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SIMBI, NKITA E NKISSI – DIVINDADES CULTUADAS

NO UNIVERSO CULTURAL DO CONGO.

Segundo Luc de Heusch em seu livro Le Roi de Kongo et


les monstres sacrés (HEUSCH: 2000) os habitantes do
Congo, principalmente aqueles que faziam parte do antigo
reino do Congo, cultuam as divindades Simbi, Nkita e
Nkissi, dependendo do grupo étnico, de diversas maneiras,
sendo um pouco diferente a concepção de cada povo em
relação as mesmas divindades. Pretendemos nesse artigo,
baseados nesse autor, trazer algumas contribuições sobre o
assunto, tentando elucidar, através dessas informações,
algumas práticas do candomblé de Congo-angola do Brasil.

De acordo com as informações de que dispomos, a classe


de espírito mais conhecida e louvada pelos adeptos dos
cultos afro-brasileiros de feição bantu são os Minkissi,
(sing. Nkissi) registrados em primeira mão por Edison
Carneiro, em 1938,(CARNEIRO:1982) num livro chamado
Candomblés da Bahia. Também, pelas observações que
temos efetuado, o Nkissi é largamente cultuado, em que
pese em algumas casas mais sincretizadas com o rito nagô
serem denominados e confundidos com os orixás nagô,
decorrência do sincretismo com aqueles. No entanto,
qualquer angoleiro, por mais milongado 1 que seja, conhece
perfeitamente o termo Nkissi e será capaz de falar dele
com certa desenvoltura. Modernamente temos percebido o
uso dos termos Akixi e Mukixi, para designar essas
divindades, o que se dá por influência de algumas leituras,
feita por parte de angoleiros mais letrados, e que, no
entanto, não corresponde ao conhecimento da massa de
fiéis. Para esses, os angoleiros estribados apenas na
tradição oral, existem os Minkissi, conhecimento que
receberam através dos ensinamentos orais transmitidos
pelos mais velhos como é de praxe nessa modalidade
religiosa e continuam usando o termo Nkissi para nomear
os deuses cultuados em seus templos. O Nkissi é o único
que está presente nas rezas, cantigas e na conversa do
cotidiano das casas-de-santo de congo-angola.

Quanto ao Simbi, apesar de desconhecido da maioria dos


angoleiros, de maneira formal, a palavra Simbi aparece em
inúmeras cantigas, afora existir um Nkissi por nome
Kissimbi, um Nkissi aquático, que também vamos encontrar
nos registros de Edison Carneiro e de Luc de Heusch. O
Nkita, por sua vez, não aparece nas cantigas, nem nas
rezas e louvações, e a única informação mais concreta
sobre a sua existência entre nós foi-nos dada por Tatá
Tawá, que afirma que o mesmo é cultuado no Bate-Folha
de Salvador-Ba., num culto de grande mistério e de maior

1
Termo usado pelos candonblecistas da vertente congo-angola para designar aqueles templos muito
misturados com ritos de outras nações.
fundamento ainda, a que só os iniciados da casa, e nem
todos, teriam acesso a esse conhecimento e a essa prática
litúrgica.

No entanto, segundo Luc de Heusch, baseado em outros


autores, afirma que os espíritos Simbi e os espíritos Nkita
são conhecidos e cultuados em todo o mundo cultural
bantu, com apenas duas exceções, conforme tabelas
abaixo. Nossa investigação procura compreender porque o
Nkita, tão conhecido e cultuado no mundo bantu não
atravessou o atlântico, ou se isso aconteceu, e ele foi
esquecido pelos afro-bantu já em solo brasileiro.

O simbi, apesar de não ter culto específico como tem o


Nkissi, está presente em algumas cantigas, e, apesar do
desconhecimento dos angoleiros a respeito do mesmo, ele
não se encontra ausente de todo do universo do candomblé
angola-congo.

Vejamos, num primeiro levantamento, que povos os


cultuam na África bantu e qual a natureza e funcionalidade
desses espíritos. Como dissemos acima, um desses
espíritos, Kissimbe, é cultuado no Brasil como uma
entidade aquática e é do sexo feminino. Não há outros
Minkissi com esse nome ou um nome semelhante. Mas o
espírito Kissimbe é encontrado entre os Villi povo habitante
do nordeste de Cabinda. Também entre os Mpangu-Ntandu,
ele, o Kissimbe, é quem preside a cerimônia iniciática do
Kimpasi.

Vejamos como cada povo, listado por Heusch, define a


natureza dos espíritos Nkita e Simba.

Congo meridional – justapõe Nkita e Simbi


Nkita -espírito aquático
Simbi – espírito terrestre
Para os povos do congo meridional, o Nkita é um espírito
aquático enquanto o Simbi é um espírito terrestre. O
primeiro é sempre um espírito benevolente, ao passo que o
Nkita é um espírito vingativo e às vezes cruel.

