You are on page 1of 13
s A DOS TROVANIR 12 CANTIGAS DE ESCARNTO FE MALDIZER 1. 0 SIRVENTES PROVENCATL: BOA SATIRA TROVADORESCA L Ho en ehtine © ‘mieo animal risivel & © homem. Nao nos interessa aqui idade de situngdes anulissir a exséneia do riso, nem enumerar a in que © provoeam Algumas vezes, 0 riso é inocente e puramente fortuito; ontras e P vers na, quer colectivos quer individuais, ao serem desviados da norma- maldoxo, procurado e intencional. Os factos da vida huma- Idade em proveito da vaidade ou do interesse préprio ver aquele trios; quer que ox realiza, produzem frequentemente efeitos cont dizer: rebaixam ¢ prejudicam. Quem vé de fora tais factos, notando © contraste entre os resultados pretendidoa ¢ os obtidos, conside- ra-os fatalmente ridjculos, E nao pode deixar de rir. Para faze r i normalidade os figurantes desses acontecimentos, aa = exploram-nos com uma dupla finalidade: ou com o intuito de corrigir, de hurmonia com o axioma ridendo castigo mores, ou entho para os ditos figurantes se ndo convencerem de que come- ram os outros por lorpas. E assim que nasce a satira. Sabemos como todos os povos da terra tém a lingua bem apuradinha O nosso também, gragas a Deus. Para aquilatarmos da vulgaridade da ma lingua nos primér- dios da nacionalidade, basta ter em conta o nitmero de sindnimos que entao possuia o verbo safirizar, inventariados por Lapa (ob. it, pig. 174): fazer jogo, apoer, escarnir, escarnecer, chufar, des- izer, posfagar, profacar, travar. Ao lado dos critics de soalheiro, amadores como todos nds, salvo o devido respeito pelo leitor, havia uinda nessa época os satirizadores profissionais, que divertiam os grandes e quem thes pagava. A Corte nao dispensava os bobos. E, em 1193, D, Sancho I fez doagdes a Bonanimis ¢ a Acampaniado, na esperancga de que Ihe compusessem arremedilhos. Dightalizado com CamScanner [nsTORIA DA TITERATURA PORTUGUESA 122 do «sirventés provencal» 2. A influ adoresea vestiu-se muito eedo pelo figuring i que explorava 0 género em ‘Brande eSealg as cultivadas na Provenga tinham 59 nome A sitira trov literatura provencal, ‘As composicées satiric: de sirvent trés espécies: 1. 0 sirventés moral — que ridicularizava a decadéncia do ideal da cavalaria, a bogalidade dos fidalgos, as levian, dades das mulheres, 0s costumes duvidosos de alguns clérigos; 2. 0 sirventés politico — que ridicularizava a luta dos reis ingleses com os senhores feudais da Franga, as guerras civis, a cruzada dos Albigenses; 3. 0 sirventés pessoal — que ridicularizava a vida intima dos jndividuos, mormente a vaidade ridicula e as pretensdes dos jograis (sirventés joglaresc). ‘Ao tomar contacto com a estética provengal, os nossos poetas comecaram de satirizar os mesmos tipos (ci como 14 mas fadas ha) e pelos mesmos processos. & as produgées desta espécie que cha- mamos cantigas de escdrnio e maldizer. Il. DIVISAO E VARIEDADE DA SATIRA TROVADORESCA 1. Divisio A Arte de Trovar distingue duas modalidades de satira: can- tigas de escdérnio e cantigas de maldizer. a) Cantigas de escdrnio. So as que ridicularizam alguém com palavras simuladas, de dois sentidos, eufemisticamente as vezes — «per palavras cuber- tas que ajan dous entendimentos para lhe le non entenderen ligei- ramente», como diz a citada Arte de Trovar (tit. III, cap. V)- Um exemplo; Meu senhor arcebispo, and’eu escomungado, por que fiz Iealdade; enganou-mh’ o pecado! Dightalzado com CamScanner A POFSIA DOS TROVADORES 123 Senhor! lado, traedor (Diego Pezelho) Nio encontramos aqui uma palavra s6 que ofensiva directamente. No entanto, quanta malicia, quanta ironia! Dirige-se o poeta ao Arcebispo (cra o de Braga) e confessa-Ihe que incorreu em excomunhio. Porqué? Somente porque fora Ieal a D. Sancho II, nao reconhecendo os direitos do Bolonk s. O Areebispo que o absol- va (soltade-me) e ele jurara ser traidor (como parece exigir-lhe o Prelado). O Arcebispo de Braga lancara uma excomunhio sobre os fidalgos que permanecessem fiéis a D, Sancho II. No entender do poeta, os leais foram excomungados, ao passo que os traidores foram considerados dignos membros da Igreja. Satira velada, como se vé, mas contundente. b) Cantigas de maldizer. Sao as que ridicularizam alguém com palavras claras e directa- mente ofensivas. A Arte de Trovar (tit. III, cap. VI) define-as assim: «son aquelas que fazen os trobadores mais descubertamente; en elas entran palavras que queren dizer mal e non averan outro entendimento senon aquel que queren dizer chafimente». A satira trovadoresca é constituida, na sua maior parte, por cantigas de maldizer. Um exemplo: Foy hum dia Lopo jograr a cas’ dun infazon cantar, © mandow-Ih'ele por don dar tres couces na garganta, e foi-lh’ escass’, a meu cuydar, segundo com’el canta (Martim Soares). Aqui claramente se diz que um fidalgo, depois de ouvir tanger e cantar o jogral Lopo, 0 recompensou com trés couces na Sarganta. Acha o poeta que a paga foi pequena, escassa, atendendo &maneira horrorosa como o jogral cantava e citolava. Ao contrario do que sucede na cantiga anterior, nesta, as Palavras sao abertamente ofensivas, atingem o satirizado sem rodeios. Dightalzado com CamScanner ASTORIA DA LITERATURA PORTUGUESA 124 2. Variedade Consoante a temftica ou a forma, as cantigas satiricas tro- yadorescas recebem os seguintes nomes: 1. joguete de artciro—composi¢io de escarnio propria- mente dita; 2. risadilha —composigio provo' fina, quase sempre obscena; 3. cantiga de scguir —composigio parodistica de outra poe- sia, da qual adopta a mtsica e a rima; 4, tengo —composicao dialogada entre dois trovadores que se contradizem. Jora de riso, mas pouco TI. CARACTERISTICAS DA SATIRA TROVADORESCA A s&tira do perfodo trovadoresco reveste-se das seguintes caracteristicas: conereta e particular. Sao, na verdade, muito raras as cantigas que visam defeitos de car4cter geral e de um modo abstracto, como a mentira, a cobar- dia, a luxtria, a insenceridade, a avareza. Nao atacam o vicio em si; atacam os viciosos em concreto, isto é, pessoas ou mentirosas, ou cobardes, ou sensuais, ou avarentas, etc. Mas veja-se uma das excepgées neste sirventés moral de Airas Nunes, no qual se escalpeliza a falta de verdade no mundo e até nos conventos e santuarios: Porque no mundo menguou a verdade, punhei un dia de a ir buscar ¢ hu por cla fui preguntar disseron todos: alhur Ia buscade, ca de tal guisa se foi a perder que non podemos en novas aver, nen j& non anda na irmfidade. Nos moesteiros dos frades regrados a demandei ¢ disseron-m’ asi: non busquedes vos a verdade aqui, S$ ANOS avemos passados ue non morou nosco, per bia £6, nen sabemos onde ela agora esté, ed’ al avemos maiores cuidados. Dightalzado com CamScanner sal ADORNS 425 on conhocia, nO abade outro si estar e anda ja fo que fosse 1 pousar, b) F