HUMOR E DOENCAS
As emocées fisioldgicas que aparecem naturalmente
em todas as pessoas determinam algum acontecimento
bioldgico e fisico. As emogées, que podem ser a alegria, 0
medo, a ansiedade, a raiva, entre muitas outras, causam.
sempre alguma reacao organica, ou seja, alguma parte ou
a totalidade do organismo percebe as emocoes.
De modo geral, as emogGes costumam ser academica-
mente separadas entre agradaveis e desagradaveis e, nor-
malmente, nos mobilizam para alguma atitude como
poderosos motivadores e moduladores da conduta humana.
No comportamento, as emoc6es positivas atuam por
meio de suas propriedades motivacionais, estimulando
condutas saudaveis, tais como os exercicios fisicos, a dieta
equilibrada, o descanso, a tolerancia, a parciménia, a ale-
gria de viver etc. As emogGes negativas, por sua vez,
podem produzir condutas nao saudaveis, como abuso de
Alcool e tabaco, sedentarismo, irritabilidade, isolamento
social etc.DA EMOCAO A LESAO: UM GUIA DE MEDICINA PSICO
Pelo lado das influéncias fisicas, as emocdes atuam diretamente no
chamado eixo hipotdlamo-hipofisdrio ou, como preferem alguns
autores, no aspecto psiconeuroendsécrino, Esse sistema psiconeu-
roendécrino é o principal mecanismo pelo qual o organismo humano
mantém as condigdes necessdrias 4 sobrevivéncia. Essa condigaéo de
equilibrio recebe 0 nome de homeostasia. Influindo na homeostasia
as emogoes estariam comprometendo 0 equilibrio de todo o organismo.
A regiao cerebral do hipotdlamo e o sistema nervoso auténomo,
por meio de sua porg4o parassimpatica, so as principais estruturas que
auxiliam na adaptacaéo do organismo e na manutengao das condigdes
homeostaticas. Diante das emogdes, como, por exemplo, a exposicao
prolongada a um agente causador de tensao fisica ou psicolégica, a
reagdo organica ocorre por meio do sistema nervoso auténomo, pela
porgao simpatica, e do sistema endécrino, pela hipofise.
Acredita-se, atualmente, que transtornos psicossoméaticos ou psi-
cofisiolégicos sejam o reflexo de uma ruptura na homeostasia corpo-
ral, resultando em toda sorte de sintomas. Dores de cabega, das costas,
algumas arritmias cardiacas, tipos de hipertensao arterial, algumas
moléstias digestivas e outras tantas doengas podem ser produzidas por
uma excessiva ativacdéo das respostas fisiolégicas e, conseqiiente-
mente, uma ruptura da homeostasia do 6rgdo ou do sistema que sofre
(cardiovascular, respiratério etc.). Seria uma espécie de disfungao do
6rgdo ou do sistema orgdnico por responder em excesso e/ou por
muito tempo a sobrecarga emocional.
A ansiedade, considerada uma reacao emocional normal que
surge como resposta do organismo diante de determinadas situacdes,
quando se manifesta com freqiiéncia, intensidade ou duragdo exces-
sivas, pode deixar de ser uma emoc&o normal ¢ fisiolégica para trans-
formar-se em ansiedade patolégica. A presenca de forte estado
ansioso nao s6 pode constituir a base dos denominados transtornos de
ansiedade e de humor como também estar freqiientemente associada
a uma ampla série de transtornos organicos.
Entre os transtornos organicos associados a ansiedade destacam-se
os cardiovasculares e digestivos, cefaléias, sindrome pré-menstrual
asma, transtornos dermatolégicos, transtornos sexuais, dependéncia
quimica, transtornos alimentares, debilidade do sistemaclassificag6es tradicionais dos transtornos psicofisiol6gicos ou psicos-
somaticos descrevem algumas doengas fortemente relacionadas com
varidveis psicolégicas (Tabela 5.1).
