flight

Edição 419 • setembro 2020

simulator
A versão 2020 do jogo
usa imagens de satélite e
IA para recriar 100% da
superfície da Terra. p. 46
r$ 18,00

Os EUA desenvolvem sua primeira ogiva nuclear desde

os anos 1980. A China quer triplicar seu arsenal
atômico. E os russos apresentam novas armas: o míssil
manobrável e um torpedo capaz de provocar tsunâmis. p. 20
por bruno garattoni e tiago cordeiro

p. 32 p. 08 p. 38 p. 54
A CIÊNCIA E OS A FALSA AS ASTRÔNOMAS PELÉ E CIA: OS
PARADOXOS POLÊMICA ESQUECIDAS DE FATOS POR TRÁS
DE DARK. DA VACINA. HARVARD. DOS GOATS.

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 carta ao leitor
A nova cara da Guerra Fria
O mundo é um complexo de
morros, com cada um dominado
por uma facção rival do tráfico. Nos
morros, não há polícia para chamar
nem sistema jurídico ao qual apelar.
Se o Comando Vermelho tem um
problema com a ADA, os dois vão
resolver por conta própria, já que
funcionam à margem do Estado.
Logo, as facções mantêm seus
próprios exércitos e gastam com
armas pesadas boa parte do que
faturam vendendo cocaína.
É assim que funciona na geopolí-
tica. Não existe um Estado planetá-
rio nem uma polícia global, lógico.
A ONU até ajuda a resolver certos
entreveros entre facções (governos,
no caso), mas não tem um poder
real. Quando a diplomacia falha e o
bicho pega entre dois países, ou
entre duas gangues de países, como
foi o caso das Guerras Mundiais,
não há instância superior para
recorrer. Logo, cada país usa uma
porcentagem considerável de seus
PIBs na manutenção de exércitos e
na produção de armas pesadas.
Quando uma facção do crime fica
grande e forte o bastante, os
conflitos entre bandos diminuem,
por pura falta de rivais com poder
para destroná-la. Em vez da
multiplicidade de tiroteios na
disputa por território que você vê
no Rio, então, instaura-se uma reali-
dade mais parecida com a de São
Paulo, na qual uma única máfia dá
as cartas – o PCC.
Os EUA viraram o PCC do
mundo quando a URSS, sua facção
rival, deixou de existir – numa
época em que a China ainda era um
bonde que não amedrontava a
comunidade internacional.
Essa realidade acabou. A China
se converteu em potência militar, e
pretende triplicar seu arsenal
atômico para mil ogivas. A Rússia
se tornou um jogador agressivo no
tabuleiro internacional e, pela
primeira vez na história, está à
frente dos EUA em certas
Foto Tomás Arthuzzi
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editorial
tecnologias militares (veja mais a
partir da página 20, no dossiê
geopolítico produzido por Bruno
Garattoni e Tiago Cordeiro).
Outra questão: um fator que
garantiu uma relativa paz da
Segunda Guerra em diante foi a
democratização do planeta. Estados
democráticos tendem a ser mais
avessos a conflitos de grande porte
– se os EUA fossem uma ditadura, a
Guerra Fria teria esquentado, para
ficar só no caso mais gritante. No
início do século 20, apenas 10% da
população mundial vivia em países
democráticos. Agora são mais de
50%. Com menos democracias, a
guerra foi uma constante na história
da humanidade. Só depois que elas
floresceram, os conflitos armados se
tornaram exceção.
Só que agora, das três potências
bélicas do planeta, só uma é um
regime democrático de fato. A China
é uma ditadura. A Rússia, um
Frankenstein. Há eleições por lá, mas
Putin já completou 20 anos no poder.
É o líder que governou por mais
tempo desde Stálin (29 anos). E deve
se manter nesse posto até o fim da
vida, tocando a Rússia com uma mão
de ferro autocrática – e perigosa.
A nova Guerra Fria já começou.
Que a temperatura permaneça baixa.
E que o número de democracias siga
crescendo. Sem isso, estamos
condenados a repetir a história.
Alexandre Versignassi
D i r etor d e Re dação
Alexandre.Versignassi@abril.com.br
Fundada em 1950
VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA
(1907-1990) (1936-2013)
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08/09/20 12:30
 cardápio
Cecilia Payne,
Williamina Fleming
e Henrietta Leavitt:
três astrônomas que
fizeram história.
P. 38
essencial
6 uma imagem...
O lago salgado (e colorido)
de Yuncheng, na China.
8 ... uma opinião
A falsa polêmica
da vacina
obrigatória.
supernovas
10 robô farmacêutico
Inteligência artificial cria
remédios alternativos para
combater a Covid-19.
Capa | Ilustração Marcelo Vaz
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setembro de 2020
12 CHORA MAIS
A solução para quem sofre
com olhos secos pode vir
das lágrimas dos jacarés.
16 enigma milenar
Um raio X do Quadrado
Sator, quebra-cabeça que
inspirou Tenet, o novo filme
de Christopher Nolan.
18 supermáscara
A Leaf é transparente,
possui filtros de carvão e
raios UV para esterilização.
12 Enquanto isso...
14 3 notícias sobre
16 Pérolas do streaming
19 VOcê decide
20 Capa
A nova era
nuclear
EUA, Rússia e China voltaram a investir em
armas atômicas, e a tensão entre os três é
a maior em décadas. Qual será o desfecho
deste novo capítulo da geopolítica?
32 O fim é o começo
Paradoxos, gatos mortos-vivos e viagens
no tempo: entenda a física por trás de
Dark, a série nerd mais popular da Netflix.
38 Astrônomas anônimas
A saga das mulheres de Harvard que
moldaram a astronomia contemporânea
por menos de um salário mínimo.
46 Quem quer ser piloto?
A nova versão do Flight Simulator usa
imagens de satélite para recriar 100% da
superfície da Terra.
54 Os fatos por trás dos GOATs
Pelé, Jordan, Phelps... O que, afinal, torna
insuperáveis os maiores de cada esporte?
60 Caça ao coelho
De coadjuvante do Gaguinho a símbolo
da Warner Bros., a história do Pernalon-
ga, que completa 80 anos em 2020.
Número
incrível oráculo E se...
66 duro de matar 72 chegou tarde, colombo
Vírus conseguem sobreviver E se os chineses tivessem
ao espaço sideral? colonizado a América?
360 68 vida de inseto
Como as formigas sabem
mil onde estão os doces?
estrel as 70 adeus, cabelos
estão compi�
Por que a calvície segue um
l adas no ca�
tálogo Henry
desenho fixo na cabeça?
Draper,
atualiz ado
sem pausa há
67 pá pum última página
mais de um 70 pensando bem... 74 censo canino
século.
70 lost in translation
Os nomes de cachorro
p.42 71 manual mais comuns no Brasil.
08/09/20 13:23
1246967-SAUDE-1_1-1.indd 5 08/09/2020 15:10:33
 essencial uma imagem...

6 super setembro 2020 Foto Visual China Group / Getty Images

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 setembro 2020 super 7

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 essencial ...uma opinião

na página anterior: O lago de Yuncheng, na China, é quase tão salgado quanto o Mar
Morto. Em suas águas, porém, um tipo particular de vida se prolifera no verão. Com o
metabolismo acelerado pelo calor, as algas microscópicas Dunaliella salina sintetizam
baldes de betacaroteno – o mesmo pigmento que dá cor às cenouras e abóboras –,
transformando a infraestrutura de extração de sal em uma colcha de retalhos de dar
inveja em Romero Britto. O tempero gira a economia da região há mais de 3 mil anos.

A falsa
A vacinação não
é um tratamento
individual. Só
funciona se for

polêmica
aplicada de forma
maciça. Logo,
não há problema
algum em torná-la
compulsória caso

da vacina
seja necessário.

obrigatória por Salvador

Nogueira

P
Preciso prefaciar dizendo que a necessidade de este artigo
existir, por si só, é uma derrota. Não minha. Não sua. Mas de to-
dos nós. Da ciência. Da humanidade. O fato de que hoje, passadas
duas décadas do século 21, estamos sob risco de perder as maiores
conquistas civilizatórias da história por comportamentos irrespon-
sáveis e obscurantistas nos faz repensar a ideia confortável – mas
falsa – de que estamos destinados ao progresso contínuo. É possível
andar para trás. Já aconteceu antes. Pode ocorrer de novo. Estou
falando dos perigos representados pelo abandono – tanto no plano
individual como no das políticas públicas – da medicina baseada
em evidências. Em particular, falo da falsa polêmica sobre vacinas.
Populares sobretudo nos EUA, os antivaxxers, como são chamados
por lá, vêm ganhando terreno paulatinamente nos últimos anos,
apoiados em notícias falsas e em artigos científicos fraudados ou de
péssima qualidade. E é um movimento que ameaça ganhar mais força

8 super setembro 2020

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no Brasil. Ainda mais neste momento,
em que o presidente diz que “ninguém
pode obrigar ninguém a tomar vacina",
e autoriza a Secretaria de Comunicação
do governo a produzir uma postagem
de propaganda oficial com a frase. Ou
seja: Bolsonaro passou meses promo-
vendo o uso de um remédio ineficaz
(a cloroquina). Agora, por cortesia da
ciência, dezenas de vacinas estão em
desenvolvimento, e um punhado de-
las já se encontram em fase final de
teste, com resultados promissores. E o
que temos é uma fala que pode colocar
muitos brasileiros não só contra uma
campanha de vacinação obrigatória,
mas contra a própria vacina.
Esse equívoco começou a ganhar
força em 1998, quando um médico
chamado Andrew Wakefield publicou
no prestigioso periódico The Lancet um
artigo científico indicando um possível
elo entre a vacina tríplice viral (sarampo,
rubéola e caxumba) e o autismo. Em
2004, foi revelado que Wakefield havia
recebido dinheiro grosso de um grupo
de advogados para buscar evidências
que pudessem ser usadas contra fabri-
cantes de vacinas. Mais que isso, reve-
lou-se que ele tinha solicitado patente
para uma vacina tríplice alternativa. O
estudo fraudulento foi recolhido parcial-
mente pela Lancet em 2004, e totalmente
em 2010. Mas o estrago já estava feito.
No começo dos anos 2000, por conta
da confusão armada, os índices de va-
cinação despencaram no Reino Unido.
Chegaram a mergulhar para 60% em
algumas regiões do país, e o resultado
foi, naturalmente, um grande aumento
no número de casos de sarampo. É um
acontecimento exemplar para o drama
que estamos vivendo agora.
A vacinação não é um tratamento
somente individual. OK, ela protege o
indivíduo que tomou a vacina. Mas, mais
que isso, ela interrompe o ciclo de trans-
missão para proteger quem, por algum
motivo, não pode tomar (pessoas com
problemas imunológicos, por exemplo),
ou para quem a vacina não fez o efeito de-
sejado (nem todo organismo reage igual,
e cada vacina tem uma dose de eficácia).
Ou seja: a vacina é sempre uma so-
lução coletiva. Ela protege você, mas
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Se muita gente decide não tomar
a vacina, elas estão coletivamente
agindo para matar outras.
O Estado não pode permitir isso.
também quem está ao seu redor, e só
pode erradicar uma doença – qualquer
que seja – se o número de imunizados
atinge um patamar tal que o vírus não
consegue mais se propagar de forma efi-
ciente na população. É a tal imunidade
coletiva – ou imunidade de rebanho.
Cada patógeno tem uma capacidade
diferente de propagação, que correspon-
de uma taxa diferente de imunizados
para que se obtenha o efeito coletivo.
Para o sarampo, só se atinge a prote-
ção de rebanho com 95% da população
imunizada. Por isso, qualquer redução
nas taxas de vacinação acaba gerando
novos surtos da doença. O Brasil havia
conseguido erradicar o vírus em seu
território, mas perdeu esse status em
2016. Adivinhe por quê? Algumas pes-
soas decidiram não vacinar seus filhos
– ou se esqueceram de fazer isso, já
que toda uma geração cresceu sem ter
referência sobre os perigos do sarampo.
Agora a luta é tentar voltar aos níveis
de 2015, quando o Brasil chegava aos
95% de adesão à vacinação necessários
para conter o vírus.
O Sars-CoV-2, felizmente, não é tão
contagioso quanto o sarampo. Ainda
não sabemos que percentual da popu-
lação precisa ser vacinada para conter o
vírus. Estimativas mais conservadoras
falam em algo como 60% (lembrando
que a esses se somam os que adquiri-
ram imunidade natural, após contrair o
vírus), mas a porcentagem exata ainda é
desconhecida. Pode ser maior que 60%,
pode ser menor. O ponto é: se não tiver-
mos cobertura vacinal suficiente, esta-
mos condenados a manter o vírus em
forte circulação, matando todo mundo
que ele conseguir – inclusive as pessoas
que não têm a opção de tomar a vacina
ou não, por conta de problemas médicos.
Os antivaxxers gostam de evocar
Edição alexandre versignassi
argumentos baseados em liberdades
individuais para justificar a não adesão a
protocolos de vacinação. Faz sentido isso?
Nossa sociedade valoriza as liberdades
individuais e sem dúvida com bons mo-
tivos. Mas essas liberdades não podem
ser absolutas. As pessoas não podem,
por exemplo, exercer a liberdade de rou-
bar ou matar, e os governos se organi-
zam para coibir isso – pelo uso da força,
se preciso for. Pois bem: se um número
de pessoas suficientemente grande deixa
de tomar a vacina, elas estão coletiva-
mente agindo para matar outras. E o
Estado não pode permitir isso.
São falsos debates e falsos dilemas.
Mas, se essas polêmicas crescerem de-
masiadamente, podem colocar em risco
o futuro da civilização. E estou enxer-
gando além da pandemia. Em 1900, a
taxa de mortalidade infantil global era
superior a 40%. Praticamente metade
das pessoas que nasciam morria antes
de completar 15 anos. No século 20, vi-
mos um declínio brutal desse número.
Hoje, ele é de 4,6% – o que ainda é alto,
convenhamos. Que quatro em cada cem
crianças no mundo não completem 15
anos é bem triste. Mas tente imaginar
40%. Era assim no século 19.
Três coisas no último século muda-
ram esse quadro de maneira miraculosa:
saneamento básico, antibióticos e vaci-
nas. E, claro, ainda há muito a fazer. A
violência em lugares como o Brasil tira
muitas vidas jovens. A falta de sistemas
de esgoto e água tratada, tantas outras.
Rechaçar a medicina baseada em evi-
dências também pode trazer de volta os
velhos inimigos da humanidade. Então,
quando discutimos a adesão a vacinas,
o que estamos na verdade debatendo é
se queremos prosseguir no século 21
ou voltar ao 19. Dica: lá atrás morria
muito mais gente. S
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08/09/20 14:16
 supernovas
E d i ç ã o : G U I L H ER M E E L ER d e s i g n : c a r l o s E d u a r d o H a r a
IA contra a Covid-19
À medida que cienTIstas identificam os
primeiros tratamentos com alguma eficácia
contra a Covid-19, outro desafio aparece: a
produção em escala global. Um remédio pro-
missor contra o coronavírus pode, devido à
maior procura, entrar em falta no mercado
– algo que já aconteceu com o remdesivir,
por exemplo. Mas a tecnologia pode ajudar
nisso, como prova uma inteligência artifi-
cial criada na Universidade de Michigan.
10 super setembro 2020
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Imagine que uma droga tem, em sua es-
trutura, 12 átomos diferentes. Ainda que
a quantidade de átomos nunca mude, eles
podem ser organizados de várias maneiras.
A tarefa da IA, batizada Synthia, era exa-
tamente essa: simular novas combinações,
mais fáceis de serem sintetizadas. Dessa
forma, ela elaborou receitas alternativas
para 11 remédios – como o umifenovir, o
favipiravir e outros antivirais.
1
07/09/20 14:46
 sn. fatos

178
terabits por
segundo: é a
velocidade de
transmissão de
dados alcançada
por um time de
cientistas ingle-
ses. Com essa
taxa de downlo-
ad, seria possível
baixar a biblioteca
inteira da Netflix
em menos de
um segundo.

Asfalto tam- 2

bém polui
não é apenas a
fumaça que sai do
escapamento de
carros: analisando
estradas de Los
Angeles, cientistas
de Yale mostraram
que o betume, ma-
terial de que é feito
o asfalto, também
ajuda a piorar a
qualidade do ar – es-
pecialmente em dias
mais quentes. Isso
porque o derivado de
petróleo libera gran-
des quantidades de
compostos voláteis,
como acenaftileno,
antraceno e fluo-
retano. A emissão
dobra se a tempe-
ratura do asfalto
pula de 40°C para
60°C – algo fácil de
acontecer durante o
verão na costa oeste
dos Estados Unidos.
Ilustrações (1) Bruno Alberto
Australianos criam “Shazam” para aranhas e cobras
A ideia é que, tirando uma foto, seja possível “puxar a ficha” de uma espécie na natureza.
Sabe quando você está em uma festa e toca – incluindo se as espécies são perigosas.
uma música muito bacana, mas cujo nome e A inteligência artificial do programa con-
autor você não sabe quais são? Felizmente, ta com uma biblioteca com mais de 200 mil
um popular aplicativo chamado Shazam tem imagens, fornecidas por especialistas. Assim,
a solução: apenas ouvindo a canção, o app te consegue usar o registro do usuário e iden-
mostra todas as informações dela. tificar as espécies por comparação. O app é
Agora imagine-se em uma viagem para a voltado apenas para a fauna australiana, e quer
Austrália, conhecida por sua natureza selvagem quebrar a má fama de aracnídeos e serpen-
extravagante. No meio de uma trilha, você se tes: a Austrália tem mais de 2 mil espécies de
depara com um bicho desconhecido. É pen- aranhas, mas só dois gêneros são perigosos
sando nesse cenário que a Agência de Pesquisa para humanos. E, das mais de 170 cobras do
Científica da Austrália criou o Critterpedia, um país, só 12 têm peçonha potencialmente fatal.
app que funciona como o Shazam, só que para Conhecer melhor essas espécies pode evitar
vida selvagem. Basta tirar uma foto da serpente acidentes – e contribuir para a preservação da
ou da aranha para acessar suas informações biodiversidade do país. Bruno Carbinatto
“Uma supernova causou extinção em massa”
diz um estudo liderado por Brian Fields, astrônomo da Universidade de Illinois. Fósseis indicam que a
extinção do Devoniano, evento que riscou do mapa 70% das espécies do planeta há 359 milhões de anos,
foi resultado da deterioração da camada de ozônio. Segundo a nova pesquisa, quem causou esse cenário
foi uma supernova há 65 anos-luz de distância. Supernova é uma estrela explodindo em seus estágios
finais de vida. Essas explosões distantes teriam emitido raios UV em quantidade suficiente para destruir
a cobertura de ozônio, expondo a Terra à radiação.
(2) Mariana Saad
setembro 2020 super 11

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 sn. fatos

A edição número 12
do reality show “A
Fazenda” estreou em
meio à pandemia.

enquanto
isso...
Por Guilherme Eler e
Carlos Eduardo Hara

Cientistas descobriram que

mamães morcego usam uma
“vozinha” diferente ao falar
com seus filhotes. (1)

Um estudo indicou que

o volume de água em lagos
glaciais se tornou 50%
maior desde 1990. (2)
Uma molécula presente no
veneno de abelhas mostrou-se
capaz de matar células de
câncer de mama. (3)
Astrônomos flagraram uma
colisão de dois buracos
negros que originou um
terceiro, de massa 142 vezes
maior que a do Sol. (4)
Fontes  (1) Instituto de Pesquisa Tropical Smi-
thsonian (2) Universidade de Exeter (3) Instituto
Harry Perkins de Pesquisa Médica (4) MIT.
Lágrimas de jacaré podem tratar problemas de visão
É a aposta de uma cientista brasileira que estuda secreções oculares de bichos.
Humanos são os únicos seres vivos capazes
de usar o choro para expressar emoções.
Apesar disso, as lágrimas não são exclu-
sivas da nossa espécie. Todos os vertebra-
dos produzem essa mistura de secreções,
essencial para nutrir e proteger os olhos.
Arianne Pontes Oriá, bióloga da Univer-
sidade Federal da Bahia, que desde 2010
pesquisa lágrimas de animais, conta como
seus estudos podem ajudar espécies – e, de
quebra, melhorar a oftalmologia humana.
A estrutura das lágrimas varia conforme
a espécie? As lágrimas são formadas por
muco, água e óleo, mas vemos diferen-
ças em relação às proteínas, açúcares e
colesterol. O que observamos é que es-
pécies que habitam ambientes similares
apresentam composições de lágrimas
parecidas. Os componentes que as tar-
tarugas marinhas possuem na lágrima,
por exemplo, permitem que elas mante-
nham olhos saudáveis num ambiente sa-
lino. O jabuti, por outro lado, uma espécie
terrestre, tem muito mais proteínas na
lágrima do que seu primo marinho. O
estudo das lágrimas, assim, pode revelar
também alterações no ambiente [como a
poluição ou aumento das temperaturas].
De que forma isso pode servir à saúde
humana? A maior parte das proteínas das
lágrimas do jacaré, por exemplo, ainda
não foi descrita. Sabemos, no entanto,
que eles podem passar até 1h30 com os
olhos abertos, sem piscar. Humanos, por
outro lado, piscam 17 vezes por minuto –
e lacrimejam muito mais facilmente. Será
que alguma dessas proteínas desconheci-
das é responsável por essa habilidade? Se
cientistas conseguissem isolar ou mesmo
sintetizar em laboratório alguma subs-
tância parecida, poderíamos utilizá-la
como tratamento. Seria possível, assim,
dar estabilidade a lágrimas de pessoas que
sofrem de olho seco – uma das doenças
oculares mais comuns entre humanos.
Carolina Fioratti
Ilustração Mariana Saad

12 super setembro 2020

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 Óleo derramado
5,86 milhões de toneladas de petróleo foram parar nos oceanos nas últimas quatro décadas por acidentes
com navios-tanque. Abaixo, listamos os 10 maiores derramamentos da história – e o maior a afetar o Brasil.

7 Torrey Canyon
Ilhas Scilly, Inglaterra (1967) 4 Amoco Cadiz
119.000 t Bretanha, França (1978)
223.000 t

Odyssey
6 10 Irenes Serenade
1.300 km de Nova Escócia, Costa Navarino, Grécia (1980)
Canadá (1979) 100.000 t
132.000 t 5 Haven 9 Sanchi
Génova, Itália (1991) Xangai, China (2018)
144.000 t
8Sea Star 113.000 t
Golfo de Omã (1972)
115.000 t
1 Atlantic Empress
Ilha de Tobago (1979)
287.000 t
2 ABT Summer
1.300 km de Angola (1991)
260.000 t
Origem desconhecida
700 km do nordeste
do Brasil (2019)
5.379 t 3 Castillo de Bellver
Baía de Saldanha,
África do Sul (1983)
252.000 t

3%

4%
7%
Mais de 99% do petróleo No Brasil, o maior derrama- Principais causas
transportado pelo mar mento atingiu o nordeste de derramamento 32%
chega são e salvo ao seu do país em agosto de 2019. entre 1979 e 2019* 11%
destino. Mas grandes Segundo a Marinha, o óleo, Colisão
derramamentos acontecem que se espalhou por 11 Encalhe
com certa frequência. Desde Estados, tinha procedência falha estrutural 13%
1979, mais de 1.800 aciden- venezuelana. A investiga- Fogo /explosão
tes com navios despejaram, ção, porém, não conseguiu Falha em equipamento
30%
cada um, cargas superiores encontrar culpados. Outros
a 7 toneladas nos oceanos. Desconhecido

Fonte Relatório Oil Tank Spill Statistics 2019, da Federação Internacional de Proprietários de Navios-Tanque (ITOPF). *Dados relacionados a vazamentos de 700 toneladas ou mais.