social © nao paicotig Como mais tarde fi tipos sociais. Nao cri perar com insisténe a Gil Vicente, os trovadore: irizararn m fipos psicolégicos. Assim, verno-los ve os membros do clero pouco edificantes: os nobres, sobretudo perjuros, cobardes e empobrecidos; os varios oficios (jograis, militares) ; os vilaos. Popp c) 2%, em parte, muito obscena. Deparamos em bastantes composicées satiricas com obsceni- dades de um realismo cri. Muitas das poesias que se referem a Balteira sio ofensivas dos ouvidos pios Iv. TEMATICA Bem atentos ao que se passava no seu mundo, os trovadores soltaram gargalhadas em torno de muitos factos e costumes escan- dalosos da época. Para dar uma ideia muito breve da tematica das suas composigdes, vamos sintetizar alguns dos assuntos mais comummente focados. a) A entrega de castelos ao Conde de Bolonha. Embora se enchesse de prestigio na luta contra os Mouros, D. Sancho II desgostou profundamente os membros do cero e mui- tos nobres. Em 24 de Julho de 1245, Inocéncio TV expediu uma bula pela qual o depunha do trono e incumbia do governo de Por- tugal o Conde de Bolonha. O monarca deposto ainda lutou Por servidores leais, nao obstante a! durante algum tempo, ajudado s excomunhées que contra eles Dightalzado com CamScanner MISTORIA DA LITT fulminaram 0 Arcebispo de Braga e 08 Bispos do Porto e de Coim. ides entt sfOUese 4 ales 0 Bolonhéy bra. No entanto, a maioria d Parece que, na opinino pibliea, tal entrega fol considerada traigio, sobretudo porque na sombra andaram grosaas quantias de dinhei promessas aliciantes, medo ¢ outros motivos menos dignos. A ironia dos trovadores nio poupou a suposta venalidade e deveras interes Ieaides que se renderam. ante um Peres Vuituron, construido em dez qi fr considerada cobardia dos sirventés politico de Ain so & um ¢ bibliea em latim ma- dras, nas quais o tereciro vei carronico. A entrega dos eastelos ¢ i pura venda: A lealdade de Bezerra pela Beira muito anda, ben @ que a nostra vendamos, pois que no’-o papa manda, vender Mon a San Pedro m Sueyro Bezerra que tort? ca diz, que nunca Deus dis: quen tu legares en terra erit ligatum in celo por en diz ca non 6 torto de vender om’ o Por en diz que non fez torte o que vendeu Marialva, ca The diss’ @ arcebispo hun vesso per que se saly estote fortes in bello ct pugnate cum gerpente: por en diz que non é torto quen fa 7 traycon © mente. des Eo que vendeu Leiréa muyto ten que tex andado do papa © confirmou-th’ o esleyto: super istud capud meum et super ista mea capa dad’ 0 eastelo ao conde, pois vo'-lo manda © papa. ea fen ni FE 0 que vendeu Faria por remiir seus peeados, se mays fevesse, mays daria, 6 desseron dous prelados: tu autem, domne, dimitte a aquel que sse e ben esmotou en sa vida quen dow Sante onde; ao conde, slos deron; Salvos son os traedores quantos os cast mostraron-Ihis en escoito que foi bon 0 que fezero: super ignem eternum et dimittatis opem. Salvo 6 quen trae castelo a preyto que 0 ysopen. Dightalzado com CamScanner A PORSIA Dos: TROVADORES 427 pb) A poltronice dos cavaleiros na guerra de G: jam 1264, Afonso X de Castela moveu guerra contra os Mc ‘ou- yes de Granada, A campanha nfo foi hem sucedida, pois o monar go era 120 gil no manejo da espada como no da pena Mas 0 jnsucesso também se deve, em parte, ao facto de muitos infangdes e yicos-homens © terem abandonado cobardemente. Vingou-se Afon- go