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eexpressao no ato de desenhar sdesejo mnie César Cola’ do. Desenhar: desejoe brinquet a natureza. Ele desafia as leis da anatomia, m, No encontro entre 0 corpo € 0 desejo, icidade e tnus, migrando para além » (HERKENHOFF, 2001, p. 2). ‘0 contesta as leis di tempo e linguage! dos ganham elast as corporais. O dese} gravidade, temp musculos e tecidos § da logica das fronteir. de elaboragao de desenhos remonta uma atividade impor- a aarente de nossas capacidades sensoriais ¢ intelectuais, ety at notaveis é como a crianga se entrega ao ato de desenhar i oe sae (Bergson afirma que 2 intuigao é o lado instintivo do je forma dais abschat 6 uma das atividades que a crian¢ga elabora sem mui- tos obstaculos. Queremos estar falando inicialmente sobre a relacao da es com as artes visuais sob duas premissas basicas: a do desejo ea fe do brinquedo. Desejo s po: © tempo do desejo é um tempo diferente do tempo cronoldgico. Desafia os paradigmas racionalistas, legitima uma sabedoria aliada a um fazer, a um tempo de criagao. Por isso a efetivacao, 0 perfodo de realizacao do desejo, sera fenomenolégico, existencial, indescritivel, impar. Corpo e mente entram em um processo peculiar muito pouco ex- plorado ou mesmo conhecido em nosso meio escolar. £ um estado, uma atividade que nao encontrou espago nos meios de transmissdo de conhe- .cimento, O momento de criagdo artistica da crianga deveria ser bastante ‘Tespeitado. O adulto, a escola, deveriam prever este espago a criatividade. Apesar de misteriosa, a atividade artistica “exige [da crianga] 0 seu esforco, e capta todas as suas faculdades sensoriais, mentais e afetivas que ela concentra na expressao” (STERN, s.d., p. 99). Estamos pensando em termos de se estipular, de forma experimen- tal, a espago de tempo no qual a crianca possa entender e praticar a atividade artistica. Talvez como uma porta que se abre ao inexplorado, EESIE a 1 Doutor em Comunicagao dade Federal do ES, 4 I¢do e Semidtica - PUC/SP, tista Plas sador do proceseo ci stieo: Autor do Mestre em Educacao - UFES/ES. Professor da Universi- livro Ensaio sobre o desenho infantil - Lorena/SP. Pesqu- vo entre criancas e artistas profissionais, Cultura visual e desafios da pesquisa em artes 355 mas que esteja ao mesmo tempo funcionando como formante da realida- de consciente. Schopenhauer fala que o mundo é uma magia, pois nele esta estam- pada apenas a nossa prépria representacao, que nao hé uma realidade em si (s.d.). “O mundo é a minha Tepresentagao”(Idem, p.7). O objeto nunca é considerado isolado. Nossas representacdes se dao através de uma rela- ao, de uma conexao pessoal. Passamos a compreender a producao de de- senho na infancia como atividade relacionada ao desejo. £ uma espécie de simbiose, uma soma a concep¢ao de mundo que a crianca possui, estando eternamente em forma¢ao. “O mundo como vontade e representacao” é © titulo de um dos livros de Schopenhauer. Entendemos e procuramos conceber, desta forma, que existe uma representacdo de mundo associada a niveis de profundidade intuitiva. E nossa meta perseguir a atividade do fazer arte de forma que sus- penda o pensamento discursivo, o raciocinio légico positivista, cartesiano em favor da intuicao, do desejo, porém diferente do ‘laissez faire’ caracte- ristico do século XX. Falamos em promover aos educandos atividades que possam desenvolver tendéncia pura e simples, vontade irracional, diria Scho- penhauer (apud BAYER, 1993), para que superem a superficialida- de do método fundamentalmente discursivo dominante na educagao formal. Esperamos que essa pratica venha a somar ao global, ao total da vida, influenciando, inclusive, na forma como as criangas irao lidar com 0 racional. Promovendo as criangas possibilidades de trabalharem cama- das mais substanciais do desejo através de praticas artisticas, entendemos também estar temperando a relac¢ao da crianca com o mundo de uma forma