uma pressão muito maior - e agora
não apenas decidida pelos Estados Unidos e sim pela ONU -, que pode chegar
desde a boicote econômico até a bombardeios localizados. E ao contrário do
que ocorria até há pouco, eles não deverão mais contar com o apoio - mesmo
que indireto - de países como a China ou a Rússia, cada vez mais afinados
com o Ocidente, e talvez nem mesmo com os recursos financeiros oriundos da
Arábia Saudita e de outras economias árabes exportadoras de petróleo, pois a
pressão sobre elas será imensa e também haverá um maior controle sobre as
transações bancárias internacionais.

E provavelmente Israel deverá ser alvo de uma intensa pressão norte-


americana e europeia no sentido de negociar seriamente com a OLP e aceitar
a existência de um Estado palestino autônomo. Isso inclusive já começou a
ocorrer com as recentes declarações de Colin Powell a respeito da “falta de
vontade” das autoridades israelenses em promover a paz na região. Mas
o caso de Israel é complicado devido ao poderoso lobby judaico nos Estados
Unidos e também em face de todo o seu poderio militar, inclusive a posse de

190
TÓPICO 4 | ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

armamentos nucleares. Além disso, os grupos radicais de ambos os lados,


em especial os fundamentalistas islâmicos que fogem ao controle da OLP e
promovem atentados nos momentos de negociações ou de trégua, dificultam
sobremaneira a resolução da questão palestina.

[...]

Finalmente, uma série de medidas deverão ser adotadas com vistas


a uma maior prevenção do terrorismo e, infelizmente, muitas delas poderão
restringir o direito de privacidade e as liberdades individuais. Desde um
maior controle sobre aeroportos e alfândegas até uma maior vigilância sobre
as transações financeiras internacionais, passando por novas medidas de
segurança nos aviões (portas blindadas que vedem o acesso dos passageiros
à cabina de comando, mecanismos que impossibilitem o desligamento das
comunicações com as torres de controle etc.), deverão ser operacionalizadas
nos próximos anos. [...] Mas no final das contas o terrorismo não vai cessar - no
máximo poderá ser mais controlado e reduzido -, pois ele é indissociável deste
novo mundo globalizado com as permanências das inúmeras diversidades
socioeconômicas e alteridades culturais (as quais, é bom ressaltar, são positivas
e não deploráveis) e com todo um avanço tecnológico que por um lado melhora
a qualidade de vida de muitos e, por outro lado, possibilita a outros tantos o
acesso a novos e mais sofisticados meios de destruição.
FONTE: Disponível em: <http://www.geocritica.com.br/geopolitica03-1.htm>. Acesso em: 2
ago. 2010.

Importante lembrar, ainda, que mesmo os discursos fervorosos promovidos
pelos grupos radicais terroristas, como o Al Qaeda, são considerados ilegítimos
frente ao Alcorão, pois a maioria islâmica, em especial aqueles comprometidos na
construção de uma ordem internacional menos instável, participam na promoção
de um mundo regido pela negociação, paz, liberdade, igualdade e fraternidade.

191
UNIDADE 3 | GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E

FIGURA 47 – TERRORISMO E CONFLITOS MUNDIAIS

FONTE: Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/aulas/7823/


imagens/image006.gif>. Acesso em: 13 set. 2018.

A figura anterior objetiva identificar as principais áreas do globo onde


a tensão está presente, portanto, fica aqui o questionamento: como é possível o
homem lutar pela essência da vida que é resistir à morte? Civilizar e solidarizar
a Terra, transformar a espécie humana em verdadeira humanidade torna-se
o objetivo fundamental e global de toda educação que aspira não apenas ao
progresso, mas à sobrevida da humanidade.

192
TÓPICO 4 | ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

UNI

Ao final de nosso trabalho, tentando resgatar os tópicos que discutimos,


apresenta-se uma música de Geraldo Vandré, que acabou tornando-se um hino de protesto
contra a ditadura militar que se instalou no Brasil nos anos 60, 70 e 80.

PRÁ NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES

Geraldo Vandré
Caminhando e cantando Nos quartéis lhes ensinam
E seguindo a canção Uma antiga lição:
Somos todos iguais De morrer pela pátria
Braços dados ou não E viver sem razão...
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções Vem, vamos embora
Caminhando e cantando Que esperar não é saber
E seguindo a canção... Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber Nas escolas, nas ruas
Quem sabe faz a hora Campos, construções
Não espera acontecer...(2x) Somos todos soldados
Armados ou não
Pelos campos há fome Caminhando e cantando
Em grandes plantações E seguindo a canção
Pelas ruas marchando Somos todos iguais
Indecisos cordões Braços dados ou não...
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão Os amores na mente
E acreditam nas flores As flores no chão
Vencendo o canhão... A certeza na frente
A história na mão
Vem, vamos embora Caminhando e cantando
Que esperar não é saber E seguindo a canção
Quem sabe faz a hora Aprendendo e ensinando
Não espera acontecer...(2x) Uma nova lição...

Há soldados armados Vem, vamos embora


Amados ou não Que esperar não é saber
Quase todos perdidos Quem sabe faz a hora
De armas na mão Não espera acontecer...(4x)
FONTE: Disponível em: <http://letras.terra.com.br/geraldo-vandre/46168/>. Acesso em: 2 ago. 2010.

193
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico observamos que:

● O começo das ações terroristas de repercussão global é datado no dia 11 de


setembro de 2001, quando foram destruídas as torres gêmeas em Nova Iorque
– Estados Unidos.

● O terrorismo é caracterizado como uma forma de violência, de protesto, que


luta pela desestabilização de uma ordem preexistente.

● O terrorismo já se fazia presente desde a Antiguidade, com a invasão e a


expansão romana.

● O velho terrorismo é caracterizado por organizações anarquistas e nacionalistas


com propostas políticas e alvos bem definidos, tentando não atingir inocentes.
Geralmente suas ações se apoiam em busca de igualdade e justiça social.

● O novo terrorismo ou terrorismo global tem objetivos de natureza globalizada


e uso da inteligência da mídia e da tecnologia; é destrutivo e não se preocupa
em atingir inocentes, assim como edificações ou monumentos históricos, além
de, muitas vezes, defender concepções conservadoras contra a suposta invasão
das ideias ocidentais.

● Servem de exemplos de terrorismo de cunho nacionalista: ETA, na Espanha;


IRA, na Irlanda no Norte; e Zapatista, no México.

● O posicionamento dos Estados-nação diante das ações terroristas acaba se


legitimando com o apoio e/ou cooperação entre si. Observa-se que, geralmente,
são países de maior significado internacional que se unem, fortalecendo cada
vez mais seus posicionamentos diante do contexto global.

● Os Estados Unidos perceberam que não podem dominar o mundo sozinhos,


nem mesmo via OTAN, necessitando haver uma base de sustentação, um
fórum internacional, que legitime determinadas medidas propostas na luta
contra o terrorismo.

194
AUTOATIVIDADE

1 A partir do exposto, estabeleça um comparativo entre o Velho e o Novo


Terrorismo.

2 Como podemos entender o posicionamento político e militar dos Estados


Unidos frente aos ataques terroristas que ameaçam esse país?

195
196
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Edu Silvestre. A geopolítica da dependência como estratégia
brasileira de inserção no sistema internacional. Revista OIKOS I, Rio de Janeiro,
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