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biblioteca borges word oral avi arriguect jr. hheloisa jan jonge schwartz maria emilia bender ficgdes (1944) jorge luis borges tnadugie dav arrigueci jr pierre menard, autor do guixote pare Sling Oeape AA obra visivel que deixou este romancista pode ser fil & brevemente relacionada. Sio, portanto, imperdosiveis as fomissbes e adigies perpetradas por madame Henri Bache- bier num eatélogofalaz que certo oral, cuja tendéncia pro testante io € nenhum segredo, tove a desconsideragio de infligira seus deptoréveisleitores — se bem que estes sean Poucos e calvinista, quando no magons e cireuneisos. Os amigos auténticos de Menard virarn com alarme esse cat Jogo e mesmo com certa tristeza. Di-se-ia que ainda ontem 406 reunimes perante 9 mérmore final, em meio aos cipres- tes infaustes, jo Erro trata de empanar-The a Meméria Pecididamente, uma breve retficagiofaz-se inevitivel Sei que é muito ficil recusar minha pobre autoridade Espero, no entanto, que nio me profbam mencionar dois altos testemunhos. A baronesa de Bacourt (ern eujes ven dredisinesqueciveis tive a honra de onlecer 0 pranteado Poeta) houve por bem aprovar as linhas que seguem. A condessa de Bagnoregio, um dos espiritos mais finos do principado de Ménaco (e agora de Pittsburg, Pennsylvania, depois de suas recentes bodas com o filantropo internacio- nal Simon Kautasch, tao ealuniado — ait — pelas vitisnas| » de suas desinteressadas manobras), sacrificou “8 veracida- dee morte” (80 dela taispalavras) a senhoril reserva que a dlistingue e, numa carta aberta publicada na revista Lee, ‘igualmente me concede seu beneplicito, Eves titulos de nnobreza ni sero, rei, insfcientes. Disse que a obra usfoe! de Menard é facilmente rela ciondvel, Tendo examinado com esmero seu arquivo par ticular, verifiquei que consta das seguintes pegas A Um soneto simbotista que aparecen duas vezes (com variantes) na revista La congue (niimeros de marco © ‘outubro de 1899). 5 Uma monografia sobre a possibilidade de formar un vocabulério poético de conecites que nio sejam sindni ‘mos ou perifrases dos que constituern a linguagem Corrente, “mas objetos ideais ciadas por uma conven. {lo e essencialmente destinados As necessidaules posti- ‘as” (Nimes, 1901). © Uma monografia sobre “cert des” do pensamento de Descartes, Leibniz e John Wil kins (Nimes, 1905). Uma monografia sobre a Characteristica untversalis ide Leibniz (Nines, 1904), 8 Um artigo téenico sobre a possibilidade de enriquecer © xadrez eliminando um dos pedes dle torre, Menard Propée, recomend, discute e acaba por recusar essa inovagio, ¥ Uma monografia sobre a Ars magna generalis de Ramén Lull (Nimes, 906), Uma tradugio com prélogo e notas do Libro de la in vencién liberal y arte del juego del ajedrez de Ruy Lépe de Segura (Paris, 1907). ‘onexdes on afinida 0s rascuntios de uma monografia sobre a Lgica sim bilica de George Boole, 1 Um exam das leis métriasessenciais da prosafran- cess, ilustrado com exemplos de Saint Simon (Rene des langues romanes, Montpellier, outubro de 09). 4 Uma répica a Lue Durtan (que tinha negulos ote tencia esses les), ilutrada com exemplos de Lae Durtain Retwe des langues romanes, Montpellies de. zembro de 1909). X Uma tradugio manuserita da Agua de navegar edtos de Quevedo, imtinulada La Boussole den priiene 1 Um prefici a calogo da exposgio de Htografas de Carolus Hourcade (Nimes, i) M A obra Les probimes dun probleme (Pars, 191), que diseute em ordem eronolégica as solugses desire problema de Aquiles a tartanuga. Duas eigdes deste Tivo aparaceram até agora segunda tar com epi arafeoconselho de Leibniz “Ne craigner point, mien sicut la tortue”, e renova os capiculos dedicados a Russell e Descartes Uma