TABELA 5.1. ALGUNS TRANSTORNOS PSICOFISIOLOGICOS
Transtornos cardiovasculares Enfermidade corondria, hipertenséo
arterial, arritmias
Transtornos respiratérios Asma brénquica, sindrome de hiper-
ventilagao, rinite alérgica
Transtornos endécrinos Hiper ou hipotireoidismo, doenca de
Addison, sindrome de Cushing, altera-
Ges das glandulas paratiredides,
hipoglicemia, diabete
Transtornos gastrintestinais Transtornos esofdgicos, dispepsia,
Ulcera péptica, sindrome do célon irri-
tavel, colite ulcerosa, doenca de Crohn
Transtornos dermatolégicos Prurido, hiperidrose, urticaria, derma-
tite atdpica, alopecia areata, psorfase,
herpes, vitiligo
Dor crénica Lombalgias, cefaléias, dor pré-mens-
trual, fibromialgia
Reumatologia Artrite reumatdide
Transtornos imunes Lupus, depressdo imune inespecifica
Conforme vai crescendo 0 conhecimento sobre a implicagéo de
fatores emocionais no desencadeamento e/ou agravamento de muitas
enfermidades organicas, o ntimero de itens que poderia ser adiciona-
dos a Tabela 5.1 vai aumentando. Quanto mais avangam os meios de
investigagdo da patologia, mais se evidencia relevancia dos fatores psi-
colégicos na causa e no desenvolvimento de um grande ntimero de
doengas, entre as quais figuram desde doengas neurolégicas, como a
esclerose multipla, até enfermidades infecciosas, como a tuberculose,
enfermidades imunes, como a leucemia (Wittkower e Dudek, 1973).
Hoje em dia a medicina tem se ocupado cada vez mais com as
diversas categorias de reagdes orgaénicas que podem originar quais-
quer transtornos fisicos. No caso do liipus eritematoso sistémico, porCINA PSICOSSOMATICA
exemplo, a preocupagao é estudar as alteragdes das emogées sobre a
imunidade, sobre os linfécitos T, ou sobre as imunoglobulinas. Daf em
diante o organismo pode reagir ao estresse e a ansiedade com ltipus,
artrite reumatéide, cancer, urticaria etc. E todas essas doencas pas-
saraéo a ter alguma coisa em comum: o agravamento ou o desen-
cadeamento pelas emogGes.
A relacao entre emogoes e transtornos organicos tem sido 0 ponto
de partida de muitas hipéteses e teorias explicativas de muitas doengas.
Entre as diversas emogdes com respostas fisiolégicas importantes, a
ansiedade e a raiva parecem ser as mais importantes. Para que se
desenvolva e se mantenha uma doenga psicossomatica s4o necessdrios
dois fatores: a predisposicéo individual e a circunstancia existencial.
A predisposicao individual é uma caracteristica pela qual a
pessoa tende a experimentar maior reagdo emocional e, conseqiien-
temente, maior reacdo fisiolégica diante das vivéncias. Significa que
essa pessoa tem uma excitabilidade exagerada do sistema nervoso
auténomo, bem como dos sistemas enddcrino e imune.
O fator circunstancial representa os estimulos ambientais e
existenciais suficientes para que essa reacao fisiolégica seja intensa e
crénica, como, por exemplo, os estimulos necessdrios para manter
niveis altos de ansiedade, raiva, mégoa, medo, frustracao etc.
is das respostas de pessoas
com diferentes transtornos psicossomaticos, como hipertensdo arte-
rial, asma, tilcera digestiva, dores de cabega, varios tipos de dermatites
etc. Os resultados indicam que as pessoas que apresentam tais
transtornos costumam ter niveis mais altos de ansiedade que as de-
mais pessoas da mesma idade e sexo.
A mesma emocéo negativa pode se apresentar com diferentes
caracteristicas entre diferentes pessoas, de acordo com a capacidade
de controle e dissimulacdo. As
hipertensdo essencial tém niveis maiores de raiva interna que os gru-
pos controle, sem hipertensdo. Os pacientes com asma, por exemplo,
apresentam niveis maiores de raiva externa que as pessoas sem asma.
A raiva, neste caso, ajudaria a manter niveis altos de ativacao fisio-
légica do sistema nervoso aut6énomo (Cano-Vindel e Ferndndez
Rodriguez, 1999).