Mpangu-Ntandu
Nkita- os que morreram de morte violenta
Nkita – são as pedras encontradas na água
Simbi – desconhecido desse grupo.

Os Mapngu-Ntandu desconhecem os Simbi e para eles os


Nkita são os antepassados que morreram de morte
violenta. São representados pelas pedras dos rios, que são
retiradas por pessoas em transe com os próprios Nkita.
Para esse grupo, o Nkita não é portanto um espírito da
natureza e sim o espírito de alguém que já teve vida
terrena e morreu de morte não natural.
Ndibu
Simbi –são os mortos que morreram de morte violenta
Nkita – são emanações dos simbi e são representados pelas
pedras encontradas na água do rio.

Para os Ndibu, contrariamente ao Mpangu-Ntandu, os


espíritos simbi sim é que são os mortos por causas não
naturais, enquanto os Nkita são espíritos menores, ou seja,
emanações dos Simbi. Entre estes também, a
representação dos Nkita são as pedras encontradas nos
leitos dos rios e que são retiradas pelas pessoas em transe
com os espíritos Nkita.

Mbata
Nkita – são emanações dos simbi e tal como entre os Ndibu
são representados pelas pedras encontradas na água do
rio.

Para os Mbata, os Nkita são emanações dos simbi tal como


entre os Ndibu, são também representados pelas pedras do
rio. Além disso, os Nkita aquáticos são usados para tratar
de doenças congênitas, inclusive de partos.

Para os do Congo meridional, Mpangu-Ntandu, Ndibu,


Mbata, todos os Nkita capturados na água em forma de
pedras, descendem dos gênios protetores das linhagens,
enquanto os Simbi só exercem sua ação benevolente nas
regiões onde permanecem. Poderíamos dizer que os Nkita
são espíritos de linhagem enquanto os simbi seriam
espíritos locais.

Yombe (pl. Baiombe)


Simbi – são criaturas aquáticas benevolentes
Nkita – são criaturas terrestres agressivas
Nkissi nsi – são os gênios da terra

Entre os Yombe, os Nkita provocam a paralisia das pernas,


enquanto os simbi tratam das moléstias das pernas
(sempre são figuras protetoras)

O Nganga Mbenza – sacerdote de Nkitas os usa para tratar


de doenças não de origem de nascimento.

Os nkita vivem nos cascalhos sob o solo, e os Simbi vivem


nas fontes e rios.

Mboma
Nkita – desconhecidos

Woyo (pl. Bauoio)


Cultuam os Nkissi como os gênios protetores, tanto da
floresta como das águas.
Os Nkitas são desconhecidos desse grupo e os Simbi – são
as crianças ou enviados dos grandes espíritos Bakisi ba si –
Gênios locais habitantes das águas- e são também
responsáveis pelos nascimentos anormais como os anões,
crianças doentes, albinos ou crianças que nascem com o
cordão umbilical enrolado.Os gêmeos são considerados a
encarnação dos simbis, que se comunicam com eles
durante os sonhos.

Villi (pl. Bavili)

Cultuam os Nkissi e desconhecem os simbi e os Nkita. No


entanto, cultuam o Kissimbi, o espírito que preside o
Kimpasi entre os Mpangu-Ntandu., e entre eles, os Villi, o
Kissimbe é um espírito das águas.

Teke ou tio (pl. Bakoki)

Cultuam os Nkita que chamam de Nkira, que são espíritos


da natureza responsáveis pela fertilidade. Cada aldeia
possui seu Nkira benfazejo cujo sacerdote é o chefe da
aldeia local. Mas também há dois outros sacerdotes, o
primeiro encarregado das preces ao Nkira e outro
encarregado dos sacrifícios. O primeiro, mora próximo do
local onde o Nkira permanece, próximo a um rio ou a
floresta, enquanto o outro mora no santuário do Nkira,
normalmente em frente a casa do chefe da aldeia.
Kukuya Congo Brazzaaville – mesmo grupo lingüístico dos
Tio.

Cultuam os Nkita (Nkira) que são espíritos aquáticos e


estes possuem poderes terapêuticos.