obstnada ands dos “hibitos sntticas”de-Tou let (NRE, margo de 1921). Menard — record. dleelarava que censura ¢elogiar so operagdes sent ‘mentais que nada tém a ver com a erica, © Uma eransposigio em alexandrines do. Cimecioe ‘marin de Paul Vary (N.R.F, jmeivo de 1ya8) Uma inveciva contra Pal Vary nas Hoja pare la se presi dela realidad, de Inoques Reboul. (ee vets a diga-se entre partntesis, 0 reversoexato da verda dra opin dele sobre Vary. Fate assim a entender 4 velhaamizade entre os dos nio eorreu periga) Uma “definigio” da condessa de Bagnoregio, no “vi- pasa eee ar tae cea Gabriele ¢’Annunsio — que essa dama publica, anual- ris equivacos do jorma- ae ae ee a ee tution dew pos, eo expan (amen em ae ieeat ate epee eee erent tea ou aprestada 1 Un cielo de admirvels sonetos para a baronet do Bacourt (1934). Jin Tita manna de vrs cua efllcaw deve b Aidaqa Gem outa omino ao ver unt vagos vn tos Grounds pura o hoster detsoe, bum de madame Henri Bacelies), a brn wise! de Menard, tm ord conolgien. Pano agora houta: a aubeeri eee ee ers see et eee Te Be aes patet Water eT Raa la, ates al gles de Sooo arpa, cota do expitulo ike do orn de primeira pare do Dam Cuizte oda tn fngunenta Go epi Sel sil afirmagio parece um disparate jutifiar owe “dnpara- te” € ober primordial devs nova? see ox carte erlca r c a I Na lies de Pr Mini ak bd vig da ar ee a aetna a 2 Tie tm 9 pronto wcunnod erbograinngem de Pi a con es omen on ae ea eae oe ae de Calis Hore? ‘ois textos de valor desigualinspiraram a empreitada Um é 0 fragmento filoligico de Novalis —o de mimere 2005 haa edigdo de Dresden — que esboca o tema da toa? ‘dentificapao com um autor determinade, O outzo é um desses livros parustiris que situam Cristo mum bulevan Hamlet na Camnebiére ou Dom Quixote em Wall Street Coma todo homem de bom gosto, Menard abominava essen ‘camavais imiteis, capazes somente — dizia — de ocasie. nar @ prazer plebeu do anacronismo ou (0 que & pior) de nos deleitar com a idéia primiria de que todas as épocas ‘fo iguais ou diferentes, Mais interessante, embora de exe. ‘custo contraditiae superficial, parecia-Ihe o famosa pro. Pésito de Daudet:conjugar numa sb figura, que é Tartan, o Engenhoso Fidalgo e seu escudeizo.. Aqueles que insi, uaram que Menard dedicou a vida a eserever um Quivo ‘econtemporineo, caluniamn sua limpida meméria, Fle no queria comport outro Quizore—o que seria ficil—mas 0 Quixote. Initil acrescentar que minca Jevou em comta uma transcrigéo mevénica do original ‘do se propunha copidclo, Sua admirivel ambigao era Produzie piginas que coincidissem — palavra por pala ‘rae linha por linha — com as de Miguel de Cervantes “Meu propésito é meramente assombroso”, escreveu. ‘me de Bayonne, no dia 30 de setembro de 1954. “O termo final de uma demonstragao teoldgica ou metafisiea ‘mundo exterior, Deus, a easualidade, as formas universais — nfo é menos anterior e comum que meu divulgade wo ‘mance, A tinica diferenga & que os filésofos publicam em ‘agradiveis volumes as etapas intermedirias de sou traba. Iho e eu resolvi perdé-as.” Com efeito, nfo resta um sb ‘ascunho que testemunhe esse esforga de anos. Otel oe ttt eect gel. Conner bem o eoparlrcupea etic, rer sonra os moun Ov cor eure eeuccer Nimdrn da Barpa nie or ane de Gone de ger Miguel de Cervaien Pere Menard rou et ce dimer (al que ehegow a manjer com busants Re dade ep do slo), mas no odwcarton pea Suede, Aes pela impenlidade ko eltor De teordo mast emprelads ea de untemfo impale Ae edo or ilo poi pra lvl terme, ee ers menos iteromasie Sern cil vs omtoce. ts poplar do seule pecan ma cml Son do agua forms, Carrntse chega co Quiz Pu recursos irda — por exogulne enc ne reMente— continua endo Fire Menard» chegr one reir expres de tra Menor {laconic