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Marco Aurélio Peixoto

Pós-Graduação "Advocacia Cível"

Desjudicialização da Execução e IDPJ

Marco Aurélio Peixoto


Conteúdo Programático:

1 – A releitura do livre acesso à jurisdição

2 – Desjudicialização e Advocacia Extrajudicial

3 – As distintas atuações do advogado no contexto da desjudicialização (parte I)

4 – As distintas atuações do advogado no contexto da desjudicialização (parte II)

5- Desjudicialização dos conflitos na nova lei de licitações

6- Desjudicialização da Execução Civil (parte I)

7- Desjudicialização da Execução Civil (parte II)

8 – Desjudicialização da Execução Fiscal (parte I)

9 – Desjudicialização da Execução Fiscal (parte II)

10 – Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica – IDPJ


Bloco 1:

A releitura do livre acesso à jurisdição

- Conceito e características da jurisdição


- Os vários meios adequados de resolução de disputas
- Os meios adequados se enquadram no conceito de jurisdição
- A jurisdição é exclusividade do Judiciário
- A arbitragem tem natureza jurisdicional?
- A função jurisdicional verificada nos processos administrativos
- As serventias extrajudiciais exercem a jurisdição?
- A releitura do livre acesso à jurisdição
Conceito e características da
• jurisdição
Segundo o art. 16 do CPC, a jurisdição civil é exercida pelos
juízes e tribunais em todo o território nacional.

• A jurisdição é uma das funções do Estado, segundo a qual


este se substitui aos titulares dos interesses intersubjetivos
conflitantes, a fim de que, de forma imparcial, faça a
aplicação das normas jurídicas ao caso concreto,
solucionando a lide. Cabe ao Estado exercitar a jurisdição,
isto é, dizer o direito. Entre nós, a jurisdição pode ser de
duas espécies: contenciosa ou voluntária.

• A contenciosa é a jurisdição na própria expressão da palavra,


sendo por assim dizer a função que o Estado tem na busca
da composição dos conflitos. Condição necessária, por
óbvio, é a existência de um conflito.
Conceito e características da
• jurisdição
Já a jurisdição voluntária se caracteriza, ao menos em tese,
pela inexistência de conflitos entre os envolvidos. O Poder
Judiciário realiza apenas uma gestão sobre interesses
privados. São procedimentos mais raros, mas temos como
exemplos a separação consensual, a nomeação de tutores,
dentre outros.

• Caracteriza-se a jurisdição por ser atividade secundária,


instrumental, declarativa ou executiva, desinteressada e
provocada.

• É considerada secundária não porque seja de menor


importância, mas sim porque, por meio dela, o Estado
realiza uma atividade que em verdade os próprios sujeitos,
em sua esfera privada, e de forma pacífica e espontânea,
deveriam ter resolvido.
Conceito e características da
• jurisdição
É instrumental porque representa um instrumento possuído
pelo Estado e pelo ordenamento, a fim de impor a obediência
de seus cidadãos.

• É declarativa ou executiva porque o Estado cumpre a sua


função, quer declarando a norma ou princípio a ser aplicado,
quer aplicando uma determinada sanção.

• Além disso, é desinteressada, porque o conteúdo de vontade


presente na jurisdição não se dirige ao órgão jurisdicional,
mas sim aos sujeitos envolvidos naquele conflito
determinado.

• Por fim, a jurisdição é provocada, porque, como já dissemos,


o Estado Juiz somente exerce a sua função jurisdicional
quando e se provocado pelo interessado.
Conceito e características da
• jurisdição
Alguns princípios específicos orientam o exercício da
jurisdição. São eles: o juiz natural, a improrrogabilidade e a
indeclinabilidade.

• O princípio do juiz natural significa que somente exerce a


jurisdição aquele órgão a quem a Constituição atribuiu tal
poder. Não se deve, no entanto, confundir o princípio do juiz
natural, próprio da jurisdição, com o princípio da identidade
física do juiz, que significa que o juiz que encerrar a
audiência de instrução e julgamento deve ser o responsável
por proferir a respectiva sentença.

• O princípio da improrrogabilidade denota que os limites da


jurisdição são os delineados pela Constituição Federal, de
sorte que não podem ser alterados pela vontade do
magistrado ou do legislador ordinário.
Conceito e características da
• Já o princípio dajurisdição
indeclinabilidade, ou da proibição do non
liquet, caracteriza-se pela obrigação de o órgão investido no
poder jurisdicional julgar a lide, não se tratando de uma mera
faculdade. Não se está, com tal princípio, indicando que o
juiz tem o dever de resolver o mérito de todo e qualquer
processo, porque, por vezes, isso se torna impossível. O que
se indica com tal princípio é que o magistrado não pode se
escusar de julgar, de modo que, com ou sem resolução do
mérito, deve sempre decidir as lides que lhe são submetidas.

