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saceit capitulo FUNDAMENTOS DO TRANSINDIVIDUAL i INDIVIDUAGAO COLETIVA pil LOINDIVIDUAL E 0 SOCIAL, AINDIVIDUAGAO DE GRUPO 1. TEMPO SOCIAL E TEMPO INDIVIDUAL Tal visto da realidade individual que visa esclarecer os pro- Hemas que a psicologia se coloca como tarefa a resolver nao per- gitiria, no entanto, chegar a uma representagao clara do nexo do wviduo com a sociedade, A sociedade encontra o ser individual encontrada por ele no presente. Mas esse presente nao é o mes- daquele que, no limite, poder-se-ia nomear presente individual, presente somatopsiquico, Do ponto de vista de cada individuo, onexo social esta sim no presente. Mas a sociedade encontrada esse nexo possui, ela propria, seu equivalente de substancialida- de,sua presenga, sob forma de uma correla¢io entre porvir ¢ pas- uma afirmagdo de permanéncia ainda é modo de devi, pois a permanéncia é a estabilidade de um de- nsao temporal. O individuo encontra na soci definida de porvir e uma conservacio do do; o porvir do individuo na sociedade é um porvir reticulado, dicionado segundo pontos de contato, e que tem uma estru bem analoga 4 do passado individual. Para o individuo, 0 en mento na sociedade o dirige para o fato de ser este ou aquele; 0 devie ndo se efctua mais do porvir para o presente, como no hipo- tético individuo nao-social: ele se efetua em sentido inverso, a par- lirdo presente; o individuo se vé-propondo escopos, papéis a se- tem escolhidos; ele deve tender a esses papéis, a tipos, a imagens, Osfundamentos do transindividual ¢ a individuagdo coletiva 435 ser guiado por estruturas que ele se esforga para realizar, entran. do em acordo com clas ¢ cumprindo-as; diante do ser individual, a sociedade apresenta uma rede de estados e de papéis através dos quais a conduta individual deve passar. Pata a sociedade, o que importa é sobretudo o passado ind}. lual, pois o acordo do individual com o social se faz pela coin- éncia de duas reticulagdes. O individuo é obrigado a projetar seu porvir através desta rede social que jd esta ali; para se sociabi- lizar, 0 individuo deve passar; integrar-se € coincidir segundo uma reticulagao, e nao segundo aquela forga imanente ao porvir do ser somato-psiquico. Do passado social, 0 individuo retira tendéncia e impulso para tal agao, mais do que verdadeira recordacio; ele retira aquilo que ncle se associaria ao dinamismo de scu porvir, ¢ nao a reticulacao de seu passado individual; 0 nexo ao social exi- ge que, entre a alma individual e 0 contato social, intervenha um ipo de reversiio, de comutagio. A sociabilidade exige presenga, presenga reversa. A alma social ¢ a alma individual operam i] em sentido inverso, individuam:a contrapelo uma da outra, r isso que 0 individuo pode aparecer a si mesmo como que fu- do para o social e afirmando-se na oposi¢ao ao social. E assim ial, relativamente ao individuo, aparece como uma realidade ito diferente do meio; apenas por uma extensao de sentido, ¢ maneira muito imprecisa, € que se pode falar de meio social. 0) ‘s6¢ial reciproco; tal situagdo s6 corresponde a da crianga ou 4 do doente; nao é a do adulto integrado. O adulto integrado é, relati- vamente ao social, um ser igualmente social, na medida em que possui uma consciéncia ativa atual, isto é, na medida em que pro- longa e perpetua o movimento de individuagao que o fez nascer, ao invés de resultar apenas dessa individuagao. Na realidade,a$0- nao procede da presenca mtitua de intimeros individuos, jas ela tampouco é uma realidade substancial que deveria ser su- rposta aos seres individuais ¢ concebida como independente de- 2 ela 436 A individuagdio dos seres vivos 2, GRUPOS DE INTERIORIDADE EGRUPOS DE EXTERIORIDADE Arelaco de um ser individuado a outros seres individuadas set feita ora de maneira analégica, 6 passado/e'O porvir da O primeiro caso quele que OS pesquisadores americanos nomeiam in-group; 0 indo, aquele que se nomeia out-group; ora, nio ha in-group nao suponha um