Ha anos sao estudadas as caracteristi
im, segundo Cano, as pessoas comDA EMOCAC
A maioria das pessoas com traco de personalidade mais retraido e
repressivo costuma ter dificuldades em manifestar emogGes e, por
conta d
las, mesmo que a realidade ndo seja bem assim. Elas tém consciéncia
da alta ativacgao fisiolégica do sistema nervoso aut6nomo (SNA),
inclusive com sintomas como sudorese, palpitacdéo e outros, que sao
experimentados diante de situag6es em que suas emogdes ganham
corpo (nesse caso, literalmente).
0, essas pessoas podem ser consideradas calmas e trangiii-
O grande fator de vulnerabilidade para o desenvolvimento de
transtornos psicofisiolégicos ou psicossomaticos é, junto com a neces-
sidade de dissimular emocGes, a grande sensibilidade e a alta ativagdo
do sistema nervoso aut6nomo. Segundo Cano, em testes de labo-
ratério, submetidos a tarefas estressantes, os individuos com maiores
tendéncias para ocultar e dissimular suas emogdes apresentam maior
reacgao cardiovascular e aumento da pressdo arterial.
Chama-se estilo repressivo de enfrentamento das emogdes
o jeito de ser das pessoas que nao se permitem manifestar livremente
as emocoes negativas, isto é, das pessoas que disfargam e tém uma
maneira dissimulada de externar emog6es de raiva, contrariedade,
méagoa, frustracao, irritabilidade etc.
O estilo repressivo de enfrentamento das emogGes negativas tam-
bém pode produzir um certo grau de imunodepressao (Cano-Vindel,
1999). A ativacéo do sistema nervoso auténomo, se for mantida por
longo tempo, pode provocar alteragGes no sistema imune, tornando a
pessoa mais vulneravel a enfermidades infecciosas ou a doengas auto-
imunes. Assim, pacientes com cancer que apresentam estilo repressi-
vo de enfrentamento das emogées, por exemplo, tém uma menor
expectativa de vida (Cano-Vindel, 1999).
Afirmagées desse tipo podem levar as pessoas a acreditarem que
seria sauddvel manifestar livremente suas emogoes negativas. De fato
isso é uma meia-verdade e, por ordem de preferéncia, 0 ideal seria:
Nao sentir emogdes negativas
Sentindo-as, manifesta-las com adequado grau de liberdade
Nao podendo, procurar fazer com que elas sejam as mais breves possiveis
Ndo sendo breves, procurar compensacées sadiasICINA PSICOSSOMATICA
Deve ser destacado que as emog@es sao reagdes naturais, univer-
sais e com finalidade adaptativa, mas, nao obstante, sendo demasia-
damente intensas e/ou freqiientes, essas mesmas reagdes podem
provocar danos a satide global da pessoa. Se as emocdes negativas nao
podem ser relacionadas diretamente ao desenvolvimento de doencas,
no minimo elas provocam uma alteracdo no nivel de qualidade de
vida que favorece o desenvolvimento patoldgico ou agrava sobre-
maneira patologias preexistentes.
Algumas emog6es, notadamente a ansiedade, a tristeza e a raiva,
quando em niveis demasiadamente intensos e/ou muito freqiientes,
e quando se mantém por um tempo longo, tendem a proporcionar
mudangas na conduta, a ponto de determinar atitudes nao saudaveis,
como o consumo de cigarro e dlcool, 0 sedentarismo, a apatia, a ndo-
realizacdo de exercicios, os transtornos alimentares (hipo ou hiperfa-
gia) etc.
A medicina psicossomatica tem se interessado, mediante técnicas
cognitivas, comportamentais e farmacolégicas, em ajudar as pessoas a
diminuirem a ativagao fisiolégica do sistema nervoso auténomo, a
reduzirem o mal-estar psicolégico e a facilitarem uma expressdo emo-
cional mais sadia. Com isso pretende-se melhorar a qualidade de vida
ea satide das pessoas.