X, metendo-0s a ridiculo em algumas composigdes satiricas cheias je graga, como esta em que retrata 0 pavor dos cavaleiros eris- tas (coteifes) ante a aguerrida cavalaria de Azamor: © genete, pois remeto seu alfaraz, corredor, estremece © esmorece © coteife com pavor. Vi coteifes orpelados estar mui mal espantados, © genetes trosquiados corrian-nos a redor, tiran-nos mal aficados que perdian-na color. Vi coteifes de granhon, eno meio do estio estar tremendo sen frio ante os moures de Azamor. D. Afonso Mendes de Besteiros, que acompanhou 0 citado monarca no cerco de Sevilha, escarnece assim o fidalgo portugués Joio Pires de Vasconcelos, o Tenreiro, por ter abandonado o cam- po de batalha: Don Foio que eu sey. que 4 preco de livio, vedes que fez ena guerra, daquesto soo certano: sol que viu os genetes, come boy que fer’ tabiio, sacudiu-ss’ e revolveu-sse, alcou rab’ e foy, sa vya a Portugal. Dightalzado com CamScanner ae aay 128 HISTORIA DA LITERATURA PORTUGUESA ©) Aw pretenstes dos potas pobres ¢ humilies Polos vistos, a arte trovadoresca era mais aristocritica do que A primeira vista pode parecer. A cultura era entio apanigig s podiam dar-se ao Iuxo de a procurar; os ple. os nobr 0. E acontecia, uma vez ou outra, que um pobre jogral do ¢ beus é que 1 concebia a idein de se meter a poeta, para ganhar a vida e as honras, Era o fim do mundo... Os trovadores de estirpe wreavam-no por todos os Iados. ‘Assim suceden a Lourengo, jogral de Joao de Guilhade. Quan. do tentou fazer poesia a sério e mesmo dar ligdes, viu-se alvo dos ataques de muitos, inclusive do patrio, que até 0 ameacou de the partir o citolio na cabega: Ves, Lourenc’, ora ti m'assanharei pois mal i entencas, ¢ ti farei © citolon na eabega quebrar. Veja-se a dureza com que o tratou D, Joao de Aboim: Lourenco, soyas tug como podias, per teu citolon, ou ben ou mal, non ti digu’ eu de non; © vejo-te de trobar trameter, © quero-t” eu d’ esto desenganar: ben tanto sabes tu que & trobar ben quanto sab’ 0 asno de lk recer, Outra vitima semelhante foi o jogral Lopo, metido a ridiculo por Martim Soarez. d) A vida duvidosa das soldadeiras. Estas mulheres eram quase sempre de moral duvidosa, Os trovadores nao as poupavam. Ficou imortalizada na sitira medieval uma soldadeira cha- mada Maria Peres, por alcunha a Baltcira. Oriunda de boa familia galega, era tao leviana como bela, Deixou-se seduzir pelo nomadismo, andou de terra em terra e teve entrada nos palacios reais, onde seus excepcionais dotes fisicos foram utilizados mais do que uma vez para fins politicos. Gostava de frequentar os acampamentos militares e, j4 entrada em anos, acompanhou Afonso X na cruzada contra o rei de ‘Tanis. Dightalizado com CamScanner A VOUSIA DOS THOVAr Quando nova, fex ands , % andar a caheea A roda an fidalgos © 08 trovadores fartaram tla vida, ao entrar na velhice, mas ner , poctan & de a ridie mar. Mudou de Th i so wram erm Muitas das cangées que atingem a Balici ne a Balteira, 6) Amores entre fidalgox © plebetas Os preconceitos sociain do mundo medievo ji no via eo pons olhox os entendimentosamorosos entre Hialeea © dlukelaa sabemos, porém, alé pelos Nobilidrion, que algunt sobs erat hem pouco escrupulosos nesta matéria, Mas, quando tal coisa ge dava, a critica entrava logo na sua fung oe Foi © que aconteceu com o rico-homem portugués, D. Joao goares Coclho, que, na corte de Afonso X, galanteou