de peeager leon ox ics © De Sloget gifs Tagua aa tn Durie te Trp plloga ta is Gus poronages EMecetes se le a tone ogee taro Quiz ang dene perviage eno de Me eet ee ee acetate) “Min empren nl 6 dif emeniaiment eo no tr eto dcr, "Dasari que eu fe mortal para Index ea” Conssrel gue coum imagine qu clea arminose que lee Quis — doo Quiste— como m Morar tive pends? Notes era cof. Thea capil avi que ele ouca enna eo. ted © arile de mai binip wee guns ra Trot frm ecepclna an ila donate don nie Hs", Ha enjungt ees de um seve moral com Seay ieare te A meats ars wae ae sree speare que discutimos uma tarde, Where a malignant and a turbaned Turk, nalO" se presinamente © Quiz, diet momo legs a prefer num euro ‘chiar dvd au nance Iie serine de Poo su ger ee ferou Mallarmé que geo Yas guage ae Tete A cara cio cds ling oe te 20 eclrce Moar, ntene me tani oe fat nfo ne puree, como die nasal Nae ioagiarounverd sem a interes ne At, bear in mind this garden was enchanted Sintome cette ire ou 0 Ancient Mariner nto chtant, alrmarn, Capt? de imaginé-to sem o Quizoe (elo we? Talmente; de minka capacidade pessoa, nao 40 ressondn. a histrica das obras) O Quizote ¢ um lives contingente, 6 Guitote nto é necessirio. Poso premedites nt ceserita, dine net Perconr também os entremescs os soe Gia, Gaeta ws Novels exemplars es abel som {livida penosos de Perils ¢ Scptimunia one Viagern ao Sama Minka lembranga geral do Quiees simplifica- spel osucimentee pela indiereng, pod muito bem “auivaler 4 imprecisto da imagem anerir de as tenn fo escrito, Uma ver postulada esta imagem (que com toda a justga ninguém pode me negar),é indiscutivel que ‘meu problema é bastante mais dificil que o de Gervanres Meu complacente precursor niorejeitou acolaboragto de caso: a compondo a obra imortal um pouco 2 la diab, levado pela inéreia da linguagem e da invengio, En, de ‘minha parte, assumi o misterioso dever de reconstruir li, teralmente sua obra espontinen. Meu jogo slitdrio & go vernado por duas leis polares. A primeira permite-me ensaiar variantes de cardter formal ou psicalégico: ase. gunda obriga-me a sacrificd-Ias ao texto ‘original’ ¢ considera de um modo irrefutivel esen miquilagio.. A essas travas artificiais 6 preciso somar autra, congénia, Compor 0 Quixote em prineipios do steulo xvit era ume empreitaarazoivel, necessiria, quem se fatal; em prin lpios do stculo xx, é quase impossive. Trenentos anos no {ranscorreram em vio, carregados como foram de om. Dlexissimos fatos. Rntre eles, para apenas mencionar ven 0 proprio Quixote.” Apesar desses és abstéculos,ofragmentirio Quivote de Menard & mais sutil que o de Cervantes. Este, de uma orma tosca, opie as fiogdes cavalhiirescas & pobre realida de provinciana de seu pais; Menard escolhe como “realida de" aterra de Carmen daranteoséeulo de Lepantoe Lape Que espantioladas essa escolha nio teria sugerido a Manni, ce Barris ou ao doutor Rodriguez Larretal Menard, eon toda a natoralidade, evita-as. Em sua obra nko hé cig 5, em conquistadores, nem misticas, nem Filipe nem ‘autos de-fé, Proscreve a cor local ou ato lhe da atengh Esse dlesdém indica um sentido novo do romance histdvios Hsse desdém condena inapelavelmente Salammbd, Nao menos assombroso é considerar capitules isolados. Por exemplo examinemos o xxv da primeira parte, que “trata do curioso discurso que fez Dom Quixote sobre as armas © as letras”. E sabido que Dom Quixote (como Que- vedo em passagem anloga,e posterior, de La hora de todos) julga o pleito contra as letras ¢em favor das armas, Cervan. tes era um velho militar: seu julgamento se explica, Mas {que o Dom Quixote de Pierre Menard — homem conten. Dorineo de La truhison des clerese de Bertrand Russell ‘eincida nessns nebulosas sofistcarias! Madame