Bom £ MAU HUMOR (EMOGGES POSITIVAS E NEGATIVAS)
O termo emogoes negativas refere-se 4s emogdes que produzem
uma experiéncia vivencial desagradavel, sio exemplos a ansiedade, a
raiva, a angtistia, o medo, a tristeza, entre outras. As emogoes positi-
vas séo aquelas que geram uma experiéncia agradavel, como a ale-
gria, a felicidade, o prazer, o amor etc.
Hoje em dia ha pesquisas cientificas suficientes para afirmar que
as emogées positivas potencializam a satide, enquanto as emogées
negativas tendem a comprometé-la. Por exemplo, em periodos de
estresse, quando as pessoas desenvolvem muitas reagdes emocionais
negativas, € mais provavel que surjam certas doengas relacionadas
com 0 sistema imune, como gripe, herpes, diarréia, ou outras infec-DA EMOGAO
goes ocasionadas por virus oportunistas. Em contrapartida, 0 bom
humor, 0 riso, a felicidade ajudam a manter e/ou recuperar a satide.
Dedica-se a pesquisa das relacGes entre as emogoes e a imunidade
uma parte bastante nova da medicina: a psiconeuroimunologia. Trata-
se do estudo da maneira pela qual as emog6es influenciam o sistema
imune das pessoas, do estudo dos mecanismos de interagaéo e comuni-
cacao entre a mente e os trés sistemas responsdveis por manter o
organismo equilibrado: o sistema nervoso, o imune e 0 endécrino.
A comunicagao entre esses trés sistemas se produz através de
substancias quimicas geradas por eles, como os horm6nios, os neuro-
transmissores e as citoquinas. Segundo as pesquisas, os acontecimen-
tos estressantes processados por meio da cognicao da pessoa, ou seja,
pelo sistema de crengas e valores proprio de cada individuo, podem
originar sentimentos negativos de célera, raiva, depressdo, falta de
defesas e desesperanga. Pessoas com esses sentimentos sao considera-
das portadoras de indice emocional negativo.
As investigagdes sobre as contribuigdes do bom humor para a
satide séo mais recentes e menos numerosas que os estudos sobre os
efeitos danosos da tristeza, da angtistia e da raiva, mas um recente
estudo sobre a atividade das células tipo natural killer (NK), impor-
tantes na imunidade contra tumores, mostrou os efeitos de progra-
mas que estimulam o riso e 0 bom humor no aumento da atividade
desses agentes imunes, da mesma forma que os estados depressivos
enfraquecem esse aspecto da defesa organica (Takahashi, 2001).
As relag6es entre emogoes, imunidade e atividade das células NK
sdo sugeridas também nos trabalhos de Tashiro (2000). Foram estuda-
dos oito pacientes com doengas malignas e submetidos a provas de
funcdo cerebral (PET). Houve significativa correlacéo entre atividades
dessas células da imunidade, ansiedade e estresse, ¢ notadamente,
entre atividades das células NK e atividade do cortex pré-frontal
fnfero-lateral, do cértex 6rbito-frontal e do cértex temporal anterior.
Esses resultados serviram de suporte para a hipétese de que a inte-
racdo psico-imune possa ser mediada também pelo cértex cerebral e
pelo sistema limbico.
Nesse sentido, Berk e colaboradores (2001) também estudaram a
modulacgaéo neuro-imune durante e apés os pacientes terem sido sub-
w
<
o
aDA EMOCAO A LESA MATICA
metidos a programas associados ao bom humor e ao riso, Concluiram
que o riso e o bom humor podem ter efeitos benéficos na saude,
recomendando esse tipo alternativo de terapia para melhora do bem-
estar e como coadjuvante ao tratamento médico formal.
Quando falamos em bom humor, nao pensamos exclusivamente
em risos e€ risadas ou da pessoa que conta anedotas, que ri a toa. Um
comportamento assim sorridente se da mais por uma exigéncia
profissional ou conveniéncia social do que por um estado de bom
humor. Comportamentos socialmente adequados, com tendéncia ao
riso protocolar, podem esconder pessoas com um estilo repressivo de
enfrentamento das emocées negativas e podem representar um falso
comportamento bem-humorado.
