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Deslizamento rotacional da Costa de Cima, Distrito de Pântano do

Sul, Florianópolis, SC – Novembro de 2008.

Marimon, M.P.C.
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil, e-mail: f2mpcm@udesc.br

Pimenta, L.H.F.
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Franco, A.C.V.
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Pedro Simas
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Resumo: Após dois meses de chuvas acima das médias históricas e durante intensas chuvas (160,1 mm),
registradas em Florianópolis, no dia 23 de novembro de 2008, parte da baixa encosta do morro da Boa Vista
(que atinge até 350 metros de altitude e constitui o divisor de águas entre o Distrito do Pântano da Sul e o
Parque Municipal da Lagoa do Peri) rompeu, configurando um deslizamento do tipo rotacional. A fissura,
com cerca de 130 metros de extensão, inicia na baixa encosta, na cota de 35 metros. O deslocamento
provocou abatimento em patamares, com deslocamento na vertical, de até 60 centímetros, e repercutiu até a
cota de 15 metros, deformando muros de residências posicionadas a jusante do rompimento do terreno,
colocando em risco a comunidade local, cerca de vinte casas. O local foi monitorado, com medições de
pluviosidade diária e de deslocamentos verticais e horizontais, para estabelecer as condições locais que
caracterizam o processo do movimento de massa e as condições para a recuperação da área..

Abstract: After two months of intense precipitation and over the historical medias, on nov.23rd 2008 was
registered 160,1 mm of rain in Florianopolis. Just after this period, the low slope of the Bela Vista Hill (up to
350 meters and is the water divisor between Pantano do Sul District and the Lagoa do Peri Municipal Park)
has slided, configuring a rotational land slide. The fracture has approximately 130 meters long, and begins at
the low hill, in the altitude of 35 meters. The slide give rise to steps in the terrain, about 0,60 meters, and at
the base of the slope, the soil mass has deformed stone walls in close residences. The area is being
monitored, with local precipitation and vertical and horizontal dislocations measurements, with the objective
to establish the local aspects of the mass movement, and the conditions for the area restoration.

1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA pré-cambriana até paleozóica, sob o qual se


estrutura o domínio geomorfológico de morrarias,
As características geológicas e geomorfológicas da onde se desenvolvem morros côncavo-convexos
ilha de Santa Catarina e em especial do local da isolados ou configurando pequenas serras. Nas
ocorrência do deslizamento podem ser resumidas porções baixas e planas dominam os depósitos mais
como: as partes altas da topografia são dominadas jovens que constituem a planície quaternária,
pelas rochas do embasamento cristalino com idade formada por planícies recentes até o limite da linha
1
de costa atual. Na área do Distrito, ao longo da linha as águas superficiais através de meia canaletas e
de praia se situam as comunidades de Pântano do caixas de dissipação de energia, prevenindo, desta
Sul e Açores. forma, a infiltração excessiva das águas de
No local da ocorrência, observa-se contato por superfície ao sub-solo e também o desencadeamento
falhamento do Granito Ilha, da Suíte Intrusiva de processos erosivos. Figura 2.
Pedras Grandes (granito róseo granular), com o A encosta baixa que recebeu o deslocamento da
Riolito Cambirela, localmente representado por massa deslocada foi alvo da extração de argilas até
rochas subvulcânicas e dique de diabásio (Zanini et os anos 70, apresenta vários matacões e blocos
al., 1997). Figura 1. soltos em superfície, deslocados pela mineração,
que por si só colocam em risco as casas que se
situam a jusante.
Levantamento de ecologia da paisagem,
realizado no local (Simas, 2009), que considerou
como variáveis a fisionomia da vegetação,
composição florística e grau de perturbação,
identificou uma sucessão de ações antrópicas que
permitem classificar a área de Risco Passível de
Danos Ambientais. A cobertura vegetal atual
encontra-se em estágio de regeneração pioneiro e
inicial, que entremeada a espécies vegetais exóticas
introduzidas, tiveram baixo papel na fixação dos
solos.