Bachelier viu nelas uma admirévele tipica subordinagfo do autor A Psicologia do herbi; outros (de maneira nada perspicst), luma transcricdo do Quizote a baronesa de Bacourt, ain Aluéncia de Niotasche. A essa tercera interprewagao (que Teputo irrefutivel) nao soi se me atreverci a acreseenvar Juma quarta, que condiz muita bem com a quase divina mo. sta de Pierre Menart: seu habitoresignadl ou irdnien de ropagar idias que era oestritoreverso das que prefer, Gememoremos outra vex sua diatribe contra Paul Valéry na efémora folha surrealista de Jacques Reboul) O texto de Gervantes¢ 0 de Menard sio verbalmente idénticos, mes 6 Segundo & quase infinitamente mais rico. (Mais ambiguo, dirfo seus detratores; masa ambigtiidade é uma riquezs ) f uma revelagio cotejar © Dom Quixote de Menard ‘com o de Cervantes. Hate, por exemplo, ecreveu (Dom ‘Quicote, primeira parte, capitulo 1); ‘verdade, ja mae é a histria, mula do tempo, depisto das agte,tstemunha do passade, exemple ¢avivo da pre. sent advertincia do futuro Redigida no século xvu, redigida pelo “ingenio lego™* Corvantes, essa enumeragio & um mero elogio retético da historia. Menard, em contrapartida, escreve: «a verdade,ewja mae €ahistria, éraula do tempo, depsito las ages, testemunha do pasado, exemple avis do pre- sente, adverincia do futuro A kinda, med verdad la anomivn. Me Bas ested ees entrant ee eee eee ea Be pee eee tere ee oa \que julgames que aconteoen. As clénsalax i cde Se ts eas ca era ence pe ee Re rte eee erie erie eter eee Rete nee eee eras Breer eet ‘Sto eerdo imc que os fal in nan err Bae ee area nea eee ner ra ae eae eee ate Sea tne ni" Cale dae Meare ane do eet ere eeene pins wt ria cess Gan ban see oe eats Seen een eee etre Nada tém de novo essas comprovagiesnillstas; sing lar & a decisio que delas derivon Pierre Menard. Resol Yeu adinntar-se & vaidade que aguarda todas as fadigas ‘to homer; empreendeu uma tarefa complexissima e de antemio fil. Dedicou seus escripulos evigilias a repe tir num idioma alheio um Livro preexistente. Multpli ou os rascunhos; corrigiu tenazmente e rasyou milhares| de paginas manuseritas Néo permitiu que ninguém as examinasse e euidou de que nio Ihe sobrevivessem, Ein, vio procurei reconstrut-las. Refleti que é licito ver no Quizote “final” uma espéecie de palimpsesto, no qual devem transparecer os trag0s — 'énues amas nio indecifraveis— da escrita “prévia” de ‘nosso amigo. Infelizmente, apenas um segundo Pierre Menard, invertendo o trabalho do anterior, poderia exu. ‘mar e ressuscitar essas Troias.. “Pensa, analisa,inventar [escreveu-me também] nko So atos andmalos, slo a respiragfo normal da inteligéncia, Glorificar o ocasional cumprimento dessa fungi, entesou- ar antigos ¢ alheios pensamentos, recordar com incrédula cstupefagio 0 que 0 doctor universal pensou, & confessar poss Ianguider ou nossa barbivie, Todo homem deve ser ‘capar de todas as idéias ¢ entendo que no futuro seri.” ‘Menard (talver sem querer) enriquecea mediante uma ‘denica nova a arte detida e rudimentar da leitura:a deni a do anacronismo deliberado e das atribuigBes errOneas, 3 Lenn de ses cadetoe quien ds mgr rag dopo. cule simbolo gored era dent Nocera er ‘sede amin pelos seabaldes de Nini cniumava lve onigae adeno ater ana alegre fou Nimes 1959 sn" Aft tng sive eae que ims inn dem canta on tases he, "actos inp elo mane t Wie Qe ‘aig aoe haran doin Sones Cea deht pieigen ou pone unt bat wn ‘alnutamente fate paso Une eae rinse Oy diay ck dine quel Dee Reto g circullares”, que é uma das narrativas do liveo O jardin ativas do liveo O jardin de eredas que se bifurcam. gat 8 a biblioteca de babel iy this art you may contemplate the waraton of the 23 leer. The Anatomy of Meany, art, men (0 universo (que outros