total, universal. Mundo entendido como conjunto, no qual todos os fenémenos estao correlacionados. “E impossivel considerar um objeto isolado’, diria Schopenhauer. Falamos exatamente que o desejo seja pensado com maior profundi- dade em nossas vidas, na vida das crian¢as. Compreendé-lo como parte inte- grante do todo, momento especifico associado ao mundo corporal e mental. Cada pessoa poder (ou devera) entender 0 mundo sob seu ponto de vista especifico, sendo consequentemente também compreendida e res- peitada sob esse mesmo prisma. Nao existe uma realidade em si, a lei de nosso espirito conianda o mundo como representa¢ao para nds. Nao se trata de criar um mundo fora do mundo (surreal), de possi- bilidades impossiveis, porém, de atividades que venham a somar ao todo fe- nomenolégico, partindo, inclusive, de principios filos6ficos historicamente consolidados. Falamos em trabalhar de forma efetiva 0 ato de existir. Cés0rColg 356 emtendemos o desenbar da criansa semethante endida pelo artista. ‘ado sobre a obra de Clarisse Lispector, Oly, enClarise parece QBSFE FEEEE oat de serever, a posigao fundamental da care; exis rand De de Beers etre nie disso cstamos tc bee aes aja um embate na relacio homem/ exis a” lando ? ae da pratica da arte. Que a arte, a busca do desejo de expresso eet como uma ferramenta para refletir sua propria histéria, construir/ reconstruir 0 mundo. enriquecido pela arte. ; Nao se trata de formarmos artistas, mas que desde 0s primérdios da infincia haja uma associagao ao paradigma do ato criador. A arte faz parte da historia do homem. Sabemos da importancia da arte em nos- sa sociedade atual. A escrita remonta 5.000 anos (KARMILOFF-SMITH, 1997), enquanto que 0 Gesenho, mais de 20.000, Poderiamos, inclusive, dedicar toda uma vida falando sobre este assunto especifico. Assim, nao existe argumento suficiente que possa nos convencer de que 0 ato criador artistico nao deva ser uma preocupa¢ao primordial na educagao infantil érica grdfica infantil sirva as criangas como seu espelho ao revés (...) tentando um Que a producao pict «(...) 0 outro lado do narrador, didlogo consigo mesma, como quem joga xadrez tendo seu préprio ‘ew 1993: 63). Que a crianga estipule uma relagio ‘uma forma de ver, situar seu modo de estar como adyersario (...)” (SA, de parceria consigo mesma, inhos pessoais com inteligéncia e no mundo. Atuar como quem abre cam: sensibilidade, através do paradigma da percep¢ao intuitiva. Ver 0 mundo de uma forma nao discursiva. Jogar xadrez consigo mesma, dialogar dentro de sua propria mente, propondo um ir e vir competente entre consciéncia e inconsciéncia, para uma formacdo otimizada do sensivel, do cognitivo, do psicomotor. Em nossa proposta, éempre busca pessoal QUE oo aa ‘gua tese de douto! de sé (1993 P- 18) conclui qu de a infancia Brinquedo Através de atividades de auto realizacio, o estar no mundo trabalha do sob a perspectiva do desejo, a crianca desenvolve possibilidades tota lizantes. O que realiza no momento, produz diferentes textos relaciona- dos ao ja vivido, bem como a um porvir proximo e a um porvir dis Desenhar implicar4 em construir seu mundo, compreender seu estar no mundo (dasein), refletir questoes cognitivas, sensoriais, motoras. a Lae atnestocs quea para reflete, trabalha na atividade artis- A questao do ltdico, da relagao com o brincar. a Mae foi um grande mistério para Freud, Nun- poeta, o artista transforma em poesia algo Cultura visual e desafios da pesquisa em artes ae derivado do nao pottico, do cotidiano. Ficava surpreso com a separagao que o artista possui entre arte, devaneios, fantasias e a vida real (sem psi- coses). Constatou que o artista, através da sublimagao da libido pela arte, conseguia salvar-se da neurose. ‘A crianga entende seu envolvimento com os objeto que manipula sob forma, sob uma relacao de brincadeira. No entanto, “(...) seria erra~ do supor que a crianca nao leva esse mundo a sério; a0 contrario, leva