33%
dos passageiros de um ônibus que, no fim de janeiro, fazia uma excursão de 50 minutos até
um templo budista na cidade de Ningbo, na China, contraíram o novo coronavírus. Para isso,
bastou que uma das 68 pessoas a bordo estivesse contaminada. Um estudo que descreve o
caso, publicado na revista científica Jama em setembro, mostra que a distância da pessoa
infectada pouco importava: mesmo passageiros que viajavam a sete fileiras atrás dela
acabaram doentes. Para cientistas, o episódio mostra o alto potencial de transmissão do
vírus pelo ar. E também reforça a importância do uso de máscaras – e de manter ventilação
adequada em ambientes fechados – mesmo após o fim da pandemia.

setembro 2020 super 13

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 sn. fatos

Bacté-
3 notícias sobre rias
Felicidade “gritam”
quando
Sorrisos trancafiados, alegria compartilhada e covinhas forçadas. Rafael Battaglia morrem
É como se fosse
um “canto do
cisne”: quando
estão prestes
a empacotar,
bactérias E.coli
dão uma espécie
de grito, que per-
turba quem está
por perto. Em vez
de ondas sonoras,
porém, esse
“barulho” é feito
com a emissão de
sinais químicos.
Eles servem como
alarme para avi-
sar bactérias vizi-
nhas sobre uma

1.
Alegria enjaulada
O lockdown ajudou a melhorar
o humor de cidadãos no Reino
Unido. Antes da Covid-19, 51% dos
britânicos se diziam felizes, segun-
do um estudo da Universidade de
Cambridge. Com a doença, essa
taxa caiu para 25% – e, durante a
quarentena, chegou aos 47%. Mé-
dicos explicam que o isolamento,
aliado à estabilidade financeira,
são os principais fatores para
garantir o bem-estar psicológico
em situações do tipo. (1)
2. 3.
ameaça – como
um antibiótico,
por exemplo.
Esse exercício de
altruísmo fúnebre
Felizes para sempre? Sorria, meu bem foi investigado
Uma pesquisa analisou 7,5 mil Fingir um sorriso pode alterar por cientistas da
pessoas – entre solteiros, casa- o nosso humor – para melhor.
Universidade do
dos e divorciados/viúvos – para Um estudo descobriu que a
descobrir qual grupo era mais ação, ao usar os mesmos mús- Texas. Segundo
feliz. Os cientistas observaram culos de uma risada autêntica, o grupo, a
que os níveis de felicidade do engana o nosso cérebro, que resposta rápida
segundo e terceiro grupos eram passa a liberar neurotransmis- pode aumentar
praticamente iguais – com o sores que nos deixam em um
as chances de
dos solteiros sendo apenas estado mais feliz. Resultado:
ligeiramente maior. Para quem nossa percepção de mundo se sobrevivência da
ainda duvidava, está aí a prova altera, e passamos a olhar o colônia, que ga-
de que felicidade e matrimônio semblante do outro de forma nha mais tempo
nem sempre andam juntos. (2) mais positiva. (3) para resistir
ao ataque.

Cofres 42,2 17,7 13,9 11,8

abertos
V eja o percen t ua l do pib
qu e 7 pa íses destina r a m 4,1
a ações de estím u l o 3,4
fisca l – como a cr i ação
de um “coronavoucher”,
1,2
por exempl o – du r a n te a
pa ndemi a de Covid -19 .
Japão alemanha Estados brasil CHINA coreia México
unidos do sul

14 super setembro 2020 Fonte Economic Policy Responses to a Pandemic: Developing the COVID-19 Economic Stimulus Index

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 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí - mas não são
verdade

A notícia

Termômetro
infravermelho
pode causar
danos ao cérebro
O que ela dizia
Segundo um texto
supostamente assinado
2 por uma enfermeira
da Austrália, o termô-
metro digital usado
no comércio para
futebol aproximou muçulmanos e cristãos no Iraque medir a temperatura
de clientes durante
Times inter-religiosos aumentaram a tolerância – ao menos no contexto esportivo. a pandemia causaria
danos à glândula
pineal, parte do cérebro
O histórico de tensões entre o cris- contou com 51 times de atletas amadores. ligada à produção
tianismo e o islamismo ganhou novos ca- Pelo menos dentro das quatro linhas, a de hormônios.
pítulos no Iraque desde 2014. Pela ação do proposta deu certo. 61% dos cristãos que
grupo extremista Estado Islâmico, mais de jogaram ao lado de muçulmanos disseram a verdade
100 mil cristãos foram obrigados a deixar topar fazer parte de times mistos no futuro. O aparelho em questão
serve apenas como um
a cidade de Mosul – a antiga Nínive bíblica. Só 47% dos cristãos que jogaram entre si, sensor, capaz de captar
Nesse contexto, um pesquisador da porém, fariam o mesmo. Seis meses após as ondas infraverme-
Universidade Stanford decidiu investigar o torneio, 61% dos cristãos que dividiram lhas que o corpo emite
se uma paixão em comum poderia servir time com muçulmanos estavam treinan- naturalmente – e,
de ponte entre as duas culturas. Para is- do com seguidores do islã ao menos uma assim, acusar febre.
Ou seja, apesar de ser
so, organizou na cidade um campeonato vez por semana. Para quem só jogou entre “mirado” na testa da
inter-religioso, que durou dois meses e cristãos, esse índice era de 17%. pessoa, ele não lança
qualquer radiação
nociva para o cérebro
dela. O boato possui,
também, um problema
Caverna de água doce mais profunda do mundo é maior do que se pensava concentual. Isso porque
a tal glândula pineal
Em 2016, pesquisadores estimaram que o abismo de Hranice, uma caverna na República Tcheca, não fica na frente da
tinha 473,5 metros de profundidade. Mas novas medições atualizaram esse número: na verdade, o cachola, mas na parte
buracão se estende por 1 quilômetro chão adentro. Até então, acreditava-se que a caverna tinha se interior do cérebro.
Para atingir essa região,
formado de um jeito pouco usual – de cima para baixo, com o aquecimento da água subterrânea a radiação precisaria
lentamente escavando as rochas porosas da região. Mas o processo de formação foi o inverso: a atravessar camadas de
água veio da superfície e, ao escorrer, foi furando o solo com a ajuda da gravidade. A entrada da tecido e osso.
caverna, por causa disso, fica centenas de metros acima do que se imaginava. Carolina Fioratti

Ilustrações Mariana Saad Fontes (1) Universidade de Cambridge (2) Loved and lost or never loved at all? Lifelong marital histories and
their links with subjective well-being. (3) Facial Action Influences the Perception of Emotional Faces and Biological Motion Stimuli setembro 2020 super 15

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 sn. playlist

Vice-versa
Tenet, o novo filme de Christopher Nolan, já estreou em
alguns cinemas do mundo – e pode chegar ao Brasil até
o fim do ano. Conheça a origem milenar para o nome do
longa. Texto Rafael Battaglia Design Juliana Alencar

“Subi no ônibus" Truque inteligente

"Tenet" é um palíndromo A palavra integra o Quadra-
– palavras que se mantêm do Sator, um quebra-cabeça
iguais se lidas de trás para que pode ser lido de várias
frente, como "ovo" e "ara- maneiras: da esquerda para a
ra". Vem do latim tenere, direita, de cima para baixo, e
que significa "possuir". até invertido. Faça o teste.

Primeira aparição Teorias de origem

O Quadrado foi descoberto Alguns acreditam se tratar
nas ruínas de Pompeia, de um anagrama para o
destruída em 79 d.C. Mas "Pai-Nosso" em latim, uma
pouco se sabe sobre ele. reza para rituais exorcistas
Uma possível tradução das ou mesmo um símbolo de
palavras seria "Arepo, o proteção para casas e
semeador, possui o funcio- igrejas cristãs.
namento das rodas". Easter eggs
No filme, Tenet é a organização que usa
a "inversão do tempo" para salvar o mun-
do – daí a referência aos palíndromos.
E atenção: as outras palavras do quadra-
do também aparecem na história.

CANAL minidocumentário
Eva zu Beck Reaprumo de edifí-
YouTube
cio inclinado
Atravessar a Mongólia a YouTube

Pérolas do cavalo sozinha. Acampar

com beduínos num deserto Muitos prédios de Santos,
no litoral de SP, são tortos,
da Jordânia – e também em
streaming Darsa, a terrível "ilha dos ra-
tos" no Iêmen. Comprar um
porque o solo da cidade não
é firme o suficiente. Este doc
bode na Jordânia, ficar presa mostra como é feito o endi-
num cargueiro, enfrentar o reitamento, com momentos
machismo da Arábia Saudita. incríveis: os engenheiros
Essas e outras aventuras cortam as pilastras de um
da polonesa Eva, em inglês edifício e usam macacos
(ative as legendas). para levantá-lo inteiro, com
todos os moradores dentro.

16 super setembro 2020 Fotos Reprodução/Divulgação

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 Edição Bruno Garattoni

Numa galáxia muito, muito

distante (e online) “O relatório
A gênese da A saga Star Wars já rendeu diversos games, mas eles
costumam focar no combate a pé, com arma e espada. Este
descrevia
idiotice coletiva é diferente: nele, você pilota oito tipos de naves rebeldes e cinco ho-
Por que a sociedade
do Império, como as conhecidas X-wing e TIE Fighter, em
batalhas online com até dez pessoas (o game também tem
mens, de
acredita em mentiras?
Em 1841, o escocês Charles
um modo história, para atravessar sozinho). 29 a 36 anos,
Mackay escreveu um livro
Star Wars Squadrons. Para PS4, Xbox One e PC. US$ 40. dos quais
no qual tenta entender
isso, destrinchando golpes quatro
e boatos que marcaram a Eles morreram eram sau-
história. As lorotas mudam, de quê, afinal?
mas a psicologia por trás Amy Winehouse, Michael Jackson, dáveis até
delas é sempre a mesma.
Este livro reúne os melho-
Elvis, Jimi Hendrix, Prince. Neste
livro, sua missão é assumir o papel de
então",
res capítulos da obra de
legista e desvendar o que aconteceu escreve o médico
Mackay – e também outros,
com essas e 25 outras celebridades – americano Michael
redigidos pelo brasileiro
Eduardo Levy, que aplicam analisando laudos e pistas encontradas Osterholm para narrar
os insights desse clássico com cada corpo. A obra foi criada para a reunião, em junho
à realidade atual. estudantes de Medicina, mas leigos de 1981, na qual ele e
também podem brincar: os textos e as cientistas do Centers
A História das Ilusões charadas são fáceis de entender. for Disease Control
e Loucuras das Massas. (CDC) debateram uma
R$ 40. Desafios Toxicológicos. R$ 130.
doença misteriosa – e
acabaram descobrindo
a aids. Neste livro,
Osterholm conta esse
Filme FILME e outros momentos
A História Oficial O Cidadão do Ano críticos da relação
(1985) Netflix (2014) Globoplay entre a humanidade e
Todo dia, Nils pega seu cami- os vírus: do apavoran-
A ditadura militar argenti-
na está no fim. Os exilados nhão e sai limpando a neve te surgimento do ebola,
começam a voltar; o país, das estradas na Noruega. em 1976, à ressurreição
a encarar a verdade sobre Ele ganha até um prêmio
as atrocidades do período. por isso. É pacato, calado, em laboratório do ví-
Para a professora Alicia, leva uma vida banal. Mas rus da gripe espanhola.
as descobertas serão ainda quando seu filho morre,
mais apavorantes – pois após um caso mal explicado
envolvem sua própria com drogas, Nils se trans- Inimigo Mortal:
família. Um filme de terror forma em vingador – cujos Nossa Guerra
da vida real, vencedor métodos apavoram até os Contra os Germes
do Oscar em 1986. piores mafiosos de Oslo. Assassinos. R$ 40.

setembro 2020 super 17

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 sn. tech

Uma máscara Transparente, reutilizável, com filtro

que barra o Sars-CoV-2 – e sistema de

(bem) melhor
esterilização com raios ultravioleta.
Conheça a máscara Leaf. Texto Bruno
Garattoni • Design Juliana Alencar

Depois de passar o começo da pandemia desaconse-

Arco de alumínio
lhando o uso de máscaras pela maioria da população, válvula de deformável
a OMS e as autoridades de saúde caíram em si – e exaustão (se ajusta ao
começaram a recomendar que todo mundo utilize uma. rosto)
Mas as pessoas têm saído por aí com máscaras de pano,
improvisadas, que ajudam, mas não oferecem proteção
ideal (os modelos mais eficazes, do padrão N95, estão
sendo direcionados aos hospitais). A máscara Leaf
pretende mudar isso: é a primeira que alia um nível
profissional de filtragem a características que tornam filtro de
carvão ativado
seu uso mais confortável no dia a dia. Ela é do padrão
N99+, acima do necessário para barrar o coronavírus, e
tem embutida uma lâmpada ultravioleta que se acende
por 30 segundos, quando você aperta um botão, para
esterilizar o filtro (nas máscaras comuns, ele vai sendo
microventilador
contaminado por bactérias quando você fala). A másca- e lâmpada UV-C
ra também é transparente, o que auxilia na comunicação,
e tem um microventilador interno que ajuda a respirar. filtro N99
Está sendo lançada nos EUA, por US$ 199.

18 super setembro 2020 Fotos Reprodução/Divulgação

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 Edição bruno garattoni

você decide
Os projetos mais
interessantes
(e surpreendentes)
do mundo do
crowdfunding

O anel anti-Covid
O anel Oura (US$ 300) tem sensores que medem a frequência
Isolamento e a variabilidade cardíaca, a temperatura corporal,
o ritmo respiratório e os padrões de sono da pessoa, entre
amigável outras coisas. Usando esses dados todos, ele supostamente é
capaz de detectar a Covid-19 até 24 horas antes dos primeiros
Os fones de ouvido Sony sintomas. Essa promessa está sendo testada num estudo da
WH-1000XM4 (R$ 2.400) têm Universidade da Califórnia, que distribuiu o anel para 3.400
quatro sensores que captam pessoas. A liga de basquete americana NBA comprou 2 mil Coleira perfeita
os ruídos do ambiente e os unidades do gadget, que está sendo usado por todos os seus kickstarter.com
enviam para um processador, atletas, dirigentes e funcionários. Projeto GoGoLeash
que analisa os dados 700 O que é Uma coleira canina
vezes por segundo e gera com várias outras funções:
ondas sonoras contrárias às
dos barulhos. O resultado é
11 quilômetros tem um reservatório de
água com minitigela para
um silêncio extremo: parece
que você está na cabine de um
de cobre o cachorro beber, compar-
timento para saquinhos de
estúdio de gravação. Mas, ao É o comprimento da malha lixo, lanterna de LED (tanto
mesmo tempo, sem ficar to- de fibras tecidas no Full Metal no cabo quanto na coleira)
e um alerta sonoro para
talmente isolado. Se alguém Jacket, um casaco que promete ser
chamar o totó.
vier falar com você, basta que impermeável ao Sars-CoV-2: o cobre,
Meta US$ 300 mil
você responda: os sensores como indicam vários estudos feitos Chance de rolar bbbb
detectam a sua voz e imedia- nos últimos meses, é o material no
tamente acionam o modo de qual o vírus tem mais dificuldade
transparência acústica, que em sobreviver. O casaco foi criado
Furadeira
permite ouvir tudo o que está pela marca suíça Vollebak, custa sem erro
acontecendo e conversar com US$ 1.000 e está disponível em seis kickstarter.com
a outra pessoa – sem precisar tamanhos, que prometem se ajustar Projeto xDrill
tirar os fones. a todos os tipos de corpo (o robô da O que é Uma furadeira com
foto é apenas um manequim). sistema de medição a laser.
Ela avisa se você está fazen-
do o furo retinho e na altura
25% menos ressaca correta (que você programa
num app), ajusta o torque
Se você comer uma barrinha Sobar (US$ 2) antes de beber, o de acordo com o material da
seu corpo absorverá 50% menos álcool do que se você estives- parede (tijolo, concreto, etc.)
e para automaticamente de
se de barriga vazia – e 25% menos, eis o ponto, do que se você
furar assim que alcança a
tivesse ingerido 210 kcal (mesmo valor calórico da barrinha) de
profundidade certa.
alimentos ricos em gordura. O produto foi inventado por um Meta US$ 22 mil
médico da Universidade Stanford, que não revela a fórmula: só Chance bbbb
diz que não contém ingredientes artificiais.

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 capa

20 super setembro 2020

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 A nova era

NUCLEAR Os EUA reativaram seu maior bunker – e estão desenvolvendo

a primeira ogiva nuclear desde os anos 1980. A China preten-
de triplicar seu arsenal. E os russos apresentam novas armas:
o míssil manobrável e um torpedo capaz de provocar tsunâmis.

setembro 2020 super 21

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S
Se você entrar na floresta de
Bardufoss, na Noruega, encontrará algo
bem estranho: uma rede de 960 canos
finos e rentes ao chão, que correm por
entre as árvores numa área de 1,5 km2
e parecem grandes teias de aranha. Eles
formam uma rede de medição infras-
sônica, que detecta sons de frequência
inferior a 20 hertz – inaudíveis ao ou-
vido humano. No dia 8 de agosto de
2019, às 9h da manhã no horário local, o
sistema registrou uma onda de choque
atípica. Exatamente ao mesmo tempo, a
estação meteorológica de Severodinsk,
na Rússia, detectou níveis de radioati-
vidade 16 vezes acima do normal. Os
dois eventos, como viria a ser revelado
depois, tinham a mesma causa: a explo-
são de um míssil 9M730 Burevestnik,
que os russos estavam testando numa
base militar em Nyonoska, no noroeste
do país. Cinco pessoas morreram, três
ficaram feridas e a população da cidade
correu para comprar iodo (que, tomado
de forma preventiva, evita o envenena-
mento radioativo da tireoide). É que o
Burevestnik não era um míssil qualquer.
Além de carregar ogivas nucleares, ele
possui o próprio reator nuclear, que gera
energia para mantê-lo no ar.
Os níveis de radiação voltaram ao
normal em algumas horas (o reator do
míssil é pequeno, com muito menos
combustível nuclear do que uma usina),
mas o cenário geopolítico não. O mun-
do constatou que os russos estavam
testando um novo tipo de arma: capaz
de ficar no ar por anos, driblar todos
os sistemas antimísseis – e atacar de
surpresa qualquer ponto do planeta.
No dia 25 de março deste ano, duas
semanas depois que a OMS classificou
a onda de coronavírus como pande-
mia, os militares americanos fizeram
uma manobra profunda. Literalmente:
22 super setembro 2020
SI_419_anovaeranuclear.indd 22
Texto Bruno Garattoni
e Tiago Cordeiro
Ilustração Felipe Del Rio
Design Carlos Eduardo Hara
anunciaram que os oficiais da Norad e
da Northcom, as divisões que contro-
lam seu arsenal nuclear, iriam se mudar
para o Cheyenne Mountain Complex: o
maior bunker militar do mundo, escava-
do sob 610 metros de rocha dentro da
montanha Cheyenne, no Colorado. Ele
foi construído nos anos 1960, é formado
por 15 prédios subterrâneos de três an-
dares, com capacidade para abrigar 2 mil
pessoas por até dois anos, e foi projetado
para suportar uma explosão nuclear de
até 30 megatons (2 mil vezes a potência
da bomba de Hiroshima). Foi sendo de-
socupado após o fim da Guerra Fria e
estava praticamente abandonado, com
70% de capacidade ociosa. Não mais.
Os americanos também anunciaram
que, pela primeira vez desde os anos
1980, vão desenvolver uma nova ogiva:
a W93. Praticamente todos os detalhes
a respeito são confidenciais – exceto
que ela fará parte de um programa de
US$ 1 trilhão para renovar o arsenal
nuclear dos EUA.
Em maio, um grupo de cem países
assinou uma resolução, na OMS, pro-
pondo “uma avaliação imparcial, inde-
pendente e completa” da resposta inicial
à Covid-19. A China entendeu isso como
um ataque – e, logo em seguida, sofreu
outro. A Otan (Organização do Tratado
do Atlântico Norte, aliança militar capi-
taneada pelos EUA, que reúne a maioria
dos países europeus) acusou a China
de praticar “bullying e coerção” contra
outros países, e afirmou que seus mem-
bros deveriam adotar “uma abordagem
global mais ampla”. Duas ameaças meio
veladas – às quais os chineses respon-
deram de forma direta e brutal. Seu
presidente, Xi Jinping, afirmou que o
país iria aumentar sua prontidão militar.
E um editorial do Global Times, o jornal
do Partido Comunista Chinês, detalhou
a principal medida: triplicar o arsenal
nuclear do país, alcançando mil ogivas,
“num prazo relativamente curto”.
A tensão entre as superpotências é a
maior em décadas. Mas como chegamos
a esse ponto? E o que vai acontecer daqui
para a frente? Para entender, é preciso →
08/09/20 10:51
 reator
O míssil de propulsão Como o míssil
nuclear tem alcance
virtualmente infinito russo Burevestnik
– e pode dar à Rússia é capaz de voar
uma vantagem estra-
tégica sobre os EUA.
nuclear por tempo indefi-
nido – e driblar
A
bordo qualquer tentativa
de interceptação.

9m730 Burevestnik

Diâmetro: 1,5 m

Comprimento: 12 m

a tecnologia O Burevestnik (o nome significa

“petrel”, uma espécie de pássaro) possui um
microrreator de fissão nuclear – ao que tudo
indica, alimentado com plutônio-239.

A fissão (quebra dos átomos) do plutônio

gera calor, que é usado para aquecer o ar que
passa por dentro do míssil – e gera propulsão.
Dependendo da quantidade de plutônio,
o reator pode operar por muito tempo.

A VANTAGEM Os mísseis convencionais têm

autonomia limitada: geralmente, no máximo
uma hora. Por isso, precisam seguir uma traje-
tória direta até o alvo. Mas essa trajetória pode
ser calculada – e o míssil, interceptado.

O Burevestnik é diferente. Como ele é capaz

de se manter no ar durante anos, pode dar
voltas para driblar defesas antimísseis.

para que serve É uma arma de longo alcance,

que pode atingir qualquer ponto do planeta.

Ogiva Compressor Reator nuclear

Sistema de orientação Entrada de ar Turbina Exaustão

setembro 2020 super 23

SI_419_anovaeranuclear.indd 23 08/09/20 10:51

 27x Mais
Como funcionam e Os mísseis hipersô-
nicos são uma versão
quais as vantagens reinventada dos
dos mísseis hiper- ICBMs, os mísseis da

rápido sônicos, que EUA

e China estão
Guerra Fria. Com uma
enorme diferença: po-
dem virar e mudar de

o som
rumo, como se fossem
que desenvolvendo –
e a Rússia já tem.
aviões hipervelozes.

avangard (YU-71)

Comprimento: 5,4 m

Peso:
2.000 kg

1 O LANÇAMENTO O hipersônico russo Avangard

é lançado do chão, ou de um navio, por um
míssil convencional.

2 A SEPARAÇÃO Ao alcançar 100 km de altura, o

Avangard se destaca, faz uma curva – e reentra
na atmosfera a até 27 mil km/h. Até aí, ele é
idêntico aos mísseis balísticos intercontinen-
tais (ICBMs), que existem há décadas.

3 A NOVIDADE Mas, ao contrário dos ICBMs, que

seguem uma trajetória balística (predefinida
pela gravidade), o Avangard é manobrável
como um avião – e impossível de interceptar.

4 PARA QUE SERVE O míssil tem alcance médio,

de 6.000 km. Seria útil em ataques diretos, e
ultrarrápidos, contra alvos na Europa e na Ásia
(não tem autonomia para chegar aos EUA).
Carrega uma ogiva nuclear de 2 megatons: 130
vezes mais potente que a bomba de Hiroshima.