chamam a Biblioteca) & compos tode umm mimero indefinido,etalver infinito, de galerias hexagonais, cam vastos pogos de ventilagio no meio, cer ceados por balaustradas baixissimas. De qualquer hexé: {gono, véem-se 0s andares inferiores ¢ superiores: inter wvelmente, A distribuigio das galerias é invaridvel c prateleiras, com cinco longas prateleiras por lado, eobrem todos 0$ ados menos dois sua altura, que éa dos tndares, mal ultrapassa a de um biblioteedrio normal ima dass faces livres dA para um corredor apertado, que desemboca noutra galeria, idéntica A primeira e a todas A eaquorda e & direita do corredor ha dois gabinetes mi inisculos. Um permite dormir em pé;o outro, satisfazer ‘as necessidades finais, Por ai passa a escada espiral, que se abisma e se eleva rumo ao mais remoto, No corredor hha un espelho, que fielmente duplica as aparéncias. Os homens costumam inferie desse espelho que a Biblioteca nfo é infinita (e 0 fosse realmente, para que essa dupli cagio ilusbria?); eu prefiro sonhar que as superficies poli das figuram e prometem o infinite... luz procede de tums frutasesféricas que levam 0 nome de Kimpadas. HA © uas em cada hexégono: transversais, A luz que emiten é insuficiente, incessante Como tories os homens da Biblioteca, viajei em minha ‘mocidade; peregrine’ em busea de win livro talver o ea logo dos catélogos; agora que meus alhos quase no podem Aecifrar o que escrevo, prepero-me para morver a umas ‘Poweasléguas do hexdgono onde nasci. Morto, nfo faltarao ios piedosas que me atirem pela balaustradas minha se Pultura seré o ar insondavel; meu corpo afundaré longa- ‘mente e se corromperd e dissolver4 no vento gerado pela queda, que ¢ infinita. Eu afirmo que a Biblioteca ¢ inter ‘mindvel Os idealistas argiem que as salas hexagonais uma forma nevessiria do espago absoluto ou, pelo menos, ‘te nossa intuigGo do espago. Argumentam que é inconceb vel uma sala triangular ou pentagonal, (Os misticos pre tendem que 0 éxtase lhes revele uma cdmara eireular com, ‘um grande Livro circular de lombada continua, que dé toda a volta das paredes; seu testemunho & porém, suspeito; ‘suas palavras, obscuras. Esse ivrociclico 6 Deus.) Por en ‘quanto, parece-me suficiente repetiro ditame elisseo: "A Bibliotea 6 uma esfera uo verdadeito centro & qualquer hexdgono e cuja cireunferéncia € inacessivel” A cada um dos muros de cada hexégano correspon dom cinco prateleiras; cada prateleira contém trinta & dois livros de formato uniforme; cada livro vem quatro- centas e der piginas; eada pigina, quarenta linbs; cada Tinha, umas oitenta letras de cor negra. Também hi le- tras no dorso de cada Livros essas letras no indicam ou prefiguram o que dirdo as paginas, Sei que uma vee ou Outra essa inconexio pareceu misteriosa, Antes de resu. ‘mir a soluglo (cuja descoberta, apesar de suas trigicas projegdes, étalver 0 fato capital da historia), quero reme- rmorar alguns axiomas, (© primeiro: a Biblioteca existe ab aeerno, Dessa verdade ‘jo corolério imediato 6a eternidade futura do mundo, ne nnhuma mente razaivel pode duvidar. O homem,o bibliote lao imperfeto, pode ser obra do acaso ou de demiurgos| rmalévolos; 0 universo, com sua elogante provisto de prate Teiras, de amos enigmiticas, de incansiveis escadas para 0 Viajante e de latrinas para o biblioteciro sentado, somente pode ser obra de um deus Para perceber a distancia que existe entre o divino ee humano, hasta comparar estes des simbolestrémulos que minha mao falivel abisca na capa de un livro, com as letras oxginicas do interior: pontuais, deli- cadas, ngrissimas, inimitavelmentesimétricas. ‘O segundo: o niuneto de simbolos ortogréficos & vinte e cine! Essa constatagio permitiu, ha trezentos anos, for- rmular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfato riamente o problema que nenhuma eonjectura tinha de cifrada: a natureza informe e eadtica de quase todos os livros. Um, que meu pai viu num hexgono do cireuito qainze noventa e quatro, canstava das letras MC V per- versumente repetidas desde a primeira linha até a tim, Outro (muito consultada nesta zona) & um mero labirinto de letras, mas a pentitima pigina diz; “Oh tempo tuas pi rimides”. J se sabe: por uma linha razodvel ou uma in formagho correta hi léguas de insensatas cacofonias, de + Omani orignal nt ann alguinnen ou ica A pontogio ‘nimi a vingla pot Handa, apg nt dn ‘ers alate da eine sce snore Gx ec nme (Nod Ei) mmixddias verbs de incoerécis. (Eu sel de uma regio agrsieeujosibitecirerepudiam osuperticnoe re costume de procurar sentido ns livros ¢equparsn so 4 busca do sentido nos sonhos ou nas linhasexdica das sis. Admitem que minventore da exerts imitaram oe ‘inte e inc simbolo natura ran sustenarn que ese aplicagto€carual e que os livros nad significa eo resmon Ese inj veremos no ¢ de td falar) Durante muito tetapo acreditou 3 que exes lives im penetriveis corenpondewem a linguas prertay on re ota E verdade que os homens mais antigo opie 10s bibliotedrog uavam uma linguager bers diferente da que flames agorasé verdad que algumas mie td reita a lingua € dialetal © que, noverta andere mais scima,dincompreensivl, Tao io, volta aise ¢ ver de, mas quanocentase dex paginas deinalerdvels MCV ‘lo podem coresponder a idioma algum, por daltal ou rutimenar que sea. Howve quem insinuann que ca letra podiainflur na aubeegientee que o valor de MCV 1a tercira inka da pga 71nd or oq meta sie pode ter noua posgho de outra pagina, mas eee rapa tose nfo presperou. Outtos pensaram em eiplogratia tniversolmente es conjeetira fo cet, embore none sentido em que ses inventores a formulart Faz quinbentor anos, chefe de um hexdgono superior decom wm liv th eonfiso quanto es demas que ena, 2 Ati cle dg hava um me, Oat eee lone desires propa Lembang endear "cyrus rere aaa poréi, quase duas falhas de linhas homogéneas, Mostrou seu achada a um decifrador ambulance, que Ihe disse que cestavam redigidas em portugués; outros Ihe diseram que fem iidiche. Antes de um séeulo puderam estahelecer 0 idioma: wn dialeto samoiedo-lituano do guarani, com in- flexdes de frabe clissco. Também se dec nnogies de andlise combinatéria, ilustradas por exemplos de vvariages com repetiglo ilimitada. Hsses exemplos peri tiram que um bibliotecirio de génio descobrisse a le fun ‘damental da Biblioteca. se pensador observou que todos 6s livros, por diversos que sejam, constam de elementos igguais:o espago,o ponto, a virgula, as vinte e duas letras do alfabeto, Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: “Nao hi, na vasia Biblioteca, dois livres idénticos”. Dessas promissas irrefuveis dedwin quea Bi- blioteca € total © que suas proteleiras registram todas as possiveis combinagies dos vinte vtantos simbolos orto feos (nfimero, ainda que vastissimo, no infinito), ou sea, tudo o que & dado expresstr em todos os idioma Tudor 8 hisidria mimuciosa do futuro, as autobiografias dos arcan: jos, ocatilogo fel da Biblioteca, milhares emilhares de ca télogesfalsos, a demonstragio da falicia desseseatélogos, a emonstragio da falivia do catilogo verdadeiro, o evange- Tho gndstieo de Baslides,o comentario dese evangelho, 0 comentirio do comentirio desse evangelho, 0 rlato veri coda tua morte, versio de cada livro em todas as linguas, ‘as intexpolagies de cada livro em todos os livros, 0 tratado ‘que Bada pide eserever (e no escreven) sobre a mitologia dos saxses, 0s livros perdidos de Técito, ‘Quando se proclamos que a Biblioteca abrangia todos ‘os livros, a primeira impress foi de