muito a sério a sua brincadeira e despende na mesma muita emogao. A antitese de brincar nao é 0 que é sério, mas o que é real”. (apud GAY, 1992, p. 422). A telagio brinquedo x mundo adulto, é vista como muito impor- tante ao longo de toda a vida do ser humano. No presente, 0 adulto po- dera relacionar suas ocupagées com os brinquedos, jogos que realizava na infancia. Essa relagdo afeta substancialmente o humor como qual lida ocupagoes presentes. As brincadeiras, no entanto, serao substituidas pos- teriormente por devaneios e fantasias, que 0 homem adulto desenvolve mentalmente, ocultando as mesmas da sociedade. A relacao da crianga com o brincar é fortemente alimentada pelo desejo — desejo de ser adulto. Imita em seu ato de brincar as agoes e afaze- res dos adultos. O brincar é algo muito sério, um estado permanente por toda a vida do homem. O conceito de brincadeira seré muito importante em nossa pesquisa. Ocorre uma verdadeira atitude de brincar por parte da crianga em seu ato de lidar com o desenho. Durante toda a sua existéncia, estipularé uma relagao destas atividades realizadas na infancia. Desta forma, o dese- nhar nao ser4 um ato isolado, mas acarretara uma série de conseqiténcias que iro repercutir em toda a existéncia — na infancia e na idade adulta do homem. Vejamos um exemplo corriqueiro: Se colocarmos um pedaco de algodao seco sobre um pouco de suco de laranja derramado sobre uma mesa de férmica, 0 suco sera absorvido pelo algodao. Mudara de lugar: da mesa, passard a localizar-se no interior do algodao. O algodao assimilou 0 liquido. Agora, 0 suco esta dentro do algodao, faz parte do seu corpo, de sua constituicdo. O algodao reflete agora a cor, odor, o sabor do suco de laranja. Semelhantemente ao exemplo da assimilagao algodao — suco de la- ranja, ocorre também um processo familiar entre a crianga e 0 ato de de- senhar. No fazer desenhos, a crianga absorve caracteristicas, propriedades que serao preservadas para 0 resto de sua vida. Essa assimilagao € parte da construgao dos intervenientes na formagao do cognitivo e do sensivel no homem. 338 ctearcow Nossa investigagio entende que quanto mais competéncia tivermos para compreender a expressio da crianga na art, estaremos também melhor preparados na promogio desse espago de desenho que & proposta& crianea Sob forma de brincadeira na relagio fisic, corpo ~ mente ~ papel —lpis (ou outros materiais de desenho), a crianga cria metéforas relacio- nando a sua expressio com experiénciasjé vividas, ao mesmo tempo em {que ensaia possibilidades do futuro como adulto ‘A assimilagdo, 0 bringuedo, a necessidade que © homem possui de expressar-se artisticamente na inflncia é constante na obra de Pia- get (1978). Lidar com o palpavel, transformar a matéria pela expressao & apontado por pelo autor como atividades imprescindivels as criangas em ‘qualquer faixa etiia Processo de criago Apratica da expresso Desenvolvemos ao longo de nossa vida um processo de criagao rela- cionado a questées formais, Representamos visualmente objetos de nosso cotidiano, ou mesmo formas relacionadas @ nosso inconsciente (EHREN- ZWEIG, 1965). Ernst Kris €um pouco mais radical, colocando que a Gnica comunicagao do artista com o observador € a comunicagao de seu mundo interior. O desenho seria primariamente uma comunicagao entre 0 id € 0 go do desenhista, seja profissional, amador, crianga ou adulto (1962). Passamos pela vida desenhando constantemente, muitas vezes sem perceber que estamos desenhando. Por exemplo: ao fazermos refeiges, a rumamos a comida no prato, elaborando uma composigio com elementos comestiveis; quando arrumamos uma prateleira de livros, podemos separar (8 tomos nao somente por assunto, mas também levando em consideragao a grossura dos livros, 0 tamanho, a cor etc; a0 finalizarmos de tomar sopa, podemos ficar alguns momentos observando o fundo do prato, vendo as, manchas que sobraram, e até mesmo interferit,elaborando com a colher