out-growj. O social é feito da mediacao en- seo ser individual ¢ © out-group, por intermédio do in-group. E rio proceder, 4 maneira de Bergson, opondo grupo aberto e gru- yo fechado;* © social, a curta distancia, esta aberto; a grande dis- tintia, fechado; a operagao social esta mais situada no limite en- (eolmgroup eo out-group do que no limite entre o individuo e quema social que estende os limites do eu [roi] até a fronteira en- i . Em certo sentido, pode-se considerar 0 Pe sense reno ect toca ce nalidade social se estende até os limites desse grupo; a cren¢a, co- mo modo de pertencimento a um grupo, define a expansio da per sonalidade até os limites do in-growp; tal grupo, com efeito, pode sercaracterizado pela comunidade das crencas implicitas ¢ expli- citas em todas os membros do grupo. Certamente, pode ocorrer que em certos casos o grupo aber- tose reduza a tal ponto em torno de um sujeito atipico que a ex- * CE Les Deux sources de la morale et de la retigian [As duas fontes da snoral e da religido, 1932]. Osfundamentos do transindividual e a individaagao coletiva 437 pansao social da personalidade sera nula ¢ que, consequentemen. te, todo 0 grupo serd out-group; € 0 que se produz nos casos de delinquéncia, de alienag3o mental, ou nos “desviantes”, no inte. rior de um grupo determinado; também pode ocorrer que, por um imenso esforco de dilatagao da personalidade (287], qualquer gru- po, mesmo aqueles que normalmente parecem owt-groups, seja aceito pelo sujeito como in-group. A caridade é a forga de expan- so da personalidade que nao quer reconhecer nenhum limite ao in-group ¢ 0 considera como coextensivo 4 humanidade inteira, ou mesmo a toda a criaco; para sao Francisco de Assis, nao ape- nas os homens, mas os prdprios animais faziam parte do in-group, do grupo de interioridade. Outrossim, Jesus Cristo nao reconhe- cia inimigos, tendo uma atitude de interioridade mesmo para com aqueles que o golpeavam. Entre esses dois extremos que reduzem absolutamente ou di- latam infinitamente as fronteiras do grupo de interioridade, en- contra-se o estatuto da vida corriqueira, isto é, da vida social ha- bitual, que situa a certa distancia do individuo o limite entre o gru- po de interioridade ¢ o grupo de exterioridade. Esse limite é defi- nido por uma segunda zona de presenca que se atrela 4 presenga do individuo. A integracao do individuo ao social se faz pela cria- gao de uma analogia de funcionamento entre a operacao que de- fine a presenca individual e a operacio que define a presenca so- Gal; o individuo deve achar uma individuagdo social que recubsa sua individuacdo pessoal; seu nexo ao in-group e seu nexo ao ont- -group s30, ambos, como porvir e passado; 0 in-graup € fonte de virtualidades, de tenses, como o porvir individual; ele é reserva- tério de presenca porque precede o individuo no encontre como grupo de exterioridade; ele recalca o grupo de exterioridade, Sob forma de crenga, o pertencimento ao grupo de interioridade se de- fine como tendéncia nao estruturada, comparavel ao porvir para o individuo: ele se confunde com o porvir individual, mas também assume o passado do individuo, pois o individuo se atribui uma origem nesse grupo de interioridade, real ou mitica: ele é desse gru- po € para esse grupo; porvir e passado sao simplificadas, levados a um estado de pureza elementar. ae A individuagio dos seres vives 3, AREALIDADE SOCIAL coo SISTEMA DE RELAGOES ‘Assim, ¢ dificil considerar o social € 0 individual como que se xando diretamente numa relagao do individuo 4 sociedade. afrontamento s6 corresponde a um caso tedrico extremo, do yd! se aproximam certas situagGes patoldgicas vividas; o social se jtscancializa em sociedade para o delinquente ou o alienado, tal- yapara a erianga; mas © verdadeiro social nao é algo de substan- «ial, pois © social nado é um termo de relacio: ele é sistema de re- jes, sistema que comporta uma relagao ¢ a alimenta. O indivi- quo s6 entra em nexo com o social através do social; o grupo