extravagante felicida- ono conte: % Ae, Tas op homens se wentiom senbores de un tesoo inact avn oon pol xi ltt sli nao exits em alga hesdgonn susp ap dienes dimitaas da eerangy, Nagle tempo fone mito das Vindicator de alge profess, qu juificvam para sempre or tide ada homem do utiverto« gutrdavam teanor profigiunt Tara seu future, Wilboes de ebigore sbenfonatany tocehexigane natal ee Ingaram ead acne pel fo propio de encontrar sue Vind an, retin digest coreorsenrlon een otseuras maldigfe etrangulavam se as exes divas strom os lites enguoves no undo dos tls mu. "im preiptadan pelos homens de egies remtas On irs enlougueceram.. As Vndeagdes eit (oni das iene ps dof jaar ma shilade det homom enanrara sun alga ge fda varing da on, compute en aoe ‘Também se epeos entio esdarecments dos mi Hos isin da hamanddeorigem da Bison edo tempo. E eros que emes graves mister posi sor explcads cm alan linguagem do eo no basta, muti Biblioteca produ dona inaudto que fr necro eo veeabulaion gram cas dese idioma. Fa & quatro seule que os omens exaurem os hexagons. Hos que procrtn sian, ‘esos ngusidore. Bi on vi desempenand on fun chegam sompre extuno alam de una esada sede ras que quan on atonsflam de geri de sudan com o biblioteeirio; de vee em quando, tomam 0 livro ais préximo e o folheiam, em busca de palavras infa- ‘mes, Visivelmente, ninguém espera descobrir mada. A desmedida esperanca, suceteu, como é natural, uma depressio excessiva, A certeza de que alguma prateleira fem algum hexgano encerrava livros preciosos © de que cess livros preriasos eran inacesslvels, pareceu quase into lerivel, Umma seita blasfema sugeriu que as buseas eessas- sem ¢ que todos os homens baralhassem letras e simbolos, ‘até construir; mediante uma improvivel diva do acaso, ‘esses Livros eanénicos. As autoridades se viram abrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na, :minha infincia vi homens velhos que se ocultavam longa ‘mente nas latinas, com uns discos de metal mum eopinko proibido,e ragilmente remedavam a desordem divina Outros, inversamente, acreditaram que o primordial ‘era climinar as obras initeis Invadiam os hextgonos, exi- bia credenciais nem sempre falsas ollcavain com enfa: {do um volume e condenavam estantes interas: a seu furor hiigitnico, ascético, deve-se a insensata perda de milliares| de livros. O nome deles & execrado, mas os que deploram os “tesouros” que aquele frenesi destruiu, negligenciam dois fatos notbrios. Primero: a Biblioteca é to enorme ‘que toda redugdo de origem humana acaba send infinite simal, Segundo: cada exemplar é ‘inico, insubstituive, ‘mas (como a Biblioteca é total) hi sempre varias contenas te milhares de fac-similes imperfeitos: de obras que niio diferem entre sia nfo ser por uma letra ou por uma virgu- 1a. Contra a opinifo geral,atrevo-me a supor que as conse- tiiéneias das depredagies comotidas pelos Purificadores| foram exageradas pelo horror que esses fanaticos provoca: ‘am, Impelia-oso deliio de conquistar os livros do Hexi geno Carmesim: livtos de formato menor que os natu ‘ais; onipotentes, ilustrados © migicos, ‘Também sabemos de outra superstigao daquele tem: po: a do Homem do Livro, Em algumma prateleira de al gum hexigono (pensaram os homens) deve existir um livro que seja a chave © o compéndio perfeito de todas os demais:algum biblioteckrio o percorren « é anélogo a uum deus, Na linguagem desta zona persistem ainda ves. ‘igios do culto desse funcionério remoto, Muitos pere- grinaram em busca d’Ele. Durante um séeulo cansaram de buscar em vio nas mais diversas diregies. Como lo. calizar 0 venerado hexigono secreto que o hospedava? Alguém propds um método regressivo: para localizar 9 livro A, consultar previamente um liv B que indique © lugar