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| Paulo Roberto de Almeida SUMARIO INTRODUGAO.. ‘APITULO 1 - BASES CONCEITUAIS DE UMA POLITICA EXTERNA NACIONAL.. 1.1 Introdugo: natureza do exercicio... 1.2. Quanto aos métodos. 4.2.1 Clareza quanto as intengdes: 4.2.2 Interag3o entre a diplomacia e a economia 4.23 Aferigo precisa quanto aos meios disponiveis 4.2.4 Flexibilidade e abertura as inovagdes 1.3 Quanto aos propésitos.. 1.3.1 A questao do interesse nacional. 13.2 0 problema das prioridades nas relagdes exteriores 1.3.3 As "parcerias estratégicas": possibilidades e limites 1.3.4.A ordem econémica internacional e os blocos de integrac3o 1.3.5 Problemas da seguranca internacional, regional e nacional 1.3.6 A representaco dos interesses no exercicio da politica externa. 1.3.7 Instrumentos de aco de uma politica externa nacional... 1.4 Conclusdes: 0s fundamentos empiricos de uma diplomacia concreta CAPITULO 2 AS RELACOES INTERNACIONAIS DO BRASIL EM PERSPECTIVA HISTORICA 2.1 Padrdes e tendéncias das relagées internacionais do Brasit 2.2 Etapas das relagdes internacionais do Brasil... 2.2.1 0 Império: a construgao da nagao e as bases da diplomacia 2.2.2 A Velha Repiblica: os mitos e as deficiéncias da politica externa. 2.2.3 A era Vargas: escothas estratégicas, a despeito de tudo.. 2.2.4 0 regime militar: consolidacao do corporatismo diplomstico .. 2.3 Aredemocratizacdo e as relagoes exteriores do Brasil. 23.1 Uma periodizacao diplomstica para 0 periodo contemporaneo 2.3.2 A restauracao constitucional e os erros econdmico: 2.3.3 Os anos turbulentos das revises radicais do momento neoliberal 2.3.4 Estabilizago macroeconémica e nova presenca internacional. 2.3.5 Por fim, a era do nunca antes: a diplomacia personalista de Lula .. 2.4.0 que concluir de tudo isto? Que ligdes ficam de nossa trajetéria historica? 2.5 Nota final: reformas internas e insercao na globaliza¢ao. ICA EXTERNA BRASILEIRA {TULO 3 . in Ss DECISORIOS NAHISTORIA DA POLI ne um processo decisorio: obser mo instituigao vacoes pretiminares ~ 3.1.0 que defi i ‘ira Col 3.2. Adiplomacia brasileira (80 or {s6rios na diplomacia brasileira. .3 Os processos decisdrios na ° M “ a erie efeitos do processo decis6rio na diplomacia brasileira 3.4 Virtudes e di i como talvez devesse funcionar... 3.5 Conclusdes: como funciona, CAPITULO 4 APOLITICA DA POLITICA EXTERNA: AS VARIAS DIPLOMACIAS PRESIDENCIAIS.. 4:1 Participacao dos presidentes em politica externa: da omissao ao ativismo 4.20 inicio da lideranga presidencial em politica externa: a era Varges .. 43 JKe 0 desenvolvimentismo: a caminho da politica externa independente.. 4.4 0 regime militar: tudo pelo "Brasil Grande Poténcia”’ 4.5 Redemocratizagéo: crise externa e integracéo regional 4,6 Os anos FHC: enfim, uma diplomacia presidencia 4,7 Os anos Lula: 0 ativismo como norma, o personalismo como finalidade.... 4.8 Conclusées: caminhos errdticos da diplomacia presidencial brasileir: CAPITULO 5 DUAS DIPLOMACIAS EM PERSPECTIVA: A PROFISSIONAL E A ENGAJADA. 5.1 Comparando duas diplomacias: FHC e Lula em confronto 5.2.0 que distinguiu a politica externa de Lula da do governo FHC: 5.3 Contrastes, confrontos e coincidéncias entre as duas diplomacias 5.3.1 Multilateratismo e Conselho de Seguranca das Nagées Unidas. 5.3.2 OMC, negociacdes comerciais multilaterais e co 5.3.3 Terrorismo internacional operacao Sul-Sul. 5.3.4 Globalizacio e capitais volateis... 5.3.5 FM e condicionalidades 5.3.6 Brasil como lider regional, talvez mundial 5.3.7 América do Sul e negocia is Feri des hemisfér 5.3.8 Mercosul. mes 5.3.9 Argentina 5.3.10 Europa. 5.3.11 RelagSo com os Estados Unidos, 5.3.12 Alea : CAPITULO 6 AS NOVAS ROUPAS DA DIPLOMACIA REGIONAL DO BRASIL 6.1 Da diplomacia presidencial 8 diplomacia partidéria.. 6.2 Um projeto ambicioso: 0 Mercosul como base da lideranca regional 145 145 147 63 0 fardo da lideranca: a integracdo sul-american: 149 6.4 No meio do caminho tinha uma pedra: o problema da Alca .. 154 CAPITULO 7 UMA NOVA ARQUITETURA DIPLOMATICA?: MUDANCAS NA POLITICA EXTERNA. 159 7.1 Fim do consenso na diptomacia brasileira? 159 7.2 Os representantes autorizados.. 161 7.3 0s companheiros de viagem... 164 7.4 Independentes e criticos. 168 7.5 Uma nova arquitetura diplomatica ou apenas um outro discurso?.. 170 CAPITULO 8 _ PENSAMENTO E ACAO DA DIPLOMACIA ENGAJADA: UMA VISAO CRITICA .. 173 8.1 Fundamentos conceituais da diplomacia engajada 173 8.2 A agenda diplomatica tal como ela se desenvolvet 179 8.3 As roupas novas da diplomacia brasileira 185 CAPITULO 9 _ NUNCA ANTES NA DIPLOMACIA: BALANCO E AVALIACAO, 189 9.1 Caracterizagao geral da diplomacia e seus adjetivos. 189 9.2 A concepgio petista sobre o sistema mundial de poder t91 9.3 0s objetivos diplométicos do governo Lula. 193 9.3.1 Nacdes Unidas: reforma da Carta e cadeira permanente no CSNU 194 9.3.2 Reforco do Mercosul e integracao sul-americana, "sem tutela” 195 9.3.3 Negociagdes econémicas multilaterais e estratégia Sul-Sul. 9.4 05 resultados alcancados e o estilo diplomético de Lula. 204 CAPITULO 10 UMA POLITICA EXTERNA EXOTICA: SEUS EFEITOS INSTITUCIONAIS.. 213 10.1 0 exotismo diplomatico: definigdes e pressupostes... 213 10.2 Processo decisério: fragmentando a formulacdo e a execugs 216 10.3 Soberania: verso e reverso de uma proclamaga0 vazia . 218 10.4 No comego era o verbo; no final também, mas em moto perpétu 221 10.5 Miragens do reordenamento mundial: custos e beneficios. 223 10.6 Apocalipticos e desintegrados: crénicas da irrealidade regional. 225 10.7 Stalinismo industrial e protecionismo ordinério: um retorno de meio século 228 mismo como linha de agao (e de omissao) i ido: do confor sxotismo assumido: do c ° : Ol vista no Brasil: 0 exotismo megalomaniaco 410.9 Uma diplomacia nunca antes {TULO 11 ‘ Apo PREFERENCIAL PELO SUL: UM NOVO DETERMINISMO GEOGRAFICO?, 41.1 Arosa dos ventos das relagoes exteriores das sociedades globalizadas. 41.2 Devemos restringir nossas opgdes a uma Gnica ala do supermercado da historia? 41.3 Um novo determinismo geogréfico na politica externa brasileira? 411.5 0 novo determinismo geogréfico: um novo fracasso a espreita CAPITULO 12 UMA GRANDE ESTRATEGIA PARA O BRASIL? 12.1.0 que é uma grande estratégia? . 12.2 Antes da grande estratégia, breve descrigio da situacao do Brasil.. 12.3 0 que constituiria uma grande estratégia para o Brasil? 12.4 Que tipo de estratégia deveria o Brasil seguir?. CAPITULO 13 O BARAO DO RIO BRANCO: O QUE ELE FEZ, ENTAO?; O QUE FARIA, AGORA?. 13.1 Um pouco da trajetoria pessoal e diplomatica do Bardo. 13.2 0 Bardo agora: qualquer semethanca é mera coincidéncia’ 13.3 Quais seriam os grandes objetivos do Bardo, hoje? 13.4 Alternativas estratégicas para o Bardo no século XXI. REFERENCIAS... INTRODUGAO “Nunca antes neste pais...” foi, provavelmente, o comeco de frase mais repetido nos anos de dominancia lulo-petista sobre a vida politica brasileira. Alias, ndo sé na vida politica, j4 que alcangando também a vida social, a cultural, a educacional, a fute- bolistica (e como), além de muitos outros campos, alguns nem mesmo detectados adequadamente pelos cronistas da atualidade, ou por investigadores de fatos havidos epouco sabidos, a serem revelados em toda a sua amplitude em algum futuro incerto. Correta ou equivocada, verdadeira ou nao (provavelmente ha algum exagero na afirmagao), a frase veio para ficar, convertendo-se numa espécie de marca registrada do personagem, a ponto de um brincalhao ter sugerido que ele a registrasse, ao menos para arrecadar alguns royalties, a partir do seu uso por terceiras pessoas. E evidente, que num ambiente de tal forma impregnado por essa rica e vistosa personalidade, que comandou soberanamente os destinos do pais nesses tempos do “nunca antes”, a diplomacia néo poderia ficar imune aos fluidos transformadores que, do Palacio do Planalto ou a partir de qualquer outro canto remoto do pais, até mesmo em cima de algum palanque de ocasiao, disseminaram-se, com aquele estilo que Ihe era peculiar, sobre tudo e sobre todos. Eles n&o pouparam nem mesmo 0 palacio de linhas severas e de curvas suaves, que leva onome do barao que cedeu 0 original para uso da jovem republica positivista, logo repassado aos cuidados de alguns saudosos do Ancien régime monarquico. O Itamaraty era tido, nesses meios antigos, como o mais conservador dos (entao poucos) ministérios brasileiros, e de fato ele sempre manteve um ar de distan- ciamento détaché em relacdo aos assuntos correntes do pais, como, alias, é também caracteristica de outras diplomacias em outros lugares do mundo. Pois foi nesse ambiente tradicional, marcado, tanto quanto no Vaticano ou nas Forgas Armadas, por normas rigidas de disciplina e de hierarquia, que as mudangas foram, justamente, as mais significativas nos tempos de “nunca antes”, bem mais, em todo caso, do que no terreno da economia ou no da politica, onde as mesmas politicas econdmicas do Ancien régime tucanés e as mesmas praticas politicas dos barées do Congresso conti- nuaram a se desenvolver, como se nunca antes alguém tivesse cogitado muda-las em profundidade. A diplomacia e a politica externa foram, em qualquer hipotese, revolu- cionadas pelo presidente do povo e por seus assessores mais chegados, entre os quais alguns diplomatas, j4 ganhos ou convertidos ao novo estilo e 4s novas praticas que Passaram a marcar doravante uma das diplomacias mais ativas (e altivas) do mundo, © soberana, claro, como era de se esperar. Estes ensaios sobre tempos nao convencionais na politica externa, redigidos ao longo desses anos surpreendentes, tentam capturar o chamado look and feel —como 19 diriam os profissionais do ramo — dessa diplomacia que ainda nao cessoy de duzir efeitos continuados, no continente certamente, e em algumas outras parte mundo também. Ela foi transformadora, como queriam seus formuladores, Seus . motores e praticantes, alcangando um sucesso inquestionavel, nao apenas entre” apparatchiks e militantes do partido da causa, mas também junto a 90% da academy, (talvez mais) e muitos outros fellow travelers da causa mudancista. Como observagy interessado desse ambiente febril, feito de indmeras iniciativas inovadoras e de Ung Ou outra quebra do protocolo tradicional, tentei resumir em meus ensaios itreyg, rentes o sentido da nova agenda e seus impactos, néo apenas na diplomacia Profis. sional, mas para o pais como um todo, estudioso que sou das coisas do Brasi| des, minha primeira adolescéncia. Os ensaios aqui reunidos, feitos para revistas diferentes, em diversos Momentos desses anos mudancistas, podem se repetir um pouco nos argumentos desenvolvidgs sobre a diplomacia do nunca antes e, certamente, eles exibem 0 mesmo ceticismo fun, damental em relagao aos fundamentos, aos conceitos e, sobretudo, a implementagaod politica externa lulo-petista, nas condigées em que foi concretizada, com os resultados que exibiu, em fungao das escolhas feitas (em relagao as quais eu mantenho, repito, um ceticismo fundamental). Com tal tipo de atitude, certamente nao terei 0 apoio de 90% dos académicos, que discordaréo em 100% de minhas posigdes, sem mencionara desaprovagao de alguns colegas, que costumam manter a habitual cautela, mesmo sob condigées peculiares de trabalho e em face de op¢ées politicas nunca antes surgidas. N&o que isso me preocupe sobremaneira. Durante a maior parte de minha vida pensante, tentei ser 0 que sou: basicamente, um contrarianista, ou seja, alguém que esta sempre questionando os fundamentos