de iacerioridade mediatiza a relagio entre o individuo eo social. A jrerioridade de grupo é uma certa dimenso da personalidade in- diridval, no uma relagdo a um termo distinto do individuo; € uma zona de participagao em torno do individuo. A vida social é rela- gioentte 0 meio de participacdo e o meio de nao-participagao. psicologismo é insuficiente para representar a vida social, pois supde que as relagGes intergrupos possam ser consideradas como uma extensao das relagdes do individuo ao grupo de inte- sioridade; ao exteriorizar parcialmente as relacées do individuo ao grupo de interioridade, ¢ depois interiorizar parcialmente as rela~ oes dos grupos de exterioridade ao grupo de interioridade, pode- sechegar, de maneira ilusdoria, a identificar os dois tipos de rela- cao; mas essa identificagao desconhece a natureza propria da rela~ io social, pois desconhece a fronteira de atividade relacional [288] entre grupo de interioridade ¢ grupo de exterioridade. Do mesmo jeito, © sociologismo também desconhece a relagao carac- teristica da vida social, ao substancializar o social a partir da ex- terioridade, em vez de reconhecer o carater relacional da ativida- desocial. Ora, nao existe o psicoldgico ¢ o sociolégico, mas 0 hu- mano que, em seu limite extremo, e em raras situagbes, pode des- dobrar-se em psicolégico ¢ em sociolégico. A psicologia, bem co- mo a sociologia, so dois olhares que fabricam seus objetos pré- prios a partir da interioridade ou da exterioridade; a abordagem ‘0s fundamentos do transindividual e a individuagio coletiva 439 psicolégica do social se faz por intermédio dos pequenos grupos; ora, essa mancira de abordar o social a partir do psicoldgico obri- ga a carregar o psicolégico com algo de social: tal € a estabilida. de afetiva dos psicossociélogos americanos, cardter do ser indiyj- dual que ja é social ou pré-social. Igualmente, a adaptabilidade ¢ a capacidade de aculturacdo sdo aspectos pré-sociais do ser. O ser individual é visto segundo instancias que excedem sua existéncig individual. Outrossim, a atitude sociolégica abarca no social contetidos que sio do pré-individual ¢ que permitirao reencontrar a realida- de individual ao reconstitui-la. Nessa medida, compreende-se por que problemas como os do estudo do trabalho sao viciados pela oposi¢ao entre o psicologismo e o socialogismo; as relagdes huma- nas que caracterizam 0 trabalho, ou que ao menos so colocadas em jogo pelo trabalho, nao podem ser reduzidas nem ao jogo do substancialismo socioldgico, nem a um esquema interpsicoldgico; elas se situam na fronteira do grupo de interioridade e do grupo de exterioridade. Ora, consideradas como relagoes interpsicalégi- cas, as relacées humanas de trabalho sao assimiladas a satisfacio de certo niimero de necessidades, cuja lista poderia ser levantada a partir de uma inspeco do ser individual tomado antes de qual- quer integragao social, como se houvesse um individuo puro e completo antes de qualquer integracao possivel. Entao, o trabalho é tido coma satisfagdo de uma necessidade individual, como que relativo a uma esséncia do homem, coletiva, porém definindo-o enquanto individuo, enquanto ser feito de alma e de corpo (o que se reencontra na nogao de trabalho manual e de trabalho intelec- tual, com uma distingao hierarquica entre esses dois niveis de tra- balho). A partir do sociologismo, ao contrrio, o trabalho é con- siderado como um aspecto da exploragdo da natureza pelos ho- mens em sociedade, e é apreendido através da rela¢io econémico- -politica. Entao, trabalho se substancializa como valor de troca num sistema social de onde desaparece o individu. A nogao de classe é fFundada sobre o fato de que o grupo ¢ sempre considera- do como grupo de exterioridade; a interioridade da propria clas- se nao é mais a de um corpo social coextensivo aos limites da per- sonalidade, pois a classe nao é mais excéntrica relativamente 20 440 A individuagao dos seres vivos ipdividaos a classe propria é pensada como classe propria a partir dochoque contra a classe adversa; é pelo retorno da tomada de consciéncia que a classe prépria é apreendida como prépria; a to- jada de consciéncia é secunddria relativamente a essa primeira i¢io; nao ha mais estrutura de circulos sucessivos, mas estru- ua de conflito, com uma linha de frente. 