desenhos sobre a mistura impermedvel agua x éleo. Segundo Cane (1951), © chamado senso estético e o desenho é algo inato no ser humano, Desenvolvemos nosso desenho informalmente em nossos afazeres sem nos dar conta disso (KELLOGG, 1970). Existe, porém, uma atitude espectfica, na qual uma pessoa é inseri- da em um processo particular de criagdo visual, objetivando um produto através de uma determinada pritica artistica. Iss0 ocorre com of artistas, profissionais. Os artistas dedicam-se com afinco, buscando um determi- nado resultado em artes, estando inseridos em um processo de criagao (COLA, 20036), utr visual desallos de pesquisa em artes Compreendemos ser necessério colocar criangas em um process de criagao semelhante ao do artista. Produzir resultados visuais através da pritica com determinados materiais graficos/artisticos. A escola poderia planejar um espaco dessa natureza, para que os alunos tenham uma expe- ritncia mais verdadeira com o'fazer artistico e, consequentemente, com a compreensio da arte. A instituicéo deveré, para tal, providenciar uma sala- atelié e materiais adequados para 0s alunos. Sem um professor competen- te, no entanto, esse trabalho nao serd possivel de ser realizado. Cada crianga desenha segundo seu desejo pessoal. Tais atividades sao conhecidas como desenho livre, ou desenho espontineo. Segundo Pillar, surgiram "(..) com a modernidade estética, com a pedagogia da Escola Nova € com 0 movimento Educagio através da Arte, Desde entéo, elas sao re- alizadas com uma dupla finalidade: a) para que a crianga experimente de modo criativo a linguagem expressiva sem a intervengao dos adultos eb) para que o professor observe, acompanhe e estimule o desenvolvi- ‘mento grafico de seus alunos (1996, p. 58). E bésico observarmos na fala de Pillar o papel importante a ser de- sempenhado pelo professor nesta proposta. O desenho livre tem sido mui- tas vezes considerado uma pratica ineficiente na escola, Sabemos que isso ‘ocorre exatamente pela incompeténcia do professor em dar um retorna a0 aluno. Segundo Stern, o desenho livre, espontaneo ¢ uma excelente forma da crianca entrar em processo de criagdo. O autor denomina de Educasao Griadora a busca que a crianga empreende, quando segue uma linha indi vidual em seu desenho. O adulto deve promover as criangas tai atividades, fornecendo material espaco fisico, bem como orientagdes sobre técnicas a respeito da atividade trabalhada, quando necessérias. Os desenhos devem ir surgindo em diferentes sess6es. O aluno poderé retornar a algum dese~ nho realizado anteriormente, aperfeigoando, repensando, retrabalhando 0 mesmo. Assim seré produzida toda uma série de trabalhos, textos visuais, de forma pessoal, extremamente subjetiva. Stern s6 admite essa possibili- dade através da livre expressio. ‘A arte infantil passa a ser compreendida por Stern como bas- tante diferente da arte adulta. A crianga expressa sensagOes corporais, ‘emogses, sentimentos, desejos, “(...) um Conjunto de fatos emotivos acompanhantes de sua evolucao geral ¢ que ela ndo pode formular pela palavra, porque estao fora de seu consciente e se impde & sua expressio sem que ela os possa controlar.” (s.d.2, p. 8). ‘Assim como Susan Langer e Ernest Cassirer, Stern também entende RR ctearcolo ‘arte como um conhecimento especifico diverso do pensamento discursi- vo cartesiano. Apresenta-se como um simbolo muito particular, sui gene- ris, denominado por Langer (1979) como simbolo apresentativo. A sim- bologia da arte visual seria, desta forma, diversa da simbologia discursiva, dos paradigmas cartesianos. Para os autores, a prética artistica, o processo criativo, ensino das artes, deverd ser diversificado do ensino de outras éreas. ‘A criagao da arte na educagao é entendida como um processo 20 qual as criangas estardo submetidas, no entanto, sob supervisio € orien- tacdo de um adulto competente. £ diferente de simplesmente colocar 0 aluno para produzir desenhos, ou