de quaisquer propostas de politicas que possam ser apresentadas com as melhores das intengdes possiveis. Meu espirito libertario, quase anarquista, nao combina muito com grandes buro- cracias obedientes, e um ex-chefe j4 me chamou de accident prone diplomat, talvez porque eu tenha esse costume de contestar certas instrugdes, quando as considero pouco adequadas ao caso em questao, ou quando as encontro em contradigéo com a minha interpretag3o do que poderia ser chamado, com alguma latitude conceitual, de interesse nacional. Desse ponto de vista, podemos dizer que eu fui excepcional- mente bem servido pelos anos de diplomacia do nunca antes, de fato uma politica externa que nunca antes tinha desabado sobre o Palacio do Itamaraty (mas reco- nhecamos que, algum dia, isso tinha de acontecer). Espero que os leitores destas paginas tenham tanta satisfacgdo em sua leitura, quanto eu tive em sua feitura, um periodo de intensas reflexdes, mas nao vinculadas a muitas a¢6es, se alguma. Aprendi, ao longo do meu periodo de autoexilio voluntario, durante os anos de chumbo do regime militar brasileiro, que algum distanciament? ° PAULO ROBERTO DE ALNER os os fa de ra ob (3 ja i01 it? oa - 4 eaese m relacaio ao objeto de estudo pode ser Util para abrir o espirito a outras vis * nos primeiros sete anos dadécada eupude vero pais sob 0 termo ainda critico el outras percepgées da realidade analisada. Na Europa, nos prime demaiores transformag6es nunca antes vistas no Brasil até entao, outros olhos, inclusive comparando-o com as economias emergentes — L nao estava na moda — da América Latina ou com outros paises em desenvolvimento (0 termo jé tinha substituido o anterior, mais depreciativo, de paises subdesenvolvidos). Pude, assim, avaliar nossa situacao relativa, em face de tantos outros exemplos de fra- casso e de alguns bem sucedidos. A Asia Pacifico ainda nao tinha decolado tao espeta- cularmente quanto 0 fez nos Ultimos anos da Guerra Fria, e depois, no auge da globali- zaGiotriunfante, antecedendo as crises financeiras que abalarama confianga dos nowos dinamicos nas virtudes das economias de mercado totalmente abertas. O Brasil, alias, com suas taxas “milagrosas” de crescimento, atraia os asiaticos, que vinham ao Brasil tentar entender qual era a receita para crescer acima de 10% anuais no PIB. E curioso, aesse respeito, que os novos companheiros da distribuigao de renda e da inclusao social tenham demonstrado tanta apreciagdo pelo modelo “militar” de planejamento estatal e de crescimento econémico, tanto pela voz do seu guia maximo, quanto pela agao dos seus economistas improvisados. Talvez eles gostem do capitalismo estatal e do stalinismo industrial praticado pelos militares, ja que certamente desgostam da vertente mais liberal da economia de mercado, o que eu nao deixo de registrar nestes ensaios criticos sobre a diplomacia do nunca antes. De fato, nunca antes na diplomacia tinhamos assistido a defesas tao consistentes de modelos autoritarios, quando nao de ditaduras longevas, 0 que justamente deveria causar certos sentimentos contraditérios em militantes que supostamente tanto sofreram sob a nossa tao desprezada ditadura. Os ensaios aqui reunidos, alguns deles inéditos, representam apenas uma parte da minha reconhecidamente grande produso de livros e de artigos sobre as questdes das relacdes econémicas internacionais, da diplomacia brasileira e do desenvolvimento econdmico comparado, embora eles constituam a fragao mais importante dos tra- balhos produzidos sobre a diplomacia destes Ultimos dez anos, Ficaram de fora alguns outros ensaios importantes, seja porque foram escritos e publicados em inglés, francés Ou espanhol, em revistas do Brasil e do exterior, seja porque ja tinham sido incluidos em livros coletivos publicados sob a responsabilidade de colegas académicos. Listei na bibliografia geral esses outros trabalhos que guardam pertinéncia para a temitica aqui abordada, junto com todos os demais titulos citados nos ensaios compilados, e um ou outro titulo consultado, mas nao expressamente referenciado em notas de rodapé « S80 muitos 05 livros e artigos que manipulei ao longo dessa década voltada basi- eran Para os estudos, uma vez que nao estive diretamente envolvido comnenhuma ‘ertente da diplomacia companheira (0 que talvez tenha vindo a calhar Para o pleno NUNCA a TES NA DIPLOMACIA,: APOLITICA EXTERNA BRASILEIRAEM TEMPOS NAO CONVENCIONAIS 2 ‘exercicio de minha liberdade de pensamento). Muitos desses livros e eee varios de colegas de carreira, esto resenhados num se que intitulei Prata la asa: os Livros dos diplomatas, e que ainda aguarda edigéo impressa, para os interessados na biblio.. grafia da area. Continuarei, como é natural, produzindo outros trabalhos, sobre os mesmos temas e outros correlatos, em torno dos quais mantenho lagos afetivos muito especiais, como podem ser os da histéria econdmica e do desenvolvimento brasileiro, Recebo muitos comentarios de leitores de meus livros e artigos através de mey site pessoal ou do blog que mantenho sobre temas afins: Diplomatizzando, que parece contar com alguma audiéncia fiel entre estudantes e alguns colegas (que, via de regra, me escrevem anonimamente para também relatar o que pensam a respeito da diplo- macia do nunca antes ou sobre outros aspectos do governo companheiro). Espero continuar ativo na préxima década, assim como estive atento aos temas de minha predilecdo na década que acaba de se encerrar. Esta é uma forma de manter contato com leitores desconhecidos e de assim continuar apresentando minhas reflexdes sobre os tempos nao convencionais que estamos atravessando atualmente. Nao creio que venha a me surpreender outra vez com novos eventos bizarros, na diplomacia ou fora dela, tantas foram as surpresas desta década memoravel, varios delas registradas nestas paginas. Justificam-se, assim, plenamente, tanto a frase simbolo deste periodo (que ainda nao se encerrou), quanto o titulo do livro, ple- namente adequados, ao que parece, & diplomacia companheira. De fato, nunca antes neste pais de repeticées involuntarias, palavras tao simples soaram tao adequadas e ajustaram-se tao bem aos tempos que correm. Boa leitura a todos... Paulo Roberto de Almeida Hartford, abril de 2014 Nota: Ede uso corrente, no tamaraty, quando da publicagSo de textos pessoais de seus servidores que tratem de temas institucionais, um disclaimer, preliminary, indicando que as opiniGes eos argumentos apresentados e defends pelo autor nao epresentam 0 pensamento do Ministério sobre sua diplomacia, e no refletem posigBes ou politicas do governo em reloqSe2 internacionais ov em politica eterna. 18 deve ter ficado claro, pelo que foi escrito acima, que muito do que figura novo express, ‘calmente,o pensamento, ainda que implicit, do Itamaraty, mas muito povco, ov quase nada, do que pensou ou pratcou, ene 2003 € 2010, o governo. Fica feito o registro, portanto. 22 PAULO ROBERTO DE AU { | CAPITULO 1 BASES CONCEITUAIS DE UMA POLITICA EXTERNA NACIONAL 1.1 Introdugao: natureza do exercicio Este ensaio se situa num plano essencialmente argumentativo e apresenta um carater analitico geral, embora focado em elementos conceituais e metodolégicos que poderiam ser aplicados a uma politica externa concreta. Trata-se de uma dis- cussao especulativa, voltada para a definicao tentativa de uma politica externa ideal, eventualmente vinculada a contextos ou situagdes empiricas efetivamente exis- tentes. Sua elaboragao consolida um processo de pesquisas — sob a forma de leituras, debates e elaboracao de ensaios sob aspectos especificos dessa tematica — que se desenvolveu ao longo dos Ultimos anos de atividades docentes e de pesquisas cen- tradas em questées de economia politica internacional, com énfase especial no caso do Brasil e sua insergo econdmica internacional. Nele so abordadas questdes relevantes de qualquer politica externa, tais como: anogao de interesse nacional; as prioridades nas relag6es exteriores; a questao das cha- madas “parcerias estratégicas”; a organizacao da ordem econdmica internacional e o papel dos blocos de integragao (com referéncia aos diversos tipos de integragao ou de liberalizagao comercial); os problemas da seguranga internacional e nacional; a questao da representacao dos interesses no exercicio de uma politica externa nacional e os ins- trumentos de aco da politica externa nacional. Depois de uma primeira segao voltada para questdes de procedimento, ou seja, temas de natureza instrumental ou puramente formal, o nucleo central do trabalho se dedica a uma discussdo das finalidades — ou obje- tivos - de uma politica externa centrada sobre o principio do interesse nacional.* Varias dessas questdes guardam conexdo com problemas e situacées ati- nentes as relacdes exteriores do Brasil, mas nao ha intencao, neste ensaio, de discutir em detalhes a agenda diplomatica do Pais, tal como ela se desenvolveu no periodo recente. O ensaio pode ser considerado como o resultado de diversos anos — na verdade, algumas décadas — de engajamento e de aprendizado pratico em diversas frentes de trabalho ao servico da politica externa brasileira, especialmente no trato de * Sobre essa tematica, ver Charles A. Beard, The Idea of National interest: An Analytical Study in American Foreign Policy (Chicago: Quadrangle Books, 1966). 23 questdes econdmicas multilaterais; ele também condensa muitos anos de leituras, de aulas e de discussdes académicas feitas em torno dessas mesmas questées. 1.2. Quanto aos métodos Antes de iniciar a discussdo, contudo, seria util revisar algumas nogées gené. Ficas que tém mais a ver com métodos e procedimentos da diplomacia do que, pro- Priamente, com a substancia da Politica externa. Existem, pelo menos, quatro ele. Mentos do “jogo diplomatico” que devem ser considerados em qualquer politica externa que se pretenda responsavel: 2) Clareza de intengées; 2) Interagao entre a diplomacia e a economia; 3) Afericao precisa quanto aos meios disponiveis, 4) Flexibilidade e abertura as inovaces, Empreendemos a seguir uma ra ipida discussdo de cada um desses elementos metodolégicos com base em seus el lementos constitutivos. 1.2.1 Clareza quanto as intengdes Representa dispor de obj nacional e, como tal, claramen’ maneira objetiva, A politica externa costuma ser Considerada como a expresso de sua politica interna, continuada por outros meios, num sentido figurativamente “clausewitziano"; mas esse tipo de Correlagao “causal” e + quase mecanico em sua formulacdo, nao é Recessariamente valido, pois a politica . aM PAULO ROBERTO OE Al 9. caso do “colosso” americano atual, mais baseado no comércio e nos investimentos, do que na dominacao direta -, assim como uma autocracia pode conduzir uma politica externa sensata, moderada e respeitadora do direito internacional — como pode ser, teoricamente, o caso da China. Usualmente, em regimes democraticos, os objetivos diplomaticos de um deter- minado governo sao expressos ao inicio de um mandato governamental e sao, direta ou indiretamente, enunciados no discurso inaugural do mandatario ou em sua men- sagem ao parlamento. Trata-se de um equivalente a um “manifesto ao mundo”, no qual os responsaveis pela politica externa — 0 chefe do executivo ou 0 encarregado da diplomacia — expdem de modo claro 0 que o pais (ou o seu governo) pretende fazer no plano internacional, quais séo as suas prioridades no campo das relacées exteriores e como eles pretendem alcancar tais objetivos (embora este aspecto, relativo a proce- dimentos, nem sempre seja claramente expresso). Uma determinada politica externa pode ser considerada “ativista” quando o pais tenta coordenar esforgos politicos, econdmicos, sociais e culturais (eventualmente mili- tares, também) para, em coordenagao com outros paises ou isoladamente, influenciar a composigao da agenda internacional e tenta moldar, pelo menos em parte, a tomada de decisdes no ambito global. Uma politica mais passiva seria refletida em esforcos algo similares para apenas e tao somente preservar o status quo. Nos exemplos conhecidos de "mensagens sobre o estado da Unido” - como ocorre anualmente no caso dos EUA, e mesmo do Brasil, por mensagem anual ao Congresso — figura sempre um capitulo importante tratando das relagdes exteriores do pais em questo e suas prioridades diplomaticas correntes; esse capitulo pode — ou nao — refletir uma atitude mais ativista ou relativamente conformista em relacéo aos problemas mundiais e aos desafios para © préprio pais. No caso do Brasil, devem ser destacados os documentos elaborados no &mbito do Ministério da Defesa, relativos a politica, a estratégia e ao livro branco da Defesa, que preenchem perfeitamente esses requisitos.