4, INSUFICIENCIA DA NOGAO DE ESSENGIA DO HOMEM E DA ANTROPOLOGIA Ora, pode-se perguntar se uma antropologia nao seria capaz d:dar uma visio unitaria do homem, suscetivel de servir de prin- cpio a esse estudo da relacao social. Mas uma antropologia nao comporta essa dualidade relacional contida [289] em unidade que caracteriza © Nexo; ndo éa partir de uma esséncia que se pode in- dicar 0 que € © homem, pois toda antropologia serd obrigada a subsancializar seja o individual, seja o social para dar uma essén- dado homem. Por si mesma, a nogdo de antropologia ja compor- waafirmacao implicita da especificidade do Homem, separada do yital. Ora, € certo que ndo se pode fazer surgir o homem do vital, sesuptimimos do vital o Homem; mas 0 vital é 0 vital comportan- doo homem, nao o vital sem o Homem; é 0 vital até o Homem, e compreendendo o Homem; hi o vital inteiro, que compreende o Homem. Assim, o olhar antropolégico suporia uma abstracao prévia, do mesmo tipo daquela que se encontra nas subdivisdes em indi- vidual e social, ¢ principio dessas abstrac6es ulteriores. A antro- pologia nao pode ser principio do estudo do Homem; ao contra- fio, S40 as atividades relacionais humanas, como a que constitui 0 trabalho, que podem ser tomadas como principio de uma antro- pologia a ser edificada. E o ser como relagao que é primeiro e que deve ser tomado como principio; o humano é social, psicossocial, psiquico, somatico, sem que nenhum desses aspectos possa ser ti- do como fundamental, enquanto os outros seriam julgados como acessorios. O trabalho, em particular, nio pode ser definido so- mente como um certo nexo do homem a natureza. Existe um tra~ 0s fundamentos do transindividual e a individuagao coletiva 441 balho.que nao se refere 4 Natureza, por exemplo, o trabalho cum- prido sobre o Homem mesmo; um cirurgiao trabalha; a explora. do da Natureza pelos Homens associados é um caso particular da atividade relacional que constitui o trabalho; o trabalho 6 pode ser apreendido em sua essncia, segundo um caso particular, se es- sa esséncia recorta sua particularidade sobre todo o espectro das atividades possiveis de trabalho; um caso particular nao pode ser tomado como fundamento, mesmo se ele é encontrado muito fre- quentemente. O trabalho é um certo nexo entre o grupo de inte- rioridade e o grupo de exterioridade, como a guerra, a propagan- da, o comércio, Cada grupo, em certa medida, pode ser conside- rado.como um individuo relativamente aos outros; mas 0 erro dag concepcées psicossociolégicas tradicionais consiste em tomar 0 grupo por um aglomerado de individuos a maneira pela qual exis- tem aglomerados de individuos nas ciéncias — dominio das cién- cias biolégicas; de fato, o grupo de interioridade (¢ todo grupo existe, relativamente a si mesmo, na medida em que é um grupo de interioridade) é feito da superposicao das personalidades indi- viduais, e nao de sua aglomeragao; a aglomeracdo, organizada oy inorginica, suporia uma visdo tomada no nivel das realidades so- maticas, nao dos conjuntos somato-psiquicos. Um grupo de interioridade nao tem uma estrutura mais com- plexa que a de uma tinica pessoa; cada personalidade individual é coextensiva ao que se pode nomear de personalidade de grupo, isto é, a0 lugar-comum as personalidades individuais que consti- tuem o grupo. Ora, essa maneira de enxergar 0 grupo nao é um psicologismo, por duas razdes: a primeira ¢ que a palavra perso- nalidade nao est4 sendo tomada num sentido psiquico puro, mas real ¢ unitariamente psicossomatico, incluindo tendéncias, instin- tos, crencas, atitudes somaticas, significagoes, expressao. A segun- da, mais importante, e que constitui o fundamento da primeira, é