POVOS NKITA SIMBI NKISSI


Congo Aquático Terrestre Desconhecido
meridional
Mpangu- Aquático Terrestre Desconhecido
ntandu
Ndibu Aquático Terrestre Desconhecido
Mbata Aquático Aquático Desconhecido
Yombe Terrestre Aquático Espíritos da
terra
Mboma Desconhecido Aquático Desconhecido
Woyo Desconhecido Aquático Espíritos da
terra
Villi Desconhecido Desconhecido Espíritos da
terra
Teke/Tio Espíritos da Desconhecido Desconhecido
terra
Kukuia aquático
Desconhecido Desconhecido
POVOS QUE CULTUAM MINKISSI

Yombe Terrestre Aquático Espírito da


terra
Woyo Desconhecido Aquático Espírito da
terra
Villi Desconhecido Desconhecido Espírito da
terra

Como podemos perceber, de acordo com Heusch, apenas


três povos cultuam os Minkissi, sinal claro de que o
Candomblé de Congo-Angola do Brasil foi fundado por
pessoas oriundas dessas etnias. Esses três povos formavam
outrora os reinos de Loango, N’Goio e Kakondo, tributários
do antigo Reino do Congo, e que hoje, formam o enclave de
Cabinda, pertencente ao país de Angola.

Apesar dessa afirmação de Heusch, o Pe. Martins em seu


livro sobre os povos de Cabinda nos informa que:

“3. Em certos ritos, festas e observâncias, onde o culto se


dirige directamente ao “delegado” do Nkisi Nsi: os Nkita,
Kimpasi, Mbumba Luando, sendo estes, por sua vez,
dependentes do Nkisi Nsi e a ele consagrados.
Os Nkita eram bem conhecidos de todos os clãs.

Os Nkita castigavam aparecendo e partindo curavam.”


(MARTINS:pg. 16 s/d)

Estas informações do Pe. Martins contradizem as de


Heusch, pois para o segundo, como vimos, apenas os
Baiombe, entre os povos de Cabinda, conhecem o Nkita,
como um espírito terrestre. No entanto, Pe. Martins afirma
com todas as letras que, os Nkita eram conhecidos de todos
os clãs que habitavam o país de Cabinda.

Pe. Martins delimita o país de Cabinda, habitado pelos


seguintes grupos étnicos: Bauoio, Bakongo, Basundi,
Balinge, Bavilli, Baiombe, Bakoki e outros que ele não
nomeia.

Para os Bauoio (Woio, sing.) os simbi exercem um papel


subalterno, pois são como crianças enviadas dos grandes
espíritos da terra, os bakissi ba si. Pensamos estar aí o
princípio do fio da meada para entendermos os nossos
espíritos infantis, os kafiotos ou monandengues que são
confundidos com os erês da nação ketu.

(...) Meme situation chez les Woyo qui ignorant les nkita.
En outre, ceux-ci n’accordent aux simbi qu’un rang
subalterne: ils sont les enfants ou les envoyés des grands
esprits chtoniens bakisi ba si, qui seuls sont l’objet d’un cult
régulier (Mulinda, 2985, p. 150 et 331) (Heusch:2000) 2

Um ponto em comum, destacado pelo autor de Les Rois de


Kongo é que todos esses espíritos chegam até os homens
através do transe e da revelação em sonhos. Também a
forma de cultuá-los é muito semelhante entre estes povos,
seja em relação ao Simbi, ao Nkita ou ao Nkissi. O
elemento principal de sua representação é uma pedra,
retirada do leito de um rio, por pessoas em transe com o
espírito. Essa pedra é, quase sempre, colocada num cesto,
acompanhada de pemba, argila vermelha, pó de tacula e
outras especiarias, tudo regado a vinho de palma.

As qualidades e funções desses espíritos, quase sempre


protetores, varia de povo para povo como vimos, sendo
que entre alguns o Nkita é sempre agressivo, enquanto que
para outros a agressividade cabe ao Simbi. Quanto à
natureza intrínseca deles, para uns o Simbi é aquático e o
Nkita terrestre ou vice-versa. Apenas para os três povos de
Cabinda, cultuadores do Nkissi é que este sempre, com
exceção do Nkondi e do Nkossi, que são por sua vez,
utilizados pelos Bandoki, no intuito de feitiçaria, todos os
demais Minkissi tem o poder benevolente de curar, trazer
prosperidade, colheitas fartas e chuvas benfazejas. Os

2
Mesma situação entre os Woyo que desconhecem os Nkita. Por outra, eles atribuem aos Simbi um traço
subalterno: eles são as crianças ou os enviados dos grandes espíritos chitonianos bakisi ba si que são o
objeto deles de um culto regular. (tradução minha)
Nkita, os Simbi e os NKissi fazem parte do cotidiano desses
povos e os ajudam a vencer as batalhas do dia-a-dia.

O nkita no Brasil

Como dissemos anteriormente, diferentemente de Cuba,


onde nas tradições do Palo Congo o Nkita é reconhecido e
cultuado (ver referência) ou no Haiti com seu culto ao
Simbi, no Brasil apenas o Nkissi é cultuado nos candomblés
de congo-angola, sendo a única referência ao Nkita aquela
informação dada por Tatá Tawá que é membro da
prestigiosa e tradicional casa do Bate-Folha, sediada em
Salvador-Ba. O simbi aparece em algumas cantigas, mas
nem sempre é notado pela maioria dos fiéis que os
confunde com Kissimbe, um importante nkissi das águas
doces.