• No que diz respeito aos limites da jurisdição, há os limites


internacionais e os limites internos. Quanto aos
internacionais, quem dita esses limites é o próprio Estado, de
forma que cada Estado tem o poder jurisdicional nos limites
de seu território.
Os vários meios adequados de
resolução de disputas
• A partir da segunda metade do século XX, passou-se a
questionar o modelo de justiça focado na figura do juiz e
informado por um processo formal e rígido.

• A constatação é de que o processo clássico, conduzido pelo


Poder Judiciário, não é a melhor, única e mais adequada
forma de solução para todo e qualquer conflito.

• A partir de então, várias reformas no sistema de justiça civil


de diversos países, a partir das ADRs (alternative dispute
resolution).
Os vários meios adequados de
resolução de disputas
• Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Itália e Alemanha,
dentre outros, apresentaram várias experiências de
introdução dos métodos alternativos, como o uso da
mediação e da arbitragem.

• Aos poucos, passou-se a defender a alteração na própria


nomenclatura, de alternativos para adequados. Segundo
João Lessa, o sentido de que existe o meio de se resolver
disputas e suas alternativas é substituído pela noção de que
há vários meios, cada um mais apropriado para determinada
situação.

• O modelo multiportas consagra a ideia de que existem


técnicas e meios variados, formando uma rede de
colaboração e de complementariedade entre os meios de
resolução de disputas.
Os vários meios adequados de
resolução de disputas
• O sistema multiportas acabou sendo consagrado no CPC
atual, visto por Hermes Zaneti e Trícia Navarro como a
expressão de uma nova arquitetura para a tutela dos direitos.

• O art. 3º é prova cabal dessa nova mentalidade, ao abordar a


arbitragem, a conciliação e a mediação.

• É preciso quebrar a “cultura da sentença”, abordada por


Kazuo Watanabe, decorrente da excessiva valorização dos
conflitos por meio de sentença do juiz.
Os meios adequados se enquadram
no conceito de jurisdição?
• A doutrina se divide no que diz respeito ao enquadramento
dos meios adequados de solução de conflitos como
jurisdição.

• Para uma parte da doutrina (Heitor Sica, Camilo Zufelato,


Flávio Yarshell, dentre outros), tomando em conta os
elementos tradicionais característicos da função jurisdicional,
não é apropriado enquadrar esses meios como jurisdição.

• Para outros, como Fredie Didier Jr., esses mecanismos


alternativos são equivalentes jurisdicionais, já que funcionam
como técnica de tutela de direitos, resolvendo conflitos ou
certificando situações jurídicas.
Os meios adequados se enquadram
no conceito de jurisdição?
• Outros tantos aderem a uma concepção mais larga de
jurisdição, capaz de abrigar os métodos consensuais de
solução de conflitos, que cumpre o escopo social da
jurisdição, que é a pacificação de conflitos.

• Independente de qual seja a posição doutrinária, a verdade é


que o Estado reconhece sua insuficiência. Tanto é assim que
o próprio CNJ editou, em 2010, a Resolução n. 125, que
cuida de uma política permanente de incentivo e de
aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução
de litígios.
A jurisdição é exclusividade do
Judiciário?
• Fomos acostumados, desde as primeiras lições na
graduação em Direito, a crer no monopólio da atividade
jurisdicional pelo Poder Judiciário.

• Mas, na realidade atual, ainda é de se falar em jurisdição


como exclusividade do Judiciário?

• Em grande parte, essa visão se deve à teoria da separação


dos poderes, desenvolvida por Montesquieu. Para
Chiovenda, tal teoria, nas primeiras aplicações na França, foi
entendida em sentido rígido e mecânico, de modo a que a
cada órgão deveria corresponder uma só função e lhe seria
defeso ingerir na atividade do outro.
A jurisdição é exclusividade do
Judiciário?
• Com o tempo, ampliaram-se os espaços de intersecção
interferência entre os poderes estatais, passando-se a uma
convivência com o exercício de funções atípicas.

• Como bem destaca Rosalina Freitas, o Poder Legislativo,


além de sua função típica, também exerce a jurisdição, como
se dá no art. 52, I, da CF (processa e julga o Presidente e o
Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade), ou no impeachment do Presidente da
República.

• O Poder Executivo, em sua visão, também exerce a


jurisdição, como por exemplo quando aprecia defesas e
recursos administrativos.
A arbitragem tem natureza
jurisdicional?
• Se já se demonstrou que, no Estado, há jurisdição fora do
Judiciário, outro instigante debate é a verificação da
existência da jurisdição exercida por entes privados.

• Seria a arbitragem o exercício da jurisdição fora do Estado?

• O exercício da jurisdição por entes privados não retira a


estrita observância das garantias básicas e indispensáveis,
como o devido processo legal. Apesar de a arbitragem
nascer de um negócio, desenvolve-se em um processo.
A arbitragem tem natureza
jurisdicional?
• A leitura do art. 16 do CPC (que indica que a jurisdição civil é
exercida pelos juízes e tribunais) não deve levar à
equivocada premissa de que o CPC atual manteve a
jurisdição como monopólio estatal, em especial porque o
próprio art. 3º reconhece a arbitragem como forma adequada
de resolução de conflitos.