S
e uma das superpotências atacasse a outra valores anormais, que poderiam indicar um

A máquina de surpresa com armas nucleares, poderia

arrasar a inimiga, que perderia a capacidade
de revidar. Mas, mesmo assim, haveria troco:
ataque nuclear, entrava em estado de alerta
e tentava se conectar ao Kremlin. Caso não
conseguisse, deduziria que a URSS havia sido

Juízo Final
do
EUA e URSS desenvolveram
sistemas de detonação auto-
mática de armas nucleares –
que parecem coisa de filme.
pois um sistema automático, controlado por
computador, dispararia centenas de mísseis
nucleares contra o outro país, garantindo que
ele também fosse aniquilado. Isso parece coisa
de filme, mas realmente existiu. Na União
Soviética, o sistema se chamava Perimtr (“pe-
rímetro”), e ficava desligado – ele foi projetado
para só ser ativado em situações de grande
tensão geopolítica. Quando estava ligado,
um computador (que ficava num bunker em
Moscou) monitorava sensores de temperatura,
pressão e radiação. Se a máquina detectasse
destruída, e reagiria disparando um ou mais
mísseis sinalizadores 15B99. A função deles era
sobrevoar o país emitindo um comando, via
rádio, para centenas de silos de mísseis nucleares
espalhados pelo país: que então se abririam
e disparariam contra os EUA. Os americanos
desenvolveram um sistema similar, que se
chamava Emergency Rocket Communications
System (ERCS) e foi desativado em 1991 – o
que também aconteceu com o Perimtr. Mas
analistas militares acreditam que ambos os
países ainda mantenham sistemas do tipo.

24 super setembro 2020

SI_419_anovaeranuclear.indd 24 08/09/20 10:51

 voltar a uma época em que a pandemia
era só coisa de ficção científica: o dia
1o de março de 2018.
Licença para atacar
“Agora a Rússia é um país líder”, disse
Vladimir Putin em seu discurso anual à
nação, naquela tarde. Como só faltavam
duas semanas para as eleições presi-
denciais do país, a afirmação poderia
ser interpretada como retórica política
banal. Mas era bem mais do que isso:
um aviso para os países ocidentais. “Eles
precisam entender a nova realidade, e
entender que (...) não é um blefe”, com-
pletou Putin, para então anunciar seu
trunfo: um conjunto de novas armas nu-
cleares hiperavançadas. “Para recolocar
a Rússia no patamar de grande potência,
Putin precisava investir militarmente. É
nas armas que o país se posiciona como
um concorrente de alto nível para os
EUA”, diz o cientista político Gunther
Rudzit, professor de relações internacio-
nais da ESPM. Além do Burevestnik, os
russos anunciaram duas armas inéditas.
O Avangard, primeiro míssil hipersô-
nico do mundo, que é capaz de alcançar
27 vezes a velocidade do som e fazer ma-
nobras para driblar qualquer tentativa de
interceptação [veja infográfico ao lado].
Ele carrega uma ogiva convencional ou
nuclear de até 2 megatons, e já está sen-
do usado pelas Forças Armadas russas,
o que coloca o país à frente na nova
corrida armamentista (os EUA ainda
estão começando a testar seus mísseis
hipersônicos, que devem levar dois a
três anos para entrar em operação).
A terceira arma anunciada pelos rus-
sos é o torpedo nuclear Poseidon, que
seria capaz de se aproximar da costa de
um país inimigo e então detonar uma
ogiva de 100 megatons – o suficiente
para produzir um tsunâmi avassalador,
com ondas de 90 metros de altura (mais
que o dobro do tsunâmi que devastou o
Japão em 2011). O Poseidon ainda está
em desenvolvimento. Das superarmas
russas apresentadas por Vladimir Putin,
ele é o que está menos adiantado – in-
clusive porque não se sabe se o país de
fato possui uma ogiva de 100 megatons
(a maior bomba já produzida na história,
a russa RDS-220, tinha a metade disso).
Mas aquilo foi o suficiente para que
os Estados Unidos decidissem rasgar
um dos documentos mais importan-
tes das últimas décadas: o Tratado de
SI_419_anovaeranuclear.indd 25
A Rússia encontrou nas
armas o caminho para
voltar a ser uma super-
potência. Mas, ao fazer
isso, desestabilizou o
equilíbrio com os EUA.
Desarmamento Nuclear sobre Mísseis
de Alcance Intermediário (INF, em in-
glês). Esse acordo, que foi assinado em
1987 pelo presidente americano Ronald
Reagan e pelo líder soviético Mikhail
Gorbachev, proibia os dois países de
desenvolver, instalar ou usar mísseis
terrestres (lançados do solo), nucleares
ou não, com alcance entre 500 e 5.500
km. Com o tratado, os americanos foram
obrigados a remover seus mísseis nucle-
ares das bases da Otan – e os soviéticos,
por sua vez, tiveram que desmontar as
baterias de mísseis que ficavam apon-
tadas para a Europa.
Mas, em agosto de 2019, os ameri-
canos se retiraram do INF, alegando
que os russos haviam desobedecido
os termos do acordo ao desenvolver o
míssil Burevestnik. Moscou reagiu di-
zendo que os EUA estavam distorcendo
os fatos (já que o míssil pode voar mais
que 5.500 km, e portanto não é coberto
pelo tratado). Os dois têm sua razão, mas
a verdadeira explicação pode estar num
terceiro elemento. “A China não está no
INF, e por isso não fazia sentido man-
ter o acordo”, diz Rudzit. “Washington
queria um acordo global, não bilateral.
Como não deu certo, desistiu do tratado.”
A China entrou na corrida nuclear
com muito atraso. Só detonou a sua
primeira bomba atômica em 1964, du-
as décadas após Hiroshima e Nagasaki.
Mas compensou isso, e atualmente
possui 320 ogivas nucleares, segundo
estimativa do Stockholm International
Peace Research Institute. É o maior ar-
senal do mundo depois da Rússia e dos
Estados Unidos, à frente da Inglaterra
e da França (e mais do que o dobro das
150 ogivas da Índia). Em 2019, a China
foi o país que mais construiu ogivas
nucleares: foram 30, segundo o instituto.
Os chineses possuem mísseis capazes
de alcançar os EUA, já têm seu mode-
lo hipersônico – o DF-ZF, que alcança
dez vezes a velocidade do som e está
operacional desde outubro – e estão →
setembro 2020 super 25
08/09/20 10:51
 Pela primeira vez em
décadas, os EUA não estão
na vanguarda tecnológica
militar. Mas já estão
reagindo a isso: com um
xeque-mate geopolítico.
desenvolvendo o Xian H-20, um bom-
bardeiro supersônico stealth (invisível
ao radar), que poderá carregar armas nu-
cleares e vai operar na Ásia – inclusive
sobre as bases americanas instaladas no
Pacífico. Assim, os chineses alcançarão
o mesmo feito de americanos e russos: a
chamada tríade nuclear, ou seja, a capa-
cidade de atacar com mísseis lançados
do mar, da terra e do ar.
Com ou sem as novas armas russas,
o fato é que o avanço da China tornou
o acordo INF obsoleto. E os americanos
são os maiores beneficiados pelo fim
dele. Isso porque, agora, poderão en-
cher as bases da Otan com mísseis de
médio alcance apontados para a Rússia.
Essas armas seriam capazes de alcan-
çar Moscou em menos de 5 minutos,
tornando possível o chamado “ataque
decapitador”, que destruiria a liderança
política e militar russa antes que o país
pudesse reagir. Não há, até onde se sabe,
nenhum plano concreto para fazer isso.
Mas, formalmente, os EUA estão pre-
parados. Em 2018, o país revisou a Nu-
clear Posture, um documento militar que
estabelece as regras para uso de armas
nucleares. A novidade é que, agora, os
EUA admitem a possibilidade de utilizar
seu arsenal nuclear para atacar primeiro
(e não apenas, como antes, revidar uma
agressão nuclear).
Em suma: os russos alcançaram a
liderança tecnológica, mas os ameri-
canos fizeram uma jogada geopolítica
genial – e a China pretende se equiparar
a ambos nos próximos anos. Com di-
reito, até, a algo que nem mesmo EUA
ou Rússia possuem: um arquipélago
militar artificial.
Águas da discórdia
O mar do Sul da China, entre o Viet-
nã e as Filipinas, é uma rota comercial
extremamente importante: 30% de
todo o comércio marítimo do mundo
(e 40% das exportações e importações
chinesas) passa por ali. Seu ponto mais
26 super setembro 2020
SI_419_anovaeranuclear.indd 26
valioso é o Estreito de Malaca, uma fai-
xa de 890 km que conecta os oceanos
Pacífico e Índico. A China reivindica
a posse dessa região. A partir de 2013,
ela começou a construir o que ficou
conhecido como “grande muralha de
areia”: um conjunto de sete ilhas arti-
ficiais, que abrigam bases militares, na
região. As obras, que usaram centenas
de dragas e barcaças para transportar
a areia necessária, foram tensas desde
o início, com vários episódios de es-
tranhamento entre navios ocidentais
e a Marinha chinesa. É assim até hoje.
Entre abril e julho de 2020, os EUA e o
Reino Unido enviaram navios militares
para manobras na região – incluindo
o HMS Queen Elizabeth, maior porta-
aviões inglês. A China respondeu, em
agosto, estacionando um bombardeiro
nuclear H-6J numa das sete ilhas. No
dia 26, depois que um avião de espiona-
gem americano U-2 sobrevoou a área, os
chineses dispararam dois mísseis com
capacidade nuclear: o DF-21 e o DF-
26. Estavam desarmados, sem ogivas, e
caíram num ponto desocupado do mar
do Sul da China. Foi uma advertência.
Além dessas armas, que são lançadas
de bases em terra – como as sete ilhas
artificiais –, os chineses possuem sub-
marinos do tipo SSBN (Submarine Ship
Ballistic Nuclear), ou seja, de propulsão e
armas nucleares. Mas a potência mais
atuante debaixo d’água é a Rússia, que
no fim de 2019 realizou um exercício
militar simulando o revide a um ata-
que americano. Nessa ação, a primeira
do tipo desde 1991, oito submarinos
nucleares russos tentaram driblar o sis-
tema de monitoramento do Atlântico
Norte. O objetivo era ver o quão longe
eles conseguiriam ir antes que fossem
detectados – e se conseguiriam se po-
sicionar para atacar a costa leste dos
EUA. A ação foi descoberta, e revelada,
pela Marinha norueguesa.
“A nova realidade é que os nossos
navios e submarinos não podem mais
operar na costa leste com total liber-
dade nem atravessar o Atlântico tran-
quilamente”, declarou o vice-almirante
americano Andrew Lewis, durante um
evento do Instituto Naval dos EUA. “Te-
mos visto um número cada dia maior
de submarinos russos circulando pelo
Atlântico, e eles são mais capazes do
que nunca. Permanecem ativos por pe-
ríodos cada vez mais longos, operando →
08/09/20 10:51
 AS novas
O lugar onde as Como o fim dos
armas nucleares
estão posicionadas tratados anti-
importa tanto quanto mísseis altera
a tecnologia delas. E,
nisso, os americanos
levam vantagem. regras o equilíbrio de
forças na Europa –
do
jogo e, principalmente,
também fora dela.

COMO ERA O Tratado de Forças Nucleares de Alcance Inter-

mediário (INF), assinado em 1987, determinava que os EUA
e a URSS eliminassem todos os seus mísseis nucleares de
lançamento terrestre com alcance entre 500 e 5.500 km.

Graças ao INF, as duas superpotências destruíram quase

2.700 mísseis nucleares. Mas, em agosto de 2019, os america-
nos abandonaram o acordo – e os russos fizeram o mesmo.

COMO VAI SER Com o final do tratado, os EUA saem ganhando:

podem colocar seus mísseis nas bases da Otan (aliança militar
que reúne países europeus), como durante a Guerra Fria.

Isso coloca os russos em desvantagem: esses mísseis seriam

capazes de atingir Moscou em pouquíssimos minutos – difi-
cultando sua interceptação ou um contra-ataque.

países membros da OTAN

Guerra U
ma rede de satélites armados com ca-
nhões laser, que seriam capazes de
interceptar qualquer míssil disparado
contra os EUA: que passariam a ser imunes a
equivalente a US$ 50 bilhões em valores atuais,
o SDI foi abandonado em 1993. Ele era inviável
na época, e ainda é hoje: o laser necessário
consome muita energia, que os satélites não

nas
estrelas
ataques de outros países, tornando as armas
nucleares “impotentes e obsoletas”. Foram
essas as palavras do presidente americano
Ronald Reagan ao anunciar, em 1983, o projeto
Strategic Defense Initiative (SDI). O negócio
era tão ambicioso que logo a imprensa o ape-
Como um projeto inviável lidou de “Star Wars”, em referência à série de
da era Reagan iludiu os filmes – uma forma irônica de dizer que aquilo
estava mais no terreno da ficção científica do
russos, atiçou a corrida que na realidade. De fato. Durante dez anos,
armamentista – e ajudou várias equipes de cientistas tentaram de tudo
para desenvolver as tecnologias necessárias.
a destruir a URSS. Não conseguiram – e, depois de consumir o
conseguem gerar. Mas acabou tendo êxito de
outra forma. Os EUA chegaram a fazer testes
falsos e vazar informações mentirosas para
espiões russos, com a intenção de assustar
a URSS. Deu certo. Os soviéticos se sentiram
ameaçados e resolveram desenvolver seu
próprio sistema de guerra espacial ao mesmo
tempo em que aumentaram a produção de
mísseis nucleares, para tentar vencer os lasers
americanos pela quantidade. Essa combinação
de coisas exigiu um esforço financeiro brutal,
que abalou a economia soviética – e ajudou a
precipitar o colapso da URSS em 1991.

setembro 2020 super 27

SI_419_anovaeranuclear.indd 27 08/09/20 10:51

 A
O país declarou,
oficialmente,
que está se

China se preparando para

combates; e fala

afirma em triplicar seu

arsenal nuclear.

O QUE A CHINA TEM HOJE: 320 artefatos nucleares

principal arma
Míssil DF-26

carga
1 ogiva de
300 kilotons

alcance
4.000 km

O QUE A CHINA quer ter: 1.000 artefatos nucleares

principal arma
Míssil DF-41

carga
3 ogivas de
300 kilotons

alcance
12.000 km

N
o dia 1o de setembro de 1983, a União alerta, levantei da cadeira. Meus subordinados
quando Soviética derrubou um Boeing 747 da
Korean Air Lines, que estava viajando de
ficaram confusos, então comecei a dar ordens
para evitar que entrassem em pânico”, disse ele

o mundo
Nova York para Seul, na Coreia do Sul, com
269 civis a bordo (entre eles, 62 americanos).
O avião entrou sem querer no espaço aéreo
russo, e foi abatido. Isso acirrou as tensões com
quase
acabou os EUA, que decidiram instalar mísseis nucleares
na Alemanha Ocidental – de onde poderiam
alcançar Moscou em menos de dez minutos. E
aí, na noite de 26 de setembro, aconteceu algo
pior ainda. A rede de satélites Oko (“olho”, em
A história de russo) detectou que havia cinco mísseis nucle-
Stanislav Pe- ares voando na direção da URSS. Os soviéticos
tinham pouquíssimos minutos para reagir. Mas
trov, o homem o tenente-coronel Stanislav Petrov, de 44 anos,
resolveu desobedecer o protocolo. Ele estava de
que salvou o plantão monitorando o Oko, e deveria informar
planeta do imediatamente os seus superiores: que poderiam
ordenar um contra-ataque, começando uma
apocalipse. guerra nuclear. “Quando eu vi a mensagem de
em entrevista à TV russa em 2010. Inicialmente,
o Oko apontou o disparo de um míssil. E não
parou aí. “A sirene tocou uma segunda vez. Letras
vermelhas apareceram na nossa tela principal,
indicando que mais quatro mísseis haviam sido
lançados.” Petrov foi tomado pelo nervosismo da
situação: “Eu admito, fiquei com medo. Eu sabia
o nível de responsabilidade nas minhas mãos”.
Mas ele desconfiou do número de disparos: se os
EUA fossem atacar de surpresa, não seria com
apenas cinco mísseis. Então achou que fosse
um alarme falso, um bug no sistema. Estava
certo: não havia míssil nenhum. Petrov salvou
o mundo, mas não foi condecorado pela URSS.
Acabou transferido para uma função menos
importante, se aposentou do Exército, e acabou
tendo um colapso nervoso. Morreu aos 77 anos,
sozinho, em sua casa num subúrbio de Moscou.

28 super setembro 2020

SI_419_anovaeranuclear.indd 28 08/09/20 10:51

 sistemas mais letais.” Entre os subma-
rinos russos detectados recentemente
no Atlântico está o K-139 Belgorod, que
é capaz de carregar o temido torpedo
Poseidon.
Essa proliferação de armas nucleares
em mãos americanas, russas e chine-
sas não significa que os três países vão
acabar entrando em guerra. Na verdade,
é exatamente o contrário. “O principal
objetivo de cada nação é impedir pos-
síveis ameaças e invasões. E ter armas
nucleares é o suficiente para dissuadir
isso”, diz Juliano Cortinhas, professor de
relações internacionais da Universidade
de Brasília. Durante a Guerra Fria, EUA
e Rússia se guiaram por um conceito
conhecido como “destruição mútua as-
segurada” (MAD, na sigla em inglês).
É o seguinte: uma potência nuclear não
pode atacar a outra, pois o revide se-
ria igualmente aniquilador – e a guerra
terminaria sem vencedor, com ambos
os lados arrasados. Um equilíbrio do
terror; mas também da razão.
Nos últimos anos, o avanço tec-
nológico russo, os ganhos políticos
americanos e o progresso econômico
e militar chinês desfizeram temporaria-
mente esse balanço – e é por isso que as
três superpotências estão agindo, cada
uma a seu modo, para se reposicionar.
Mas esse não é o único motivo da nova
corrida armamentista. A equivalência
nuclear entre EUA, Rússia e China, que
garante que nenhum dos três vá atacar
o outro, é fundamental para que eles
possam se enfrentar em outro campo: a
disputa por recursos naturais e influên-
cia geopolítica sobre as demais nações.
A política atômica
Na primeira metade do século 19, com a
instituição da Doutrina Monroe (criada
por James Monroe, presidente dos EUA
entre 1817 e 1825), os americanos assu-
miram uma postura clara com relação à
América do Sul: não admitiriam que as
potências europeias voltassem a colo-
nizar os países da região. Isso ampliou
drasticamente a influência americana
no continente. Foi naquela época, aliás,
que surgiu uma expressão ouvida até
Hoje, a China é o país hoje: de que a América do Sul seria o
que mais fabrica mís- “quintal dos EUA”. Mas, de uns anos para
seis e ogivas nucleares
– e pretende alcançar cá, esse quintal também passou a ser
EUA e Rússia até o alvo da Rússia. Em fevereiro deste ano,
final desta década. a Marinha brasileira detectou a presença
do navio russo Yantar a apenas 80 km
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Pequim reivindica a posse
do mar do Sul da China,
por onde passa 30% de
todo o comércio marítimo
global – e foco de alta
tensão militar.
da costa do Rio de Janeiro. O Yantar,
que oficialmente é uma embarcação de
pesquisa científica, circulou durante uma
semana no espaço marítimo brasileiro,
incluindo um período em que desligou o
transmissor que permite sua identifica-
ção. O navio foi detectado perto do Uru-
guai, sumiu e foi reencontrado em local
suspeito: perto dos cabos submarinos
de internet que ligam o Brasil a outros
países (segundo os EUA e a Inglaterra,
o Yantar é um navio espião).
Mas o principal interesse russo no
continente é a Venezuela, dona da maior
reserva de petróleo do mundo (e a oitava
maior de gás natural). Antes de o país
mergulhar no caos econômico e social,
o governo de Vladimir Putin e o grupo
de Hugo Chávez e Nicolás Maduro es-
tabeleceram uma forte aliança política,
militar e comercial. “Os russos vendem
armas e mantêm empresas atuando na
exploração de petróleo. Não querem
permitir que o governo local migre
para a zona de influência americana”,
diz o cientista político Marcelo Suano,
professor do Ibmec. No auge da tensão
entre EUA e Venezuela, em 2019, a Rús-
sia chegou a enviar um avião com 200
oficiais militares para Caracas, como
advertência aos americanos (que cogi-
tavam uma invasão do país). Os EUA
querem derrubar Maduro porque, se
conseguirem substituí-lo por um go-
verno simpático a seus interesses, terão
acesso ao gás natural venezuelano. “A
Rússia ganharia um concorrente capaz
de fornecer esse produto para a Europa”,
afirma Suano. Atualmente, os russos
provêm 39% de todo o gás consumido
no Velho Continente.
O gás natural também está na raiz
de outro conflito envolvendo EUA e
Rússia: a Guerra Civil Síria, que co-
meçou em 2011. Nela, forças rebeldes
apoiadas pelos americanos tentam
derrubar o presidente Bashar al-Assad,
que comanda o país desde 2000 (ele
foi eleito após a morte do pai, Hafez →
setembro 2020 super 29
08/09/20 10:52
 A movimentação das três
superpotências não sig-
nifica que haja risco de
guerra. Na prática,
a intenção é outra:
reforçar o equilíbrio.
al-Assad, que estava no poder desde
1971). Bashar quase caiu, mas foi salvo
pela intervenção russa, que nos últimos
anos realizou uma série de ataques aé-
reos contra as forças rebeldes. Em troca
dessa proteção, Al-Assad fez um favor-
zão a Moscou: impediu a construção do
gasoduto Irã-Iraque-Síria, que iria levar
gás natural do Catar para a Europa (e
fazer concorrência ao gás russo).
A venda de petróleo e gás natural
é extremamente importante para os
russos: 50% de todo o orçamento do
governo vem daí. E isso inclui os gastos
militares. Se os negócios petrolíferos da
Rússia se tornarem menos lucrativos, o
país terá menos dinheiro para investir
em seu arsenal nuclear, e poderá ser
ultrapassado pelos EUA e pela China.
Em 2014, a Rússia invadiu e anexou
a península da Crimeia, até então um
território autônomo ligado à Ucrânia.
Adivinhe só o motivo: ela dá acesso ao
Mar Negro, onde há grandes reservas
de petróleo. A ação aconteceu meses
depois que o presidente ucraniano Vi-
ktor Yanukovych, alinhado a Moscou,
foi destituído. Desde então, a Rússia
vem desafiando repetidamente a Otan,
que pede o fim das operações militares
na região. A Ucrânia vive sob ameaça
constante de ser novamente controlada
pelos russos, como já aconteceu durante
a Guerra Fria. Mas os EUA também
estão nesse jogo. “De certa forma, foi
o Ocidente que iniciou o conflito, ao
alimentar o surgimento de grupos
contrários ao governo local”, afirma o
cientista político Kai Michael Kenkel,
professor de relações internacionais
da PUC-RJ. De fato: em 2014, os se-
nadores americanos John McCain e
Chris Murphy foram até a Ucrânia,
onde fizeram discursos inflamando a
multidão a derrubar o regime. E, duas
semanas antes da queda de Yanukovych,
um grampo telefônico revelou que o
Departamento de Estado americano já
discutia a escolha do sucessor. Hoje a
30 super setembro 2020
SI_419_anovaeranuclear.indd 30
Ucrânia é alinhada aos EUA, o que os
russos abominam. “A Síria e a Ucrânia,
para a Rússia, representam uma opor-
tunidade de mostrar para os EUA qual
é o limite, onde o Ocidente não deve
interferir”, diz Kenkel.
Os russos também têm saído em
defesa do Irã – que, segundo os ame-
ricanos, estaria tentando desenvolver
a própria bomba atômica. Em janeiro,
um drone dos EUA matou o general
iraniano Qassem Soleimani, o segundo
homem mais poderoso do regime, numa
tentativa de desarticular o programa
nuclear do Irã. Mas nenhum país ilustra
tão bem a complexidade da nova corrida
nuclear quanto a Turquia. O país não
possui as próprias bombas atômicas. Só
que é membro da Otan, e por isso abriga
uma base militar americana: fica perto
da cidade de Adana, no sul do país, e
guarda 60 a 70 mísseis nucleares. Em
2016, o presidente turco, Recep Tayyip
Erdogan, escapou de um golpe de estado
– graças, em parte, ao apoio militar que
recebeu da Rússia. Em 2017, Erdogan
virou a casaca de novo e invadiu o norte
da Síria, o que desagradou o governo
Putin – e, de lá para cá, voltou a comprar
equipamento militar dos EUA.
É como se a Turquia fosse uma mi-
niatura do planeta Terra, em que as su-
perpotências lutam indiretamente entre
si, manipulando nações e exércitos mais
fracos, sem nunca entrar em confronto
direto: o que, dado o arsenal nuclear
de cada uma, certamente devastaria o
planeta. É uma clara repetição de algo
que já aconteceu. Coreia, Vietnã, Cuba,
Afeganistão, Líbano, Nicarágua, Cam-
boja... praticamente todos os conflitos
armados da segunda metade do sécu-
lo 20 envolveram, em algum grau, o
enfrentamento indireto entre as duas
superpotências nucleares. São as cha-
madas “guerras por procuração”, típicas
de uma época em que o mundo estava
rachado em dois.
Agora ele está rachado em três, mas
a lógica é a mesma. Entramos em uma
nova corrida armamentista, em que a
possibilidade de uma guerra nuclear
volta a rondar a imaginação, e os me- A reativação do bunker
dos, da humanidade. Na prática, ela é da montanha Cheyenne
serve para mostrar a
algo extremamente improvável. Talvez outros países que, em
até impossível. Mas, só por existir, a caso de ataque nuclear,
ideia já cumpre seu papel: influenciar os EUA manteriam sua
os rumos da economia, da política – e capacidade de resposta.
das guerras – nas próximas décadas. S
08/09/20 10:52
 As defesas do
um super- Cheyenne Complex,

bunker
que foi projetado
para suportar uma
explosão de 30
dentro da megatons – e está
sendo reativado
montanha pelos EUA.