O bom humor, na realidade, diz respeito a rir das coisas em geral,
das incongruéncias do cotidiano, da comédia da vida diaria, das situa-
¢6es constrangedoras, dos pequenos problemas do dia-a-dia e, até
mesmo, dos tempos diffceis que passamos. O bom humor que pode
resultar de um show cOmico ou de uma peca de humorismo sofisticado
s6 tera valor se conseguirmos fazer “piadinhas” de todo o resto, incluin-
do ter que disputar a vaga do estacionamento aos berros, ter que reser-
var 0 ingresso antecipadamente e conseguir um lugar razodvel com
propinas e cambistas, e assim por diante. O bom humor resulta em
levar a vida de forma mais leve, mesmo diante de um trabalho mais
sério, resulta em rir mais e com maior freqiiéncia do que de costume.
Algumas pesquisas tém avaliado a viabilidade econdmica dos pro-
gramas de aumento da qualidade de vida e promogao do bem-estar
utilizando técnicas de estimular 0 bom humor e 0 riso. Todos os estu-
dos de Watt, Verma e Flynn, da Queen's University (1998), revelaram
alguns resultados positivos que se seguem a intervengdo de técnicas
de bom humor e, embora as evidéncias sejam ainda inconclusivas,
tais estudos sugerem que esses programas podem ser economica-
mente compensadores (relagaéo custo-beneficio).
Danner (2001) estudou as autobiografias manuscritas de 180
freiras cat6licas, através de seus respectivos didrios deixados na insti-
tuicdo religiosa apds suas mortes. Foi possivel estabelecer fortemente
uma associacdo entre o indice emocional positivo e a longevidade.
Foram considerados relatos de emogao positiva aqueles com maiorDA EMOCAO
quantidade de palavras ligadas a sentimentos agradaveis, como “feli-
cidade”, “amor”, “alegria”, “generosidade” e “esperanga”.
Além de o grupo com indice emocional positivo ter vivido em
média de seis a dez anos a mais, as freiras positivas haviam chegado
com mais satide a velhice do que as que costumavam usar grande
ntimero de expressdes com significados negativos, como “tristeza”,
“indecisao”, “medo”, “pecado” e “vergonha”. O grupo considerado com
indice emocional positivo exibiu, ainda, menor grau de deméncia senil.
Por se tratar da expresséo mais explicita do bom humor e das
emoc6es positivas, a risada tem sido objeto de muitos estudos j4 ha
algum tempo (Macaluso MC. 1993). Segundo pesquisas de Hassed
(2001), o riso tem um importante papel na redugéo dos hormGnios
envolvidos na fisiologia do estresse, melhorando a intensidade e
realgando a criatividade das respostas, reduzindo a dor e a presséo do
sangue e, sobretudo, melhorando a imunidade. As pessoas que sabem
rir e se divertir sao, geralmente, mais saudaveis e mais capazes de sair
de situagdes de estresse com mais facilidade.
A reducao da liberagao dos hormGnios associados ao estresse,
notadamente do cortisol e da adrenalina, é uma ocorréncia desejavel,
jd que, como se sabe, estando eles em excesso, podem enfraquecer as
defesas do organismo e elevar a pressao arterial, criando condigdes
para o desenvolvimento de infecgGes e doengas cardiacas, como 0
enfarte e a insuficiéncia cardiaca.
A tristeza e a ansiedade, quando comparadas a um estado emo-
cional neutro, ativam um conjunto de regides cerebrais diferentes. O
estado emocional de tristeza foi seguido de ativag6es especificas da
4rea subcortical do giro cingulado e do nticleo dorsal, juntamente
com a desativacao especifica da regiao pré-frontal direita e do cértex
parietal posterior. Da mesma forma, viu-se que a ansiedade foi asso-
ciada as ativacdes especificas do nticleo ventral, do cértex temporal
6rbito-frontal e anterior, e 4 desativagao especifica do giro para-
hipocampal, entre outras (Liotti, 2000).
Essas ativagdes e desativacgdes neurolégicas complicadas sao
referidas aqui, apenas para nos convencer de que existem regides
cerebrais mais ou menos especificas para tipos mais ou menos especi-
ficos de emogées. Anatomicamente, os fatos importantes sao a desati-
CASDA EMOCAO A LESAO: UM GUIA DE MEDICINA PSICOSSOMATICA
vacao cortical dorsal seletiva durante a tristeza e a desativaco corti-
cal ventral na ansiedade.