• Marinoni e Mitidiero levantam argumentos desfavoráveis ao


reconhecimento da arbitragem como jurisdição:
• É manifestação da autonomia da vontade e implica em renúncia
à jurisdição;
• Jurisdição só pode ser exercida por pessoa devidamente
investida na autoridade de juiz, após concurso público;
• Jurisdição é indelegável;
A arbitragem tem natureza
jurisdicional?
• Marinoni e Mitidiero levantam argumentos desfavoráveis ao
reconhecimento da arbitragem como jurisdição:
• Árbitros não têm poder de império (não podem executar suas
decisões);
• Arbitragem só serve para a tutela de direitos patrimoniais
disponíveis (alcança uma pequena parte da população);
• Validade das decisões arbitrais pode ser controlada pelo
Judiciário.

• Segundo Nelson Nery Jr., quando se opta pela arbitragem,


está se renunciando à via judicial, mas não à jurisdição.
A arbitragem tem natureza
jurisdicional?
• Rosalina Freitas sugere uma releitura do princípio do livre
acesso à jurisdição, dentro do raciocínio de que quando se
fala em não excluir da apreciação jurisdicional ameaça ou
lesão a direito, está se pretendendo indicar que a jurisdição
não é prestada somente pelos órgãos do Poder Judiciário.

• Bernardo Lima faz uma diferenciação, rechaçando um dos


argumentos de Marinoni e Mitidiero, quanto à
indelegabilidade da jurisdição. Para ele, o poder é, de fato,
indelegável. No entanto, uma coisa é a delegação do poder,
outra é a delegação do exercício do poder, e isso seria
assegurado na Lei de Arbitragem.
A função jurisdicional verificada nos
processos administrativos
• Podem ser apontados, como destaca Rosalina Freitas,
inúmeros tribunais administrativos que exercem a função
jurisdicional e apreciam matérias específicas:
• Tribunal Marítimo;
• Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF);
• Justiça Desportiva

• Inegavelmente também o CNJ exerce função jurisdicional


nos processos disciplinares sob sua responsabilidade. A CF,
no art. 103, §4º, indica que cabe ao CNJ receber e conhecer
das reclamações contra órgãos do Judiciário, inclusive contra
seus auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro.
A função jurisdicional verificada nos
processos administrativos
• Aponta-se que os Tribunais de Contas, no julgamento de
constas de administradores e responsáveis por dinheiros,
bens e valores públicos (art. 71, II, CF), exercem também
genuína atividade jurisdicional.

• Quanto às agências reguladoras, o poder de dirimir conflitos


faz com que suas atividades se assemelhem à solução
heterocompositiva jurisdicional. Para Fredie Didier Jr., é
hipótese de equivalente jurisdicional, já que suas decisões se
submetem ao controle do Judiciário.
As serventias extrajudiciais exercem
a jurisdição?
• Em texto escrito na década de 50, Francesco Carnelutti
reconhecia que os notários, como os juízes, julgam; os
notários, porém, o fazem em momento anterior, para evitar o
conflito.

• Além da possibilidade de se promover a solução consensual


no ambiente das serventias extrajudiciais através da
conciliação e da mediação – instrumentos que para alguns
autores constituem espécie de jurisdição contenciosa – em
diversos procedimentos desjudicializados os notários e
registradores exercem os mesmos atos cognitivos,
instrutórios e decisórios que seriam realizados em juízo, caso
as partes tivessem optado pela via judicial. É o que ocorre na
usucapião extrajudicial e no reconhecimento da filiação
socioafetiva, por exemplo.
As serventias extrajudiciais exercem
a jurisdição?
• Segundo Renata Cortez, essa divisão de atribuições e
competências nos procedimentos desjudicializados sugere,
segundo se pensa, o exercício da jurisdição compartilhada
entre cartórios e órgãos judiciais, mas não apenas no sentido
da possibilidade da função jurisdicional ser exercida no
ambiente das serventias extrajudiciais.

• Há compartilhamento em sentido concreto, um verdadeiro


diálogo entre as duas instâncias, judicial e extrajudicial,
ambas com competência decisória, mas atuando em
momentos distintos.
A releitura do livre acesso à
• jurisdição
Comungamos das conclusões de Rosalina Freitas, que
sugere uma releitura do art. 5º, XXXV, da CF, em sintonia
com o art. 3º, do CPC:
• CF – Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;
• CPC – Art. 3º - Não se excluirá da apreciação jurisdicional
ameaça ou lesão a direito.

• A sutil diferença entre o texto constitucional e a empregada


pela codificação processual revela uma realidade imposta
pelo Estado contemporâneo: as partes têm a possibilidade
de buscar uma função jurisdicional, independentemente de
ela ser exercida pelo Poder Judiciário, por outros entes
privados ou ainda por órgãos estatais não necessariamente
vinculados a estrutura do Poder Judiciário.
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