Cheyenne mountain Complex

Profundidade
máxima: 610 m

o que ele é O bunker foi escavado dentro da montanha

Cheyenne, no Colorado, entre 1961 e 1966. Dentro, há 15
edificações de três andares – que ficam protegidas sob 600
metros de rocha e suspensas por mais de mil molas.

Ele possui sua própria usina elétrica e uma reserva com 20

milhões de litros de água. Pode hospedar 2 mil pessoas e ficar
até dois anos isolado do mundo externo. Foi construído para
abrigar as divisões mais críticas do Exército americano.

o que está acontecendo Em 2015, os EUA e a empresa Ray-

theon assinaram um contrato de US$ 700 milhões para
modernizar o bunker. Em março de 2020, durante a pande-
mia, a Northcom (comando militar da América do Norte) e
a Norad (comando de defesa aérea), que operam o arsenal
nuclear dos EUA, anunciaram que parte dos seus militares
passariam a trabalhar do bunker.

Centro de monitora- Centro de Saída (porta

mento de mísseis comando blindada)

Centro de Centro de Centro de

controle espacial sistemas análise do ar

setembro 2020 super 31

SI_419_anovaeranuclear.indd 31 08/09/20 10:52

 física
a ciência Texto Bruno Carbinatto   Ilustração Wendell Araújo
Design Juliana Krauss   Edição Bruno Vaiano
e
uma produção alemã
outsider venceu o páreo:
Dark. Com reviravoltas
c o n s t a nte s , e n r e d o
c o m pl exo, e n i g m a s
que se abrem com mais
frequência do que se
resolvem, pitadas de fi-
Em maio, o site Rotten losofia e uso abundante
Tomatoes realizou uma de recursos da ficção
votação para eleger a científica, Dark foi lan-
melhor série original çada sem alarde em 2017.
da Netflix. Nomes de Em três anos, transcen-
peso, como The Crown deu a barreira linguística
e Stranger Things, eram e encerrou sua terceira
apostas seguras. Mas e última temporada sob
32 super setembro 2020
SI_419_Dark.indd 32
aclamação universal. Dark: as referências à física
Na trama, a cidadezi- do século 20. E explicar a
nha fictícia de Winden é ciência de verdade por trás
palco de uma intriga que da ficção.
envolve quatro famílias
ao longo de quatro gera- Einstein na área
ções. Usando um buraco “Ele partiu deste mundo
de minhoca, os persona- estranho um pouco antes
gens viajam pelo tempo de mim. Isso não significa
e descobrem que suas nada. Para aqueles de nós
biografias estão amarra- que acreditam na física, a
das em um nó cego. Nas distinção entre passado,
próximas páginas, vamos presente e futuro é só
mergulhar (com muitos uma persistente ilusão.”
spoilers) no ingrediente Essa famosa citação – que
mais bem-sucedido de serve de epígrafe a Dark
08/09/20 10:59
 de dark
Buracos de minhoca, viagens no tempo e
gatos mortos-vivos: entenda como Dark
usou a física para construir um enredo de
torrar os neurônios – e se tornou a série
nerd mais relevante do século 21.

– está nas condolências conforme uma coisa se que passou essa mesma luz e, quando você voltar
enviadas por Einstein move mais rápido. Nas hora parado. Porém, con- à Terra, quatro horas te-
à família de seu amigo velocidades com que li- forme nos aproximamos rão se passado para quem
Michele Besso, morto em d a mo s no da velocida- ficou no planeta.
1955. Um mês depois de
pôr a carta no correio, o
c ot id i a no,
essa diferen- Quanto mais de máxima
permitida no
Em 1915, Einstein dá
um passo além e publica
próprio Albert se foi.
Em sua dor, Einstein
ça é insig-
nificante. O
rápido você se Universo – a
velocidade da
sua teoria da gravitação,
a Relatividade Geral.
resumiu de forma po- passageiro move, mais luz, que é 299 Ele explica ali como o
ética a conclusão mais
estonteante da Teoria da
de um ôni-
bus que via-
devagar o mil quilôme-
tros por se-
espaço e o tempo, jun-
tos, formam um palco
Relatividade Especial – ja por uma tempo passa. gundo (km/s) onde se desenrolam os
obra dele próprio meio hora a 6 0 –, a distorção acontecimentos do cos-
século antes, em 1905: o km/h chega ao desti- se torna perceptível. Via- mos. O Universo, então,
tempo não é absoluto. O no 0,0000051 segundo je uma hora em uma nave teria quatro dimensões:
relógio gira mais devagar mais jovem que alguém a 96% da velocidade da as três de espaço que →

setembro 2020 super 33

SI_419_Dark.indd 33 08/09/20 10:59

 conhecemos e uma quar-
ta, temporal. É um palco
maleável; as coisas apoia-
das nele o distorcem. Para
entender, pense em um
lençol esticado. Se você
colocar algumas bolinhas
de gude sobre o lençol,
ele vai afundar um pou-
co sob o peso delas, mas
não muito. Agora, se você
colocar uma bola de boli-
che no lençol, ele afunda
bastante – e faz todas as
bolinhas de gude escor-
regarem em sua direção.
As bolinhas, no nos-
so exemplo, são como os
planetas. A bolona é o Sol.
E o afundamento que o
Sol produz no tecido do
lençol é a gravidade. Ou
seja: segundo Einstein, o
que gera a atração entre
corpos no Universo é a
deformação
das três di-
mensões do Buracos de
e s p aç o ao
seu redor.
minhoca exigiriam
O problema o uso de massa
é que o tem-
po também negativa: - 1 kg.
faz parte do
tecido, lembra? Isso signi-
fica que o relógio também
passa mais devagar – que
o tempo também dilata
– sob influência da gra-
vidade. Na vizinhança
de objetos maciços como
buracos negros ou estre-
las de nêutrons, meras
horas podem equivaler
a anos aqui na Terra.
Viagens no tempo
A explicação acima de-
monstra que viajar para
o futuro é possível. Basta
afundar o pé em uma nave
rápida o suficiente, ou fi-
car um tempinho na vizi-
nhança de um buraco ne-
gro, que o ano 2100 estará
lá, esperando por você (em
Dark, várias viagens para o
futuro acontecem – parte
da série se passa em um
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2053 pós-apocalíptico).
Já a viagem para o pas-
sado, ainda mais comum
na série alemã, é outra
história. O primeiro viagens
no tempo
passo é estabelecer se tal
feito é possível segundo a
teoria de Einstein. Nossa
melhor resposta é “alta-
mente improvável, mas Na série, os personagens viajam no
ainda impossível de
descartar”. Isso porque tempo usando bósons de Higgs (que
algumas soluções das você vê na ilustração) e buracos
equações da relatividade
sugerem, sim, meios de de minhoca. Na física de verdade,
viajar ao passado. A mais esqueça os bósons: só os buracos,
popular delas é chamada
de buraco de minhoca
caso existissem, permitiriam a
(entenda no gráfico ao façanha. Entenda no gráfico.
lado): um túnel que ser-
viria de atalho entre dois
pontos do espaço-tempo.
Para manter o túnel
aberto e estável por um
tempo razoável, porém,
precisarí-
amos lan-
çar mão de
uma coisa
bizarra cha-
mada mas-
sa negativa.
Imagine um
objeto de -1
kg, cuja gravidade repele
coisas em vez de atraí-las.
Esse é um típico exemplo
de piração possível em
equações, mas que nin-
guém jamais verificou na
natureza. Não, ninguém
nunca detectou um bura-
co de minhoca. Eles são
apenas uma hipótese
aberta pela matemática.
Buracos negros, porém,
também eram – e hoje
sabe-se que eles existem
no mundo real.
Uma vez aberto o bu-
raco de minhoca – boa
sorte com isso –, ainda
há um passo antes de
concluir a máquina do
tempo: pegar uma das sa-
ídas do buraco, colocá-la
em uma nave e acelerar
essa nave rumo ao futuro.
Lembre-se: quanto mais
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 rápido você se desloca,
mais devagar o tempo
passa. Estamos de volta
ao conceito mais básico
da relatividade especial.
Após algum tempo, as
duas saídas do buraco
de minhoca estariam co-
nectando não só lugares
distintos, mas tempos
distintos. O buraco de
minhoca de Dark liga os
anos de 2019, 1986 e 1953.
É um erro. Uma viagem
no tempo via buraco de
minhoca só pode acon-
tecer do momento da
abertura do buraco em
diante. Como a abertura
acontece em 1986, a liga-
ção com 1953 não é física,
é imaginação solta.
Esse é o único méto-
do de viagem no tempo
plausível empregado
pelos personagens de
Dark. Um outro artifí-
cio, recorrente na série,
envolve estabilizar uma
massa preta disforme
1. O Universo tem três dimensões
espaciais e uma temporal. Para sim- com energia elétrica,
plificar, vamos fingir que o Universo é de maneira a torná-la,
como este lençol quadriculado, com temporariamente, uma
só duas dimensões espaciais (2D). esfera lisa que serve de
portal. A esfera é chama-
da pelos personagens de
bóson de Higgs, ou partí-
cula de Deus, e o material
que a compõe é uma cer-
ta matéria escura.
As únicas semelhanças
2. Esta malha quadriculada do espaço
desse troço com a maté-
pode afundar sob a presença de objetos ria escura e o bóson de
com muita massa, como planetas. Higgs do mundo real
Objetos com menos massa ficam presos são os nomes. Matéria
nessas depressões. Isso é a gravidade. escura é um conceito da
astronomia: um tipo de
matéria cuja natureza é
desconhecida, mas que
deve existir porque sua
influência gravitacional
é verificável na rotação
das galáxias. Já o bóson
de Higgs é objeto de es-
3. Um buraco de minhoca acontece- tudo da teoria quântica
ria quando um objeto muito denso de campos. Ele é uma
rasgasse essa malha e formasse um evidência de que existe
atalho entre dois lugares diferentes
algo chamado “campo
do espaço-tempo.
de Higgs” – a coisa que
*Bootstrap é aquela alça de couro atrás do cano de uma bota. O nome do paradoxo vem de uma expressão popular em
inglês que se traduz como “puxar a si mesmo para cima pelas suas alças de bota” – algo que é impossível, como o paradoxo.
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confere massa às partí-
culas de energia. Sem o
campo de Higgs, você se-
ria um raio de luz. É isso.
Não tem nada a ver com
viagens no tempo.
Vai um paradoxo aí?
O segundo problema de
teorizar viagens ao passa-
do é lidar com paradoxos.
O mais famoso é o para-
doxo do avô: se eu voltar
no tempo e matar meu
avô, eu nunca terei nas-
cido. Mas, se eu não nasci,
quem o matou? As duas
primeiras temporadas de
Dark ilustram de forma
exemplar uma maneira
de evitar esse paradoxo.
Na série, uma criança
chamada Mads desapa-
rece em 1986 nas mãos
de um certo Helge, um
personagem com uma
enorme cicatriz na ca-
beça. O irmão de Mads,
Ulrich, não supera a per-
da. Em 2019, já quaren-
tão, ele viaja para 1953 e
dá pedradas na cabeça
de Helge, que na época
é uma criança. A ideia
é matá-lo antes que ele
cresça e dê sumiço em
Mads, em 1986. Mas as
pedradas não matam
Helge. Na verdade, elas
criam a cicatriz que ele
já tem. Na tentativa de
mudar o passado, Ulrich
cria o passado. Não há li-
vre-arbítrio. Cada frame
do filme da vida já está
escrito. Se você volta
algumas décadas e tenta
alterar os acontecimentos,
acaba contribuindo para
que tudo aconteça exata-
mente como aconteceu.
Dark apresenta uma
outra categoria de para-
doxos, o do tipo bootstrap*.
Na série, um livro escrito
pelo personagem H. G.
Tannhaus volta no tempo
e chega às mãos do pró-
prio Tannhaus jovem, que →
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 ainda não havia escrito a
obra. Ele simplesmente a
s
copia e publica. Quando
o livro foi escrito? Nun-
ca. Ele sempre existiu, não
precisou ser criado.
O paradoxo bootstrap é
um nó cerebral. Não tem
solução. Mas o do avô até
tem: supor que, quando
você mata o velhinho,
surge outro Universo
– um igual a este, com
uma única diferença. Lá,
você não nasce. O mais
fascinante: não se trata
de imaginação solta. Is-
so é uma consequência
plausível das equações da
teoria quântica, como vo-
cê vai ver agora.
Miau quântico
O penúltimo episódio
de Dark começa com
uma aula sobre o gato de
Schrödinger – um expe-
rimento imaginário idea-
lizado pelo físico austrí-
aco Erwin Schrödinger,
em 1935. Para entendê-lo,
precisamos mergulhar
no mundo das partícu-
las subatômicas, cujo
comportamento é pre-
visto pelas equações da
mecânica quântica. Ela é
bem diferente da relati-
vidade de Einstein – que
só funciona no mundo
das coisas grandes, co-
mo pessoas e planetas, e
dá bug quando encontra
algo pequenino como
um elétron.
Vamos começar: pe-
gue um papel e recorte
dois buracos retangula-
res paralelos nele. Assim:
II. Agora, acenda uma luz
na frente do papel. A luz
só vai passar onde há
buracos, certo? Então, a
tendência é que, na pa-
rede atrás do papel, você
veja duas faixas de luz:
II. Pois é, o problema é
que isso não acontece. A
parede lá atrás fica com
Fontes Cecilia Chirenti, física, UFABC e NASA; Rodrigo Nemmen da Silva, físico, IAG-USP; Juliano César
Silva Neves, físico, Unicamp; livros A Realidade Oculta e O Tecido do Cosmo, de Brian Greene.
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várias faixas, assim: IIIII.
Tal fenômeno ocorre
porque a luz é feita de
ondas eletromagnéticas.
Quando o feixe de ondas
passa pelas fendas, se di-
vide em dois. Ao se reen-
contrarem do outro lado,
as ondas interferem uma
na outra, gerando várias
faixas em vez de apenas
duas. Esse IIIII na parede
é chamado pelos físicos
de padrão de interferên-
cia. O experimento da
dupla fenda foi realiza-
do por Thomas Young no
século 19 e confirmava as
lendárias equações de
Maxwell: a luz é uma on-
da. Até que chegou Eins-
tein, em 1905, e concluiu
irrefutavelmente que não:
a luz, na verdade, é feita
de partículas chamadas
fótons. E aí? parede fica assim: II.
Para agonia geral, por Em 1926, Erwin Schrö-
volta de 1930 já estava dinger bolou uma equação
claro que na verdade o que descreve esse jeitinho
comportamento da luz era onda de ser das partículas,
meio onda, meio partícu- e que prevê experimen-
la, mas não só uma coisa tos práticos com muita
ou outra. Como assim? precisão. Porém, apesar
Vamos explicar modifi- das previsões corretas,
cando o experimento de ninguém sabia de que
Young. Pegue um canhão forma a equação corres-
de fótons (as partículas de ponde à realidade. O que
luz) e atire um por um, ora é essa onda? Do que ela é
numa fenda, ora na outra. feita? O trabalho do ale-
É de se esperar que cada mão Max Born permitiu
fóton atravesse só a fenda concluir que a tal onda
em que você mirou – e não é como as ondas so-
que, na parede lá atrás, noras ou as ondas do mar.
você veja algo assim: II. Essa onda, na verdade, in-
Mas não. Os danadinhos dica a probabilidade de se
sabem que precisam se encontrar a partícula em
comportar como ondas. um dado lugar. Onde ela
Com o tempo, o desenho tem picos, é onde um fó-
fica assim: IIIIII. Bizar- ton, por exemplo, tem uns
ro. Mas e se você tentar 80% de chance de estar.
descobrir por qual fenda Onde ela tem vales, o fó-
passou cada fóton – po- ton com certeza não está.
sicionando um detector A partir daí, surgiu a
exatamente na fenda? Aí chamada Interpretação
eles desistem. Quando de Copenhague. A ideia
acontece uma medição, é, grosso modo, a se-
os fótons param de agir guinte: se você tem uma
como ondas. Agem como caixinha com um fóton,
partículas. E o desenho na e a equação diz que há
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 80% de chance de ele
estar no canto direito e
20% no canto esquerdo,
então, quando você abrir
a caixa, a tal onda colapsa
e o fóton “escolhe” uma
das opções – quatro em
cinco vezes, óbvio, ele
vai escolher o canto dos
80%. Mas aí surge uma
questão ardilosa: o que
o observador tem a ver
com isso? Por que abrir a
caixa obrigaria a partícula
a assumir um estado?
Schrödinger ficou in-
comodado. Para esclare-
cer que, na verdade, abrir
a caixa não faz diferença,
imaginou o seguinte: den-
tro de uma caixa com um
gato, há um átomo com
50% de chance de emitir
radiação. Se ele emitir,
um detec-
tor aciona
um martelo
que quebra
O gato pode
um pote de estar vivo em um
veneno, e o
gato mor-
universo – e
re. C a so morto em outro.
contrário,
o bichano
vive. Faz algum sentido
dizer que, até você abrir
a caixa, o gato está vivo e
morto ao mesmo tempo?
Schrödinger sabia que
não. O detector acionaria
o martelo ou não mesmo
que todos os humanos da
Terra fossem extintos e
ninguém jamais abrisse
a caixa. Foi por isso que
ele cunhou esse exemplo.
Schrödinger queria dizer
que qualquer interação de
uma partícula com outra
partícula já faz a função de
onda colapsar. É por isso
que nós, feitos de bilhões
e bilhões e bilhões de par-
tículas, estamos sempre
em um lugar determinado
(e não com 80% de chance
de estar em um lugar).
Agora vem, com o per-
dão do trocadilho, o pulo
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do gato. Em 1965, o físico
Hugh Everett III propôs
algo diferente em sua tese
de doutorado: que, na ver-
dade, precisamos esquecer
essa história de colapso da
função de onda. De ma-
neira muito resumida:
quando uma partícula tem
uma determinada chance
de fazer algo ou não, então
formam-se vários univer-
sos paralelos – linhas do
tempo em que cada alter-
nativa se concretiza. Exis-
tiria, então, um mundo em
que o gato vive e um em
que ele morre. Essa é a
Interpretação dos Muitos
Mundos (IMM), bem me-
nos consensual que a de
Copenhague, mas que não
pode ser descartada, pois
sua matemática é sólida.
Em Dark,
a IMM ex-
pl i c a p o r
que vemos
diferentes
versões de
persona-
gens como
M a r th a e
Jonas coe-
xistindo. Na última cena
da segunda temporada,
ilustrada nesta página, a
realidade se divide em
duas: uma em que Jonas
é salvo por uma Marta de
franja que provém de um
Universo paralelo, e outra
em que Jonas se esconde
no porão e ela é impedi-
da de salvá-lo. É como
se Jonas e Marta fossem
partículas. Se Schrödinger
estivesse vivo, ficaria an-
gustiado com a cena: seu
gato ilustra justamente
que a mecânica quântica
não faz sentido aplicada
a coisas grandes, como
pessoas. Dark, porém,
não é ciência. É ficção
científica. Das melhores,
por sinal. Um quebra-ca-
beça que você não assiste:
você resolve. S
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 história