2. DESLIZAMENTO DA COSTA DE CIMA

Após fortes chuvas registradas em Florianópolis


Figura 1: Recorte do mapa geológico do sul da ilha (160,1 mm), no dia 23 de novembro de 2008, parte
de Santa Catarina (Zanini et. al, 1997). Em da baixa encosta do morro da Boa Vista (que atinge
vermelho a área de ocorrência, Costa de Cima. na área até 350 metros de altitude e constitui o
divisor de águas entre o Pântano da Sul e a lagoa do
As rochas plutônicas apresentam-se isotrópicas, Peri) rompeu, configurando um deslizamento do
grosseiras, de coloração rosada e resultam em tipo rotacional. A fissura com cerca de 130 metros
alteração que mantém os grãos de quartzo de extensão, inicia na baixa encosta, na cota
preservados, gerando material alterado do tipo aproximada de 35 metros. O deslocamento
saibro. O riolito hipoabissal, que ocorre em patamar provocou abatimento, na vertical, de até 60
de mais baixa altitude, desenvolve solos argilosos centímetros, ao longo de via de acesso privado,
espessos, explorados, até a década de 70, para pavimentada com lajotas (Figura 2).
extração de argilas e fabricação de telhas e tijolos Em alguns pontos, a abertura da fissura ocorre
pelas olarias. Dique de diabásio (Formação Serra por simples ruptura no terreno e chegou a um
Geral) ocorre no contato entre as duas litologias. afastamento de 10 a 15 centímetros. O deslocamento
Os argilominerais dominantes nos solos são as de massa, situado na baixa encosta, repercutiu a
esmectitas, que tem por principal característica a jusante, em torno da cota 15 m, onde situa-se via
expansividade, e quando em contato com a água, pública denominada de servidão dos Cafezais, com
absorvem-na em sua estrutura e por excesso podem rompimento de muro de contenção, nos fundos da
até provocar a perda da estruturação natural do casa, e colocando sob ameaça, diversas casas da
mineral e consequentemente influenciarem na redondeza, cerca de 20 residências.
estabilidade dos solos, onde estes argilominerais
ocorrem com dominância. Foi observada, em corte
exposto no acesso privado, a presença de colúvio
consolidado, antigo, que estrutura o patamar que
rompeu. O colúvio é formado pelo acúmulo de
material proveniente das partes mais altas da encosta
superior do morro da Boa Vista, mas que já
desenvolveu perfil de solo maduro, denotando sua
idade antiga.
A estrada privada construída na propriedade do
Engenho dos Serras foi planejada de forma a escoar
2
horizontal de 3 mm + 0,5 ppm e vertical de 5 mm +
1.4 ppm para levantamentos estáticos e rápido-
estáticos e horizontal de 10 mm + 1.5 ppm e vertical
de 20 mm + 1.5 ppm para levantamentos
cinemáticos e RTK. Em todos os pontos de
monitoramento foram determinadas as coordenadas
geográficas por GPS de navegação (precisão variou
entre 10 a 15 metros) e como GPS geodésico
(precisão de 5 cm, durante o trabalho de campo). O
levantamento da ruptura gerou um mapeamento em
detalhe da área (Figura 9, no final do trabalho).
3 – mapeamento dos aspectos florísticos do
local. O mapeamento foi realizado pelo mestrando
do curso de Mestrado Profissional em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Sócio-Ambiental –
MPPT/UDESC, biólogo Pedro Henrique Simas
(Simas, 2009). Objetivo: reconhecer as
características da flora local, caracterizar o estágio
sucessional da vegetação e a importância na
estabilidade da encosta sob investigação.
4 – monitoramento da ruptura e da
movimentação do terreno. Foram instalados
piquetes a montante e jusante da fissura principal
(em pares A e B), em três locais distintos, com o
Figura 2: Vista parcial do deslizamento rotacional objetivo de acompanhar a movimentação do maciço.
da Costa de Cima, Florianópolis, nov. 2008. Nestes pontos foram realizadas medidas pontuais
com trena métrica. Foram considerados erros de
3. METODOLOGIA DO ESTUDO leitura com variações de até 2 mm.
Também foram selecionados pontos de medição
No local da ocorrência foi inicialmente realizada em elementos verticais (postes, moirões de cerca,
vistoria para a constatação da ocorrência e, muros) para monitorar a inclinação, com medições
posteriormente, foi estruturado um plano de realizadas por clinômetro da bússola, marca
monitoramento do local, com medições de Brunton. As medições mostraram erros de leitura de
parâmetros fundamentais para determinar as +/- 1°. Foram selecionados pontos-chave dentro da
características do movimento de massa. Foram área movimentada, e também fora da área do
acompanhados os parâmetros de precipitação diária, deslizamento. Objetivo: acompanhar a
movimentação das fendas, e inclinação de cercas e movimentação do maciço nas diferentes dimensões
postes, com o objetivo de subsidiar as decisões do espaço.
sobre a segurança da área, dando suporte a defesa
civil e a comunidade da Costa de Cima, diretamente
envolvida, sobre a interdição do local e,
posteriormente, o retorno as moradias e fornecer
dados locais para a recuperação da área atingida.
O desenvolvimento dos trabalhos utilizaram os
procedimentos e equipamentos relacionados abaixo.
1 – bases cartográficas, fotografias aéreas e
mapeamentos temáticos. Os estudos e
reconhecimentos iniciais foram baseados em mapas
do IBGE e fotografias aéreas coloridas em escala
1:8.000, ano 2001 e 1:15.000, ano 2002. A base
cartográfica utilizada para plotagem dos dados
preliminares é do IPUF em escala 1:2.000, ano
2002.
2 – mapeamento de detalhe com GPS de
precisão. O levantamento foi realizado pela equipe Figura 4. Muro deformado na base do deslizamento.
do Geolab. O equipamento utilizado foi um GPS Costa de Cima, Florianópolis/SC, nov. 2008.
Hiper Lite Plus, da marca Topcon, com precisão
3
5 – monitoramento da pluviosidade local. Foi Figura 6. Por exemplo, no dia 16 de dezembro
instalado um pluviômetro de leitura manual. As houve uma forte chuva, 124,5 mm, que não resultou
leituras foram realizadas diariamente às 7 horas da na movimentação da fenda.
manhã. O pluviômetro foi instalado a 1,5 m da Os dados mostram que após a ruptura ocorrida
superfície do solo, em local plano e distante de no dia 23 de novembro não houve significativa
interferência de vegetação. Objetivo: acompanhar os movimentação do maciço de solos, o que não
índices pluviométricos no local, a fim de permitir o configura estabilidade permanente. Deve-se ressaltar
estabelecimento da relação entre a movimentação que ao retornarem as condições de encharcamento
dos solos e a precipitação. do solo este pode voltar a se movimentar.
6 – observações “in locu”. Durante as visitas ao Precipitação local X medição da movimentação do maciço