* Poucos governos nao dispdem de um “manifesto” desse tipo, embora a clareza desses objetivos e sua adequacao ao chamado interesse nacional possam variar em situagdes concretas, dependendo, basicamente, da qualidade cognitiva dos diri- gentes, de sua percep¢ao correta quanto ao interesse nacional percebido e, em Ultima inst&ncia, da capacidade de fixar metas de politica externa que correspondam, em grande medida, aos objetivos tides como consensuais pela maioria dos cidadaos ou, pelo menos, por parte significativa dos tomadores de decisdo. Determinados obje- tivos da agenda diplomatica podem nao ser exatamente consensuais, ou podem 2 Ver Brasil, Ministério da Defesa. Livro Branco de Defesa Nacional (Brasilia: Mnistéro da Defeso, 2032, 37 p disponivel:chttp:JJmww, defesa.gov.brprojetoswebjlvrobrancoflodndiitallivrobranco,pdfy; acesso er: 30.02.2034); Estratégia Nacional de Defesa (END) (oa ed; Bratia: Ministério da Defesa, sd, 72 pa disponivel chttpiwwn.defesa, gov br/projetoswebjestrategiajarquivosiestategiade. fesanacionalportugues af, acesso en i002 201); Poltica Nacional de Oefesa (PND) (Brasilia: Ministerio da Defes, 2022, 0 py Aisponivel: < hitp:l/www.defesa gov br/arquivos/2012/meso7ipnd pdf; acesso em: 10.02.2024), NUNCA ANTES Na DIPLOMACIA. A POLITICA ETERNA BRASILEIRA EM TEMPOS WO CONVENCIONAIS 3 representar ruptura com tradic6es ou posigdes longamente mantidas pela diplomacig profissional, mas sua implementagao pode ser alcangada se exposta claramente aos responsaveis pelo processo burocratico e por sua condugdo no plano externo, desde que guardando alguma correspondéncia com a capacidade real do pais. Em alguns casos, objetivos particularistas, definidos partidariamente — isto é, por uma parte, tao somente, da opiniao publica nacional -, podem obscurecer a Nogao exata do que sejam os objetivos nacionais e, através deles, metas precisas para @ politica externa. Pode ocorrer também, embora seja mais raro, que os objetivos de politica externa estejam em claro descompasso com as capacitagdes materiais ¢ Politicas do pais em questdo: alguns lideres de tendéncias caudilhistas, por exemplo, vivem de bravatas em politica externa, sem condigdes de implementar 0 que pro- metem. Neste caso, pode ocorrer uma falta de sincronia entre o ambiente interno e © externo, 0 que invalida ou restringe a consecucao dos objetivos nacionais no plano externo. O mais importante, porém, na construgdo de confianga, tanto no entorno regional como no plano do sistema internacional, é a transparéncia que o pais con- segue demonstrar por meio desses “manifestos” de intengao: ele ganha em credibi- lidade e reputagdo quando estabelece claramente objetivos e prioridades de politica externa. Como parece dbvio, as agdes subsequentes precisam guardar claramente relagao com os objetivos declarados, sob risco de perda de credibilidade ou de pres- tigio no ambiente externo. 1.2.2 Interagdo entre a diplomacia e a economia A questo central, tanto para os formuladores quanto para os agentes da diplomacia, é a sua capacidade de elaborar uma visio precisa das relagdes entre esta Ultima e a base econémica do pais. Na concepg¢ao tradicional da diplomacia, isto é, nas consideracées classicas de politica externa, essa relacdo dual se colocava entre a politica externa e os instrumentos militares, ou seja, o poderio. estratégico de um determinado pais e sua projegdo externa. Nas condig6es atuais, sobretudo para os paises emergentes — mas também, no jogo diplomatico das grandes poténcias —, essa relagdo deve ser vista como envolvendo basicamente o mundo econdmico (industria, comércio, investimentos, finangas, tecnologia, recursos humanos, enfim, 0s grandes determinantes da produtividade e da competitividade contempordanea). A despeito de o argumento de “ultima instancia” — que éa capacidade militar - per- manecer como o fundamento essencial de toda afirmagao nacional, hoje em dia 60 poder econémico, e nao mais o poder militar em sua expresso pura, que converte ganhos taticos no terreno da diplomacia em claras vitérias no terreno da politica internacional. Ou seja, a diplomacia precisa ter uma sdlida base nas condicées ele- 26 PAULO ROEERTE OF ALMEIDA mentares do pais, de seu poder econdmico, para poder se exercer de modo claro e direto. Trata-se, presumivelmente, de uma diplomacia que converte uma dada condigao econémica em ganhos efetivos no plano internacional. Hd uma tendéncia, em certos paises ou em determinadas forcas politicas, de isolar 0 Estado do restante da sociedade e fazé-lo atuar segundo a vontade dos diri- gentes de plantao. Mais precisamente, existe a vontade de tornar 0 Estado uma forga autossuficiente, destacada das forcas econémicas reais que o sustentam. Ele entao passa a atuar de forma independente delas, apenas extraindo recursos de forma auténoma — e muitas vezes de um modo pouco condizente com os principios do Estado moderno, ou seja, um orgamento votado e aplicado de forma democratica e transparente — e pode conduzir, eventualmente, uma politica externa sem correspon- déncia com as condigdes concretas do pais ou coma sua dinamica econémica. Esta 6, paradoxalmente, uma tendéncia que costuma ser inerente & prépria corporagao diplomatica, na medida em que ela tende a se considerar a propria encar- nago do Estado. Ela também pode estar identificada a forgas politicas momenta- neamente no controle do Estado e que mantém uma espécie de culto a esse mesmo Estado e o consideram “o” instrumento, por exceléncia, de seus objetivos particula- ristas. Corporagao diplomatica e forcas politicas de base eleitoral possuem ldgicas distintas de atuacao, estabelecendo objetivos de longo ou de curto prazo, segundo o tipo de “produto” a que almejam (cada qual com a sua relacdo insumo-produto par- ticular). Os ganhos de eficiéncia em cada caso sao to distintos quanto o carater das politicas mobilizadas para tal efeito: internas, e portanto mais vinculadas ao governo; externas, relativas a uma certa concep¢ao do Estado (tipica de soldados e diplomatas). A diplomacia nao precisa ser a exata expressio da chamada capacitagao nacional, pois ela pode compensar, por meio de sua eficiéncia intrinseca, certas fragi- lidades inerentes a um Estado apoiado em uma economia ainda pouco desenvolvida. O descolamento entre a diplomacia e a economia, porém, pode ser um fator negativo na implementacao dos objetivos principais da politica externa nacional, na medida em que certas iniciativas muito ambiciosas podem nao encontrar respaldo na disponi- bilidade de meios adequados quando for o momento de sua implementacao. 1.2.3 Afericdo precisa quanto aos meios disponiveis A questo envolve uma visdo clara quanto aos meios para se alcancar determi- nados objetivos, o que se traduz em flexibilidade de métodos na busca dos objetivos 2Ver, a esse respeito, os estudosreunidos em Jean-Mare F Blanchard; Edward D. Mansfield; Norin M.Ripsman (eds,). Power and the purse: economic statecraf, interdependence, and national security (Portland, OR: F. Cass, 2000). NUMCA ANTES Ka DIPLOMACIA...& POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NKO CONVENCIONAIS 27 feel ionais e do jogo diplomatico, nao existe definidos..No plano das relagdes internacionais ’ Jog ara nes i i nentes nem, obviamente, parceiros privilegiadg. nem podem existir aliados perma Fi Pyare , . iori, it i Imente e sem qualquer critério de utilida le. A nora ue o sejam a priori, incondicionalm “ . . a “aliados estratégicos” o sejam por simples declaracao de inten¢des, de Modo ated loreza aoe aos objetivos, ¢ ingénua e principista, sem atender a um vago e sem Cl * . fons ne critério de racionalidade quanto aos meios e fins. Um pals ngo pode estabelecer @ priori como pretende moldar o cenério internacional, sob risco de verse errotadas suas intengdes maiores, uma vez que — salvo no caso de uma hiperpoténcia —ele nao pode determinar sozinho as varaveis que influenciam 0 jogo internacional. Ele deve, sim, preservar certa flexibilidade de meios, para poder adaptar suas taticas diploma. ticas -e até, eventualmente, sua estratégia de acdo — a consecucao de seus Objetivos pretendidos, em fungdo dos meios disponiveis. Esta compatibilidade entre meios e fins faz parte do que se poderia chamar de “planejamento estratégico” em diplomacia, Os meios mobilizados pela agéncia diplomatica, por sua vez, devem ser, em Principio, comensuraveis aos recursos efetivamente disponiveis, sob risco de o Pais anunciar metas mais ambiciosas em politica externa do efetivamente possa alcangar. Por outro lado, metas - que de certa forma sao equi- Paraveis a objetivos taticos ~ podem sempre ser revistas e adaptadas aos meios dis- poniveis a cada momento, preservando de forma mais ampla possivel os objetivos estratégicos do pais no cendrio regional ou mundial. que as realizacées que ele Como dispor dessa visao clara quanto aos meios e fins? A resposta pode estar na abertura da agéncia diplomatica ao maior volume possivel de insumos externos, © que pode estar representado Por estudos e trabalhos de consultoria especializada, ademais da interacgéo frequente com 8 competéncia técnica da a habilitada para conduzir tral Peritos em determinados temas que escapam géncia. A burocracia diplomatica nem sempre é a mais balhos analiticos que envolvem uma definicao precisa dos vistos seja a partir de dentro da Prépria administragao publica, ‘abalhos académicos de grande sofisticacdo intelectual, A consecucdo de um determinado objetivo externo nem sempre pode ser alcangada pelos meios tradicionais de informagao e agao diplomatica — normal- mente dependentes da Capacitagao individual ou relacional de um diplomata indi- vidualmente tomado Mas pode ser realcada com exercicios e trabalhos de maior refinamento analitico, Por meio da mobilizagao de competéncias especificas. Da mesma forma, a concretizagao desse objetivo nao necessariamente precisa set realizada pelos meios diplomaticos usuai: S, Rormalmente limitados aos contatos entre chancelarias e mediante @ atuaca 28 set PAULO ROBERTO DE ALE macia tradicional, como, alias, parecem ser os cenarios negociadores bastante complexos da economia globalizada. 