as mulheres que
calculavam

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 Entre 1880 e 1920, mais de cem astrô-
nomas de Harvard dedicaram a vida a
mapear o céu. Apesar do anonimato e dos
salários achatados, elas catalogaram
milhares de estrelas e criaram os
H
Texto Maria Clara Rossini
Ilustração Guilherme Asthma
pilares de nossa compreensão atual Design Carlos Eduardo Hara
do Universo. Esta é a história delas. Edição Bruno Vaiano
Houve um tempo em que
as mulheres só podiam
ver o céu com as cores ao
contrário: um fundo bran-
co pontilhado por estrelas
negras. Esta é a história
delas. Tudo começou no
final do século 19: com o
advento da fotografia, os
astrônomos começaram a
atrelar câmeras aos teles-
cópios e registrar imagens
da abóbada celeste. Esses
pioneiros apontavam o
equipamento para as es-
trelas e, em vez de colocar
o olho na outra ponta, po-
sicionavam uma placa de
vidro revestida com uma
emulsão esbranquiçada,
sensível à luz.
Quando o brilho de
uma estrela atinge esse
gel na superfície do vidro,
ocorre uma reação quími-
ca e aparece um pontinho
queimado. O resultado é
um negativo em preto e
branco: o que está escuro
é a luz, e o que está claro é
a ausência de luz. Até duas
horas de exposição eram
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necessárias para pintar as
estrelas com precisão. Por
mais rudimentar que pa-
reça a técnica, ela gerava
imagens muito mais níti-
das que uma foto da Lua
feita com o celular.
As placas eram do ta-
manho de uma folha A4 e
já vinham com o material
fotossensível aplicado de
fábrica; bastava desem-
balar e encaixar no teles-
cópio. Pela primeira vez
na história da civilização,
tornou-se possível mape-
ar o céu em larga escala.
Essa era uma tarefa espe-
cialmente cara ao Obser-
vatório de Harvard, que
gerou o maior acervo de
placas de vidro do mundo.
A universidade guarda, até
hoje, mais de meio milhão
de imagens produzidas
entre 1885 e 1992.
Edward Pickering se
tornou diretor do ob-
servatório em 1876. Ele
liderava uma equipe de
assistentes responsáveis
por determinar cuidado-
samente a posição de ca-
da estrela por meio das
placas. Era um trabalho →
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 Sistema de
classificação
de Harvard
classE luminosidade temperatura
K 0,08 a 0,6 L 3,4 a 4,9 mil °C
massa RAIO
0,45 a 0,8 M 0,7 a 0,96 R 12,1%
classE luminosidade temperatura
M ≤ 0,08 L 2,1 a 3,4 mil °C
massa RAIO fração
0,08 a 0,45 M ≤ 0,7 R 76,4%
repetitivo de proces-
samento de dados, que
hoje seria automatiza-
do por um computador.
Astrônomos gabaritados
não queriam perder tem-
po com isso; o jeito era
contratar rapazes recém-
saídos do colégio. Eles
eram tão incompetentes
que, reza a lenda, Picke-
ring disse: “até minha
empregada faria um tra-
balho melhor”. E ela fez.
A pioneira
Williamina Fleming era
a empregada de Picke-
ring. Após imigrar para
os EUA, ser abandonada
pelo marido e criar um
filho solteira, a jovem
professora de matemá-
tica escocesa precisou
se candidatar ao serviço
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Criado por Annie
Jump Cannon em 1921,
divide as estrelas
em sete classes,
por ordem de tamanho
e temperatura.
fração
classE luminosidade
G 0,6 a 1,5 L
massa
0,8 a 1,04 M 0,96 a 1,15 R
doméstico. Pickering
percebeu seu talento
com números e a con-
tratou como assistente
do observatório em 1881.
Fleming recebia metade
que os homens que vie-
ram antes: entre US$ 0,25
e US$ 0,50 por hora tra-
balhada (com a inflação
ajustada, isso dá R$ 33.
O salário mínimo atual
nos EUA é R$ 38 a hora).
Até sua morte, em 1911,
Fleming classificou mais
de 10 mil novas estrelas
e assumiu o cargo de
curadora das placas (foi
a primeira posição de
destaque ocupada por
uma mulher nos quadros
de Harvard). Após seus
Os astrônomos costumam ilustrar as estrelas da maior (O) para menor (M). Por questões de diagramação, a SUPER optou por começar pela menor.
Como entender
a classificação:
As estrelas são divididas em
sete classes, identificadas,
da menor para a maior,
pelas letras M, K, G, F, A, B
e O. O Sol é uma estrela G.
classE luminosidade temperatura
F 1,5 a 5 L 5,7 a 7,2 mil °C
massa RAIO
1,04 a 1,4 M 1,15 a 1,4 R 3%
temperatura
4,9 a 5,7 mil °C
RAIO fração
7,6%
esforços, a análise das pla-
cas passou a ser conside-
rada “trabalho de mulher”.
Na época, dizia-se que o
sexo feminino teria uma
predisposição genética a
ser mais hábil em tarefas
que envolvem atenção e
cuidado, como a avaliação
minuciosa das distâncias
ou da luminosidade das
estrelas nas fotografias.
Hoje, obviamente, sabe-
mos que isso era uma
baboseira machista e
pseudocientífica.
Pickering percebeu
que as mulheres entrega-
vam mais por menos. Em
um dos relatórios anuais
para a universidade, ele
escreve: “Elas são capa-
zes de fazer trabalhos
em quantidade e quali-
dade tão bons quanto os
Massa (M), raio (R) e lumi-
nosidade (L) são medidos
usando o Sol de parâmetro.
Estrelas O, por exemplo,
têm no mínimo 16 vezes
mais massa, 6 vezes mais
raio e 30 mil vezes mais
brilho que o Sol.
fração
classE luminosidade temperatura
A 5 a 25 L 7,2 a 9,7 mil °C
massa RAIO fração
1,4 a 2 M 1,4 a 1,8 R 0,6%
astrônomos que recebe-
riam salários muito mais
altos. Podemos empregar
três ou quatro vezes mais
assistentes”. Logo, o ob-
servatório estava cheio
de computadoras – sim,
esse era o termo – aber-
tamente mal pagas. Mais
de 200 mulheres traba-
lharam lá ao longo de dé-
cadas. Elas não podiam
usar telescópios: seria um
escândalo um grupo de
jovens passar as madru-
gadas ao lado de homens,
e elas eram consideradas
muito frágeis para o frio
noturno. Então, os caras
tiravam as fotos de noite
e as moças processavam
os dados de dia.
O trabalho repetitivo
familiarizou as profissio-
nais com as características
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 A fração é a porcentagem
de estrelas do Universo em
cada categoria. As minúscu-
las anãs vermelhas, tipo M,
são 76% de todas as estrelas.
Quanto maior a estrela,
mais quente e azulada ela é,
e mais rápido ela “morre”.
classE luminosidade temperatura
B 25 a 30 mil L 9,7 a 29,7 mil °C
massa RAIO
2 a 16 M 1,8 a 6,6 R 0,13%
de cada estrela. Elas se
debruçavam sobre as fo-
tos, ainda em negativo, e
mediam com lupa espaços
minúsculos que na reali-
dade representavam anos-
luz de distância. E foi as-
sim, a partir de borrões
tênues no vidro, que essas
mulheres foram além do
mero trabalho braçal – e
lançaram as bases da as-
tronomia contemporânea.
Aquarela das estrelas
Existem ondas eletro-
magnéticas de vários ta-
manhos: rádio, raios UV,
raios X, etc. Nossos olhos
só são capazes de enxergar
algumas delas, que têm
entre 0,4 e 0,75 mm. Es-
sas são o que chamamos
de luz. Cada comprimen-
to dentro desse intervalo
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Por fim, o “arco-íris” em
cima das tabelas é obtido
decompondo a luz de cada
estrela com um prisma. As
faixas escuras indicam as
cores que são absorvidas
pelos elementos químicos
presentes no astro.
classE luminosidade
O ≥ 30 mil L
fração massa RAIO
≥ 16 M ≥ 6,6 R ~ 0,00003%
As astrônomas de
harvard recebiam
metade do salário
dos homens.
corresponde a uma cor. Se
você junta ondas de todas
cores, forma luz branca.
Depois, é possível usar um
prisma – como na capa do
disco do Pink Floyd – pa-
ra decompor a luz branca
de volta em um arco-íris,
organizado da cor mais
longa (vermelho) para a
mais curta (violeta). Esse
é o espectro visível: todas
as cores que podemos ver,
em um degradê.
temperatura
≥ 29,7 mil °C
fração
Cada elemento quími-
co absorve certos com-
primentos de onda do es-
pectro visível. Por exem-
plo: quando a luz branca
cor antes que ela alcance
o telescópio. As estrelas
atravessa uma nuvem não têm só hidrogênio, é
de hidrogênio, esse gás claro. Elas também têm
absorve um tom muito hélio (cerca de 27%) e fra-
específico de vermelho
(todo átomo de hidro-
ções residuais de outros
elementos da tabela peri-
gênio carrega um único ódica. Todos eles também
elétron; é o elétron que absorvem cores específi-
rouba um pouquinho de cas. Sabendo quais cores
luz da sua cor favorita). são absorvidas por cada
Se você pegar a luz elemento, é possível de-
branca de uma estrela duzir a composição quí-
e decompô-la, vai per- mica desses astros.
ceber que está faltando No final do século 19,
uma faixinha vermelha os astrônomos estavam
no espectro visível. O descobrindo tudo isso aos
arco-íris fica com um poucos. Os espectros de
buraco. É porque toda cada estrela vinham com
estrela é feita com 70% muitas e muitas linhas
de hidrogênio, e o hi- de absorção, e ninguém
drogênio absorve essa sabia exatamente como →
setembro 2020 super 41
07/09/20 21:59
 interpretá-las. Gigantes
da área, como Arthur Ed-
dington, apostavam que
a composição química
do Sol era parecida com
a da Terra. Ou seja: que
átomos mais pesadinhos,
como carbono, silício e
ferro, apareceriam em
proporções muito mais
altas do que realmente
aparecem. Foi só em 1925
que uma das mulheres de
Harvard, Cecilia Payne,
chegou à composição
conhecida hoje. Mas o
caminho até lá foi tortu-
oso. Vamos percorrê-lo.
O código de barras
Um dos pioneiros da aná-
lise espectral foi Henry
Draper, que decompôs
a luz de uma centena de
estrelas antes de morrer,
em 1882. Sua viúva, Mary
Anna Draper, financiou a
continuidade do projeto,
e a primeira versão do
Catálogo Henry Draper
(HD), com o espectro de
mais de 10 mil estrelas,
saiu em 1890. O catálogo
é atualizado até hoje e já
tem mais de 360 mil as-
tros, cada um com seu có-
digo. Por exemplo: Sirius,
a estrela mais brilhante
do céu, é HD 48915.
Apesar de levarem
o nome de Draper, as
primeiras versões do
catálogo foram obra de
Williamina Fleming e cia.
Além do trabalho duro de
analisar estrela por estrela,
Fleming criou um sistema
de classificação que en-
caixava as estrelas em 16
categorias (de A a Q, sem
o J) de acordo com carac-
terísticas das faixas que o
hidrogênio deixava no es-
pectro. Fleming suspeita-
va que essas linhas diziam
algo sobre a temperatura
ou composição das estre-
las. O quê, exatamente, só
ficou claro depois.
42 super setembro 2020
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Antonia Maury, sobri-
nha de Draper, chegou ao
observatório em 1887. Ela
não gostava do sistema de
Fleming e criou seu pró-
prio alguns anos depois,
que era muito mais de-
talhado e foi empregado
na segunda edição do
catálogo HD. Ele possuía
22 tipos de estrelas, repre-
sentadas por números ro-
Uma das placas de vidro
manos e organizadas em usadas por Hubble para
ordem decrescente de descobrir que Andrômeda era
temperatura. A interpre- outra galáxia, semelhante
tação das linhas começou à Via Láctea. A foto é um
a se sofisticar. negativo em preto e branco: a
luz da galáxia é representada
Quando a astrônoma pelas áreas negras.
Annie Jump Cannon
entrou no Observatório
de Harvard, em 1897, ela
criou um terceiro sistema,
que incorporou várias das
sacadas geniais de Maury.
Mas, para tornar o resulta-
do mais intuitivo, nomeou
as categorias reorganizan-
do as letras de Fleming,
com que a comunidade
astronômica já havia se
acostumado. O resul-
tado foram sete classes.
Da mais fria para a mais
quente, O, B, A, F, G, K e
M. Já se sabia que as pro-
eminentes linhas geradas
pelo elemento hélio nas
estrelas O e B indicavam
as temperaturas altas.
A classificação de
Cannon foi aceita pela
comunidade astronômi-
ca e é usada até hoje, com
modificações [veja o gráfi-
co na pág. 40]. O Sol, por
exemplo, é uma G. 76%
das estrelas do Universo
são M: as anãs vermelhas,
pequenas e frias. Os estu-
dantes logo criaram uma
frase para lembrar da se-
quência: Oh, Be A Fine Girl,
Kiss Me! Em português:
“seja uma boa garota e
me beije”. Péssima es-
colha para se referir ao
07/09/20 22:00
 trabalho de três mulheres. avanços importantes
Respeito não era o forte em associar as linhas de
da época, claro: quando absorção no espectro a
Pickering nomeou Can- características como a
non como Curadora de temperatura e composi-
Fotografias Astronômicas, ção química das estrelas.
após a morte de Fleming, Mas a cartada final veio
o reitor da universidade em 1925, com a que é
o desaconselhou, afir- considerada a tese de
mando que as mulheres doutorado mais brilhan-
não deveriam se acos- te da astronomia, escrita
tumar a receber cargos por Cecilia Payne-Ga-
importantes. poschkin – bolsista em
As atitudes contradi- Harvard. Ela forneceu
tórias de Pickering ilus- a primeira interpretação
tram bem a condição correta das linhas de ab-
das mulheres na época. sorção: concluiu que o
Ele incentivava a carrei- Sol e outras estrelas são
ra das funcionárias, mas mais de 95% hidrogênio
não creditava os artigos e hélio, e que elemen-
abertamente. Promoveu tos como ferro e silício,
mulheres a cargos altos abundantes na Terra, apa-
inéditos em Harvard, mas recem em quantidades
não hesitava em pagar sa- residuais (lembre-se: até
lários menores à mão de então, o consenso era que
obra feminina. Fleming o Sol e a Terra tinham a
escreveu em seu diário: mesma composição).
“Quando levanto a ques- O incrível é como ela
tão dos salários, sou ime- chegou a essa conclusão.
diatamente lembrada que Payne percebeu que mui-
recebo um ótimo ordena- tas das linhas de absorção
do para uma mulher. Será que os astrônomos atri-
que ele não pensa que eu buíam a outros elementos
tenho uma casa e família eram, na verdade, geradas
para cuidar tanto quan- por versões ionizadas
to os homens?”. Fleming, (isto é, carregadas ele-
Maury e as demais 200 tricamente) dos átomos
mulheres que passaram de hidrogênio e hélio.
pelo observatório de Har- E esses átomos ionizam
vard ficaram conhecidas justamente por causa da
posteriormente como o temperatura altíssima.
“harém de Pickering”, em Ou seja: de quebra, Payne
referência aos casamen- descobriu exatamente co-
tos poligâmicos. mo deduzir a temperatu-
ra a partir das linhas. Até
A receita do Sol então, essa associação era
Até aqui, Fleming, Maury só uma suspeita.
e Cannon haviam feito A sacada era tão genial
que seu orientador, Hen-
ry Norris Russell, achou
Payne descobriu boa demais para ser ver-
dade. Ele a convenceu
a composição a retirar a conclusão da
química do sol E tese. Com a publicação
desfalcada, Payne foi a
foi ridicularizada. primeira pessoa (homem
ou mulher) a receber o
título de doutor em as-
tronomia em Harvard. →

setembro 2020 super 43

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 A Lei de dia 1 dia 2 dia 3 dia 4 dia 5

Leavitt
Henrietta Leavitt
descobriu uma régua
para o cosmos –
e Hubble a usou
para descobrir que
ele se expandia.

1 Nas placas fotográficas,

uma estrela grande e
distante e uma estrela
pequena e próxima podiam
transmitir a ilusão de serem
do mesmo tamanho. Será
que há uma forma de dife-
renciá-las – e saber a que
distância está cada uma?

2 Leavitt sobrepôs placas

fotográficas de vários dias
e descobriu que estrelas
chamadas cefeidas variáveis
pulsavam. Em algumas, um
pulso demorava cem dias;
em outras, apenas quatro.
Por que essa variação?

Ou melhor: em Radcli-
ff, a sucursal feminina
de Harvard. Na época, a
faculdade principal não
aceitava mulheres.
Quatro anos depois,
Russell chegou aos mes-
mos resultados que sua
aluna. No que talvez seja
o ato mais antiético da
história da ciência, ele
publicou a conclusão em
seu nome, fazendo uma
breve menção ao traba-
lho de Payne. Por déca-
das, Russell ficou com o
crédito – só recentemente
o papel de sua aluna foi
devidamente reconhecido.
posição de cada estrela no
céu. Um método chamado
paralaxe funcionava bem
para calcular as distâncias
de estrelas mais próxi-
mas, mas era impreciso
com as mais afastadas.
E a distância é um dado
essencial porque permi-
te saber se duas estrelas
com o mesmo brilho são
de fato parecidas e estão à
mesma distância – ou se,
na verdade, uma delas é
maior e só tem um brilho
menor porque está mais
afastada que a outra. Até
1900, não havia um crité-
rio de desempate.
uma galáxia-satélite da
Via Láctea, mas que na
época era só uma massa
misteriosa no céu –, Lea-
vitt se interessou por es-
trelas chamadas cefeidas
variáveis, que são mons-
trinhos até 30 mil vezes
mais brilhantes que o Sol.
Elas aumentam de lumi-
nosidade até atingir um
pico; depois o brilho cai
até um patamar mínimo e
o processo recomeça. Esse
LEavitt morreu
sem saber que
ciclo pode durar quatro
dias para algumas cefei-
das, mas cem para outras.
Até a chegada de Lea-
vitt, a variação nos perí-
odos não passava de uma
curiosidade. Foi então
que a astrônoma resol-
veu comparar o brilho
das estrelas com o tem-
po que elas demoravam
para pulsar. E descobriu
que, quanto maior a es-
trela, mais longo era o
seu período de pulsação.
Assim surgiu uma das
leis mais importantes da
astronomia: se duas estre-
las aparentemente iguais

Régua galáctica
Além das análises es-
pectrais, outra ambição
de Pickering era montar
um atlas cósmico, com a
Entra em cena Hen-
rietta Leavitt, contratada
em 1902. Enquanto olha-
va para fotos da Grande
Nuvem de Magalhães
– que hoje sabemos ser
observou estrelas
de outra galáxia.
pulsam em períodos dife-
rentes, então a mais lenta
é maior e mais distante.
Essa sacada facilitou
a vida de muitos astrô-
nomos, mas a própria

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 brilho
3 Leavitt montou um grá- 4 Acabaram as dúvidas
fico com várias cefeidas que sobre a distância: se uma
ela sabia estarem à mesma cefeida parece pequena, mas
distância, e matou a charada: pulsa devagar, então ela é
quanto mais brilhante fosse enorme, mas está distante.
a cefeida, mais dias demora- Assim as cefeidas se torna-
va o ciclo de pulsação. ram réguas para o cosmos.
0 10 100 dias

Leavitt não conseguiu curadora das placas astro- os astrônomos, limitados

empregá-la em algo mais nômicas em Harvard. Ela à pequenez da Terra, os
prático. Afinal, as mulhe- se dedica a preservar tan- últimos cem anos não ti-
res não podiam usar o te- pertencer à Via Láctea. to as placas em si quanto veram nada de insignifi-
lescópio. (Para determinar A placa de vidro na qual a memória das mulheres cantes: foram cenário de
o período de variação no ele fez a descoberta fi- que as manuseavam. A uma revolução profunda
brilho das cefeidas, ela so- cou famosa: ele rabiscou digitalização do acervo em nossa compreensão
brepôs placas fotográficas “VAR!”, como se fosse um deve ser concluída em do Universo. Até 1923,
feitas em dias diferentes. “eureka!”. Em 1929, Hubb- 2021. O material não é pensávamos que a Via
Veja o gráfico acima). Le- le usou novamente a Lei só peça de museu: ainda Láctea era todo o cosmos;
avitt morreu sem saber de Leavitt (em conjunto pode levar a descobertas, hoje, uma única foto do
que estava olhando para com outras técnicas) pa- mesmo cem anos depois. telescópio Hubble regis-
estrelas de outra galáxia. ra chegar à conclusão de Isso porque o céu não é tra milhares de galáxias.
Na verdade, foi graças a que o Universo está se estático. Comparar os re- Esse avanço só foi possí-
sua descoberta que sa- expandindo – e fornecer gistros do passado com os vel porque mulheres in-
bemos da existência de a primeira evidência ob- atuais dá informações va- justiçadas e mal pagas se
outras galáxias. servacional do Big Bang. liosas sobre o movimento relegaram aos bastidores
Em 1923, dois anos dos astros desde então. e ergueram, em silêncio,
após a morte de Leavitt, O legado Para uma estrela como os pilares da nossa com-
Edwin Hubble usou seu “Eu posso afirmar que elas o Sol, que já viveu 5 bi- preensão do céu. Que os
método para calcular a ficaram famosas na época, lhões de anos, um século próximos cem anos sejam
distância das cefeidas de mas não que foram reco- é um suspiro. Mas para mais justos com as Can-
Andrômeda e compro- nhecidas em pé de igual- nons, Maurys, Paynes,
var que, de fato, estavam dade com os homens”, diz Leavitts e Flemings que
distantes demais para Lindsay Smith Zrull, atual ainda vão nascer. S

Fontes: livro The Glass Universe, de Dava Sobel; artigo “Woman’s Work” in Science, 1880 - 1910, de Margaret Rossiter; Stela Franco, professora
associada do Departamento de História da USP; Maria Conceição da Costa, pesquisadora de estudos sociais da ciência na Unicamp. setembro 2020 super 45

SI_419_mulherescientistas_censhare.indd 45 07/09/20 22:01

 tecnologia

a volta do
flight Texto Bruno Garattoni  

simulator
Design Juliana Krauss

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 Depois de 14 anos, ele está
de volta. E usa imagens
de satélite, inteligência
artificial e servidores de
alta potência para tentar
algo inédito: reproduzir
100% do planeta Terra.

Fotos: Reprodução/Microsoft

setembro 2020 super 47

SI_419_FlightSimulator.indd 47 07/09/20 17:45

 t
Terça-feira, uma da tarde. Estamos nos aproxi-
mando do Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo,
na Ilha da Madeira, onde o pouso é um dos mais di-
fíceis do mundo. A pista é curta, 2.781 metros, acaba
no mar e tem um morro bem ao lado. Na década de
1970, aqui aconteceram três acidentes fatais, com 170
mortos. Meu Airbus A320neo, com o qual decolei
de Lisboa, voa tranquilo e corretamente configurado
para a aproximação: 2.100 pés de altura, velocidade
a 160 nós, flaps em 20 graus. O tal morro impede
uma abordagem direta e me obriga a dar uma volta
de quase 180 graus. Completo a manobra, alinho o
avião com a pista, e aí começa a verdadeira encrenca:
tesouras de vento que fazem o Airbus dançar como
se fosse um monomotor. Os computadores de bordo
me ajudam como podem. Mas, quando chego a uns
3 km da pista, eles mudam de atitude e começam a
protestar, soando aqueles alarmes ameaçadores que
você já deve ter ouvido em filmes de desastre aéreo.
Estou alto e rápido demais para pousar – inclusive
porque, para piorar, chove forte. O avião toca o solo
O simulador reproduz
meio torto e só apruma depois de correr um terço da as condições climáticas
pista. Um décimo de segundo depois, no limite, freio de qualquer lugar do
e aciono o reverso: e as duas turbinas LEAP-1A, com planeta – como elas
35 mil libras de empuxo cada uma (mesma potência realmente estiverem
dos motores Olympus, usados no supersônico Con- naquele momento.
corde), realizam o milagre de segurar as 67 toneladas
do Airbus antes que ele caia no oceano. Foi por pouco.
Um piloto profissional certamente seria repreendido.
O novo Flight Simulator, no qual estou voando, faz
isso – informa que minhas manobras atrapalhadas
merecem ridículos 226 pontos, contra 1,5 milhão se Um novo tipo de game
eu tivesse feito tudo direito –, mas logo me convida
para outros voos: Madeira é apenas um dos 24 “pousos
desafiadores” do game (a lista inclui coisas ainda piores,
como a pista de Courchevel, em meio à neblina dos
alpes franceses, e o “aeroporto” de Bugalaga, no meio
de uma floresta na Indonésia). O simulador emprega Os mapas A análise
fotos de satélite, inteligência artificial e servidores O software tem acesso ao As fotos são interpretadas por
espalhados por dezenas de países para tentar fazer banco de imagens de satélite um software criado pela em-
algo inédito: reproduzir, com imagens reais, 100% da Bing Maps, da Microsoft, que presa europeia BlackShark. Ele
superfície do planeta Terra. Todos os 23 desertos, 4 cobre o planeta inteiro e tem é capaz de identificar prédios,
2 petabytes de dados (2 mi- árvores e outros elementos – e
bilhões de hectares de florestas, 1 milhão de monta- lhões de gigabytes). gerar versões 3D deles.
nhas, 30 milhões de km de ruas e estradas. Todas as
cidades, com todos os prédios, casas e monumentos, →

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Simulador mistura bancos de dados online e o poder de
processamento de grandes datacenters com processamento.
A conversão
O processo roda nos servidores
da Microsoft, e é muito pesado:
as máquinas levam três sema-
nas para recriar o planeta (que
é atualizado periodicamente
com novas fotos de satélite).
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O streaming
Quando você começa a
voar, o Flight Simulator vai
baixando os cenários 3D para
o seu computador (que fica
responsável pela simulação
do avião).
O que você
precisa ter
Um PC com Windows. Mas, para
rodar o jogo na qualidade máxima,
ele precisa ser bem potente.
Configuração mínima
CPU: Ryzen 3 1200 ou Core i5-4460
GPU (placa de vídeo): Radeon
RX570 ou GeForce GTX 770
Memória RAM: 8 gigabytes
Espaço em disco: 150 gigabytes
Internet: 5 Mbps
Configuração mediana
CPU: Ryzen 5 1500X ou Core i5-8400
GPU (placa de vídeo): Radeon RX590
ou GeForce GTX 970
Memória RAM: 16 gigabytes
Espaço em disco: 150 gigabytes
Internet: 20 Mbps
Configuração boa
CPU: Ryzen 7 2700X ou Core i7-9800X
GPU (placa de vídeo): Radeon VII ou
GeForce RTX 2080
Memória RAM: 32 gigabytes
Espaço em disco: 150 gigabytes (SSD)
Internet: 50 Mbps
A qualidade dos
cenários 3D depende
da resolução das fotos
de satélite tiradas em
cada cidade. Mas o
resultado geralmente
impressiona.
setembro 2020 super 49
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 um longo As principais versões do Flight
Simulator – e como elas acompanham
voo a evolução da tecnologia.

1
FS1 (1979)
Foi criado pelo programador
americano Bruce Artwick, e
rodava no computador Apple II.
Os cenários eram formados por Se você voar 24h por dia
wireframes: linhas retas sem com um monomotor,
preenchimento, única coisa que levará 40 anos para ver
a máquina conseguia desenhar. todos os cenários do
jogo – que foram
recriados por robôs.