de A para localizar 0 livro B,consultar previa. nente um livro C, assim até o infinito.. Em aventuren como essas, fui prédigo em consumir meus anos. Nao me parece inverossimil que em alguma prateleira do Universo haja um livro total? rogo aos deuses ignorados ‘que um homem — wm s6, ainda que seja hi mil anos! — 0 tenha examinado e lido. Se a honta ea sabedoria e « felicidad nao s#0 para mim, que sejam para outros, Que oeéu exista, embora meu higar sejao inferno, Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, ‘mum ser, Tua enorme Biblioteca se justifique, 3 Yolo adic bat que um vo apie pata qu exist. Somente Sexetlideoimpoaive Par exeipl venus Inte fasten ‘ta embora sem via naive que dcatee gpa e denen ‘H posnbilkindeeotrn vj ntratara correspond de sone ean 6 Penne een erent ered llr + que rote (aren hulle pura eee eae eee ee ote ta dh “Bikiotcs fb, cafe vce fare cr Feiner ew abr ni aera ee reenter Veneer hig ett ere eet Reetmiareeatren eat ent aes ene eee ae eee igverind: Com eft a Biblioteca inch todas eer ne ee Sees Cnt eta ap yea NENTS Pacer atc serene ce eee eran ce prtvedoa cut dei de geo, ore soda Ae ee ae eee ee eee tect TA Se um ae ere ge ae eee aoe eee Fppohe i igera ne Bite Nto posse cba certos caractores ahemrtehedj au divin Biotec ao ena previ oqo em a zuma de suas linguas secretas no encerre vm sentido terrivel. Ninguém pode articular uma silaba que no es ee ee dessas linguagens o nome paderoso de wim deus. Falar & incorrer em tautologias, Esta epistola intitle palavrosa ja cexiste num dos trinta volumes das cinco prateleiras de ‘um dos incontaveis hexigonos — e também sua refuta. ‘fo, (Um niimero n de linguagens possiveis usa o mesmo vorabulézios em alguns, 6 simbolo biblioteca admite « correta definigdo “ubiquo e perdurével sistema de gale rias hexagonais”, mas biblioteca 6 “pio” ou “pirdmide” 4 qualquer outra coisa, e as sete palavras que a define ‘tm outro valor. Tu, que me Iés, ests seguro de entender minha linguagem?) A escrita metédica me distrai da presente condigao dos homens. A certeza de que tudo esta eserito nos mula ou fax de nés fantasmas, Conhego distritos em que os jovens se prosternam diante dos livros e beijam ‘com barbarie as paginas, mas nao sabem decifrar uma ‘inica letra. As epidemias, as discfrdias heréticas, as pe regrinagies que inevitavelmente degeneram em band tismo, dizimaram a populaglo, Creio ter mencionado os suictdios, eada ano mais freqientes. Talver a velhice © ‘© medo me enganem, mas suspeito que a esplicie hu. mana — a tinica — esta em vias de extingio e que a Biblioteca perduraré:iluminada, solitiria, infinita, per feitamente imével, armada de volumes preciosos, i til, incorruptivel, secreta, Aeabo le escrever infinita. Nao introduzi esse adjeti- ¥o por um habito retérieo; digo que ni ¢ iligieo pen- sar que mundo é infinito, Os que o julgam limitado Postulam que em lugares remotos os corredores ¢ esea das e hexiigonos podem inconcebivelmente eessat —o que & absurdo. Os que o imaginam sem limites esque. ‘com que nio ¢ ilimitado © mimero possivel de livros. Eu me atrevo a insinuar esta solugao do antigo proble- ima: “A Biblioteca é ilimitada e periédica”. Se um via. jnnte eterno a atravessasse em qualquer diregio, com rovaria ao cabo de séeulos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, repetida, seria uma ‘ordem: a Ordem), Minha solidio se alegra com essa, clegante esperanga.* Mas de Pat, 1942 4, tua ean eco vt ie 8nd ate ae meee Lee rove o der, qu conte de {eines (Gaal cm ptonjne do seu xv, da qu nd corpo ai tinea mperpoigin dea ntneroinfirite de planes) O manual deme ‘de meson sos ia edo ead alla apeent ve ddan ‘outa niga icone! fl cettal ora rere

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