mesmo outra técnica artistica sem um retorno competente. Nas se trata de um laissez-faire, deixar fazer sem um repensar do professor em cima do trabalho do aluno. Trata-se de buscar ‘um paradigma de ensino, uma teoria desencadeadora de um fazer sub- metido a regras do desejo do educando, Propor ao aluno uma busca pessoal, perseguir um estilo proprio de representar, significa abrir, ilimitar. E como influir, enriquecer, atuar nesse proceso? Surgem muitos intervenientes durante o processo cria- tivo, Fatores nao previstos. Nao se trata de intuir simplesmente, mas de aliar a intuigao 2 questoes didaticas. £ um processo complexo, pois, saber falar sobre criatividade provinda da intuicdo exige do profissional um discurso muitas vezes racional ~ ainda que falando do irracional (segundo Bergson, intuico no homem equivale ao instinto nos ani- mais). As duas polaridades razdo ~ intuigao necessitam para nés de se- rem filosoficamente entendidas como complementares, hibridas. £ uma relagao de simbiose, soma, composigdo quimica homogénca. [As afirmagoes de Read (1986) vao de encontro as de Stern, onde a educagio através da arte, a pritica artistica na infancia € extremamente necesséria ¢ fundamental para o individuo e para a sociedade. O fil6sofo preconiza um ensino da arte através de pressupostos encontrados ainda em Plato. Desenvolve todo o seu pensamento sobre como a arte deveria atu- ar na educagio. Qualquer aprendizagem viria primeiramente pela esté- tica, Educar a crianga e 0 adulto seria educa-los esteticamente. Todos 08 individuos deveriam apoderar-se das melhores formas de contemplar a arte produzida por outras pessoas. Produzir e conhecer a arte sao dois niveis estreitamente correlacionados. A apreciagao artistica em Read est vinculada a um conhecimento que viria através do fazer arte. Coloca a questao de ser trabalhadada a sensibilidade no ser humano. Lapidar a alma, a mente das criangas e adultos priorizando um contato permanen- te coma arte, Catra visuet estos pesquisa em ares Conhecimento qualitativo para nés Em varios momentos historicos da filosofia, foi colocado em ques- tdo 0 pensamento racional. Muitos filésofos questionaram a grande énfase confianga que a sociedade humang deposita na razao. Apontaram a razao como a grande causa de ambigidades que existe no mundo (CASSIRER, 2001), Pascal também classifica de um sonho filos6fico a premissa de se compreender o homem pelo pensamento racional. Chegou até mesmo a ridicularizar qualquer tentativa de entender o homem pela razio: “O pensamento racional, 0 pensamento logico e metafisico s6 sto ca pazes de compreender 0s objetos que estio livres de contradicio e que tenham uma natureza ¢ uma verdade coerentes. Contudo, & precisa- mente essa homogeneidade que nunca encontramos no homem. (...) ‘A contradigéo ¢ 0 proprio elemento da contradigio humana.) [0 homem] é uma estranha mistura de ser ¢ ndo ser” (apud CASSIRER, 2001, p. 25). Segundo nossas consideragoes, desenho estaria adaptado, nas te- orias de Pascal em um espirito agudo ou sutil. Qualquer generalizacio ‘em cima do mesmo, seria incoerente, pois essa producdo é uma mis- tura entre afirmagio e negagao, entre ser ¢ ndo ser. Criar um sistema muito fechado de se compreender o desenho infantil, ¢ pura especula- sao visionéria. A autolibertagao do homem encontra respaldo no pensamento de Giordano Bruno, que vislumbrou 0 incomensurével subjacente a0 pensamento do homem. Paredes sio erguidas constantemente no intui- to de limitar a infinitude do sentir, do pensar fundamentais em nossas ‘mentes. Estamos sempre tentando negar a magnitude de nosso potencial criativo. Criamos conceitos de anilise de obras de arte que sao relativos, temporirios como se fossem eternos. Nada existe de eterno. Giordano angustiou-se quando concluiu que nao existe restrigdo, teoria que pos- sa conter a riqueza abundante e inesgotavel de nossas idéias. Senhor de ‘uma linguagem poética, abriu 0 horizonte para que outros pensadores fossem levados a averiguar perspectivas que negam a linearidade de nos- sas idéias e criagoes. Essa busca incessante, ilimitada, aberta, anseio de liberdade as re- ‘gras, encontram-se também presentes nas obras de Schopenhauer, Nietzs- che, Bergson, Freud, Heidegger, Sartre, entre outros, ‘As idéias de Bergson também nos conduzem a consideragdes fun- damentais que gostariamos de mencionar em nossa pesquisa. 