2
Flight Simulator 1.0 (1982)
Artwick cria uma versão para
PC do simulador, que acaba
sendo comprado pela Microsoft.
Os gráficos dão um salto de
qualidade, com superfícies
preenchidas e um cockpit mais
detalhado e realista.

3
Flight Simulator 2.0 (1984)
Tem um mapa maior, que cobre
todo o território dos Estados
Unidos. É compatível com mou-
se e joystick (nas versões ante-
riores, tudo era feito no teclado)
e também roda em laptops, que
eram novidade na época.

4
Flight Simulator para Win95 (1996)
Primeira versão para o Windows
(as anteriores rodavam no DOS).
Tem condições climáticas, como Além de reproduzir
neblina e tempestades, e aceita turbulências reais, o
aviões e aeroportos desenvolvi- game permite ajustar a
dos por terceiros. velocidade das camadas
de vento – para criar
situações ainda mais

5
desafiadoras.
Flight Simulator X (2006)
Continha 24 mil aeroportos,
18 aviões e 38 cidades alta-
mente detalhadas (as demais
traziam ruas e prédios
genéricos). Foi a última versão,
antes da atual, a ser desenvol-
vida e lançada pela Microsoft.

SI_419_FlightSimulator.indd 50 07/09/20 17:45

 como realmente são. “Nós calculamos que, se você
voasse com um Cessna (monomotor), 24 horas por
dia e sete dias por semana, levaria 40 anos para ver
tudo”, diz o engenheiro Sebastian Wloch, diretor da
empresa francesa Asobo Studio, que desenvolveu o
simulador com a Microsoft.
Se já é impossível visitar o mundo inteiro, seria ainda
mais inviável tentar desenhá-lo manualmente usando
ferramentas 3D, como é feito nos games tradicionais.
Por isso, o simulador adotou uma estratégia nova: ele
construiu, em grande parte, a si mesmo. O software
copiou as imagens de satélite do serviço Bing Maps,
que cobrem toda a superfície do planeta e totalizam
2 petabytes (2 milhões de gigabytes), e aplicou um
algoritmo de inteligência artificial que identifica e re-
constrói objetos 3D a partir dessas fotos. Os cenários
já estão prontos, nos servidores da Microsoft, e vão
sendo enviados para o seu computador por streaming
conforme você voa. O resultado impressiona. Em al-
guns momentos, o Flight Simulator alcança o santo
graal dos games: o fotorrealismo. Parece que você está
vendo um filme, não gráficos gerados em computador.
É um salto gigantesco, que provavelmente pareceria
inimaginável para o aviador e inventor americano
Edwin Link, que em 1929 construiu o primeiro si-
mulador de voo da história. Era um cockpit com meia
dúzia de relógios e um manche, suspenso por macacos
hidráulicos. Foi criado para a Força Aérea dos EUA, e
não exibia imagens. Na década seguinte, o engenheiro
Richard Dehmel, da AT&T, deu um jeito: desenvolveu
um simulador que usava um pedaço de filme (com um
cenário) que se mexia em frente a uma tela de acordo
com o movimento da aeronave. Na década de 1960, a
Nasa criou o primeiro simulador digital, usado para
treinar os astronautas do Projeto Gemini. Usava três
computadores DDP-224, que pesavam 910 kg cada um
e juntos tinham apenas 300 kilobytes, ou 0,3 megabyte,
de memória. O primeiro simulador doméstico, para
computador pessoal, foi o FS1, lançado em 1979 pelo
programador americano Bruce Artwick e seu amigo
Stu Moment, piloto amador. Rodava no computador
Apple II, e usava linhas retas para desenhar tudo o
que aparecia na tela. Em 1982, ele foi comprado pela
Microsoft, que o desenvolve até hoje.
A inteligência artificial do novo Flight Simulator
não é perfeita. Se você pegar o hidroavião Icon A5,
uma das aeronaves presentes no jogo, e tentar pousar
no Rio Pinheiros, em São Paulo, por exemplo, vai se
divertir – mas também verá que os prédios do entorno
não são idênticos aos reais. Dependendo de onde você
voar, e da resolução das imagens de satélite daquele
lugar, a reprodução pode não ser exata. Isso aconteceu
O simulador vem com 20 a com o Palácio de Buckingham, em Londres, que o
30 aviões, dependendo da software acabou recriando como se fosse um bloco
versão. Mas será possível de escritórios, e com o surgimento de uma estranha
baixar outros – que serão
vendidos à parte, por US$
torre de 212 andares em Melbourne, na Austrália.
20 a US$ 60 cada. A construção, que parece desafiar as leis da física, é
resultado de um erro de digitação. Em 2019, o estu-
dante de arquitetura Nathan Wright entrou no site →
setembro 2020 super 51

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 Como sair do chão
(e voltar inteiro)
Os comandos essenciais para
decolar, voar e pousar, usando
teclado e mouse – ou um joystick.

1
Soltar o freio de Como reproduz o mundo
estacionamento Ctrl
.
Del a partir de fotos reais, o
primeiro simulador também serve para
passo antes da conhecer pontos turísticos.
No teclado:
decolagem Inclusive os mais exóticos –
Control + Num Del
como o Templo de Angkor, no
Camboja (ao lado), e a Cratera

2
de Barringer, nos EUA (abaixo).
Throttle A B No joystick: botões A (au-
menta a potência) e B (reduz)
controla
os motores F3 F2 No teclado: F3 (aumenta
do avião a potência) e F2 (reduz)

3
2 8
Manche No teclado: 2, 8, 4 e 6 no
4 bloco numérico
6
controla
a direção
do voo No joystick: alavanca
esquerda (LS)

4
Trim 7 1
ajuste temporário do
manche (evita que No teclado: Num 7 (inclina o
você precise ficar nariz do avião para baixo) e
fazendo correções) Num 1 (para cima)

5 8
Rudder 0 Enter No teclado: 0 e Enter Flaps
(leme) no teclado numérico F6 F7 No teclado: F6 (recolher)
estendidos e F7 (estender)
vira o
avião na descida,
No joystick: LT e RT (gati- para frear o LB RB No joystick: LB (recolher)
para os LT RT
lhos esquerdo e direito) e RB (estender)
lados avião

6 9
Olhar No mouse: clique e Trem de G
a cabine pouso No teclado: G
arraste o botão direito
para consultar
os instrumen- No joystick: alavanca para abri-lo No joystick: pressionar
tos do cockpit direita (RS) ou fechá-lo alavanca esquerda (LS)

7 10
Câmera Freio .
externa End No teclado: End Del No teclado: Num Del

para ver o avião para parar o

de fora e entender avião após o Y
No joystick: botão back/select pouso No joystick: Y
a situação

SI_419_FlightSimulator.indd 52 07/09/20 17:45

 OpenStreetMap para fazer um trabalho da faculdade,
preenchendo dados sobre as edificações da cidade.
Num deles, sem querer, digitou “212” em vez de “2”
no campo “andares”. O erro passou despercebido até
ser capturado pelo Bing Maps e ir parar no Flight Si-
mulator – onde deu origem a um monolito de aspecto
alienígena, que logo se tornou um ponto turístico do
game. O erro deverá ser corrigido nas próximas sema-
nas, durante o processo de manutenção dos cenários,
que também inclui a mão humana. Isso porque bases
militares e outros locais considerados secretos pelo
governo dos EUA são parcialmente censurados. “Nós
geramos o terreno, mas omitimos detalhes críticos”,
explica Wloch. Se você sobrevoar a base militar Área 51
em Nevada, por exemplo, verá duas pistas de pouso, um
estacionamento e um complexo de galpões genéricos.
Desde seu surgimento, na década de 1970, o Flight
Simulator ficou famoso por exigir muito do com-
putador. A nova versão, mesmo tendo a ajuda dos
servidores da Microsoft, também é assim. Eu instalei
o software num PC com processador Core i5-4460, o
mínimo recomendado, e fiz testes com duas placas de
vídeo. Uma modesta GeForce GT 1030 (que só aguen-
tou o simulador na resolução 720p, com qualidade
gráfica no modo “Baixo”) e uma GeForce RTX 2060
Super, de R$ 3 mil – que conseguiu rodá-lo com todas
as configurações gráficas no modo “Ultra”, o melhor
de todos, em resolução Full HD. Já em 4K, não deu.
Eu precisaria de uma CPU e placa melhores, e talvez
nem assim: testes feitos nos EUA revelaram que até as
placas mais potentes da atual geração passam aperto
com o Flight Simulator nessa resolução (só os modelos
da série RTX 3000, que estão sendo lançados este
mês, devem tirá-la de letra). Tanto é que o game irá
movimentar o mercado de PCs: provocará US$ 2,6
bilhões em upgrades nos próximos três anos, segundo
estimativa da consultoria JPR Research.
O jogo em si também não é barato. Ele tem três
versões: Standard (R$ 250), Deluxe (R$ 340) e Pre-
O game reproduz o mium (R$ 430), cuja diferença está na quantidade de
tráfego aéreo real do aviões. A versão Standard vem com 20 aeronaves: os
mundo todo – e, se destaques são o Airbus A320neo, o Boeing 747-8, o
você quiser, também Icon A5 e quatro Cessna, incluindo um jato executivo.
mostra os aviões dos
outros jogadores.
A versão Deluxe tem 25 aviões e a Premium tem 30
(inclusive o Boeing 787). Em vez de comprar o game,
também é possível alugá-lo: a versão Standard faz
parte do Xbox Game Pass para PC, serviço que custa
R$ 14 mensais (e inclui cem outros games).
O simulador irá receber mais aviões, que estão sendo
desenvolvidos por outras empresas de software. Dois
já estão confirmados: o Boeing 737 MAX, cujos pro-
blemas despertam a curiosidade de todo piloto amador,
e o supersônico Concorde, um mito da aviação que
acabou ganhando má fama. Eles serão vendidos à parte,
por US$ 20 a US$ 60 cada. E então será possível testar
os limites dos motores Olympus e desafiar a teimosia
do MAX em qualquer lugar: na Ilha da Madeira, no
Rio Pinheiros, na Área 51 fake – ou até sobrevoando,
e tentando enxergar, a sua própria casa. S

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 Muhammad Ali (1942-2016)
esporte Ele se achava o maior.
E por isso mesmo
se tornou o melhor.

os maiores de todos os tempos

Texto Guilherme Eler Ilustração Estevan Silveira Design Estúdio Nono Edição Bruno Garattoni

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 Como um seleto grupo de
atletas alcançou níveis quase
impossíveis de superar – e levou
à criação de um novo termo.
e
“Eu surpreendi o mundo. Eu devo
ser o maior de todos” , repetia
Muhammad Ali, então com 22 anos,
ao final da luta que o sagrou campeão
mundial dos pesos-pesados em 1964.
“Derrotei Sonny Liston e não tenho um
arranhão sequer no rosto. Sou a melhor
coisa que já existiu.” Antes do duelo,
Liston havia subido ao ringue 39 vezes,
e perdido uma única luta. As casas de
apostas davam como certa a vitória do
veterano, e prometiam multiplicar por
sete o dinheiro de quem ousasse apos-
tar contra a lógica. Mas Ali tinha uma
carta na manga: a autoconfiança extre-
ma, quase delirante, que exalava por
todos os poros do corpo. “Voe como
uma borboleta, ferroe como uma
SI_419_goat.indd 55
abelha. Suas mãos não podem atingir
o que os seus olhos não podem ver”,
disse à imprensa antes da luta. Por seis
assaltos, Ali lutou como nunca se vira
antes: ele parecia dançar no ar, evitan-
do os golpes do adversário sem sequer
levantar a própria guarda. Era impos-
sível de atingir. Ao final do sexto as-
salto, Liston jogou a toalha: desistiu do
embate, alegando dores no ombro.
Ali era o maior porque tinha certeza
de que era mesmo. E vivia repetindo
isso, para quem quer que fosse. Rápido
nos movimentos e dono de uma condi-
ção física invejável, o pugilista arrematou
um ouro nos Jogos Olímpicos de 1960
e conseguiu o cinturão dos pesados por
três vezes – feito jamais repetido por
outro boxeador. Suas lutas mais acirra-
das, porém, aconteceram fora do ringue.
Ali era bom com as luvas, mas era
ainda melhor em provocar. Nascido
Cassius Clay, enfrentou ódio ferrenho
ao se converter ao islamismo e virar
Muhammad. Não bastasse, peitou tam-
bém o governo: a recusa em servir o
Exército americano na Guerra do Viet-
nã, em 1964, o afastou das lutas por
quase quatro anos. Além de muçulma-
no e desertor, era, também, negro. Tu-
do isso fez com que suas bravatas in-
comodassem ainda mais. Com tons de
humor e exagero, Ali aparecia na TV
discursando de forma aparente-
mente improvisada. Mas suas frases
eram calculadas para repercutir na →
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imprensa e chamar a atenção do pú-
blico. Não é à toa que GOAT, expressão
da moda na internet e acrônimo em
inglês para greatest of all time, se con-
funda com o legado do lutador.
“G.O.A.T. Inc” foi o nome escolhido
por sua esposa, Lonnie Ali, para bati-
zar a empresa que cuidava da proprie-
dade intelectual da lenda do boxe,
fundada em 1992 – e vendida por US$
50 milhões em 2006. O termo, popu-
larizado por Ali, pegou, e virou até
verbete do dicionário Merriam-Webs-
ter em 2018. Hoje serve para coroar
um pequeno grupo de atletas fora de
série, lendas vivas do esporte – como
as que veremos a seguir.
Pelé: o viajante no tempo
O GOAT que é GOAT costuma demons-
trar brilho prematuro, colecionando
conquistas de gente grande enquanto
ainda dá seus primeiros passos como
profissional. Foi assim com Ali, e tam-
bém com Pelé: aos 17 anos, o camisa
10 foi peça-chave na primeira Copa do
Mundo vencida pelo Brasil, em 1958.
Em 1962, quando se tornou bicampeão
mundial, já tinha no currículo dois tí-
tulos brasileiros e uma Libertadores
– foram duas jogando pelo Santos, além
de seis campeonatos nacionais.
Por falar em números, a marca de
1.282 gols na carreira não é, nem de
longe, alcançável por qualquer outro
atleta. É dela, porém, que partem as
principais críticas que tentam depreciar
o legado do rei do futebol. Pelé conta-
biliza gols em jogos comemorativos e
os que fez jogando pela seleção do Exér-
cito. Ok. Ainda que se retirem da con-
ta os jogos contestados, foram 767
bolas na rede em 831 jogos – média de
0,92 por partida. Dos jogadores ainda
na ativa, Cristiano Ronaldo é o que mais
se aproxima da marca, com 755 – mas,
para isso, precisou entrar em campo
1.050 vezes (média de 0,71 gol por jogo).
“Pelé só jogava contra o XV de Piraci-
caba e estufava as redes do Juventus da
Mooca”, poderia afirmar outro crítico.
Basta, então, olhar para seus gols pelo
Santos em jogos contra clubes do ex-
terior: 361 tentos em 353 partidas. Uma
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Pelé (1940 - )
Um atleta moderno
no tempo da
bola marrom.
média surrealista de 1,02 século. É algo que desafia
gol por jogo. as leis da natureza. “Pelé
foi alcançada. E nem será.
Mas, para ser um GOAT, foi o único jogador a de-
A marca de Pelé jamais
os números nem sempre safiar as barreiras da ló-
bastam. E Pelé vai além gica”, disse o holandês
deles: foi o primeiro jo- Johan Cruyff, um dos
gador realmente comple- maiores do futebol – “um
to – ou seja, excelente em dos” porque, os argentinos
tudo. Apesar de não ser que nos perdoem, o cabra
especialista em bola pa- mesmo da bola é um só.
rada, ele é o segundo a
marcar mais gols de falta Michael Jordan:
na história, com 70. Tinha a marca global
apenas 1,73 m, mas cabe- “Finalmente as gerações
ceava bem. Chegou até a atuais vão conhecer o
jogar quatro vezes como Jordan que eu conheci”,
goleiro do Santos (e não escreveu Jackie Ma-
foi vazado!). cMullan, jornalista da
Pelé seria Pelé hoje? ESPN que acompanhou
Vejamos. Atletas como de perto o Chicago Bulls
Messi e Cristiano Ronal- da década de 1990, ao co-
do são máquinas de fute- mentar o lançamento de
bol – mais velozes e ha- The Last Dance (2020). A
1.282 gols
bilidosos que qualquer série da Netflix detalha a
jogador da época de Pelé. jornada épica dos seis
Se um dos dois voltasse títulos do camisa 23 em
no tempo, talvez repetis- Chicago. Mas vai bem
se atuações dignas do rei, além disso. Serviu tam-
dado que os adversários bém para recuperar a
eram mais fracos. Só tem importância cultural de
uma diferença: não existe Jordan. E para dar um
máquina do tempo. Pelé recado a quem ouse ques-
esteve lá, e fez o que um tionar seu status de GO-
Messi ou um Cristiano de AT – um debate quente
hoje fariam se fossem como nunca graças à
transportados para os crescente de LeBron Ja-
anos 1960. Logo, Pelé ho- mes, que em 2019 o ul-
je talvez fosse um jogador trapassou em pontos.
como eles. Só que ele jo- Mas, se Jordan está no
gou há mais de meio Olimpo do basquete, não
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 acumulou em quatro décadas.
é o patrimônio que Jordan
é exclusivamente por acu-
mular estatísticas. O ca-
misa 23 está longe de ser,
por exemplo, o mais ven-
cedor. Com seis títulos
em seis finais, ele ainda
fica bem atrás de Bill Rus-
sell, do Boston Celtics,
com 11. Jordan foi eleito
MVP (melhor jogador) da
temporada por cinco ve-
zes, contra seis de Kare-
em Abdul-Jabbar. Tam-
bém é “apenas” o quinto
maior cestinha da histó-
ria do basquete america-
no. As estatísticas em que
Jordan está na liderança,
no entanto, contribuem
para sua aura de herói. MJ
é o primeiro da história
em pontos por jogo, os-
tentando uma média in-
1,7 bi
crível: ter o camisa 23 em
quadra garantia pelo me-
nos 30,1 pontos por par-
tida. Não à toa, Jordan
liderou a pontuação da
NBA em 10 das 15 tem-
poradas que disputou.
Michael Jordan (1963 - ) O fato é que, além do
Estrela maior da NBA. talento incomum e do
E da Nike. status de super-herói,
Jordan contou com um
aliado que outros jogado-
res talentosos antes dele
não chegaram a ter: a
mídia. Seu apogeu coin-
cidiu com a expansão da
TV a cabo, com canais
esportivos 24h que au-
mentaram drasticamente
a exposição dos jogado-
res. Era preciso preen-
cher todo aquele espaço
de programação com al-
guma coisa – e o que
seria melhor do que o
melhor jogador de bas-
quete de todos os tem-
pos? Graças a essa hipe-
rexposição, Jordan foi o
primeiro atleta a se trans-
formar numa marca, com
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alcance mundial e cifras bilionárias.
Com o modelo Air Jordan 1, usado na
temporada de 1984 e vendido pela Ni-
ke a partir da temporada seguinte,
inaugurou todo um mercado de tênis
de basquete. Sua linha segue sendo até
hoje uma das mais rentáveis da indús-
tria – mesmo 16 anos após ele ter se
aposentado. Modelos de tênis com a
assinatura de Jordan renderam à Nike
US$ 3,1 bilhões em 2019 – 10% mais
do que em 2018.
Serena Williams:
a destruidora de adversárias
No tênis, esporte em que números e
conquistas individuais falam mais alto,
quem tem mais Grand Slams – torneio
mais importante do circuito mundial
– é o nome a ser batido. A competição
pelo status de GOAT, por isso, nunca
foi tão acirrada. Tanto Roger Federer
(39 anos) como Novak Djokovic (33
anos) podem acabar com o título no
futuro – ainda que Federer ainda este-
ja à frente, e responda neste momento
como o maior da história. Djokovic,
com 17 Grand Slams e mais alguns anos
de auge, é o único que aparenta ter
chances reais de superar os 20 do su-
íço. Isso no tênis masculino, é claro.
Entre as mulheres, porém, a respos-
ta é mais simples. Serena Williams
reina há duas décadas. É a GOAT in-
conteste das quadras – e não há quem
a ameace hoje no posto. Ela acumula
23 títulos individuais de Grand Slams.
Quem vem em segundo lugar no
ranking histórico é outra lenda, a ale-
mã Steffi Graf, com 22. E ela se apo-
sentou em 1999.
Campeãs 18 vezes, a tcheca Martina
Navratilova e a americana Chris Evert
– figuras históricas do tênis nos anos
1980 e 1970 – empatam em terceiro. A
jogadora ainda em atividade mais pró-
xima da marca de Serena é justamente
sua irmã, Venus Williams, com 7.
Além de ostentar um número inal-
cançável de títulos, Serena divide com
Graf o maior período ininterrupto no
topo do ranking da WTA (Associação
de Tênis Feminino): 186 semanas. Ela
é, também, a única atleta da história a →
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 Michael Phelps (1985 - )
Programado para nadar.
Literalmente.

ter conquistado um “Golden Slam”

tanto no individual como em duplas.
É algo como a “tríplice coroa” do fute-
bol: em 2012, Serena arrematou todos
os quatro Grand Slams – jogando so-
zinha ou com sua irmã, Vênus – e, de
quebra, levou dois ouros nos Jogos
Olímpicos de Londres.
Em julho de 2015, a americana acu-
mulou o dobro de pontos da segunda
colocada do ranking – um feito inédi-
to. E, mesmo após ser desbancada como
top 1, se manteve em alta, vencendo
um Grand Slam em 2017. Dez meses
após dar à luz sua filha Olympia, quan-
do já tinha 36 anos, disputou uma final
em Wimbledon. Hoje, aos 38, ocupa o
oitavo lugar – e é a terceira mais velha
entre quase 1.300 tenistas ranqueadas.
É natural que tamanho poderio aca-
basse incomodando os machistas de
plantão. “Se ela disputasse entre os
homens, seria, tipo, top 700 do mundo”,
disse o desbocado ex-tenista John
McEnroe, vencedor de sete Grand
Slams. Serena rebateu com a grandeza
habitual. “Querido John, eu te adoro e
respeito, mas, por favor, me deixe fora
de suas declarações, que não são base-
adas em fatos.” Uma reação mais genu-
ína veio em 2016. Após avançar para
as finais do torneio de Wimbledon, foi
questionada se estava entre as maiores
tenistas femininas de todos os tempos.
“Prefiro ‘uma das maiores atletas de
todos os tempos’.” Michael Schumacher (1969 - )
Um gênio no cockpit. E um
Michael Phelps: líder de equipe fora dele.
o homem-peixe
Anos de treinos exaustivos e disciplina
impecável são essenciais para que um
atleta seja chamado de maior da histó-
ria, é verdade. Mas uma ajudinha extra
da genética também faz diferença. Se-
guindo essa linha, é possível enxergar
no GOAT das piscinas traços que o
configuram como um homem-peixe.
“Nunca vi outro nadador com a com-
posição física de Michael”, disse uma
vez ao New York Times Bob Bowman,
técnico que acompanhou Phelps desde
1997. “Você percebe isso assim que vê
seu corpo. Aos 11, ele tinha tudo o que
tem hoje – só que em tamanho menor.”