1.2.4 Flexibilidade e abertura as inovacées O tema envolve alguma abertura de espirito aos novos talentos e as. inovagées conceituais. Da mesma forma como se diz ~ frequentemente sem razdo, mas talvez com algumas boas razées aparentes — que a guerra é muito importante para ser deixada apenas aos generais, talvez a diplomacia também seja muito importante para ser deixada apenas aos diplomatas. Isto deve ser entendido no sentido em que qualquer servico pUblico estabelecido — seja ele o exército nacional, o corpo diplo- matico ou a burocracia das financas publicas — tende a considerar suas atribuicées normais e suas préximas tarefas como derivando da tradi¢So anterior, fundadas na meméria dos fatos passados. Tal tipo de atitude pode resultar, algumas vezes, em paralisagao burocratica, em rigidez de métodos e adesio as posi¢des estabelecidas, com claros prejuizos para uma diplomacia de resultados. Inovacao e competigao entre ideias e propostas sempre sao desejaveis, alias, em qualquer dominio ou atividade. © mais importante numa diplomacia tida por agil é a sua capacidade de per- ceber as novas condicées existentes no cendrio internacional, visualizar desenvolvi- mentos futuros com base em novos atores intervenientes e formular novas formas de acao adequadas ao futuro previsivel, formas nao necessariamente respeitadoras do passado conhecido. Este quarto elemento é 0 que poderia ser chamado de human factor, algo contingente e imponderavel, que nao necessariamente emerge natural- mente das condides existentes do servico diplomatico “normal”, mas que depende de estadistas inteligentes, de formuladores dotados dessa “abertura de espirito” e de servidores diplomaticos inovadores. © fator humano, sobretudo em sua capacidade de encontrar novas respostas e solugées para velhos problemas, deve ser devidamente aproveitado em uma diplo- Macia que pretenda ganhos para o pais. Ele aparentemente o é, j que as agéncias diplomaticas tendem a investir e gastar parte aprecidvel de seus recursos dispo- niveis com formagao e capacitagao de recursos humanos. Mas, normas hierarquicas rigidas e uma disciplina excessiva no respeito dessa mesma hierarquia podem com- Prometer a livre expressdo de agentes inovadores, que costumam ser “dissidentes” ou refuzniks das verdades oficiais. NUNCA ANTES NA DIPLOMACIA.: A POLITICA EXTERNA SRASILEIRA EM TEMPOS NBO COMVENCIONAIS 29 1.3 Quanto aos propositos 5 sobre “métodos diplomaticos”, vejamos - i des iniciai Feitas algumas considerag6: TREO estabelecimento de uma 3 ubstantiva, d algumas quests os oe de, a ui, por razdes de espaco, efetuar uma dis. Pol ae o Be ~jecionados, mas, sim, fazer a apresentacao a roblemas a Me ‘ cussdo aprofundada sobre os p! Fees caeyeatenIe MERTEN Care a jomaticas em sua formulagao, que Pp E de algumas “teses”, quase axiom’ Poteet es andiize mais detalhada sobre cada uma delas. Os Bry aiacoseaeer eee j a 0 nominativ i al, ou seja, de carater nao ni quanto possivel, de ordem geral, i ui ; wmeee, a qualquer politica externa em particular, muito embora ngose possa onan ace relagdo tematica, mesmo indireta, com problemas e situagoes que possai ° Brasil e suas relacdes internacionais, no sentido amplo do conceito. 1.3.1 A questo do interesse nacional Tao dificil de ser definido, quanto sao diversas as visdes dos grupos que dis- putam o poder politico, possuindo multiplas facetas e suscetivel de ser apropriado Por interesses particularistas, o interesse nacional costuma ser identificado com os chamados objetivos nacionais permanentes.* Estes, para fins deste ensaio, podem ser representados resumidamente pelos seguintes elementos: defesa da indepen- déncia nacional; soberania na tomada de decisées estratégicas; garantia de aprovi- sionamentos essenciais 4 economia nacional (entre eles energia, bens priméarios e seguranca alimentar); preservacao do territério em face de intrusées estrangeiras; cooperagao com os demais membros da comunidade internacional na manutengéo de um ambiente de paz, da seguranga e da estabilidade, com vistas ao desenvol- vimento econémico e social; Preservacdo dos direitos humanos e manutengao do sistema democratico no contexto regional e mundial (embora este ultimo objetivo Nao seja ainda consensual, isto é, ele é passivel de controvérsia quanto a relevancia de sua aceitagdo no plano internacional).5 Trata-se, portanto, de uma definigao ampla, que incorpora um elemento rela- tivamente novo nesse tipo de discussao, qual seja, 0 do ambiente externo politica- mente democratico e economicamente aberto como constituindo um componente importante do interesse nacional. Nao se trata de Um requisito essencial, pois que 0 8 slo de um histradr nacoalaa, ver lsd onbno Renae Brasileira, 1966), * °CF. Jean-Marc Coicaud. Beyond the National Int reste Free UN Pecteping and Multa nan (Washington, D.C.: United States Institute of Peace Press, 2007), Ping and Meters Fe ofbs. Pras 30 PAULO ROBERTO DE ALMEIO® sistema internacional comporta os mais variados tipos de regimes politicos e as mais diversas formas de “legitimidade” institucional, mas este elemento pode representar uma evolugao positiva no plano do direito internacional. De fato, a incorporagao dessa nova dimensao - que amplia a antiga nogao, estreitamente doméstica, desse interesse — pode nao ser aceita pelos defensores da nogao tradicional do interesse nacional, que colocava o regime politico e o sistema econémico na esfera estrita das escolhas nacionais, em nome de argumentos sobe- ranistas. Em todo caso, essa ampliagdo parece coadunar-se inteiramente com 0 novo ambiente internacional colocado sob o signo da interdependéncia de valores e de sis- temas nacionais.° Trata-se de uma nova fronteira do direito internacional que levara algum tempo para receber acolhimento no plano multilateral, mas que podera ser implementada progressivamente. Menos de trés geracées atrds, isto é, na primeira metade do século XX, esse ambiente aberto e democratico foi ameacado e desafiado — de fato, violentamente contestado — por regimes ditatoriais, expansionistas e imperialistas, que tentaram construir sistemas fechados ao didlogo democratico, claramente contrarios aos direitos humanos e baseados na submissado de outros povos e nagdes aos seus designios totalitarios. Os fascismos italiano e alemao e o militarismo japonés, junto com 0 comunismo de tipo soviético, chegaram a “oferecer” modelos de gest&o eco- némica fortemente baseados no dirigismo estatal, no protecionismo e, sobretudo, na submissao pela forca de nacées independentes, colocando, portanto, em risco, 0 interesse nacional de diversos Estados. A derrota dos trés primeiros regimes totali- térios, a um imenso custo para os regimes democraticos, conduziu 4 reorganizagao da ordem politica mundial, formalmente consubstanciada na ONU (e suas agéncias especializadas).’ O totalitarismo de tipo soviético desapareceu nas dobras da his- toria, vitima de autoimplosao — por forga de suas préprias “contradicées internas”, diriam os marxistas ~, mas resquicios dele permanecem aqui e ali, sobretudo em algumas mentes emboloradas. O fato é que regimes ditatoriais continuam, no entanto, existindo ainda hoje e, como tal, representam sempre uma ameaga de ins- tabilidade e de ruptura da paz internacional. O elemento relevante a ser destacado aqui, em relagao a essa nocdo ampliada do interesse nacional, é que este é suscetivel de ser ameacado por um ambiente inter- nacional hostil, criado por Estados que se colocam a margem do direito internacional, Mas que teoricamente se refugiam no principio da soberania absoluta, tal como con- ‘Sobre as novas condigdes da interdependéncia mundial, ver Robert Keohane e Joseph Nye, Power and Interdependence (2. ed; Glen- view Scat een sph em roopa erates tis eas arisen Mince idee ek ooh na ce dence and Nonstate Actors in World Potics (Princeton, N.J: Princeton University Press, 2008). "Acting e oitinerrohistérico de ONU estio bastante bem descritos em Paul M. Kennedy, The a em descrites em Paul y, The Parliament of Man: the Past, Presen and Future ofthe United Nations (New ork: Random House, 2006). “Prwent NUNCA ANTES WA DIPLOMACIA..: & POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NAO CONVENCIONAIS mA sagrado na Carta da ONU20 interesse nacional comandaria, portanto, uma evolucio do direito internacional na direcao do requisito democratico e do respeito aos direitos humanos como critérios de inclusdo e de legitimidade no sistema internacional, Trata-se de uma area de fronteira que caberia explorar numa definigao de interesse nacional que integre uma politica externa avancada, progressista € humanitaria. No caso dos demais elementos do interesse nacional que podem ser carac. terizados como propriamente internos — quais sejam, a defesa da independéncia nacional, a soberania na tomada de decisées estratégicas e a garantia de aprovisio- namentos essenciais 4 economia nacional (entre eles energia, bens primarios e segu- ranga alimentar) —trata-se, obviamente, de objetivos que devem ser cuidadosamente avaliados em funcSo das novas realidades criadas pela interdependéncia econémica global, cuja principal caracteristica é precisamente a integragéo dos mercados. Quando das primeiras formulagées do interesse nacional, no periodo do imediato pés-Segunda Guerra, as mentalidades e concepgdes em torno das questées acima ainda estavam poderosamente influenciadas pelo ambiente econdmico geral, pelos comportamentos individuais e pelas politicas publicas pensadas e implementadas nos anos 1930 e no contexto da propria guerra, quando a seguranga nacional era definida em termos estreitamente nacionais, reduzindo-se ao minimo qualquer dependéncia estrangeira.? Nao se deve tampouco descurar 0 fato de que, na sequéncia da Primeira Guerra, das dificeis tentativas de restauragao do padrao monetario anterior ao grande conflito e do fenémeno da intervengao generalizada dos governos nos mecanismos econdmicos essenciais, a reputagao do capitalismo e dos mercados livres enquanto criadores de emprego e riqueza encontrava-se singularmente diminuida, dando espaco as alternativas dirigistas no plano interno e ao retorno do mercantilismo no plano externo. Mesmo sem aderir ao padrao coletivista de organizac3o econdmica ~ tanto em sua modalidade fascista quanto soviética - a maior parte dos governos ocidentais aderiu a mecanismos de “mio visivel” do Estado que se inspiraram - ov Nao —nas recomendagbes de Keynes. Outra nao foi a orientagao da principal vertente keynesiana na América Latina, o cepalianismo ou prebischianismo, dominante ideo- logicamente na regio durante largas décadas no pos-guerra e influente na determi- nagao de politicas publicas, macroeconémicas ou setoriais2° Esses trés objetivos possuem, em todo caso, estatutos bem diferentes, segundo que a abordagem seja feita com base em elementos objetivos, relative “Para uma discussio em tomo dessas questdes, ver Stephen D. Krasner, Power, wed Relations (Nova York, NY: Routledge, 2008), Iaanminammiae ce ACE Benlemin Frankel ed). nthe National interest a National Interest Reader (Washington, D.C. National Interest; Lanham MD:U%- esity Press of America, 1990); 2vséoinsitucionalista do papel dos Estados Unidos na politica intemecioncl covtemporane® ‘em Joseph Nye, 0 Paradoro do Poder Americano (Sho Paulo Unesp, sooo) “Para um exerplo desse tipo: i ide pensament inclusive com a i period eet re e lusive com larga influéncia sobre a politica externa brasileira do on Samuel Pinheiro Guimaraes, oo Anos de Perifria (Porto Alegre: Contraponto-UFRGS, 