local para a realização das medições, foram feitas


140,0 0,516
observações do local atingido, visando detectar 120,0
precipitação acumulada 24 h 0,515

modificações ao longo da fissura, nas casas e suas


1A-1B
0,515
100,0 0,514
proximidades. Ocorrências de surgências de águas 80,0
0,514

do lençol freático foram anotadas e estão expressas

mm

cm
0,513
60,0
0,513

no mapa de detalhe. 40,0 0,512


0,512
20,0
0,511

3. RESULTADOS 0,0 0,511

2/12/08
6/12/08
9/12/08
12/12/08
15/12/08
18/12/08
21/12/08
24/12/08
27/12/08
30/12/08
2/1/09
5/1/09
8/1/09
11/1/09
14/1/09
17/1/09
20/1/09
23/1/09
26/1/09
29/1/09
1/2/09
4/2/09
7/2/09
10/2/09
13/2/09
1.1 Monitoramento
Figura 6. Distribuição da precipitação e a
Precipitação. As leituras das chuvas diárias e locais movimentação do maciço através do monitoramento
são apresentadas na Figura 5. Observa-se a de estacas em pares, instaladas ao longo da fenda
irregularidade das precipitações, e a cada mês principal.
monitorado os totais mensais totalizaram 189,9 mm
em dezembro, 270,6 mm em janeiro, 101,7 mm (até O acompanhamento da inclinação dos postes,
dia 12 de fevereiro). Os dados totais apontam que os muros e outros objetos dentro do perímetro
totais de chuvas, durante a estação de verão, foram deslizado e em pontos fora da abrangência do
superiores aos totais médios para este período, deslizamento são apresentados nas Figuras 7 e 8.
determinando a prevalência de condições úmidas Medição da inclinação de estacas
neste período. fora da área do movimento
90,0
88,0
Precipitação diária -
dezembro de 2008 a fevereiro de 2009 86,0
120,0
graus