Embora as bases neurobiolégicas para as principais anormali-
dades do humor nao tenham sido ainda claramente estabelecidas,
pelo estudo do fluxo do sangue cerebral e da taxa do metabolismo do
agucar pelos neurénios tém-se localizado algumas dreas, no cortex
cerebral pré-frontal ventral e no corpo caloso, cuja atividade esta
fortemente diminufda em pessoas depressivas (Drevets, 1997).
Em deprimidos crénicos e de origem familiar, 0 decréscimo na
atividade dessas areas cerebrais foi explicado por Drevets, ao menos
em parte, por uma redugéo no volume cortical de 39% a 48%,
mostrada pela ressonancia magnética. Ressalta ainda esse autor que
essa regiao tem sido implicada na mediacao das respostas emocionais
aos estimulos sociais significativos ou provocativos, bem como na acgdo
das drogas antidepressivas.
Essas alteragdes na fungao (e até na anatomia) cerebral diante de
determinados estados emocionais tém resultado em dificeis reflexes:
as alterag6es cerebrais produziriam alteragdes no humor ou, ao con-
trario, alteragdes do humor seriam as causas de alteragdes cerebrais?
A experiéncia de Fischer (1996), relacionando a funcao cerebral
com a lembranga de experiéncias estressantes, é muito curiosa. Fun-
conérios de um banco assaltado foram submetidos a apresentagao de
um video sobre 0 assalto que haviam presenciado. Na mesma apre-
sentagdo havia também espectadores que nao tinham vivenciado 0
assalto. As fungdes cerebrais medidas durante a apresentagdo do
video foram comparadas entre esses dois grupos.
Além dos niveis de ansiedade terem tido uma importante ele-
vagao durante a exposicéo do video, muito maior no grupo dos
assaltados que nos dos nao assaltados, houve também, nos assaltados,
um aumento muito maior da atividade bilateral no cértex visual, no
giro posterior do cingulo e no cértex érbito-frontal esquerdo.
Isso pode significar que a simples meméria do estresse desem-
penha importante papel no funcionamento cerebral. Na realidade, 0
que aconteceu na experiéncia de Fischer foi um outro estresse, desta
vez induzido pela re-experiéncia visual da vivéncia traumatica. Isso
explicaria, talvez, os pensamentos intrusivos, repetitivos e os sin-DA EMO
tomas conseqiientes, como acontece no transtorno por estresse pés-
traumatico.
Em 1986, 1.306 homens foram submetidos a um questiondrio
especifico para avaliagado das caracteristicas de otimismo e pessimis-
mo da personalidade. Esse grupo foi acompanhado e avaliado por um
periodo médio de dez anos (Kubzansky, 2001). Durante esse tempo
ocorreram 162 casos da doenga coronaria, sendo 71 casos de enfarte
nao fatal do miocardio, 31 casos fatais e 60 casos da angina do peito.
Os resultados foram publicados em um trabalho de Kubzansky, com
o sugestivo nome Is the glass half empty or half full? (O copo esta meio
vazio ou meio cheio?) e sugeriram, fortemente, que um estilo
otimista de vida pode proteger contra os riscos de doenga coronaria,
bem como estar relacionado ao melhor prognéstico (casos nao fatais)
dessas doengas.
Ben-Zur, em 2000, também publicou um trabalho sobre o pes-
simismo, avaliando 171 pacientes submetidos a cirurgia coronaria, de
2 a 20 meses apés a operacao. A alta aflicéo psicoldgica (estados de
ansiedade, medo e depressaéo) bem como a reduzida capacidade fun-
cional foram associadas a niveis elevados de pessimismo.
Dentro das emogGes negativas, uma das mais estudadas é, sem
diivida, a ansiedade. Ela 6 reconhecidamente um estado fisico-emo-
cional bastante associado a miultiplos transtornos organicos. Uma
segunda emocao negativa também muito estudada é a tristeza, cuja
correspondente patolégica, a depressao, em geral é acompanhada de
altos niveis de ansiedade.