2002), 32 sano nonento pean mente & percep¢3o de alguma ameaca a independéncia nacional, ou de alguma dimi- nuigdo potencial de soberania na tomada de decisées estratégicas no plano nacional, ‘ou segundo um entendimento subjetivo da matéria, feito com base em possibili- dades tedricas dificilmente realizaveis na pratica. Ameagas e fragilidades devem ser avaliadas objetivamente, com base numa anilise realista do ambiente externo e sua evolucao prospectiva." Ainda que os dispositivos militares representem uma espécie de seguro preventivo - por vezes muito custoso — na garantia da independéncia e na preservagao da soberania, avaliagdes equivocadas podem representar sobrein- vestimento indevido em determinados fatores dissuasérios ou acumulacao de ferra- mentas inadequadas ao seu emprego mais provavel. Quanto a garantia de aprovisionamentos essenciais & economia nacional — seguranga alimentar, energética e em insumos propriamente estratégicos, ou seja, relevantes para a industria de defesa—, pode-se argumentar que o mundo mudou bas- tante desde as disputas por fontes de matérias-primas, ainda visivel no entre guerras. Por outro lado, tampouco existe, no mundo atual, inseguranga alimentar, apenas protecionismo indecoroso travestido de interesse nacional. Com a possivel excecdo de determinados componentes militares — que mesmo assim podem encontrar subs- titutos em outros mercados -, a maior parte dos bens anteriormente considerados “estratégicos” pode ser objeto de transacées comerciais a qualquer momento em mercados abertos ou sob contratos com fornecedores ou cartéis de produtores. A escassez relativa ndo se explica mais por restrigdes de carater politico, mas por pro- blemas temporarios de distribuigaéo ou devido a fatores extemporéneos de natureza nao politica. Dai que uma das melhores garantias de aprovisionamento adequado na maior parte dos bens e servigos que movimentam uma economia moderna seja a manutengao de um ambiente aberto e propenso a intensificagado das trocas comer- ciais no mais alto nivel permitido pelo equilibrio de fatores, ou seja, pela adminis- tragdo sustentavel da balanca de transagées correntes. Paises com alto volume de trocas, nos dois sentidos, também costumam ser os menos dependentes de todos, justamente com base na interdependéncia complexa de uma economia globalizada. 1.3.2 O problema das prioridades nas relagdes exteriores Prioridades, normalmente, estao no topo da atuacao diplomatica dos Estados que possuem uma visdo clara de seus objetivos nacionais, com respeito aos beneficios que se espera retirar de uma determinada relacao bilateral ou de um empreendimento qualquer no plano regional ou multilateral. Uma velha regra de senso comum pretende * Aandlise cléssica do realismo em poltica internacional figura em Hans J. Morgenthau, Politics Among Nations: the Struggle for Power and Peace 4, ed; Nova York, NY: Knopf, 1967). NUNCA BITES NA DIPLOMACIA..: A POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NRO CONVENCIONAIS, 33 ao exi rioridade bem esta. i i ioridades, ndo existe nenhuma p' ; indo existem muitas priori a i nat i ea a Isso justifica a conveniéncia de que a lista de prioridades seja relativamente reduvida, de forma a se atribuir a importancia devida ao queé realmente importante nao multiplicar as frentes de trabalho ao sabor das viagens diplomaticas de alto nivel, E danatureza humana ou da ordem natural das coisas que pessoas e eee desejem sempre retirar bem mais de uma relagao do que o investimento real izado em contrapartida. Por isso mesmo, 0 que se busca, normalmente, é elevar a0 maximo a qualidade da interacao, de maneira a ter uma alta taxa de Tetorno, Em outros termos, . ede modo bem direto, quanto mais assimétrica for a relagao, melhor para a parte supostamente “atrasada”, uma vez que a transferéncia direta e indireta tera um gray maximo de aproveitamento, nas duas direcées, alias, j4 que sempre havera “com. PensagGes” comensuraveis que a parte reconhecidamente avangada pode retirar de Seu parceiro “inferior”, mesmo que seja o menor custo de bens, servicos e mao de obra. Inversamente, uma prioridade colocada numa relagao pretensamente “simé. trica” pode redundar em ganhos marginais para ambas as partes, ja que 0 potencial de transfer€ncias sera necessariamente menor. Mesmo numa situagao “multilateral”, sem a possibilidade da barganha direta que ocorre no relacionamento dito “assimétrico”, as apostas devem sempre ser colocadas no plano de maior desafio no desempenho comportamental, uma vez que todo pais, desejoso de elevar-se na escala do desenvolvimento econémico- -tecnoldgico, deve sempre visar mais alto do que o seu benchmark aferido. O cri- tério de escolha das prioridades nacionais, necessariamente seletivas e restritas, deve, portanto, obedecer aos principios da maior eficiéncia e do maior retorno, 0 que recomenda um numero limitado de “apostas”, uma vez que estas demandarao concentragao de recursos que so, por definicdo, escassos. Por isso, “simpatias” em virtude de afinidades — via de regra, as melhores escolhas a serem feitas. Em numero limitado, so mais o resultado de um estudo detalhado das complementari- dades reciprocas que podem ser estabelecidas com al gum parceiro verdadeiramente estratégico — e este sempre sera, por definigéo, mais capaz do que o préprio pais no terreno visado para a cooperacio — do que o resultado de algum impulso subjetivo com base em suposta afinidade de interesses. Esses interesses nao precisam sef absolutamente simétricos para que 0 carater estratégico da relag&o possa ser con- cretizado — ao contrario: eles podem ser relativamente assimétricos — desde que 0 objetivo principal visado pelo Propositor da relacao estratégica esteja contemplado na gama reduzida de prioridades nacionais realmente “prioritérias” e que o foco da relac3o se situe mais no atingimento de fins do que na definicgdo de meios, Com efeit Pode-se eventualmente extrair mais de uma relagao construida com base nas dife- de quaisquer tipos — nao sio, conclusao, as prioridades, em 34 PAULO ROBERTO DE ALM F rencas do que nas semelhancas, ja que complementaridades e vantagens compara- tivas tém esse exato suporte na realidade. 1.3.3 As “parcerias estratégicas”: possibilidades e limites Ha uma tendéncia, em certos paises, a multiplicar 0 numero de “parcerias estratégicas”, 0 que reflete o mesmo calculo equivocado ja visto na questao das prioridades: havendo muitas, nao se percebe como separar as que so efetivamente importantes daquelas que a retdrica diplomatica coloca na lista dos “relacionamentos indispensaveis”. Mas pior do que colecionar um volume nao administravel de par- cerias estratégicas é 0 procedimento que consiste em defini-las a priori; ou seja, a partir da suposi¢ao do relacionamento estratégico com base em afinidades estabe- lecidas prima facie, nao com base num cuidadoso exame técnico de identidade de agendas em bases relacionais, nao de maneira unilateral. Acomecar pelo carater supostamente “estratégico” da relacao, tais parcerias costumam inflacionar 0 mercado diplomatico com um hiperativismo multidire- cional, levando a dispersdo de recursos escassos e focando em objetivos secun- darios, j4 que os “parceiros” definidos de maneira leviana precisam encontrar um minimo denominador comum (e ele é realmente minimo). Se existisse um “imposto vocabular” cada vez que diplomatas e outros tomadores de decisdo empregassem indevidamente a nog&o de “parceria estratégica”, seu uso seria provavelmente mais restrito, reservado apenas aos casos efetivamente relevantes e prioritarios. O exagero terminoldgico constitui, provavelmente, um dos mais notérios pecados da linguagem diplomatica através dos tempos. Uma parceria efetivamente estratégica é aquela que permite uma inflexdo de agendas, tanto bilaterais quanto regionais ou multilateral, ou seja, uma mudanga na relagao de forcas do xadrez internacional. Mas essa possibilidade tem de ser exa- minada com extremo cuidado, uma vez que 0 consenso em torno de objetivos mutua- mente acordados precisa ser claro e explicito. Proclamacées retéricas por ocasiio de visitas de cUpula nao sao a melhor ocasiao para se definir uma nova parceria estra- tégica, uma vez que o entusiasmo de governantes tempordrios costuma obscurecer sua capacidade de julgamento quanto aos interesses de médio e de longo prazo do Pais, 0 que sé um estudo ponderado, tecnicamente embasado e empiricamente apoiado, tem condigées de recomendar. Em resumo, parcerias estratégicas devem Ser o resultado final de uma andlise abrangente pelo policy planning staff, antes de serem sequer cogitadas no terreno pratico. NUNCA ANTES NA DIPLOMACIA... A POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NAO CONVENCIONA'S, 35 1.3.4 A ordem econdémica internacional e os blocos de integracao a is prosperos, seus agentes econ, Paises mais abertos sdo SE eo scompanhando aCe peer ‘ mr ery seat tecnologia. Uma simples Correlacag dial em mateéri: ; 7 . ee ee de abertura externa e renda per capita gee sepa agel poucas excegdes nacionais, essa evidéncia das relagdes inter ee em. poraneas (ou de todas as épocas). Normalmente, a decisao pela ‘ inter. nacional — isto é, a maior interagdo nos fluxos de comércio e maior Predisposicag para acolher investimentos diretos estrangeiros — tende a ser unilateral, uma ver que a economia nacional é que esta em causa e nao a mundial, e que as restricdes existentes prejudicam mais o agente econdmico nacional do que os externos. Ainda assim, negociadores nacionais tém o habito — irracional economicamente, mas compreensivel politicamente — de “conceder” abertura aos mercados do pais apenas depois de intensa barganha negociadora, confirmando que o velho mer. cantilismo possui vida efetivamente longa. Havendo, contudo, disposigao para a abertura - seja ela unilateral ou nego- ciada -, 0 que se espera é que ela seja a mais ampla possivel, uma vez que a inexis- | téncia pratica de barreiras 4 competicgao tende a provocar ganhos de produtividade | induzidos pela disputa de mercados em bases amplas. Blocos comerciais e outros agrupamentos “minilateralistas” sdo aceitos na medida em que contribuem para-—ou antecipam — a abertura multilateral, sem praticas discriminatorias ou outras reservas de mercado. Essas unides restritas emergem naturalmente a partir da contiguidade | geografica e da intensidade de comércio que tende a ser praticada por parceiros ja normalmente expostos & competigao nos mesmos ramos industriais; 0 problema das normas e do protecionismo setorial aplicados aos grupos de maior poder politico podem, contudo, obstar a essa tendéncia, que seria desejavel, de fazer os blocos evo- luirem rapidamente para a abertura multilateral. { Pauto nopenro pe aimee econémico, avangos sociais, etc, — do que como fins em si mesmos, sobretudo quando esses fins possuem objetivos politicos de escassa racionalidade econdmica. 