que esse recobrimento das personalidades individuais no grupo de interioridade desempenha um papel de estrutura ¢ de fungao au- toconstitutiva, Esse recobrimento é uma individuagao, a resolugio de um conflito, a assungao de tensdes conflitantes em estabilidade organica, estrutural e funcional, Nao sao estruturas de personali- dades anteriormente definidas, constituidas ¢ ja prontas (290) que 442 A individuagio dos seres vivos savencomtrar-se € recobrir-se antes do momento em que o grupo jqterioridade se constitua; a personalidade psicossocial é con- yanea 4 génese do grupo, que é uma individuagao. Nio é © grupo que aporta ao ser individual uma personali- jé pronta, como uma capa confeccionada de antemao. Nao ‘ oindividuo que, com uma personalidade ja constitufda, se apro- 4 de outros individuos com a mesma personalidade que a de- ra constituir com eles um grupo. E preciso partir da operagao eindividuagdo do grupo, na qual os seres individuais so, ao mes- zorempo, meio e agentes de uma sincristalizagao; 0 grupo é uma sncristalizagao de varios seres individuais, e é 0 resultado dessa gpcristalizagao que é a personalidade de grupo; ela no ¢ introdu- ida nos individues pelo grupo, pois é necessario que 0 individuo atgja presente para que essa operagao se produza; além do mais, gio basta que 86 © grupo esteja presente; também é preciso que ele edeja tensionado e parcialmente indeterminado, como o ser pré- jodividual antes da individuagdo; um individuo absoluramente completo ¢ perfeito nao poderia entrar num grupo; é preciso que oindividuo ainda seja portador de tensdes, de tendéncias, de po- tenciais, de realidade ¢struturavel, mas ainda nio estruturada, pa- aque o grupo de interioridade seja possivel; o grupo de interiori- dade nasce quando as forcas do porvir, abrigadas por intimeros in- éividuos vivos, chegam a uma estruturagao coletiva; a partis io, 0 recobrimento, ambos realizam-se nesse instante de indivi- duagio do grupo e de individuacdo dos individuos agrupados. A individuaao que faz o grupo nascer é também uma individuacio dos individuos agrupados; sem emogio, sem potencial, sem tensio previa, nao pode haver individuacao do grupo; uma sociedade de monadas nao pode existir; o contrato nao funda um grupo, tam- pouco a realidade estatutaria de um grupo ja existente; mesmo no caso-limite ¢m que um grupo jd constituido recebe um novo indi- viduo e 0 incorpora, a incorporagdo do novo é, para este ultimo, um navo nascimento (individuac3o), e também um renascimento para o grupo; um grupo que nao se recria, incorporando novos membros, dissolve-se enquanto grupo de interioridade. O membro de um grupo alimenta em si a personalidade co- ktiva, recrutando e introduzindo novos seres no grupo. A distin- 0s undamentos do transindividual ¢ a individuagio coletiva 443 ao entre psicogrupos e sociogrupos sé vale como maneira de de- finir uma certa polaridade no interior dos grupos: todo grupo real é ao mesmo tempo um psicogrupo e um sociogrupo. O sociogru- po puro nao teria nenhuma interioridade, e seria apenas substan- cia social; um grupo é um psicogrupo no instante em que se for- ma; mas o eli do psicogrupo sé pode se perpetuar incorporan- do-se a cstruturas sociogcupais, fazendo-as nascer. E apenas por abstragio que se pode distinguir psicogrupos puros ¢ sociogrupos puros, 5. NogAo pe inpivipuo DE GRUPO Portanto, nao é acurado falar da influéncia do grupo sobre 0 individuo; de fato, 0 grupo nao é feito de individuos reunidos em grupo por certos liames, mas de individuos agrupados, de indivi. duos de grupo. Os individuos so individuos de grupo bem como o grupo é grupo de individuos. Nao se pode dizer que o grupo exerga influéncia sobre os individuos, pois essa agao € contem- porinea a vida dos individuos, e ndo independente dela; 0 grupo também nao é realidade interindividual, mas complemento de in- dividuacao em vasta escala, reunindo uma pluralidade de ind: duos. (291) Esse tipo de realidade s6 pode ser pensado caso se aceite que