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 disparado, o maior cole-
cionador de pódios da
modalidade. E só será
superado por alguém que,
além de treinar como um
Serena Williams (1981 -) tubarão, também tenha
Dona da maior dinastia
tido a sorte de nascer
da história do tênis
– e contando. com os atributos que po-
dem tornar uma pessoa
imbatível na água.
Michael
Schumacher:
o chefe de equipe
A envergadura – distância Para muita gente, Ayrton
entre os braços abertos Senna é o GOAT do au-
nenhum tenista é mais
vitorioso que Serena.
– nem é absurda. A de tomobilismo. Duas pes-
Phelps é de 2,03 m (menos soas em especial concor-
que os 2,08 m de Cesar dam com isso: Lewis
Cielo, por exemplo). Mas Hamilton e Michael
o americano leva vanta- Schumacher, os dois
gem na fisiologia. E não maiores recordistas em
estamos falando, aqui, títulos, vitórias e pole-po-
apenas da famosa dieta de sitions da Fórmula 1. Po-
12 mil calorias diárias que rém, numa análise mais
o nadador mantinha. fria, é difícil que o título
Phelps produz muito me- de GOAT do esporte a
nos ácido láctico (que motor não fique mesmo
degrada a performance nas mãos do alemão. Ele
dos músculos) que outros pode não ter sido espeta-
atletas. Um teste feito cular como o brasileiro, e
após ele estabelecer o re- provavelmente terá todos
corde mundial nos 100 os seus recordes batidos
23 Grand Slams
metros borboleta, em por Lewis Hamilton. Mas
2003, apontou que o na- Schumacher tem um di-
9-) dador tinha 5,6 milimol ferencial que ninguém
de ácido láctico por litro tira dele: o alemão não
de sangue. Menos da me- ganhou sete títulos mun-
tade do que outros nada- diais de Fórmula 1 “só”
dores de elite. porque era ótimo piloto.
Ser programado para Mas também porque tra-
nadar rendeu a Phelps balhou como uma espécie
uma carreira extrema- de executivo, redese-
mente prolífica. O nada- nhando as equipes pelas
dor americano se aposen- quais correu.
tou com 28 medalhas em O impacto de Schuma-
cinco edições de Jogos cher na F-1, falando só na
Olímpicos – sendo 23 parte piloto do sujeito, foi
delas de ouro. Foram, instantâneo. Na estreia,
também, ao menos cinco pela Jordan, em 1991, lar-
ouros em cada um dos gou na sétima posição,
cinco mundiais de nata- colocando 0,7s (uma eter-
ção que disputou. Isso faz nidade) no companheiro
com que Phelps seja, de equipe, Andrea De
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Cesaris, que só conseguiu a 11ª posição.
Schumacher não teve como mostrar
serviço na corrida (o câmbio quebrou
na largada), mas o desempenho na clas-
sificação bastou para que ele fosse con-
tratado pela italiana Benetton. Na equi-
pe, então de porte médio, ganhou seus
dois primeiros campeonatos.
Outra troca aconteceria em 1996 –
desta vez, para a Ferrari. Afundada em
disputas internas e altamente vulnerá-
vel às pressões da imprensa esportiva
italiana, a equipe era uma bagunça.
Tanto que não ganhava um título des-
de 1979. Schumi topou ir para lá, mas
não foi sozinho: em 1997, levou os prin-
cipais colegas da Benetton, o diretor
técnico Ross Brawn, o projetista Rory
Byrne e suas respectivas equipes.
Mas a coisa não deu certo logo de
cara: o alemão só conseguiu ser campeão
pela Ferrari no ano 2000. E isso exigiu
uma quantidade incalculável de traba-
lho fora das pistas. v“Tarde da noite,
enquanto outros pilotos estavam em
restaurantes ou socializando, Michael
podia ser encontrado na fábrica [da
Ferrari]”, escreveu o ex-piloto america-
no David Coulthard, contemporâneo
de Schumi, em seu livro A Fórmula Ven-
cedora. “Há histórias de que ele aparecia
nas instalações da Ferrari em Maranello,
nos finais de semana sem corrida, só
para ver quem estava no escritório – e
motivar a equipe para trabalhar mais
duro.” Em suma, além de piloto, era um
gestor de primeira linha. Foram 57 vi-
tórias da equipe em 85 corridas entre
os anos de 2000 e 2004.
O piloto alemão detém o recorde de
mais vitórias na carreira: foram 91, em
308 corridas – número que o hexa-
campeão Lewis Hamilton, com 89
vitórias até o fechamento desta edição,
deve superar em breve. Porém, a tra-
jetória de Hamilton na Mercedes é
diferente: o inglês pegou um carro
imbatível já na segunda temporada. Lá,
ele sempre foi um elemento fundamen-
tal num time vencedor. Schumi desen-
volveu seu time vencedor. Soube criar
as condições que precisava para vencer.
Disso, também, é feito o legado das
maiores lendas do esporte. S
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 os 8
0 anos d pernalonga
o

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Texto Rafael Battaglia
Ilustração Thobias Daneluz
Edição Alexandre Versignassi
Design Estúdio Nono
O mundo era bem diferente nos anos
1920. Sem televisão, cinema pratica-
mente fazia parte da cesta básica.
Nos EUA, 70% da população frequen-
tava semanalmente.
Era baratinho. Com o equivalente a
R$ 4 de hoje dava para arranjar até qua-
tro horas de entretenimento. É que, além
do longa-metragem, o público assistia
a reportagens, documentários, curtas
animados e filmes de menor orçamen-
to. Tudo numa sessão só – era como ir
ao cinema ver TV, antes de a TV existir.
Os desenhos funcionavam como um
complemento dessas sessões. Na época,
as técnicas de animação já tinham dado
um bom salto. Havia curtas que adap-
tavam tiras de jornal e personagens
famosos, como o Gato Félix. Mesmo
assim, nenhum estúdio investia pesado
nessa área. Os desenhos eram até mais
simples do que a tecnologia do período
podia prover.
Quem subiu o sarrafo foi Walt Disney,
em 1928, quando Mickey e Minnie de-
ram as caras. Walt produziu Steamboat
Willie, considerada a primeira animação
com som sincronizado. Desenhos an-
teriores até tentavam criar essa harmo-
nia – sem grandes êxitos. No curta de
Disney, contudo, todos os efeitos sono-
ros combinavam perfeitamente com o
que estava na tela. Além da música de
fundo, é possível ouvir o motor do bar-
co, o sino no pescoço da vaca, os gritos
do gato, os batuques nas panelas. Pare-
ce pouca coisa para quem olha de hoje.
Não era.
Em 1929, Walt aprimoraria ainda
mais a combinação de som e imagem
com a série Silly Symphonies (“sinfonias
bobas”). Eram animações surrealistas
que acompanhavam a música de uma
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orquestra que parecia ter
tomado LSD antes de
tocar. Arte pura.
Logo, as sessões com
trabalhos de Walt Disney
passaram a atrair cada vez
mais público. Em 1930, ele
trocou a pequena Celebri-
ty Pictures pela gigante
Columbia, que passou a
distribuir seus desenhos.
Em 1932, outra mudança:
Disney assinou com a
United Artists, que tinha
Charles Chaplin entre os
fundadores. A partir daí,
pavimentaria sua trilha
como o Pelé da animação.
Era hora de os outros
estúdios correrem atrás, e
tentarem produzir algo à
altura da produção de Walt.
Foi o caso da Warner.
O estúdio tinha sido cria-
do em 1923 por quatro
irmãos filhos de imigran-
tes poloneses, os “Warner
brothers” – “Warner”, di-
ga-se, é a americanização
do sobrenome original,
Wonskolaser. Desde o
início, a Warner ficou co-
nhecida por controlar as
três etapas do mercado
cinematográfico: produ-
ção, distribuição e exibi-
ção. Para a empresa, então,
não fazia sentido tercei-
rizar os desenhos – era
preciso criar seu próprio
estúdio de animação.
O encarregado foi o
produtor Leon Schle-
singer, parceiro (e pa-
rente distante) dos ir-
mãos Warner, que
contratou três direto-
res da Disney para
criar, em 1930, uma
série de animações
para fazer frente a
Silly Symphonies.
A i ntenç ão era
t ã o n í t id a q ue
→
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 nem tentaram disfarçar.
A série teria um
nome com significado
idêntico à de Walt Dis-
ney: Looney Tunes.
Sim. Looney Tunes é
uma marca tão forte ho-
je que ninguém costuma
pensar no significado das
palavras – tunes é uma
das palavras para “músi-
ca”; e looney, para “luná-
tico”, “destrambelhado”.
Não contente, a Warner
ainda criaria outro selo
nesse estilo em 1931: o
Merrie Melodies (“melo-
dias alegres”).
Bom, o primeiro dese-
nho Looney Tunes, Sinkin’
in the Bathtub, introduziu
as estrelas mais antigas da
Warner, Bosko e sua na-
morada, Honey (uma cla-
ra cópia de Mickey e Min-
nie). Não chegava a ser
algo à altura da obra da
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Disney, mas quebrava o
galho. Além disso, Sinkin’
in the Bathtub já trazia uma
assinatura da Warner – a
frase de encerramento
“That’s all folks” (“Isso é
tudo, pessoal”).
Foram 57 curtas de
Bosko e Honey em três
anos. Mas Hugh Harman
e Rudolf Ising, dois dos
três diretores que Leon
Schlesinger havia contra-
tado, se desentenderam
com ele e foram para a
Metro-Goldwyn-Mayer,
que dava seus primeiros
passos nas animações (em
1940, o estúdio lançaria
outro clássico octogená-
rio, Tom e Jerry).
Em 1934, Friz Freleng,
o diretor restante, se jun-
tou a alguns jovens ani-
madores para promover
mudanças significativas
nos desenhos da Warner
– dentre esses no- no Silly Symphonies.
vatos estavam no- Os personagens de de-
mes como Bob senho, seja na Warner,
Clampett e Chuck seja na Disney, começa-
Jones. E um ano vam a ganhar vida
depois, em 1935, a própria. Tornavam-se
dupla criou o pri- mais “humanos”. Seres
meiro looney tune com personalidade.
que se tornaria Já com essa filosofia em
eterno: Gaguinho mente, a Warner criou um
(“Porky Pig”, no coadjuvante para Gagui-
original). O nome nho. Ele estreou em
em inglês é um Porky’s Hare Hunt, no qual
trocadilho – pig o porco tenta caçar uma
quer dizer “porco”; lebre maluca, agressiva e
pork é “carne com uma risada estriden-
de porco”. te. Era uma primeira ver-
O porquinho ga- são do Pernalonga – ainda
go e tímido logo sem nome, e sem a cara
conquistou o pú- que você conhece.
blico. Em 1937, o A lebre de 1938 enfren-
neurótico Patolino tou resistência por parte
deu as caras – o dos executivos da War-
outro pato nervoso ner. Eles não viam poten-
dos desenhos, Do- cial para um personagem
nald, tinha estrea- tão agressivo e imprevi-
do três anos antes, sível – a lebre original é
08/09/20 08:21
 cruel com o Gaguinho, dá
uma olhada no YouTube.
GAGUINHO (1935) Mas os animadores insis-
tiram. E longos dois anos
É o primeiro “case” de depois a lebre voltava em
sucesso dos Looney Tu- A Wild Hare, de 1940. Nas-
nes. Pernalonga e Patoli- cia o Pernalonga – Bugs
no estreariam como co- Bunny, no original.
adjuvantes dele. “Bugs” vem de bugsy –
“doidinho”. A palavra, por
sua vez, vem de bug (in-
seto). É como dizer que
alguém tem “insetos na
cabeça”. Já bunny é “coe-
PATOLINO (1937) lhinho”. Pois é: o Perna-
longa é tratado ora como
É o terceiro persona- coelho, ora como lebre
gem mais recorrente (hare) – uma incongruên-
dos desenhos originais, cia que acabou incorpo-
aparecendo em 130 rada à mitologia do per-
curtas de animação. Só sonagem. Enfim. A tra-
perde para Pernalonga dução ao pé da letra seria
(167) e Gaguinho (153). “Coelho Maluco”. A fór-
mula para criar o nome,
aliás, foi a mesma que já
PIU-PIU (1942) tinha sido com o Patolino.
Inicialmente, ele seria O nome original do pato
rosa. O nome original é “Daffy Duck”: “daffy”
do canário é Tweety vem de daft (“doido”, “pi-
(em inglês, tweet é a rado”). “Pato Maluco”.
palavra usada para A Wild Hare, dirigido
sons de pássaro). por Tex Avery, não deu só
nome ao coelho. Também
fincou as raízes para a
FRAJOLA (1945) personalidade dele. Sai o
Seu nome em inglês, temperamento agressivo,
Sylvester, vem de Felis entra a malandragem. Ele
silvestris catus, o gato se tornou um persona-
doméstico. Antes dele, gem debochado, irônico
os curtas tinham ape- e sempre um passo à fren-
nas gatos genéricos. te dos demais. Mas agora
só sacaneava se fosse
incomodado antes. “O
TAZ (1954) Pernalonga é um voyeu-
Apareceu como co- rista: observa a ação de
adjuvante do Perna- longe e escolhe o momen-
longa. Só ficaria po- to certo de agir”, diz Ales-
pular mesmo nos sandro Costa, professor
anos 1990, com a sé- do curso de Arquivologia
rie Taz-Mania.
UFMG e autor de uma
tese sobre a história dos
Looney Tunes. “E, quando
o faz, é sempre com refi-
namento, sofisticação.”
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O Pernalonga é um fi-
lho de muitos pais. Avery,
Jones, Clampett, Fre-
leng… Para montar a per-
sonalidade do coelho, eles
se inspiraram em diversas
figuras da época, como o
humorista Groucho Marx
e o ator Clark Gable – em
especial, seu personagem
falastrão no filme Acon-
teceu Naquela Noite (1934).
Há uma cena, inclusive,
em que Gable aparece
comendo uma cenoura.
Outro pai do Pernalon-
ga é o seu dublador, Mel
Blanc, que ficou conheci-
do como o “homem das
mil vozes”. Blanc sempre
colaborou com a Warner
Bros – é dele a risada da
lebre de Porky’s Hare Hunt,
que depois seria reapro-
veitada em outro perso-
nagem que ele dublou nos
anos 1940, o Pica-Pau.
Mais uma que vale buscar
no YouTube. Para não
perder Blanc, aliás, a War-
ner fez um contrato de
exclusividade. Resultado:
ele chegou a fazer a voz
de 90% dos personagens
do estúdio. Haja gogó.
O fato é que agora, com
o trio de ferro Pernalon-
ga, Gaguinho e Patolino,
a Warner já tinha, sim,
algo para fazer frente a
Walt Disney. E para su-
perá-lo. Na Disney, Mi-
ckey estrelava aventuras
inocentes, e a empresa
estava preocupada em
entender a anatomia de
personagens humanos e
animais. O objetivo ali
era, principalmente, dei-
xar os movimentos ani-
mados da forma mais
real possível (algo que se
consolidaria com seus
longas-metragens, como →
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08/09/20 08:21
 Branca de Neve). A Warner
foi na contramão. Eles
também eram perfeccio-
nistas, mas focavam todos
os seus esforços em outra
área: usar as possibilida-
des surrealistas dos de-
senhos para ampliar o
humor. Basta pensar nos
tiros de espingarda que
faziam o bico do Patolino
parar atrás da cabeça.
A Warner, então, se
tornou uma especialista
na engenharia do humor.
Freleng já tinha virado
professor: dizia que o
tempo era a essência da
comédia, especialmente
o que antecede a piada:
ele não poderia ser muito
curto (para criar o clímax)
nem muito longo (o que
deixaria os espectadores
impacientes). Os anima-
dores também usavam
como recurso a quebra da
quarta parede, que é
quando os personagens
conversam com o público.
Baixos e altos
No começo dos anos 1940,
os desenhos passaram por
um pequeno direciona-
mento editorial: a Segun-
da Guerra. Ao menos 40%
das animações da Warner
desse período eram rela-
cionadas ao conflito. Ser-
viam principalmente
para vender War Bonds –
títulos que o governo
americano vendia ao
público para financiar
o esforço de guerra.
A ação aumentou ainda
mais a popularidade dos
Looney Tunes. O impacto,
inclusive, foi sentido na
rival. A Disney também
passou a investir no hu-
mor escrachado (e inteli-
gente). Principalmente
64 super setembro 2020
SI_419_pernalonga.indd 64
com Donald e Pateta, dois
personagens desajusta-
dos, e mais interessantes,
que o mocinho Mickey.
Com o fim da Guerra,
os Looney Tunes seguiram
como uma força do cine-
ma, criando personagens
como Marvin, o Marciano
(1948) e o Papa-Léguas
(1949), na qual a criação de
novas leis da física chegou
ao auge – quem não lem-
bra do Coiote pairando no
ar com uma bigorna
da ACME?
Na década seguinte, o
estúdio continuou lan-
çando curtas importan-
tes. What’s Opera, Doc?, de
1957, mostra Pernalonga
em uma paródia da obra
do compositor Richard
Wagner. Entrou para
a história.
Nos anos 1960, porém, a
TV se tornou a forma nú-
mero 1 de mídia, e passou
a roubar público do cinema.
Os desenhos também pas-
savam na TV, claro. Mas a
renda era bem menor que
a dos pagantes de ingres-
sos. Quem soube mesmo
fazer essa transição foi
outra companhia, mais
jovem, a Hanna-Barbera.
Eles criaram uma revo-
lução: as sitcoms em forma
de desenho animado. O
maior expoente foi Os
Flintstones. Era a primeira
animação a ser exibida no
horário nobre. Fred e Bar-
ney se tornaram estrelas de
outro patamar: era como
se eles fossem pessoas de
fato. Até comercial de ci-
garro eles fizeram. E pavi-
mentaram todo um novo
gênero na TV – que culmi-
naria, décadas mais tarde,
com Os Simpsons.
A Warner tinha ficado
ANIMANIACS
Com esquetes e nú-
meros musicais, era
estrelado pelos ir-
mãos Yakko, Wakko e
Dot, astros do cinema
mudo (e por isso são
preto e branco). A
premissa: eles foram
trancados na torre
d’água da Warner nos
anos 1920 por serem
malucos demais.
para trás. E, em 1969, de-
cidiu acabar com Looney
Tunes e Merrie Melodies.
Pernalonga e cia. conti-
nuaram a aparecer em
alguns especiais feitos
para TV, mas a produção
não era constante. Quem
cresceu assistindo a eles
nas manhãs de sábado
viam, na maior parte do
tempo, os episódios da
era pré-TV, feitos lá atrás
para o cinema.
As coisas só mudariam
graças a um sujeito cha-
mado Steven Spielberg.
Em 1988, o diretor de
E.T. e sua produtora, a
Amblin Entertainment, se
envolveram no filme Uma
Cilada para Roger Rabbit.
Misturando animação
com atores em carne e
osso, o longa, dirigido por
Robert Zemeckis, promo-
veu o histórico encontro
de vários personagens,
como Mickey e Perna-
longa. Foi um sucesso
de público e levou
três Oscars.
08/09/20 08:21
 TINY TOONS Roger Rabbit provou
que os desenhos clássicos
Inicialmente, a histó- ainda tinham um apelo.
ria dos novos Looney Isso só confirmou as sus-
Tunes foi pensada peitas da Warner. O es-
como filme. Com o túdio já tinha contatado
desenvolvimento, Spielberg em 1987 para
Steven Spielberg e a um projeto de animação.
Warner decidiram O diretor, então, virou
criar uma série, que produtor executivo dessa
teve 98 episódios. nova empreitada, que en-
volveu mais de cem pes-
soas, 18 meses de traba-
PINKY E O CÉREBRO
lho e US$ 25 milhões
Os ratinhos aparece- de orçamento.
ram em Animaniacs Spielberg cuidava de
e, em 1995, ganha- cada detalhe da produção,
ram o próprio show. do desenvolvimento dos
A história era a mes- personagens à aprovação
ma todos os dias:
tentar conquistar o
dos storyboards. A ideia
era retomar o espírito dos
mundo.
Looney Tunes clássicos. Em
1990, a Warner lança Tiny
Toons, estrelada por Per-
ninha, Lilica, Presuntinho
e outras versões jovens
dos primeiros persona-
gens. A metalinguagem
reina ali: o pessoal estuda
na “Looniversidade” para,
no futuro, estrelarem as
animações dos Looney
SI_419_pernalonga.indd 65
Tunes. Foi um hit, assim achei uma ideia boba. Não
como os desenhos que sabia como aquilo viraria
vieram na sequência (veja um filme”, desdenhou Joe
nos boxes ao lado). Pytka, diretor do comer-
Na esteira do sucesso cial e que foi chamado
dos Tiny Toons, o velho para comandar o longa.
Pernalonga conseguiu Pytka mordeu a língua, e
uma recolocação no o filme foi um fenômeno:
rendeu US$ 380 milhões
em valores de hoje.
Em 2002, outro reco-
pernalonga nhecimento. O Pernalon-
ga, que já havia conquis-
foi eleito o tado uma estrela na Cal-
maior çada da Fama na década
de 1980, é eleito o maior
personagem personagem dos car-
toons de todos os tempos
dos cartoons pela TV Guide, uma tra-
de todos os dicional publicação dos
EUA. Outros seis Looney
tempos. Tunes aparecem no Top
50. Hoje, o streaming deu
outra chance aos dese-
nhos. Os Looney Tunes
mercado de trabalho. Em ganharam novos episó-
1992, a Nike promoveu, dios pelo HBO Max –
num comercial, um en- chegam ao Brasil em
contro entre o coelho e 2021. A temporada de
Michael Jordan. Era a caça ao coelho (ou de ca-
semente do filme Space ça ao pato) vai continuar
Jam, de 1996. “De início, por muito tempo. S
08/09/20 08:22
 oráculo ilustrações mama galsi Edição Bruno Vaiano design juliana alencar
3
missões Apollo (7, 8 e 9) ti-
veram surtos de gripe entre
os astronautas. Dentro das
naves, os vírus se sentem
muito bem, obrigado.

vírus
Não. Primeiro, é importante lembrar que vírus não são
propriamente seres vivos. Eles não possuem metabo-
lismo e não se reproduzem por conta própria. Como
seria um bocado estranho falar na morte de algo que

sobrevivem
não está vivo, é mais adequado dizer que os vírus se
tornam inviáveis quando eles perdem a capacidade de
infectar seus hospedeiros. Cada vírus tem um período
de viabilidade diferente – o do HIV dura apenas algumas

ao espaço
poucas horas desabrigado; o da hepatite aguenta semanas.
O novo coronavírus perdura aproximadamente um dia
sozinho em um pedaço de papelão. Depois, não oferece
mais perigo. A resistência aumenta para dois ou três

sideral?
dias em superfícies de plástico ou de aço inoxidável.
Ninguém testou no espaço, mas é improvável que passe
disso (principalmente considerando as doses massivas
de radiação a que seu material genético estaria exposto
@gustavogamagomes, via Instagram sem a proteção da atmosfera terrestre). (1)

66 super setembro 2020

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 Qual a maior equação que existe?
Eunice Félix, Caruaru, PE

Não é possível eleger uma. Um dos motivos é que algumas equações

são infinitas. Nem precisa ir longe, vamos pegar um exemplo de Ensino
Médio: x + x2 + x3 + x4 + x5… = 1. Qual é o valor de x? Note que a equação
segue literalmente para sempre. Nem toda a tinta do cosmos daria conta
de escrevê-la. Depois do x5, virá o x6, e assim por diante. Mesmo assim, a
resposta é simples: x é igual a ½. Outro problema é que é possível grafar
uma mesma equação de duas ou mais maneiras diferentes, e há maneiras
desnecessariamente mais longas. Para se esquivar dessa trapaça, é possível
perguntar: qual é a equação mais longa que não poderia ser expressa de uma
maneira mais simples? Uma candidata a campeã é a “lagrangeana do Modelo
Padrão”, e o jeito é jogá-la no Google (veja um trechinho dela na ilustração à
direita). É uma equação extravagante que resume todo arcabouço da teoria
quântica de campos contemporânea. Lindo demais. (2)

Como o remédio sabe onde Por que venta tanto dentro de

pá pum está doendo? algumas estações de metrô
@duds13, via Instagram subterrâneas?
@viny_mvss, via Instagram
Ele não sabe. Analgésicos orais são
absorvidos pelo sistema digestório Vários motivos. Um é o trem – que empurra
Qual foi o gol mais e lançados na corrente sanguínea. o ar no trecho de túnel à sua frente e suga o ar
distante da história? Ou seja: têm acesso ao corpo todo. que está atrás, causando a ventania caracterís-
@veraode68, Vamos seguir o caminho de uma tica da chegada do comboio à plataforma. Há,
via Instagram molécula de ácido acetilsalicílico, a ainda, uma diferença de pressão atmosférica
91,9 m, em 2013, pelo aspirina. Quando as células de uma entre a superfície e o subterrâneo da estação.
goleiro A. Begovic, que região qualquer do corpo querem O ar sempre tende a sair de um local de maior
chutou da área oposta. avisar o cérebro de que há algo er- pressão (o subterrâneo) para um de menor
rado, elas usam enzimas chamadas pressão (a superfície) de modo a equalizar essa
número incrível ciclooxigenases (COX-1 e COX-2) para diferença. Por isso, é comum sentir o vento
produzir prostaglandinas, lipídeos bater de frente quando você está descendo – e

6.520
que dão um cutucão bioquímico nas de trás quando você está subindo. Estações
terminações nervosas da região pro- com uma dose especial de vendaval, como a
blemática, causando desconforto. O Fradique Coutinho, em São Paulo – Fradique
que a aspirina faz é inibir a ação da Ventinho, para os íntimos –, geralmente tam-
enzimas constam do ciclooxigenase. Ou seja: ela funciona bém sofrem com problemas arquitetônicos.
banco de dados ExPASy, porque tem afinidade com a enzima Quando há corredores estreitos e pés-direitos
da União Internacional que engatilha a dor – e é capaz de baixos em andares intermediários, o ar da pla-
de Bioquímica e Biologia. impedi-la de atuar. Onde não há taforma passa por um “funil” antes de escapar
COX, não há incômodo. (4) lá em cima – e ganha força. (5)
OUTRO DADO
RELEVANTE SEM
NENHUMA LIGAÇÃO
Eu acho coentro

R$ 65,2
Algumas comidas, sim. E o coentro é uma delas. O sabor das coisas
amargo, minha esposa está associado, em grande parte, ao aroma delas. Um dos 400 genes
adora. Comidas têm humanos dedicados ao olfato, o OR6A2 produz uma proteína respon-
gostos diferentes sável por reconhecer compostos orgânicos chamados aldeídos, que dão
milhões. É o quanto para cada pessoa? o cheiro característico do coentro. Versões diferentes desse gene fazem
os Bolsonaros já paga- @jonatas.alb, via seu cérebro interpretar esse vegetal como um temperinho gostoso ou
ram, em salários, para Instagram como algo parecido com sabão. 21% dos habitantes da China e do Japão
parentes empregados e 17% dos europeus têm aversão a coentro, mas a rejeição cai para algo
em seus gabinetes. (3) entre 3% e 7% no México, onde a planta é um tempero popular. (6)

Reportagem: Bruno Carbinatto, Carolina Fioratti, Maria Clara Rossini. Fontes: (1) Natalia Pasternak, microbiologista do ICB-USP; (2) Claudio Possani, matemático do IME-USP; (3) “Família
Bolsonaro pagou R$ 65,2 milhões a parentes empregados em seus gabinetes”, UOL; (4) Johns Hopkins All Children’s Hospital; (5) Rosângela Motta, engenheira de transportes da Poli-USP,
Leonardo Mandelli, engenheiro, ViaQuatro; (6) “A genetic variant near olfactory receptor genes influences cilantro preference”, de Nicholas Eriksson et al.; vídeo “How do we smell?”, TED. setembro 2020 super 67

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 oráculo

o que são os teoremas de gödel?