1.3.5 Problemas da seguranca internacional, regional e nacional Seguranga, justica, defesa, ou até mesmo infraestrutura e educagao, fazem parte daquilo que os economistas chamam de “externalidades”, ou seja, “produtos” ou servicos cujo “valor de mercado” nao é normalmente definido pelas leis da oferta e da procura, mas que podem esperar uma oferta publica em bases nao discrimina- torias e praticamente sem barreiras para sua mobilizagao efetiva pelos demandantes. No plano nacional essa oferta é usualmente feita pelos Estados, que para isso mobi- lizam recursos dos agentes privados segundo os principios tradicionais da tributagao, ou seja: equidade, progressividade, neutralidade e simplicidade (mas nem sempre os paises alcancam esse modelo ideal, escusado dizer). Esses bens publicos conhecem, portanto, falhas de mercado e so obrigados a conviver com mercados incompletos, a exist€ncia de monopdlios naturais, além da falta de informacSo. Nao é preciso dizer que tais condigées inexistem no plano internacional, e sequer estado perto de existir, onde é frequente o beneficio do free lunch que paises pouco cooperatives recolhem do investimento em seguranga e estabilidade feito por parceiros mais poderosos. O problema tampouco est perto de ser resolvido pela exis- téncia do Conselho de Seguranga das Nacées Unidas, uma vez que as poténcias mili- tarmente dominantes tendem a agir em fungao de seus critérios nacionais com res- peito a seguranga e a estabilidade internacionais, sem nenhuma disposigdo aparente para implementar os dispositivos da Carta das Nagées Unidas relativos & comissdo militar e a constituigao de forgas armadas a servico da organizacao. Nao existe pers- pectiva de que essa situagéo venha a mudar no futuro previsivel. Os esquemas regionais de seguranga representam um substituto parcial a esse problema institucional, podendo ser mais efetivos nas circunstancias de maior iden- tidade politica e de comunidade de valores entre os seus membros. Em todo caso, na auséncia dessa comunidade de valores, a agregago de interesses pode ser alcancada com base na disposigéo de um membro mais poderoso de “socializar” os beneficios de seu escudo militar, cujos custos ele assumiu exclusivamente. Em todo caso, todos eles — tanto o hegemon, como seus “sécios” — precisam ter um foco preciso quanto aos Principais vetores de seguranga — e, claro, das ameagas percebidas e reais — nos quais Passariam a atuar, sem o que as aliangas perdem eficacia e, sobretudo, condicdes minimas para um consenso operacional entre seus membros. Por mais desigual ou assimétrica que seja esse tipo de alianga, seria preciso haver nogao clara de qual é a "NUNCA ANTES NA OIPLOMACIA..: A POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NAO CONVENCIONAIS, 7 fonte potencial ou real de ameaca, para que os instrumentos de defesa sejam comen. suraveis e adequados a esse foco possivel de instabilidade e de desequilibrio. Paises desejosos de maior projegao internacional — e, portanto, dispostos a assumir os custos implicitos a essa opgao de politica externa — necessitam, em pri- meiro lugar, determinar os focos possiveis de ameaga ou resisténcia aos seus Obje. tivos nacionais que possuam clara interface internacional, supondo-se que esses objetivos sejam inteiramente compativeis com os valores e as normas existentes no 4mbito da comunidade internacional. A autonomia de a¢ao é o pressuposto basico de mobilizagao da ferramenta militar, mas a coordenac3o com outros parceiros no plano externo pode se revelar indispensavel nas atuais condigdes do cenario internacional, quando as manifestagées explicitas de imperialismo arrogante ja se encontram for. malmente banidas (mas nao desaparecidas de todo). Em todo caso, a passagem de uma concepgao e uma doutrina puramente nacionais de defesa e de seguranga em direcdo a constitui¢ao de cenarios de conflitose hipdteses de emprego da forca militar situados no contexto externo — regional ou inter- nacional ~ implica uma profunda revisio dos fundamentos estratégicos dessa “exter- nalidade” — que pode ser positiva ou negativa, em funcao dos casos concretos ~, bem como dos instrumentos que passam a ser mobilizados em caso de engajamento efetivo desses recursos de Ultima instancia do jogo diplomatico-estratégico. Nem todos os Paises estao dispostos a desviar recursos de necessidades internas para fins de atuagio “solidaria” no plano internacional. Mas, o que assim decidirem, necessitam dispor dos Meios suficientes e necessarios para levar a termo a miss3o formalmente assumida. 1.3.6 A representacao dos interesses no ex ercicio da politica externa A politica externa ja foi definida de muitas maneiras, tradugao de necessidades internas em possibilidades externas. Talvez pudesse ser definida, também, como a incorporagdo de oportunidades e capacidades externas Para fins de desenvolvimento interno. Mas esse aspecto formal importa menos do que uma avaliagado exata das condig6es sob as quais Pode atuar o corpo funcional: -burocratico voltado Para a implementago da politica externa, no contexto demo” Cratico e crescentemente transparente das politicas publicas na atualidade. Diferentes atores passam a interferi decisério em matéria de tipo de “intromissao” Pode até ser desejavel inclusive como sendo @ i No — e a disputar parcelas do — process? Politica externa na moderna configuragao democratica. Es Nao sé parece inevitavel, como, em determinadas circunstanc?s ' para, por exemplo, respaldar a ago do Estado na defesa dont o Be pavio noaenro DEAL ional, na suposicao de que a mobilizacao de atores privados esteja sendo feita oe oR anhos significativos para agentes econémicos que atuam como canais i eames rer Nao se trata da “captura” do aparelho burocratico do Estado - eee privados, mas de interagdo com os verdadeiros produtores de riqueza nacional na tarefa de “extrair” recursos e renda do resto da comunidade internacional, 0 que ¢ perfeitamente legitimo no plano da agao externa do Estado. Acapacidade de a politica externa se apresentar como efetivamente nacional, enquanto politica publica, tem a ver coma sua interagdo com os setores relevantes da vida econémica do pais, pois so eles, em Ultima instancia, que produzem os recursos sem os quais a a¢3o do Estado torna-se impossivel ou dificilmente viavel, e é para eles que se destinam, em grande medida, as iniciativas e agdes de politica externa mobi- lizadas pela diplomacia profissional. Os dois principios sobre os quais vai se funda- mentar uma politica externa nacional sao, portanto, o da transparéncia democratica € 0 da representacao dos interesses mais relevantes no plano econémico nacional, sem que isto signifique, contudo, a captura do Processo decisdrio no plano estatal por grupos de interesse especial ou setorial. ‘Transparéncia e representagdo democratica nao devem significar, no entanto, excesso de abertura em processos negociais, como reclamado muitas vezes por grupos de atuacio especifica, pois isto poderia comprometer o carater confidencial a necessaria discricdo das Posig6es negociadoras que caberia respeitar. Da mesma forma, falsos democratismos—como a incorporagao irrefletida de posigdes emanadas de sindicatos, de partidos, de ONGs, etc. - tampouco deveriam guiar a ado externa do Estado, pois que suas posigdes tendem a redundar em impasses negociais (até mesmo ex ante) devido & propria natureza contraditdria dos interesses em causa. 1.3.7 Instrumentos de agao de uma politica externa nacional 940 muitas as ferramentas a disposigéo do Estado para o exercicio de sua Politica externa, sendo o mais importante, obviamente, 0 corpo burocratico “ncarregado de operar a diplomacia profissional. Os dirigentes costumam, igual- Mente, cercar-se de assessores diretos, que podem ou nao ser diplomatas, mas que tisp6em, supostamente, de um saber especializado nos temas afetos as relades exteriores do pais. Outras inst&ncias podem interferir no processo decisério da Politica externa, mormente em regime parlamentar. Mas 0 basico, ou até essencial, © que exista unidade efetiva de comando, uniformidade do processo decisdrio e Conformidade NO processo de implementagao das decisdes. Uma politica externa formada a partir de varios centros decisérios comeca Por Ndo ter objetivos homogéneos e tende a apresentar metas fragmentadas, ou POCA ms 39 FOMACIA. “A POLINICA EXTERNA BRASILEIKA EM TEMPOS NAG CONVERCIONAIS até mesmo contraditorias, que respondem aos diversos “insumos” ae bidos ao longo do processo de formulagéo e de composi¢ao, mesmo seecone Go inicial partir de um Unico centro. A divisao pode assurnir Ua cor eI a 4 Com pelo menos uma instancia independente da diplomacia profissiona envolvida Bary parag3o e implementacao da agenda externa; pode nao ser tao grave se o tral lho envolvido for apenas de assessoria, mas se ele envolver igualmente representacao e defesa publica existe um risco real de discursos contraditdrios ou ndo coincidentes, A “divisio do trabalho” deve ter um Unico centro “divisor”, ndo ser uma espécie de “cooperativa diplomatica” atuando em bases voluntaristas. As estratégias e taticas mobilizadas pela diplomacia podem e devem ser diversificadas, com a adequacao de cada instrumento de agao ao tipo de foro apli- cavel em cada caso ~ bilateral, regional ou multilateral -, ou ainda em fungao das coaliz6es possiveis segundo a natureza do problema em causa (politico, comercial, tecnolégico, de seguranga, etc.). Caberia, no entanto, ficar atento para a “gradacao” Progressiva das iniciativas diplomaticas eventualmente langadas, de maneira a evitar-se a exposigao direta do responsavel vltimo pela diplomacia— que é o préprio chefe de Estado —em propostas meramente exploratérias ou de duvidosa a ceitacao Por parceiros no consultados previamente. Para ser mais preciso, poucos paises apreciam aderir a iniciativas prontas ea solugdes “acabadas”, 1 Sentindo-se obviamente mais confortaveis a partir de con- sultas preparatérias e mediante o acolhimento de suas sugestdes. Da mesma forma, a situagao de lideranga, se ela no é dada naturalmen econdmico, politico e militar, com todos os cuida pode causar suspeitas ou desconforto em surgir um “mais igual” te pelo diferencial de poder dos associados & autocontencao, Parceiros regionais, incomodados em ver em seu préprio meio. A lideranga nao pode jamais ser auto- Proclamada, mas, sim, o resultado de um Consenso que deve emergir naturalmente @ partir de fontes reais de poder, nao de Proclamacées unilaterais: trata-se antes de uma aceitacao do que de uma imposic&o, ainda que gentil. 1.4 Conclusées: os fundamentos empiricos de uma diplomacia concreta Expostas as bases conceituais de uma hipotética politica externa nacional, com uma discussao genérica e abstrata dos métodos e Propésitos de uma diplo” macia indefinida, caberia, talvez, explorar os fundamentos empiricos de uma diplo” macia concreta, preferencialmente em perspectiva histérica e numa visio com Parada. Tal tipo de andlise Serviria, inclusive, para testar algumas das "teses” a*i” wo 40 PAULO ROBERTO DE AU! maticas que foram aqui expostas, sem maior cuidado com a sua conexéo efetiva a uma determinada realidade. Esse tipo de exercicio deve partir de uma descrigéo detalhada da atuagao diplo- matica do servigo exterior escolhido, com base nos critérios metodolégicos e subs- tantivos aqui propostos — ou em outros, determinados no curso da anélise — e avaliar em que medida as agées e as iniciativas diplomaticas do pais em questo produ- ziram resultados concretos a partir da proclamacao de objetivos pelos responsaveis da diplomacia em causa. Trata-se de algo factivel, com base em uma transcrigao das intengdes iniciais, seguida de uma exposicgao a mais completa possivel dos eventos registrados e dos processos que puderam ser efetivamente realizados, finalizando por um balango honesto dos ganhos alcancados. teen nee ANS Ha a Plomacy ‘AGIA: APOLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NRO CONVENCIONAIS & a a Re er er CAPITULO 2 AS RELACOES INTERNACIONAIS DO BRASIL EM PERSPECTIVA HISTORICA 2.1 Padrdes e tendéncias das relagoes internacionais do Brasil Abordar a problematica dos padrées e tendéncias das relagdes interna- cionais do Brasil em perspectiva histérica implica, implicita ou explicitamente, examinar as mudangas de regime ocorridas em suas configures ao longo do tempo, discorrer sobre eventuais paradigmas ou conceitos unificadores daquelas caracteristicas em suas diferentes etapas, bem como tentar detectar aquilo que se costuma chamar de “linhas de continuidade” ou, alternativamente, “momentos de ruptura”, isto é, conjunturas de descontinuidade em relacao aos tracos predo- " minantes na fase anterior. Representa também identificar os componentes defi- nidores das relagées exteriores do Brasil, no seu sentido amplo, em cada um dos periodos pretensamente homogéneos da histéria nacional, e aplicar, a esses con- juntos, alguns rétulos que supostamente ofereceriam uma sintese de suas identi- dades respectivas em uma dindmica de sucessao de politicas.