usa ama de meninos, endo-lhe uma, cantiga de amor, que vern no Cancio- neiro da Ajuda sob 0 n." 166 os Atal ve que, ou ag dia en que eu naci, nunca tan desaguisada cousa vi, se por fin destas duay non por aver nom’ assi, per bia £6, ou 6 Ih dizem por que & armada, Ou por frei Se por aqu pode ou so 0 & pola (amar, ea ben the quer’ n jurart poi’-la eu vi, nunca vi tan amadi. os, ou por ben talk: ev a seer, posso Como o costume palaciano mandava cantar somente meninas- -donzelas, os colegas nio Jevaram a bern esta profanacao, embora reconhecessem que Esta ama, cus’ 6 Jo%o Coelho, per boas manhas que soub! aprender, cada u for achard bon conselhoy ca sabo ben fiar eb © talha mui ben bragas © ¢ ; ex mother de sa guise 1a wabia fazer. © nunca vist que mais limpa vid Dightalzado com CamScanner eo A PK ‘OESIA DOS TROVADORES 129 Quando nova, fez a andar a cabeca a roda a muit uitos poetas e i e os trova fiasle’ ce adores fartaram-se de a ridiculari yida, 2 a ‘a . na velhice, mas nem entdo a deing larizar, Mudou de luitas das ca des , “ ixaran z cangoes que atingem a Baltetra. em paz. , Sao obscenas, ©) Amores entre fidalgos © plebeia Os preconceitos sociais do mundo medi Be es pons olhos os entendimentos amorosos Gea ice: © cikecuae ; 2 2 s entre fidalgos e plebei Sabemos, porém, até pelos Nobilidrios, que aigune abt aes bem pouco escrupulosos nesta matéria. Mas, quand tal Silen se dava, a critica entrava logo na sua funcio. a oe ee a oo aconteceu com o rico-homem portugués, D. Joao Soares | joelho, que, na corte de Afonso X, galanteou uma ama de meninos, fazendo-lhe uma cantiga de amor, que vem no Cancio- neiro da Ajuda sob o n.° 166: Atal vej’ eu aqui ama chamada que, dé-lo dia en que eu naci, nunca tan desaguisada cousa vi, se por tia destas duas non é: por aver nom’ assi, per ba f¢, ou se Iho dizem por que 6 amada, Ou por fremosa, ou por ben talhada, Se por aquest? ama dev’ a seer, 6 0 ela, podede-lo creer, ‘ou se o 6 pola eu muit’ amar, ca ben The quer’ € posso ben jurar: poi’-la eu vi, nunea vi tan amada, Como 0 costume palaciano mandava cantar somente meninas- bem esta profanacao, embora -donzelas, os colegas nao levaram & reconhecessem que Esta ama, cuj’ 6 Joao Coelho, per boas manhas que suv’ aprender, pada u for acharé bon conselhor ca sabe ben fiar e ben tecer fe talha mui ben bragas © camisa; istes mother de sa guist a vida sabia fazer. © nunca que mais limp’ Dightalzado com CamScanner 130 HISTORIA DA Lt os pretensiosos. rentar estado superior ao A procissio dos desejam ap que tém, comeca no principio da nacionalidade para se arrastar depois pelos séculos adiante. Disso 1 da testemunho a literatura portuguesa desde os trovadores ¢ poctas do Cancionciro Geral até Gil Vicente e D. Francisco Manuel de Melo. A sAtira medieval tanto mete a ridiculo o vil o que se gaba de cortejar grandes damas, farcia tal se foy, loar © enfenger que dava sas doas ¢ que trobava por donas mui boas, © oy; end’ o meyrinho queyxar fe dizer que fari, se Deus quisery que non trobe quen trobar non dever por ricas donas nen por infrancoas (D. Jodo Soares Ci o), como lembra com desdém a origem humilde de certos cavaleiros: Vosso pay na rua, ant’ a porta sua vede-lo cos, ay, cavaleyro! Ant’ a ssa pousada, en say’ apertada: vede-lo cos, ay, avaleyro! (Jodo de Gala). g) As mentiras do amor. Foram sobretudo Pedro Amigo de Sevilha, Joao de Guilhade e Pero