361 cérorCoia Para o autor, a evolugao se faz no homem segundo diferencas qua litativas. Os individuos sao diferentes um dos outros, e esta diferenca se dé em termos de qualidade. Ser racional ao extremo significa perde o sentido tencial, negligenciar o lado animal que existe dentro de n6s. O instinto resgatado no ser humano seria a intuigio. Em sua obra Creative Evolution (1998), Bergson considera que existe em nés 0 impulso vital, que é 0 responsével pela condugao do ho- mem. £ um salto no absoluto, mecanismo particular responsével pelo ato criador. O conhecimento remontaria questoes relacionadas a uma percep- «0 profunda, ocorrendo de forma mental, internalizada. Qualidade ¢ a questdo basica resgatada no pensamento bergsonil zo, Considerar ¢ entender o qualitative, as diferengas e peculiaridades in- trinsecas em cada ser humano é 0 inicio da compreensio do universo de- senhado pelo filésofo. Arist6teles ja havia classificado Anaxdgoras como um sébio que vi via entre bébados, por ter sido o primeiro homem a ver claramente que possuimos diferengas qualitativas. Avida como totalidade Costumamos ver a vida como composta de diferentes estagios. En- tendemos que passamos de uma fase para outra, perdendo 0 mérito de ‘contemplarmos a vida em sua totalidade. Ao longo de nosso percurso vital, criamos blocos muito rigidos relacionados a questées de duragao tempo- ral, Esse comportamento compromete a pr6pria fruicio do percurso vital (Bergson). Por exemplo, quando estamos freqiientando um curso de doutora- do, pensamos em alguém com determinadas caracteristicas antes de ter- minar 0 curso, ¢ outro alguém muito diverso apés ter terminado o curso. E realmente sao estigios diferentes. A dificuldade reside, entretanto, na qualidade estética, no peso que damos entre uma fase e outra (antes do doutorado depois do doutorado). Compreendemos a passagem de um estado para outro como muito densa, composta de grandes modificasdes, € 0 conceito entre os estigios como muito estéticos, rigidos. Bergson em seus escritos demonstra que as fases, ou estdgios, ndo sdo blocos rigidos, e que @ passagem de uma fase para outra nao é composta de tantas modifi- cagves como as percebemos. 0 autor compara nosso estado mental como uma bola de neve que rola morro abaixo, crescendo sem parar, avolumando-se a cada segundo que passa, Nao mudamos apenas quando alcangamos niveis muito signifi- cativos conceitualmente (antes e depois do doutorado). Somos seres mu- tantes a cada instante, a questo do momento é fator primordial em nossa utr visua desaltos da pesqusoem artes existencia fisica e mental Assim, ndo somos um momento sobre 0 outro, como se uma fase substituisse outra que a antecede. Se fosse assim, haveria somente o pre- sente, Essa forma equivocada de entender a existéncia nos conduz ao pen- samento légico, afirma Bergson. Somos como uma pintura inacabada, & qual é sempre acrescentada um novo detalhe, Nem o artista possui uma precisa defini¢éo do resultado final da obra. “Estamos buscando somen- te 0 significado preciso que nosso consenso dé a palavra existir, mas nés vemos que, para um ser consciente, existir é mudar, mudar é amadurecer, amadurecer € criar-se, modificar-se infinitamente” (1998, p. 7). Anélise do desenho infantil Desenhar:crescimento continuo Em nossas andlises de desenho, buscaremos evitar est nnados & faixa etéria Luquet (1969), é hoje um grande referencial quando se trata de ana- lisar desenho infantil. No entanto, pensamos que sua visio torna a com- preensdo do