** Tais exercicios de sintese nao faltam na historiografia nacional, eventualmente até na area das relagGes internacionais do Brasil, embora sejam bem mais comuns nas reas da histéria politica ou da econémica. Eles comegam sempre por algum tipo de periodizagao, que serve, justamente, para delimitar as grandes fases da histéria nacional. Os marcos definidores mais comumente aceitos na historiografia nacional poderiam ser representados por estes processos ou etapas da vida nacional: o periodo colonial, o primeiro e o segundo reinados (eventualmente intercalados pelas regéncias), a Velha Republica, a era Vargas, a Republica de 1946, o regime militar e para a fase mais recente, a chamada "Nova Republica”, também identificada como de redemocratizagaio, embora ja se esteja longe do processo de reconstrugao institu- cional do final dos anos 1980 e do inicio da década seguinte. ___Esses ensaios de periodizago também podem se fixar numa vertente menos linear politicamente — e mais de tipo econémico -, a partir das grandes caracteris- ticas estruturais de cada época: a economia primério-exportadora, a era (e a diplo- Sree aramaisamplos eservoWvimentosa est respeit, ver Pavlo Roberto de Almeida, Oestudo das relagdesinternacionais entre a diplomacia e a academia (nova edigao; Brasilia: Editora LGE, 2006). 'do Brasit: um AS macia) do café, a industrializagao substitutiva de importacées, ° nacional-desen, volvimentismo dos anos 1950, a modernizagao-autoritaria do perlodo militar ou up alegado (pelos seus adversarios ideolégicos, mas totalmente inexistente) “neolibe. ralismo” dos anos 1990, com eventualmente mais alguns processos intermediarigs, Varios desses rétulos, no entanto, sao necessariamente simplificadores e sempre estardo sujeitos as revisdes historiograficas que normalmente ocorrem nas ciéncias humanas e sociais. Pode-se também argumentar que alguns rétulos sao franca. mente ideoldgicos, como parece ocorrer com o presumido “neoliberalismo”, que alguns observadores ~ talvez até historiadores — querem associar aos processos de abertura econdmica e de liberalizagao comercial dos anos 1990, uma classificagio altamente improvavel no caso de um pais que jamais foi liberal, muito menos neoli- beral, e sempre seguiu uma cartilha abertamente intervencionista, mesmo quando se tratou de corrigir os excessos do estatismo anterior (com governos sempre recor- tendo a decretos e medidas provisérias). A fase recente, ou seja, as administragdes identificadas com o presidente Lula e 0 Partido dos Trabalhadores, tem se prestado a algumas das simplificagées e abusos a que se submetem alguns momentos de ruptura, quando sua interpre- tagao e registro sio dominados pelos discursos daqueles mesmos que querem fazer acreditar que este periodo de “histéria imediata” tenha sido de fato marcado por mudancas, cujo carater eles previamente se encarregaram de definir segundo um rétulo escolhido a propdsito. Demonizar a chamada “heranga maldita”, pespegar © rétulo equivocado de “neoliberal” a qualquer orientagado de politica econémica que nao lhes parece condizente com seus objetivos protonacionalistas e reconhe- cidamente estatizantes, arrogar-se a pretensdo de retomada da “politica extern? independente” de outras eras, tudo isso faz parte mais da luta politica e ideoldgic do que da andlise acad&mica, como deveria ser o Propésito legitimo de qualquer governo sério. Tais explicagées, convenientes do ponto de vista dos que pretende™ definir os tracos do periodo, geralmente em oposicao ao que existia no periode anterior, e favoravelmente ao que seus protagonistas querem realcar como alegad# exceléncia do seu préprio momento — que seria insuperavel em suas qualidades® paibnlerlanld . como eles gostariam de registrar ~ podem ser enfeixad s: fraude acadamica e desonestidade intelectual. srs Como ee de padres e tendéncias das relagées interacions desses rétulos simplificad a eeamcoenn orale ceuinen ao exer? é arniscado, inclusue na lores e buscando sero menos ideoldgico possivel? ence académicos, mesma re a © autor destas linhas nao costuma prender-se a ¢! 10 tancamento eee Sofisticados = como, por exemplo, a autonomia i inte” ' , Pela participacao — nos trabalhos mais descritivos © “ amonoseerootse pretativos produzidos nos Ultimos anos,* e tampouco se deixa enredar nas legitimagées oficiais das politicas pUblicas, que sempre trazem a marca da chamada langue de bois, mais vulgarmente conhecida entre nds como discurso “chapa branca”. Este ensaio nao pretende sucumbir a qualquer um dos escolhos que costumam marcar certos consensos académicos ou que soem frequentar os escritos e discursos de acad&micos ou diplo- matas. O autor nao se considera suficientemente académico para juntar-se as manias temporarias das academias, nem se assume como um diplomata politicamente correto para aderir acriticamente ao discurso do momento, alias, de qualquer outro momento. Ele se vé apenas um observador da realidade ambiente e um estudioso da histéria, 0 que Ihe permite fazer seus prdoprios julgamentos, sem ter de apelar a paradigmas uni- versitarios consagrados ou submeter-se a qualquer versao oficial da histéria. A Histéria, alias, néo pode ter versGes oficiais, pelo menos nao deveria, ainda que governos ~ ou melhor, pessoas de governos — sempre tentem assim proceder. Mas mesmo adotando uma perspectiva libertaria no plano intelectual — e pouco disciplinada no contexto profissional -, nao é facil escapar de certos constrangi- mentos metodoldgicos e de algum enquadramento conceitual, que esto inevitavel- mente vinculados a qualquer tipo de empreendimento académico que se pense fazer em torno da questao, tal como posta aqui: padrées e tendéncias das relagées interna- Cionais do Brasil em perspectiva histérica. Este ensaio procurard ser 0 mais objetivo Possivel, ainda que nao se possa evitar algum grau de subjetividade na escolha dos temas e das questdes relevantes que é possivel identificar nessa area relativamente complexa da atividade governamental. 2.2 Etapas das relacgdes internacionais do Brasil Em qualquer tipo de exercicio histérico, é inevitavel comecar por algum tipo de periodizago, abordagem, alias, incontornavel, em vista das importantes trans- formacées, com graus diversos de aprofundamento, que o Brasil enfrentou desde Sua constituigé0, enquanto Estado nacional independente, até 0 periodo contempo- Faneo, tanto na esfera politica quanto no dominio econémico. Podemos adotar, para tal exercicio, a divisdo classica da historiografia "acional, que cobre razoavelmente bem os trés primeiros periodos, e que podem veunserever, igualmente, as relages externas da nagao: o Império, até 1889; a elha Republica, até 1930; e a era Vargas, que, numa certa concepco, vai até 1964. ee Bes interes Sferentes, mas complementares, dessa problemitica, ver, por exemplo: Gelson Fonseca Jr, A legitimidade e outras ques: rset nti (Sto Pauie Pare Terra, 1998), Celso Late, A identidade internacional do Brasileapotica externa brasileeapasrado, tegia da gyri Sto Paulo: Editora Perspective, 2003); ¢ Tullo Vigevani; Gabriel Cepaluni, “A politica externa de Lula daSilva: estra- oma pela dversicagaor, Contexto Internacional Ris de Janeio: vol. 5, 0.2, juho/dezembro 2007, p 273-339) Wren ANTES Wa pip ‘OMACIA.. RPOLITICA EXTERMA BRASILEIRA EM TEMPOS NAO CONVENCIONAIS as > ria um quarto periodo identificado com | cao do pais, mas com pouca, por vezes mia da cidadania no que se refere a represen Politica ela correspondentes, que de fato nao foram livres e esti | pgdes alternativas de organizacao econémicae orrespondeu a uma forma peculiar de 0 Estado 5. Por fim, a falta de melhor termo, e como se trata de um espaco de tempo que cobre, grosso modo, uma geragao, costumamos nos referir ao periodo contemporaneo, 0 quinto da periodizagao aqui adotada, k como sendo a era da redemocratizagao, mas este é um termo genérico, ou indis- | tinto, que provavelmente sera revisto pela historiografia do futuro; afinal, no que se ' refere as suas relacdes exteriores, a redemocratizagao também correspondeu a um | novo perfil com o qual o Brasil se apresentou na cena internacional. } Como parece mais interessante — ou necessdrio — examinar este Ultimo | ar, de 1964 a 1985, representa ime milit . om cesso de moderniza um rapido e intenso pro’ quase nenhuma, autono! @ 05 espagos decisérios a veram muito pouco abertos a conce| politica da nagao; mas ele também ci organizar as suas relagdes exteriore perfodo de forma mais detalhada, ele seré dividido, por sua vez, em quatro dife- f rentes momentos das Ultimas trés décadas: (a) a redemocratizagao, stricto sensu, que corresponde ao processo de reconstitucionalizagdo do pais, entre os anos de | 1985 e 1989, quando também o pais passou a oferecer um outro discurso no plano i externo, tendo retomado, por exemplo, o processo de integracao regional; (b) 05 anos de crise e de transformagaio, uma conjuntura bastante confusa que corres: Ponde 4 aceleracao inflacionaria e as crises politico-econédmicas dos anos 1990 1994, culminando na estabilizacdo do Plano Real, periodo no qual as relagées finan’ as internacionais do Brasil podem até ter prevalecido sobre outros aspects = eae ee consolidagae da estabilidade e a tense | anos que correspondem soe duis randlee ante aberto e receptivo a Soe mente, (d) a grande afirmaco internaci irre tanec os earcoged Sal ional do Brasil e a transformagao do cenari? Politico na istri i p aaa Nos anos distributivistas do governo Lula, que foram identificado® F 'plomacia Sul-Sul, periodo ainda em aberto. tifculdades interpretation aoe 20 periodo atual, mesmo sob o risco de algu™ f lado, ov os diversos enfo, 25, Ja que o discurso oficial da diplomacia brasileira, Po" Podem estar sujeitos aves analiticos privilegiados na academia, por outro, $e?” certo imediatismo de tipo subjetivo ao tratar da presente ™* ae aug noBentor 2.2.1 0 Império: a construgo da nacao e as bases da diplomacia Aemergéncia do Estado, no Brasil - e, portanto, de suas relagées interna- jonais -, fez-se com base na heranga portuguesa deixada por D. Joao VI em 1821. \ vam os conflitos no Prata, algumas pendéncias com Estados Na “heranga” figura ( f europeus (Espanha, por exemplo) e diversos compromissos assumidos pela ex- -poténcia colonial obrigando o Brasil, como o tratado de comércio de 1810, com a poténcia protetora, ou j& em nome do Reino Unido, como o de aboligéo do trafico, no quadro do Congresso de Viena. Eles nao deixaram de apresentar consequéncias pra- ticas para a economia do Estado nascente. A primeira providéncia, contudo, foi a de assegurar o reconhecimento do novo Estado, processo que se delongou por trés anos, tempo necessario para concretizar negociagdes com Portugal e com a Gra-Bretanha, de escopo, sobretudo, financeiro.