Garcia Burgalés os que mais parodiaram os escindalos e hipocrisias do amor. Ora ridicularizam as damas que s6 se conten- tam com o amor metalico (as que sé amam, quando recebem déuas), ora as descuidadas e vaidosas que se pintam de branco e vermelho, ora as velhas tontas ¢ levianas. Muito conhecida é também wma sitira em que Pero Garcia Burgalés mete a ridiculo os que morrem de amor, acabando sempre por ressuscitar, visto continuarem cada vez mais vivos neste mundo de hipocrisias. h) © desconcerto do mundo. Porque em certo modo se antecipam aos poetas renascentistas, n&o podemos deixar em siléncio duas poesias medievais que focam Dightalzado com CamSeanner A POESIA DOS TROVADORES 134 o desconcerto do mundo. Uma, de D. Pero Gomez Barroso, fala no gesengano da vida, motivado pela continua mudanga das coisas: E non receio mha morte por en ¢, Deus lo sabe, querria morrer, ca non yejo de que aja prazer, nen sey) amigo de que diga ben, ca vej’ agora 0 que © ouco cousas que nunca oj. Outra, de Pero Mafaldo, insiste no tema que Camées trataré com imensa graga: aos maus tudo corre bem e aos bons tudo corre mal. O poeta foca sobretudo os inconvenientes de dizer a verdade: Ca vej' eu ir melhor ao mentireyro c’ a0 que diz verdade ao seu amigo; e por aquesto o jur’ © digo, que jé mays nunca seja verdadeyro, mais mentireyj e firmarey log’ al: a quen quer’ oje ben, querrey-the mal, e assi guarrey, como cavaleyro. ; FORMA trovadores no se afastam muito dos em que estado talhadas as cantigas Ha algumas de mestria e sao fre- As poesias satiricas dos moldes, j4 nossos conhecidos, de amigo e as cantiga de amor. quentes as de refréio e as tengdes. Notemos, porém, que nas canti; vocabulério é bastante mais rico, variad gas de escdrnio ¢ maldizer o lo e realista do que nas outras. APENDICE I. HEGEMONIA DA LINGUA PORTUGUESA NA LIRICA PENINSULAR Medieval, o instrumento quer fossem de cd, quer -portuguesa. .No periodo trovadoresco da Epoca adoptado por todos os poetas peninsulares, de Ledo, Castela, ou de Aragdo, era a lingua galaico Porqué tal hegemonia? Dightalzado com CamSeanner ERATURA PORTUGUESA HISTORIA DA LT 132 a) Como o tema das poesias era : ener, conv, Para ¢ exprimir, uma fala suave ¢ doce, acta UE Fosse meiga. A lingua castelhana, mais viril, es learia reser. vada para as cangdes guerreiras, para as Sangoes de gesta, b) Por outro lado, talvez no noroeste da Peninsula flores. cessem melhor as condigdes de afectividade sentimental entre as gentes. Era aqui que mais se cortejavam as mulheres; era em lingua portuguesa que mals se amaya, E talvez a lingua portuguesa, por isso, exercesse uma magia especial sobre os amorosos, como a exercia com certeza sobre 0 coragio das donas ... Tl. VALOR DA POESIA MEDIEVAL A poesia medieval tem relevante valor, sob trés aspectos: 4) interessa muito & linguistica; b) tem interesse artistico ¢ estilistico, embora rudimentar e primario; ©) tem interesse social ¢ histérico, pois nos d& a conhecer os sentimentos intimos de homens e mulheres, alguns usos e€ costumes tipicos da época (pecas de vestuario, oferecimento de prendas, hierarquia familiar, ete.), as relagdes entre fidalgos ¢ plebeus, as lutas entre trova- dores e jograis, a cobardia e venalidade de alguns mili- tares e por ai fora, Nesta particularidade, sobressaem as cantigas de escér- nio e maldizer. Dightalzado com CamSeanner

You might also like