84,0
82,0
100,0
80,0

80,0
78,0
76,0
mm

60,0

40,0
B2A B2B B3A B3B B5A B5B

20,0
Figura 7. Medidas de inclinação em postes fora da
0,0 área do deslizamento.
2/12/08

6/12/08

10/12/08

14/12/08

18/12/08

22/12/08

26/12/08

30/12/08

3/1/09

7/1/09

11/1/09

15/1/09

19/1/09

23/1/09

27/1/09

31/1/09

4/2/09

8/2/09

12/2/09

medição da inclinação
dentro da área em movimento

Figura 5: Distribuição das precipitações diárias (em 90,0


88,0
mm). Local: Costa de Cima, Distrito de Pântano do 86,0
Sul, Florianópolis/SC.
graus

84,0
82,0

Movimentação das estacas. Ao analisar as 80,0

medidas de deslocamentos, observa-se que nos 78,0


76,0
primeiros dias as estacas se afastaram até 0,3 cm. E
logo após a diminuição das chuvas, as estacas
passaram a se movimentar encurtando as distâncias B4A B4B B6A B6B B7 B8A B8B B9
entre as estacas, o que indica uma contração do
maciço de solos por perda de umidade, Figura 8. Medidas de inclinação em postes dentro da
independente dos totais precipitados. área do deslizamento.
4
A presença de vários pontos de surgências
Estas medições apontaram que as movimentações alinhados e na mesma cota que atingiu o
que porventura tenham ocorrido ficaram dentro do deslizamento, provocando as alterações nos muros
erro de leitura. (+/- 1º). das residências determinam uma espessura entre 15
a 20 metros da massa deslocada Figura 9.
3.2 Levantamento Geofísico por eletroresistividade A presença de vegetação nativa em estágio
Levantamento geofísico foi realizado pela empresa inicial de recuperação, e também de flora exótica,
GeoEnvi, por contratação da Defesa Civil do não contribuem com o equilíbrio da área.
município, a fim de verificar as condições As evidências apresentadas pelos estudos
indicativas de novos riscos de deslizamentos no realizados são indicativas da necessidade de
local. recuperação geotécnica da área, a fim de garantir
Os resultados obtidos apontam uma espessura segurança e tranqüilidade aos moradores da
com cerca de 13 metros de solo coluvionar até comunidade atingida.
atingir a rocha. O solo apresentou condições de
saturação e o estudo permitiu individualizar solo 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
residual de granito e solo coluvionar (GeoEnvi,
2009). Junior, A.G..Levantamento geofísico por
eletroresistividade e imagens geolétricas 2D.
2 CONCLUSÕES GeoEnvi Geologia e Meio Ambiente LTDA, 2009
(Relatório técnico).
O deslizamento ocorrido em 23 de novembro de
2008 foi monitorado durante o verão de 2008 e Simas, P. Análise da Paisagem e do Uso e Ocupação
2009. Este maciço constituído por solos e blocos de do Solo em Área de Risco Passível de Dano
rochas mostrou comportamento condizente com a Ambiental Irreversível na Localidade da Costa de
presença dominante em sua constituição de Cima, Distrito de Pântano do Sul, Ilha de Santa
argilominerais do tipo esmectitas. As características Catarina (Florianópolis, SC). Florianópolis:
de expansividade e contração observadas durante o MPPT/UDESC, 2009. (Relatório técnico, inédito).
monitoramento são compatívies com a presença
deste mineral. Zanini, L.F.P. et al. (org) Programa de
O movimento de massa se ajustou nos primeiros Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil,
dias, não tendo sido medido deslocamentos maiores Folhas Florianópolis e Lagoa, SG. 22 Z-D-V/IV,
que poucos milímetros, durante o período Estado de Santa Catarina: escala 1:100.000.
acompanhado pelo monitoramento, mesmo tendo Brasília: DNPM/CPRM, 1997.
ocorrido chuvas intensas de até 124,1 mm após a
ocorrência.

Figura 9: Mapa de detalhe da área da Costa de


Cima, Distrito do Pântano do Sul, Florianópolis,
SC.
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