No entanto, uma característica tanto do simbi quanto do


Nkita entre os povos do Congo Meridional que tem o Nkita
como um espírito vingativo, entre os Mpangu-Ntandu, o
Nkita são os antepassados que morreram de forma violenta
e entre os Ndibu os simbi são os que morreram de morte
violenta. Essas características, morte violenta e espírito
vingativo, nos permitem tentar uma reflexão, dispondo dos
dados que temos, a respeito de uma classe de espíritos
cultuados no Brasil, no candomblé de congo-angola, na
Umbanda e nas demais formas religiosas afro-brasileiras,
que são os Exus e Pomba-Giras catiços. São chamados de
catiço exatamente para diferenciá-los do Exu orixá do
panteão iorubano. No panteão iorubano existe um orixá
chamado Exu, dono dos caminhos e de tudo que se
relaciona ao movimento, mas que é um orixá e seu
comportamento é como dos demais orixás. No entanto, por
terem sincretizado o Exu iorubano ao diabo cristão, criou-se
nas demais formas religiosas afro-brasileiras uma forma
similar chamada Exu, e por assimilação ao panteão bantu,
que tem seu guardião de nome Mpanpu-Njila, com funções
similares ao Exu iorubano cuja primeira corruptela
lingüística resultou em bombogira e finalmente em Pomba-
Gira, tornando-se uma figura feminina ligada ao sexo e a
luxúria.

Tanto o Exu catiço3 quanto a Pomba-Gira são considerados


espíritos intermediários, uma espécie de escravos dos
orixás e Nkisses, encarregados dos “trabalhos” mais ligados
a esfera humana, como a resolução de trabalhos amorosos,
amarrações de amantes, negócios mal resolvidos, rixas
entre inimigos, brigas em geral, desejos de morte,
feitiçarias vis e outras questões dessa natureza. O que não
se pede ao Orixá ou ao Nkissi pede-se aos catiços, dado o
seu caráter mais humano, mais volúvel, mais interesseiro.
São espíritos vingativos, perigosos, muitos deles ligados a
morte e aos cemitérios, outros ligados ao fogo e suas
conseqüências, suas cantigas falam em morte,
3
CATIÇA, V.intr.. Ajudar (MM) – Provavelmente do quicongo sadisa, ajudar.(LOPES:S/D)
assassinatos, vinganças, traições, lugares ermos, horas
perdidas da noite, missas negras e outras coisas do gênero.
Seus nomes remetem a cemitérios, mortes violentas,
profissões ambíguas, como por exemplo: Exu sete caveiras,
Exu catacumba, Exu do Lodo, Maria Padilha (famosa
prostituta do século XVIII), Pomba-Gira das Almas, Pomba
Gira Sete Catacumbas, etc.

Suas histórias de vida dão-nos como pessoas que


morreram assassinadas, queimadas vivas, atropeladas,
enforcadas, enfim sempre morreram de morte violenta e
anti-natural.

CANTIGAS DE EXU

Nesta encruzilhada tem um Rei


Este rei é seu Tranca-Rua
Lá na fiqueira tem outro rei
É seu Tiriri e a rainha Pomba-Gira

Exu ganhou Marafo


Na capela foi beber
Encontrou com o sacristão
Ma batina do Padre tem dendê
Na batina do Padre tem dendê
Tem dendê, tem dendê
Na batina do Padre tem dendê
CANTIGAS DE POMBA-GIRA

Pomba-Gira
mulher de sete maridos
Não mexe com ela,
Ela é um perigo
Não mexa com ela,
Ela é um perigo

Arreda, arreda
Que aí vem mulher!
Elá é a Pomba-Gira
Rainha do Candomblé
Tranca-rua vem na frente
Pra dizer quem ela é !
É uma velha feiticeira
Rainha do Candomblé

Juraram de me matar
Na porta do cabaré
To de dia, to de noite
Só não mata
Porque não quer.

CANTIGA DE ZÉ PELINTRA
Bate tambor, bate
Seu Zé Pelintra chegou
Matou mãe, matou pai
Matou padrinho e madrinha
Um aleijado na calçada
E um indivíduo na linha.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Carneiro Edison. .Candomblés da Bahia. São Paulo:
Editora Tecnoprint, 1982.
Heusch de Luc. Le Roi de Kongo e lês monstres sacrés.
Paris: Gallimard, 2000.
Lopes, Nei. Dicionário Banto do Brasil Rio do
Janeiro:Prefeitura da cidade do Prefeitura da cidade do Rio
de Janeiro, s/d
Martins, Joaquim. Cabindas – história – crenças – usos
e costumes.www.cabinda.net

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