desenho infantil como um processo rigido, engessado (COLA, 2003a). ‘Ao entender a produgao grafica de criangas como composta por fases relacionadas as faixas etérias, torna homogeneo o olhar do ob- servador. Ou seja, quem analisa, encaixa as criangas em determinadas categorias, que pretendem igualar desenhos realizados por diferentes individuos. As teorias de Luquet endureceram o olhar dos pesquisado- res, professores, ou até mesmo alguns psicélogos, pois propoem igualar, nivelar o entendimento da expresso em aspecto superficial. Hoje, as suas teorias sio um grande referencial de pesquisadores do desenho infantil. Varios te6ricos levantam novas denominagdes para ana- lisar 0 desenho infantil, mas que nao passam de verdadeiras cépias dos paradigmas de Luquet. Consideramos geniais os parametros colocados por Luquet, as res- peitamos como alusivas especificamente a questdes de faixa etéria, Quan- to a expressividade, opinamos que as mesmas tendem a homogeneizar os desenhos, quando cada texto visual deveria ser visto como uma produgio singular, sui generis. Mais uma ver, pensemos o processo de criagao geafica infantil sob a dtica bergsoniana. Bergson condena a anilise dos processos da mente hhumana, do desenvolvimento do homem sob paradigmas advindos das ci- encias matematicas, da geometria 386 césorcoo © tempo geométrico é diferente do tempo qualitativo Nos paradigmas mateméticos, que Bergson considera como com- Postos de um finalismo radical, considera-se sempre um determinado mo- mento, O objeto passa de uma posicao t para uma posicdo t” Assim, nao contempla o tempo teal, a duragdo, o intervalo entre as extremidades t = Bergson chama de flowing time o tempo que possui importincia real, que situa-se entre t- t’ e também em tet’ £ inadmissivel buscar compreender 0 objeto apenas em te ¢ Esta visio lide com um processo de morte X renascimento, (-.) lida com um mundo que morre e renasce a cada instante - um ‘mundo no qual Descartes estava pensando quando falou de criagao continua. Mas, tendo o tempo coneebido desta forma, como pode- ria @ evolugdo, que € a prépria esséncia da vida, encontrar um lugar adequadot Evolugao implica em uma persisténcia real do pasado no resente. Torna-se necesséria uma linha de conexio. Conhecer um set vivo, ou um sistema natural, é contemplar o intervalo de duracdo, en- quanto que 0 conhecimento em um sistema matemético, ou artificial implica apenas considerar-se extremidades. (1998, p.22 23). + (exteemo) ° (extremo) intervalo ... duragao (durée) implicagdes fundamentais Houve pouco progresso na drea, inclusive pelo fato do desenho in- fantil ser pouco estudado. Considerando a quantidade de publicagoes que existem sobre a produgao artistica do adulto, iremos observar que muitas ‘questdes foram reconsideradas, atualizadas, repensadas, Em nossa investigagao, compreendemos 0 desenho assim como Se compreende o desenho produzido por um adulto: carregado de esti- lo, expresséo diferenciada, subjetividade. Sendo textos produzidos por enunciadores diferentes, nao se justifica buscarmos uma anilise que vise julgamentos universais, Existem questdes formais, expressivas, hist6ricas, filos6ficas subjacentes ao desenho infantil, assim como ocorre com o de- senho do adulto, Se fil6sofos, psicblogos, poetas, colocaram como tao importante Pensamento irracional para a mente humana, muito mais justificadamen- te estaremos trabalhando esse conceito de irracionalidade, intuigao, em ‘nossa investigagao sobre o desenho. A producio artistica é aberta, relativa, Polémica, infinita, A compreensao do desenho poderé seguir um sentido semelhante. Ctra vival deste do perqizaem ater 365 Essa qualidade implica primeiramente em conceder 20 analista {posbison. pelalagy eden, nosh, was Heiats eepacsasie. Quam analisa desenho nao necessitaré de criar um sistema universal. Poderd fu- gir a pressupostos que sejam aplicados a andlise de outros desenhos. ‘A cexigencia basica ¢ a propria formacio