A ansiedade, como veremos detalhadamente mais adiante, pode
ser considerada uma reac4o natural que é produzida diante de certos
tipos de situagGes, para as quais a pessoa necessita de recursos adap-
tativos extras. As situagdes em que se desencadeiam as reagGes de
ansiedade, geralmente, tém em comum uma certa inseguranga subje-
tiva e/ou a possibilidade de possiveis conseqiiéncias negativas para a
pessoa.
A reagao ansiosa sup6e uma mobilizagao de diferentes recursos
cognitivos (de consciéncia), como a atencao, a percepcao, a memoria,
o pensamento, a linguagem, etc., de diferentes recursos organicos,
como a ativacdo do sistema nervoso auténomo, a ativacéo motora, a
te
GAS
E DOENG
MORatividade glandular, etc. e de diferentes recursos de conduta, como
estar alerta, evitar o perigo, ter agilidade, entre outros. Esses recursos
colocados “a disposigéo da ansiedade” teriam como objetivo o
enfrentamento das situagGes as quais a pessoa deveria se adaptar.
Assim sendo, apesar de a ansiedade ser uma emogao natural, fisio-
logica e de cardter essencialmente adaptativo, quando em excesso
pode constituir a base de muitos processos que levam a doenga. Quan-
do a pessoa experimenta niveis de ansiedade altos ou durante um
tempo muito prolongado, seu bem-estar psicoldgico costuma ser seria-
mente prejudicado, seus sistemas fisiolégicos (incluindo o sistema ner-
voso auténomo) podem sofrer danos por excesso de solicitagéo, seu
sistema imune pode se tornar incapaz de defender 0 organismo, os
processos cognitivos podem ser também prejudicados, provocando
uma diminuicéo do rendimento intelectual de modo que, finalmente,
a pessoa passa a evitar situagdes capazes de provocar essas reacdes
ansiosas. Essa evitacdéo (isolamento, retraimento social) acaba com-
prometendo sua vida sécio-ocupacional e familiar.
HA pessoas que se regozijam em acreditar que sabem e conseguem.
“controlar” suas emogGes. Na realidade essas pessoas conseguem con-
trolar seu comportamento, mas pensam estar controlando as emocoes.
Mas o fato de se comportarem adequadamente e de nao demons-
trarem tao francamente sentimentos negativo nao significa que tais
emoc6es negativas nao estejam sendo experimentadas. Dessa forma,
essas pessoas controlam apenas 0 comportamento e nado as emogoes.
A sociedade agradece, e 0 corpo padece.
Fisiologicamente, nao basta controlar as reacGes as emocées ne-
gativas, como, por exemplo, controlar 0 componente comportamen-
tal da ansiedade, da raiva, do medo, do constrangimento, do rancor
etc. O controle do comportamento traz um beneffcio social (politico,
talvez), mas nao previne, por si 6, os niveis elevados de ativacaéo do
sistema nervoso auténomo e, conseqiientemente, ndo previne as mu-
dangas nos sistemas imune, cardiocirculatério, digestivo etc. O que
contribui efetivamente para a satide e 0 equilibrio é, sim, 0 efetivo
controle dessas emogées negativas.
Todavia, antes de acreditarmos que as pessoas séo capazes de con-
trolar as emog6es negativas, que seria o ideal para todos, devemosDA EMOCAO
avaliar se elas estao reconhecendo verdadeiramente as emocdes que
sentem, se nado estao negando os estados emocionais negativos que
experimentam ou, simplesmente, se nao estao dissimulando a raiva,
a ansiedade, 0 medo ou a tristeza. Normalmente, pessoas assim sao
obrigadas, pelo papel social que desempenham ou por uma questaéo
de educacdo familiar e cultural, a dissimular sentimentos continuada-
mente.
As tentativas de dissimular e disfargar emogdes negativas nao cos-
tumam ter éxito em longo prazo pois, ao aparentar uma certa tran-
qiiilidade diante das adversidades, algumas pessoas podem estar, de
fato, desenvolvendo alteragdes organicas importantes, como hiper-
tensdo arterial, doengas corondrias, diabete etc.