** O Brasil comegou assumindo para si empréstimos contraidos pela Coroa portuguesa na Gra-Bretanha, e também por acatar indeni- Ges em favor do soberano portugués: a longa trajetoria, tortuosa e torturada, da ida externa comegou naquele mesmo momento. Os esforgos para assegurar 0 livre transito no Rio da Prata — indispensavel para 0 acesso as provincias brasileiras do interior, pela via dos rios da bacia platina -ecerto controle de seguranga sobre as fronteiras meridionais também ocuparam anascente diplomacia, na qual iniciativas tomadas pelo proprio primeiro imperador muitas vezes predominavam sobre as opinides da Assembleia Geral ou sobre outras orientagdes do governo de gabinete. A guerra em torno da Cisplatina, bem como as desavencas familiares em torno da sucessado do trono portugués consomem recursos e a atencdo do chefe de Estado, terminando por gerar conflitos politicos que encontrariam o seu desenlace no ato de abdicagao de 1831. Antes, contudo, frustrado pela recusa da Gré-Bretanha em renunciar as vantagens que lhe tinham sido concedidas pelo tratado de comércio de 1810, 0 governo resolver estender os Privilagios da tarifa baixa aos demais paises que buscavam estabelecer relacées Comerciais com o Brasil. O problema do trafico foi outro irritante nas relagdes com 4 principal poténcia da época, questo sobre a qual as elites dominantes do Brasil tergiversaram enquanto foi possivel, em meio a demonstracées da prepoténcia bri- t€nica; o assunto se arrastou por um quarto de século apés um tratado de “abolicao” Cara inglés ver”) de 1826, até a lei de proibic&o do trafico de 1850."5 za di Tea opelio Ge (aa. e¢, re eo estem diversos trabalhos do historiador Manoel de Oliveira Lima; ver, em especial, D. Jotio VI no Brasil, x808-1821 Andradae Siva, annie: S086 Olympio, 2948). A partir dai ganha relevo a figura do primeico chanceler do Brasil, José Bonifacio de abrasig obte 2U papel na independénci, vero capitulo de Jodo Alfredo dos Anjos, “José Bonifécio:o Paviarcada dplomna- (750 peg) ey gamizado por José Vicente Pimentel, Pensamento Diplomatico Brasileiro: Formuladores e Agentes da Politica er Pat rsa: Funag, 2073, vl 2), p. 89-29, eto de Almeida, Formagtio da diplomacia econémica no Brasil: as relagées econémicas internacionais no Império (a4 ed. Paul "0: Editora Senac-SP, 2005) WCE HA DIPLOMACY - /OMACIA..: POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NAO CONVENCIONAIS o As regéncias foram mais dominadas por coors acerca Qterna, ainda que a situagao turbulenta do Prata e outras ince! a fe inte Tonter, amaz6nicas continuassem preocupando o governo. Mas 01 ers iS rete que foram assentadas algumas das bases da diplomacia oe , entre elas a preg cupagao com os equilibrios do Prata, o que significava, alee! garantir independéncia do Uruguai e do Paraguai em face das pretenses € dos interesse, de Buenos Aires, cujos lideres pretendiam reconstruir ° Vice-Reinado do Prata, que se estendia até o sul da Bolivia. Essa preocupageo levou o Brasil a mais de um; intervengao nos assuntos internos do Uruguai, um dos vetores para assegurar ese equilibrio e a liberdade de acesso, 0 que culminou com a alianga com os inimigos de Rosas, ditador de Buenos Aires, e acabou resultando, mas por outros motivos, na guerra do Paraguai. Esse conflito, a maior guerra na qual o Brasil se envolvey, é até hoje uma tragédia paraguaia, deixando marcas também em certa historiografia enviesada; ela foi oportunamente revista e corrigida pelo historiador Francisco Doratioto, cujo livro, Maldita Guerra, desfaz muitos mitos e equivocos cometidos por historiadores dos quatro paises envolvidos no conflito."® O Império nao tinha vergonha ou remorsos de suas intervencées no Prata, comportamento de certa forma “imperial” que, a partir da era Vargas, passou 2 ser apagado da historiografia nacional, num exercicio precoce de revisionismo his: térico: tenta-se eludir 0 fato de que o Brasil praticou intervengées nas tribulacées platinas, nao exatamente para ampliar 0 territdrio, mas para garantir a segurangaé a integridade de suas fronteiras meridionais.”” 0 Império foi um renitente tomador Shue crane cantando fe et sempre honrou as suas vidas, Re agate eer eapcca ey aed mee incorreu em moratérias e em insolven a dy peeheeeaier ues eras ‘ século de anarquia emissionista e d Nene ersas vezes ao longo de mats de! © esquizofrenias econdmicas. ‘mente publicado em x Funag, 2033); cham vr ; i a atencso par rior do Brasil (sso. 3 ver see 0 (0 str dlombca do rst og na 2 98 abordagem enone 3 2 todo colonial ao recanhecmenta do ner A OP. cit, peaangy, ‘minha introdugéo a essa obra: "Renato Mendonca: UP i pauio roeerTo rt * Republicano: “somos da América e queremos ser americanos”.® Com os primeiros Fer contraido um acordo comercial rapidamente descontruido pelo erratico protecio- nismo americano, embora nunca tivesse havido, na historia econémica mundial, Pais to protecionista quanto © Brasil, sob o Império, sob a Republica, sob qualquer regime, até hoje, aliés. Com os segundos, mais especialmente com os argentinos, 9 primeiro chanceler da Republica acertou um acordo de fronteiras que praticamente deixava 0 Rio Grande do Sul isolado do Brasil, j que reproduzindo alguns mapas mal desenhados do tratado de Madri; o Congreso recusou aprovacao para esse acordo mal costurado, 0 que permitiv a Rio Branco comegar a brilhar, logo depois, na demarcagao por via arbitral das fronteiras da patria. Justamente, nos primeiros dez anos de regime republicano, o Brasil teve praticamente dez chanceleres, sendo mais, a0 passo que teve um so, nos dez anos seguintes. O Bardo se identificou tao completamente com as bases da politica externa do Brasil que virou o patrono da diplomacia brasileira, passando a figurar em cédulas de praticamente todos os regimes monetarios desde 1913. Estes foram muitos, ao longo do século Xx: mil-réis (e bilhetes da caixa de conversdo em 1906), cruzeiro em 1942, cruzeiro novo em 1967, de volta ao cruzeiro trés anos depois, cruzado em 1986, cruzado novo em pouco mais de dois anos, cruzeiro de volta em 1990, cruzeiro real e, finalmente, o real (0 Bardo do Rio Branco sé esteve ausente da URY, pois esta nao conheceu bilhetes impressos, ja que se tratou de uma moeda virtual). NaVelha RepUblica, assim como o Brasil era café e o café era o Brasil, a diplomacia era 0 Bardo e o Bardo era a diplomacia: desde entao, nunca mais se conseguiu superar o paradigma, embora alguns tenham tentado imita-lo, até em longevidade. Mas 0 Bardo tinha uma nogao muito precisa do equilibrio que era preciso manter entre os interesses europeus e americanos no Brasil, e sobre como conduzir os negdcios sul-americanos do Brasil, com plena afirmagdo, sem arrogancia, mas também na estrita defesa dos inte- Fesses nacionais, sem qualquer concessao a algum vizinho mais afoito ou atrabilidrio, de qualquer tamanho que fosse. Ele nao dava muita relevancia para ideologias, mas dava, sim, muito valor as ideias, se possivel claras, diretas, sem afetagdo e sem cedera modismos circunstanciais, e sem precisar lembrar 0 tempo todo que estava defendendo 8 soberania nacional (para ele isso era tao evidente que sequer Precisava ser dito, o que Poderia denotar algum sinal de inseguranca psicoldgica). Sem bravatas, conseguiu Manter a Argentina no seu lugar — ou seja, sem interferir na Capacitagdo estratégica do Brasil—e também entreteve boas relacdes com bolivianos, assim como o teria feito com bolivarianos, se Por acaso existissem em sua época. © Bardo nao cultivava nenhuma mania de catalogar geograficamente a politica externa, para o Norte, para o Sul ou para qualquer direcao: ele simplesmente cuidava .—— a mS Power, mas exalene sintse sobre a plica externa da vlhaRepdblice,enconrase em Rubens Ricupero, “poi Teta prea Repiin 865530, Jos Vicente Pimentel (og) Pensamento plomatce Brasler Formedoe eae Wica Externa (3750-2964) (Braslia: Funag, 2033, vol. 2), P. 333-355. Wnes, ASIES NA DIPLOMACIA.. A POLITICA EXTERNA BRASILEIRA EM TEMPOS NEO CONVENCIONRIS 49 ticamente da politica externa, e sempre disse, desde o primeiro dia, que nao ic ‘trado no governo para servir a partidos, e sim ao Brasil. Uma ligéo razoavel aa que correm, embora nao se possa esperar que todos os homens pecs sejam razoaveis, ou pautados pelo simples bom senso, como parecia ser 0 Barao. Uma das grandes questdes das relacdes internacionais do Brasil, que 0 Bardo teve de administrar em sua época —- mas a mesma questao permanece até hoje, cem anos depois, ainda que de forma talvez um pouco diferente 7 foi a transicao de projecdo de poder entre o velho hegemonismo imperial britanico e a crescente ascendéncia da nova poténcia americana, 0 que ele fez de modo muito natural, sem qualquer demanda por uma relagao especial e sem afetar qualquer tipo de hostilidade vazia ou descabida. Quando teve de opor-se a posi¢des americanas — 0 que ocorreu tanto na conferéncia americana do Rio de Janeiro, quanto na segunda conferéncia da paz de Haia ~ ele assim procedeu sem pedir licenga a ninguém, mas também sem vangloriar-se de tal feito. Nao precisou ficar agredindo a potancia hemisférica apenas Porque ela nao reconhecia o papel do Brasil na regido e em outras esferas. Depois do Bardo, o Brasil conheceu pequenos e grandes chanceleres, como } Oswaldo Aranha, por exemplo, que, jd na era Vargas, soube avaliar muito bem onde estavam os interesses brasileiros numa era de enfrentamentos globais, tendo conse- guido preservar tanto a autonomia do Brasil quanto aliangas estratégicas adequadas € convenientes em fungao dos interesses de lon go prazo do Brasil, numa conjuntura em que muitos apostavam na ascensSo das poténcias fascistas.° 2.2.3 A era Vargas: escothas estratégicas, a despeito de tudo A mengao a Oswaldo Aranha ni quando os gauchos amarrara durante algumas décadas, 10s leva justamente a era Vargas, que comegou m seus cavalos no Obelisco do Rio de Janeiro, para ali ficat levou Varges 20 rode Pelo menos até o final do regime militar. A revolugao qué 20 poder nao teria acontecido, Precisamente, se nao fosse por Oswald0 Aranha, um lider decidido, decisivo e de clara visdo quanto aos problemas do Brasil parca sobre os melhores caminhos Para resolvé-los. Getulio Vargas, como se sabe aan hesitante, ainda que com varias qualidades maquiavélicas - como ele mesma expressao ~ Para preservar-se no poder durante breves quinze aaa mencionou. Sem a agao de Aranha talvez jamais tivesse acontec' "Vero livco de Rubens Ri Rio Bran iro: Contraponto, 2000) icupero, Rio Branco: 6 Brasil no Mur | ° ae asil no Mundo (Rio de Janeiro: , 2000). . 7. Ase Camargo; Jodo Hermes Peele o naig® Aranha, ver Jodo Hermes Pereira de Aradjo, “Oswaldo Aranha € diplomacia” raat 21285. 205-379), uma sintese areplnd oe an Hemrigue Simonsen, Oswaldo Aranha: a estrela da revlugde. Sho Pave: Mey Fall Aranhsna continua dea coPtue encontra-se em Paulo Roberto de Almeida e Jobo Hermes Pere Fema arta do estadismo de Rio Branco”, In: José Vicente Pimentel (org), Pensamento Diplo Wentes da Poli te * de Pla Externa a7so-ag64)(Brasiias Funayy song) vol GOP 79% wnt pauro noBerrové

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