do analista, do observador. Se nao possuir um repert6rio rico, se nao consegue transitar com relati- va facilidade quanto ao ver ¢ falar sobre o texto visual, sua anélise estara comprometida, empobrecida. Torna-se necessiria muita leitura sobre te- mas diversos relacionados a apreciagao artistica. Nao ven ao caso utilizar principios que dizem respeito somente a andlise do desenho infantil. Mui ta teoria relativa ao desenho do adulto pode ¢ deve ser utilizada. Pensamos estar priorizando uma prética que esta sempre se reali- mentando, pois pensar sobre desenho é repensar, ressignificar refazer, atu- alizar. A crianga deve, se possivel, ser colocada em um processo pessoal de auto-anélise em cima de seu texto visual. Alimentar o ato de desenhar é repensar 0 desenho executado, pois o que nasce e estaciona, morre. Galton senpeagebe ps Seenne fatto Den bs, A aes ‘0 questionamento tem uma fungao basica para o individuo. A crianga de- verdrefletir sobre o texto realizado. Devers ser introduzida ao seu proprio ppensamento, sendo levantada questdes sobre o que ela vé na obra realiza- da, Didlogo com o professor, com 0s colegas e a0 mesmo tempo dilogo sOneipsconcasbs do anata ndo necestardo necesariamente de s- rem influenciadas pelo que a crianga pensa do seu trabalho. Despertar na crianga descoberta, autocritica, no entanto, é uma atitude que enriquece 0 processo criativo na infancia. Referéncias BAYER, R. Historia dela estética. México: Fondo de Cultura Econémica, 1993. BERGSON, H. Creative evolution. New York: Dover Publications, 1998. CANE, F.The artist in each of us. New York:Pantheon Book, 1951, CCASSIRER, E,Enalo sobre o homem. S30 Paulo: Martins Fontes, 2001 toe ees. 2003 Tese (O00 COLA. 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O fascinio pelos jogos eletrénicos esta, justamente, no poder de interagao, da agao do sujeito sobre 0 desatio, além de conservarem o ritmo acelerado, visual ¢ verbal, oriundo das ima- gens da televisio, As transformagées tecnol6gicas possibilitaram vivenciar as mais radicais aventuras em trés dimensOes. Pode-se hoje caminhar por ambientes virtuais, olhar para todos os angulos e observar imagens cada vvez mais proximas do mundo natural. Fascinante, intrigante e muitas vezes preocupante é este mundo dos jogos eletrénicos. Muitos pais e educadores questionam os aspectos nega- tivos desses meios na vida das criangas e adolescentes. Uma das preocu pacdes mais comuns € 0 sedentarismo, devido ao tempo que se utilizada diante da tela do computador, deixando de lado outras atividades como ‘exercicios fisicos e escolares, além da vivencia do temas violentos, muito difundidos nas tematicas de tais jogos. Outro fator é 0 comportamento ‘compulsivo apresentado por alguns jogadores em relagio a utilizagao dos games Para Fatima Cabral (2004), os jogos eletrénicos apresentam um duplo papel na sociedade dominada pela tecnologia. Um deles é 0 do caréter educativo; 0 outro € 0 do disciplinador. Destaca esta autora que a indiistria de games, na busca de atingir um mercado amplo, composto por consumidores de todos os paises e classes sociais, tende a desperso- nificar e a homogeneizar valores e comportamentos. Esta seria a justi- ficativa da excessiva utilizago de tematicas violentas nos jogos eletro- nicos, aparecendo dentro de uma légica desumanizadora, onde a luta, a agressividade, e a forga bruta sfo ressaltadas como qualidades indispen- saveis aos seres humanos. No entanto, Alves (2005) analisa a influéncia dos jogos eletr0i cos no cotidiano de seus jogadores ¢ as possiveis implicagdes em com- portamentos violentos. Ela conclui, em sua pesquisa, que os games nao necessariamente levariam scus usudrios a atitudes desta natureza. Seu discurso assume um posicionamento nao apocaliptico, abordando * Mesrands em EducagS(UFSO) spec ‘intra em Aros PsiasUDESC) em Ensna de Artes Vu (DESC), gyaduadaem ican ——( sei

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