@tiagocvdo, via Instagram

Vamos começar explicando algo chamado Conjectura de Goldbach – que diz

que todo número par maior que 2 é a soma de dois números primos. Embora
essa propriedade já tenha sido verificada em todos os números pares até 4
sextilhões – isto é, 4 seguido de 18 zeros –, ainda não há prova de que ela valha
para qualquer número, até o infinito. Quando uma conjectura é provada, se
torna um teorema. Alguns teoremas, como o de Fermat, levaram 350 anos para
serem provados. Outros, como o de Pitágoras, têm mais de 350 provas. Até o
começo do século 20, acreditava-se que toda conjectura verdadeira teria no
mínimo uma prova e poderia ser promovida a teorema. Isso demonstraria que
a matemática é uma estrutura consistente, que não dá origem a contradições.
Grosso modo, o que os teoremas da incompletude de Gödel dizem – e perceba:
se eles são teoremas, estão provados, o que dá um toque assustador à coisa
– é que talvez existam conjunturas que são verdadeiras, mas impossíveis de
provar. Quais são elas? Ninguém sabe. Milhares de matemáticos podem estar
se dedicando à conjuntura de Goldbach em vão, por exemplo. O austríaco Kurt
Gödel chegou aos teoremas em 1931, em resposta a uma lista de 23 desafios
para a matemática do século 20, enunciada em 1900 por David Hilbert. O item
três era “provar que a matemática é consistente”. Calhou que não era. (1)

Como as formigas detectam doce em cima da Por que perdemos a

mesa? É pelo cheiro? vontade de espirrar lista
@rodrigosilvasoares, via Instagram quando tapamos o Qual é o console
nariz? mais vendido da
na hora da refeição – que pode ser noturna ou diurna, @naatsimoes, via história?
os hábitos variam entre as 11,5 mil espécies de formigas –, Instagram
as operárias disparam em diversas direções. O primeiro en-
contro com o alimento é na base da tentativa e erro. Como O espirro é uma reação
O Playstation 2. Os 10,8 mil
há vários insetos explorando o cômodo, é quase certo que automática à presença jogos disponíveis venderam
um deles vai tropeçar no chocolate que você deixou aberto de algo irritante – como 1,52 bilhão de cópias. Só o
– ou em uma flor de néctar adocicado, ou em um cupinzeiro, pólen, pó ou pimenta – no GTA: San Andreas vendeu 17,3
no caso de formigas que comem cupins. Os cheiros dessas interior das narinas. Para milhões de discos originais.(4)
(4)
guloseimas ajudam, é claro. A formiga que faz a descoberta que ele ocorra, o cérebro
volta para a colônia raspando o abdômen no chão – o que orquestra a contração Playstation 2
1 155 milhões de
deixa um rastro de feromônios (as moléculas que esses simultânea de diversos
bichinhos usam para transmitir recados bioquímicos). músculos no tronco e na unidades.
Chegando lá, a pioneira dá uma “coçadinha” nas antenas face. Quando vem aquela Nintendo DS
de suas colegas para informar que há uma trilha. As colegas coceirinha pré-espirro e 2 154 milhões.
farejam o feromônio de volta até o chocolate. No caminho, você aperta o nariz – ge-
deixam mais feromônio para reforçar o rastro. (2) ralmente com uma leve Game Boy
massagem –, as termi- 3 118 milhões.
nações do nervo trigênio
localizadas na região se Playstation 4
distraem com o novo es- 4 110 milhões.
PERGUNTE tímulo e interrompem o
AO ORÁCULO circuito eletroquímico que
5
Playstation
Escreva para desencadearia o espirro. 102 milhões.
oraculo@abril.com.br Algo análogo à reação ins-
mencionando sua cidade e tintiva de esfregar a área Nintendo Wii
Estado – ou mande a pergunta 6 101 milhões.
próxima a um machucado
via direct no Instagram.
para maquiar a dor. (3)

68 super setembro 2020

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 Só acredito Qual é o país com São os EUA. No ranking, é interessante
observar as distinções de gênero: em

vendo mais viciados em todos os países, a parcela de homens

viciados é maior que a de mulheres. Mas
drogas ilegais? em países desenvolvidos, com democra-
cias laicas e estáveis, há mais mulheres
dependentes químicas do que nos sub-
desenvolvidos sob regimes autoritários.
LÍBIA
ESTADOS
UNIDOS
4,00%
CANADÁ % de homens viciados
4,03%
% de mulheres viciadas
EMIRADOS 2,81%
1,15%
ÁRABES
2,89%
1,76%
3,68%
AUSTRÁLIA IRÃ

3,07% 3,35%
Fonte: IHME, Global Burden of Disease Collaborative Network, disponível em Our World in Data.

0,94%
AFEGANISTÃO GROENLÂNDIA

3,17%
1,58% NOVA 2,33% 0,59%
ZELÂNDIA

1,64%
1,76% 2,89%
LÍBANO

3,50% 1,26%

BRASIL
0,96%
1,35%

0,78%

Quando um personagem de filme cheira cocaína, o que é mil e um placebos

o pó branco usado pelo ator?
@alexx.qui via Instagram

Nos anos 1980, leite em pó e o bicarbonato de sódio eram muito

usados. Hoje, a alternativa mais comum em Hollywood é um pó de
vitamina B chamado inositol – que, por coincidência, também dá um
aumento na energia. Fermento, farinha de trigo e açúcar de confeitei- O vinho é suco de Os cigarros d e Remédios em cáp-
uva. Uísque é água atores não fuman- sula são só a cápsula,
ro são outras opções (todas um bocado incômodas). A saída menos
com chá-mate – na tes são feitos dos vazia. Balinhas viram
desagradável – nenhuma delas é exatamente gostosa – é inalar soro quantidade certa para mesmos invólucros comprimidos. Às ve-
fisiológico em pó. Uma gama desses produtos costuma ser oferecida obter a tonalidade. O dos cigarros comuns, zes, encomendam-se
aos atores com antecedência para que eles experimentem e avaliem champanhe é água mas recheados com placebos em farmá-
como se sentem com cada substância. (5) com gás e guaraná. artemísia e camomila. cias de manipulação.

Fontes: (1) Vídeo “Gödel’s Incompleteness Theorem” no canal Numberphile com Marcus du Sautoy, matemático da Universidade de Oxford; (2) Paulo
S. Oliveira, biólogo da Unicamp; (3) artigos Sneeze-evoking region within the brainstem” e “Snap, crackle and pop: when sneezing leads to crackling in
the neck”; (4) “150 million PS2 units shipped worldwide”, GameSpot Asia, disponível no Wayback Machine; (5) Ana Rita Bueno, diretora de arte. setembro 2020 super 69

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 oráculo

Moedas de jogos online Nossos olhos ficam

sofrem inflação?
@sergio.rojo_, via
Instagram
Sim. Em MMORPGs – sigla que
significa Multiplayer Online em
Massa –, os jogadores podem
fazer transações e negociar
entre si, e não apenas com o
servidor. É nesses casos que a
inflação aparece. Jogos como
World of Warcraft (WoW) e
Diablo são vítimas do processo.
Por exemplo: em WoW, cada
vez que um jogador mata um
monstro, uns trocados caem
parados enquanto
estamos dormindo?
@raquelasds via
Instagram
Você já deve ter ouvido fa-
lar em sono REM – a fase em
que sonhamos, que equivale
a 20% ou 25% da duração
da noite. Pois é: a sigla REM
significa rapid eye movement
(em português, “movimento
rápido dos olhos”). Enquan-
to você sonha, seus olhos
se mexem freneticamente
debaixo das pálpebras fe-

por que a
na conta. Essa grana é criada
do nada e injetada no jogo. Não
há controle sobre a emissão de
moeda (principalmente após o
chadas. A atividade elétrica
no cérebro, nesse período, é
parecida com a verificada
quando estamos acordados

Calvície segue
advento de bots, que matam
monstros no piloto automático
enquanto o gamer dorme). Por
isso, a moeda desvalorizou e o
e alguém nos pede para
lembrar da aparência de
um objeto. Ou seja: os olhos
se movem cada vez que

um desenho?
escambo se disseminou dentro puxamos da memória uma
do jogo. Quer um escudo? Pa- imagem que será usada para
gue uma espada. (2) montar o sonho. (3)

@maisbarbaridade, via Instagram

Tudo começa com as entradas acima da testa. Depois,

caem as telhas do cocoruto. Os para-lamas acima das orelhas,
porém, são preservados. Por quê? Os folículos capilares param lost in
de produzir novos fios sob influência de um hormônio chamado
dihidrotestosterona (DHT). A sensibilidade ao DHT é parcial-
translation Uma uva
Origem Islândia
mente hereditária. O paradoxo, porém, é que o mesmo DHT que passa no final do
desmata o topo da cabeça promove o crescimento de pelos na cachorro-quente
barba e nos para-lamas. Os folículos dessas áreas reagem de
maneiras opostas ao hormônio. Os cientistas já sabem que as
áreas do escalpo propensas à calvície provêm de uma camada
embrionária diferente da que forma a pele da barba e em torno
í Pylsuendanum
dos ouvidos. Mas ainda não descobriram por que só os folículos E você achando que purê no dog era ruim: os islandeses usam essa
expressão quando algo já está bom e surge uma surpresa melhor ainda.
originários de uma certa parte do embrião são mais frágeis. (1)

Para o grego, são um fracasso

pensando Um quadro tanto a tela branca que desafia o
status quo quanto um retrato como
bem... todo branco a Mona Lisa. Afinal, são ambos imi-
tações imperfeitas, respectivamente,
Filósofos de é arte? Ou de uma ideia anti-establishment e de
ontem opinam em
assuntos de hoje
os artistas uma mulher. A arte é apenas uma
tentativa de cópia do mundo real,
por Bruno Vaiano modernos são Platão que por sua vez contém imitações
loucos? 428 a.C. - 348 a.C. imperfeitas do mundo das ideias.

70 super setembro 2020 Imagens Wikimedia Commons / Divulgação

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 manual
por Rafael
Battaglia
Aqui ou acolá
Há duas frequências de
Wi-Fi: 5 GHz funciona
bem perto do roteador.
2,4 GHz é melhor
de longe. Alguns
roteadores permitem
criar uma rede em cada
frequência. Dentro da
frequência 2,4 GHz,
há 14 canais. Verifique
com um app se você
está no mesmo que o
vizinho – e mude.
Para saber mais
WiFi Analyser (Android):
Ele compara as redes dos vizinhos e
diz quais são os canais com menos
interferência. Cada canal é uma
frequência entre 2,4 e 2,5 GHz. Use
a faixa menos “congestionada”.
Roland Barthes
1915 – 1980
Fontes: (1) Ralph M. Trüeb, dermatologista da Universidade de Zurique; (2) Lucas Bassotto, economista da Nox Bitcoin; (3) artigo “Single-neuron activity
and eye movements during human REM sleep and awake vision”, Thomas Andrillon et al.; (4) livro O que Nietzsche Faria?, de Marcus Weeks.
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Como melhorar o
Wi-Fi da sua casa?
Feng shui Busque reforços
Portas, paredes e Com apps que medem
superfícies de metal a velocidade da sua
interferem no sinal. internet, monte um
Posicione o roteador mapa de sinal: teste
no centro da sua casa, a conexão em cada
ou no local em que cômodo e veja onde
ele é mais usado. Se está ruim. Daí, é um
puder, ponha-o em jogo de tentativa e
uma prateleira alta: erro para melhorar a
o chão atrapalha a situação. Em último
propagação da rede. caso, você pode com-
Em sobrados, instale-o prar gadgets auxilia-
no andar de cima. res, como antenas ou
repetidores de sinal.
roteador velho?
Troque aquele
insetão cheio de
antenas por roteado-
res do tipo mesh. Você
compra duas ou três
unidades e espalha
pelos cômodos. Cada
uma fortalece o sinal
do outra, e a casa fica
toda coberta. Dê um
Google em “roteado-
res mesh”e vá na fé.
Funciona.
Apps e afins
Speedtest Anatel Consumidor E um pouco de física:
(Android, IOS, navegador): (Android, IOS): Frequências mais altas (5 GHz
É um medidor de velocidade Usado para fazer reclamações a em vez de 2,4 GHz) têm ondas
de internet, para embasar a empresas de telecom. Outro app, eletromagnéticas mais curtas,
reclamação à Anatel caso seu o Anatel Comparador de Ofertas, que não conseguem transpor tão
pacote de 10 Mb entregue só 4 Mb. indica a operadora mais barata. bem paredes e móveis.
Depende. Se você acha que Se os críticos dizem que é, então
é, então é arte para você. Uma é. Nem toda tela branca ou mictório
obra de arte não se define pela dadaísta são celebrados. Ao expor
intenção do autor. Ela gera rea- em uma galeria, um artista submete
ções diferentes em cada obser- sua obra à avaliação de pessoas que
vador, conforme seu repertório conhecem história e teoria da arte.
e cultura. Um nativo do Alasca Na prática, são elas que decidem se
que não sabe da importância o trabalho vale ou não. Opiniões de
do Renascimento e de Da Vinci
George Dickie leigo não têm vez. (Será que deve-
pensaria o que da Mona Lisa? 1926 – riam ter? Essa é outra questão.) (4)
setembro 2020 super 71
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 e se... realidades paralelas
E se os chineses tivessem
colonizado a américa?
8 de novembro de 1519. Após des-
truir as cidades astecas de Cempoala
e Choula, o colonizador espanhol Her-
nán Cortéz marcha com sua comitiva
pelo atual território do México, rumo
a Tenochtitlán. O grupo não é muito
impressionante: ao longo de seu cami-
nho, entre doenças, tiros e golpes dos
nativos, os 500 que desembarcaram
haviam se transformado em 190.
Cortéz até havia tentado fazer alian-
ças com os mexicas – o grupo étnico na-
tivo que fundou o Império Asteca –, mas,
ao saber o que o espanhol pretendia, eles
se recusaram. Mexer com os zanhuitz
(“estrangeiros”), como eram conhecidos
na América, era pedir por encrenca. As
cartas em caracteres estranhos, que um
membro da expedição dizia reconhecer
como chinês, pouco fizeram para desen-
corajar o conquistador. Contra todos
os conselhos, cobiçoso das riquezas da
capital Tenochtitlán, ele marcha.
A primeira coisa a aparecer no ho-
rizonte são os pagodes budistas (tem-
plos em forma de torre, com múltiplos
beirais). Depois, surge o topo de uma
mesquita – visão particularmente odio-
sa aos espanhóis, que haviam acabado de
expulsar os mouros da Península Ibérica.
Um canhonaço de aviso soa ao fundo.
Logo vem a primeira saraivada de balas
e flechas disparadas por bestas. O cavalo
de Cortéz tomba sob o fogo. Pouco mais
de uma dezena de sobreviventes corre
para longe da cidade, perseguidos pela
coalizão sino-asteca. Esse dia entraria
para os anais da história espanhola co-
mo A Tragédia de Tenochtitlán.
72 super setembro 2020
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Texto Fábio Marton
De volta à vida real. Ao considerar
a possibilidade de que os chineses ti-
vessem colonizado a América antes dos
ibéricos, a primeira pergunta a fazer é:
o que eles iriam querer com o nosso
continente? No século 15, os chineses
de fato realizaram expedições maríti-
mas longas o suficiente para inspirar
este texto. Acontece que essas viagens
tinham uma motivação bem diferente
das realizadas pelos europeus.
O almirante eunuco (isto é, castrado)
Zheng He partiu da China pela primeira
vez em 1405, a pedido do imperador
Yongle, e continuaria viajando até sua
morte, em 1433. Suas viagens levaram à
China riquezas exóticas de terras distan-
tes, como pedras preciosas, ébano, chi-
fres de rinoceronte e âmbar-gris. Até gi-
rafas africanas chegaram de navio. Mas
o maior tesouro foram embaixadores de
várias nações – que embarcaram pelo
caminho para visitar a China, conhecer
o imperador e declarar fidelidade.
Apesar dessa pretensão toda, a China
não era de estabelecer colônias além-
-mar. Apenas se expandiu em direção
aos vizinhos contíguos. Suponha, então,
que Zheng He viesse dar nas costas
americanas em busca de vassalos. Ele
não faria isso cruzando o Pacífico – uma
travessia perigosa. As viagens de Zheng
He geralmente contornavam a costa, de
maneira similar ao que faziam os co-
merciantes árabes de seda e especiarias
pelo sul da Ásia. A expedição, então,
seguiria o traçado da costa da Sibéria
até o Estreito de Bering – percorrendo
depois o sul do Alasca e a costa oeste
Teríamos uma América
Latina com mais crenças
e religiões – e uma
participação política
mais firme de seus
habitantes originais.
da América do Norte; coletando embai-
xadores e travando relações diplomá-
ticas cordiais no caminho. No México,
porém, as coisas poderiam assumir um
rumo interessante.
Ainda que os visitantes da Ásia não
fossem tão gananciosos quanto os es-
panhóis, eles obviamente se interessa-
riam pelo ouro, prata e cobre abundan-
tes na América. Obtê-los em troca de
manufaturas seria a forma de comércio
favorita dos chineses, a exemplo das
relações que eles estabeleceram com
outros povos asiáticos. Se navegassem
mais ao Sul e conhecessem os povos
andinos, nos atuais territórios do Peru
e do Chile, melhor ainda.
O imperador chinês se mobili-
zava para ajudar seus vassalos mais
próximos. Em 1592, por exemplo, de-
fendeu seus aliados coreanos de uma
invasão japonesa. Ou seja: quando os
espanhóis chegassem por aqui, talvez
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 encontrassem os nativos guarnecidos
por tecnologia e tropas chinesas. Além
disso, um ataque aos amigos da China
na América repercutiria de maneira
negativa nos negócios espanhóis na
Ásia. Mesmo que os astecas e chineses
estacionados no México não tivessem
como enviar um mensageiro a Pequim
para avisar da chegada dos europeus, os
portugueses, rivais dos espanhóis no
comércio com a Ásia, ficariam felizes
em dedurar a invasão.
Essa aliança sino-asteca não só atra-
palharia a colonização espanhola do
lado de cá como faria a China mais
forte do lado de lá, por conta do ouro
das Américas. As missões do almirante
Zheng He foram cortadas após a morte
do imperador Yongle, sob influência
de elites econômicas que queriam ti-
rar o poder do Estado sobre as trocas
comerciais. Uma relação robusta com
a América (que teria um nome, quem
Foto Yuanyuan Yan/Getty images
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sabe dōngbù lingyù, “terras do Leste”)
poderia ter preservado o interesse dos
chineses na navegação e limitado a ex-
pansão imperialista europeia na Idade
Moderna. Os europeus poderiam ter
dominado a África e a costa leste da
América, como fizeram, mas não se
arriscariam na Ásia.
Os astecas também escapariam da
imposição do catolicismo. Por um lado,
os chineses abominariam o sacrifício
humano. Por outro, eles têm uma cultu-
ra sincrética e poderiam não só tolerar
como importar deuses da América. A
serpente emplumada Quetzalcoatl, um
dos principais deuses astecas, é visu-
almente quase idêntica a um dragão
chinês. E aqui há algo curioso: o almi-
rante Zheng He não era budista, e sim
islâmico. Ele poderia tentar um pequeno
trabalho missionário, fazendo o Alcorão
chegar à América antes do cristianismo.
Boas relações à parte, os chineses
trariam as mesmas doenças do Velho
Mundo, como a varíola, que dizimou
nativos pelo continente inteiro, matan-
do muito mais que as armas espanholas.
Historiadores estimam que algo entre
80% e 95% da população do continente
americano tenha padecido com micró-
bios importados no primeiro século
após o contato com os europeus. Com
os chineses, dependendo da intensida-
de e frequência das interações, poderia
acontecer o mesmo.
Somando tudo, os chineses se-
riam bênção e maldição: trariam os
mesmos vírus, mas também blinda-
riam os povos nativos contra os es-
panhóis. Colombo, Cabral e cia. não
deixariam de estabelecer colônias,
mas seriam mais contidos. Teríamos
uma América com mais memória,
relíquias arqueológicas preservadas
e participação política de seus habi-
tantes originais. S
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08/09/20 13:14
 última página desculpa qualquer coisa e até logo

Nomes de pet
Estes são os nomes mais comuns para oito raças (+ vira-latas). Os dados
são da DogHero, um hub de hospedagem para cães, e foram levantados
com base em mais de 1 milhão de pets no Brasil. Achou a Mel na lista?
Infográfico Maria Clara Rossini e Carlos Eduardo Hara

MAIS COMUM

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V I R A - L ATA

LEGENDA
Nomes comuns em ambos os portes
Mais comuns em raças de grande porte
Mais comuns em raças de pequeno porte

74 super setembro 2020 Fonte DogHero

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1246966-SUPERINTERESSANTE-1_1-1.indd 75 08/09/2020 15:09:54
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