haja uma convertibilidade mitua das estcuturas em operacées ¢ das operagées em estruturas, ¢ caso se considere a operagio rela- cional como tendo um valor de ser. O substancialismo obriga a pensar 0 grupo como anterior ao individuo ou o individu como anterior ao grupo, o que engendra o psicologismo e 0 sociologis- mo, dois substancialismos em niveis diferentes, moleculares ou mo- lares. A escolha de uma dimensio intermediaria, microssocioldgi- ca ou macropsiquica, nao pode resolver o problema, pois ela nio esti fundada na escolha de uma dimensao adequada a um fend- meno particular, intermediario entre o social e 0 psiquico, Nao ha um dom{nio psicossocioldgico, que seria aquele dos grupos restri- tos; esse aspecto privilegiado de certos grupos restritos provém apenas do fato de que as sucessivas crises de individuagio, as aco- 444 A individuagio dos seres vivos pretidas de estruturagGes funcionais pelas quais eles passam, siio mais visivels e podem ser mais facilmente estudadas, No entanto, ses fendmenos sdo os mesmos que nos grupos mais vastos, € poem em jogo os mesmos nexos dindmicos e estruturais; apenas gstipos de mediag&o entre individuos sao mais complexos, uti nado modos de transmissao e de aco que implicam um atraso ¢ dispensam a presenca real; mas esse desenvolvimento das redes de comunicagéo e de autoridade nao concede uma esséncia 4 parte dos fendmenos macrossociais enquanto sociais, no nexo deles ao que st convencionou nomear de ser individual. O nexo do indivi go com o grupo é sempre o mesmo em seu fundamento: ele re- isa sobre a individuagao simultanea dos seres individuais e do grupo; ele € presenca, 6. PAPEL DA CRENGA NO INDIViDUO DE GRUPO No individuo, a crenga é 0 conjunto latente de referéncias re- lativamente as quais significagdes podem ser descobertas. A cren- genio é a imanéncia do grupo ao individuo que ignoraria tal ima- néncia ¢ se acreditaria falsamente como um individuo auténomo, enguanto s6 faria exprimir o-prdprio grupo; a crenga € essa indi- viduagao coletiva existindo; ela é presenga aos outros individuos dogrupo, recobrimento das personalidades; é sob forma de cren- sa que as personalidades se recobrem: mais exatamente, 0 qué se nomeia crenga coletiva € o equivalente, na personalidade, do que seria uma cren¢a no individuo; mas essa crenga ndo existe a titu- lode erengas s6 ha crenga quando alguma forca ou obstaculo obri- poindividuo a definir e a estruturar seu pertencimento ao gru- po, sob uma forma exprimivel em termos inteligiveis para indivi- duos que nao sao membros do grupo. A crenga supde um funda- mento da crenca, que é a personalidade feita na individuagio do grupo; a crenga se desenvolve no individuo sob forma de verda- deira crenga quando o pertencimento ao grupo é colocado em questo; a crenca é verdadeiramente interindividual; ela supde um fundamento que nao seja somente interindividual, mas verdadei- ramente grupal. Osfundamentos do transindividual e a individuagio coletiva 44s Eis por que o estudo das crengas é um meio [moyen] bastan- te ruim de conhecer o homem enquanto membro de um grupo, 0 homem que eré se defender, ou que quer mudar de grupo, esté em desacordo com os outros individuos ou consigo mesmo. Atribuj- -se A crenca um privilégio causal no pertencimento ao grupo por- que acrenga é 0 que ha de mais facil a ser manifestado, projetado ¢, consequentemente, apreendido numa pesquisa mediante os pro cedimentos habituais de conhecimento da realidade (292) psicos- social. Mas a crenga ¢ um fenémeno de dissociagio ou de altera- ¢io.dos grupos, nio uma base de sua existéncia; ela tem mais um valor de compensacao, de consolidagao, de reparagao proviséria, do que uma significagio fundamental relativamente 4 génese do grupo e ao modo de existéncia dos individuos no grupo. Nesse sen- tido, talvez se pudesse distinguir 0 mito, crenga coletiva, da opi- nido, que seria a crenga individual, Entretanto, mitos.¢ opinidesse cortespondem em pares simbélicos; quando o grupo elabora mi- tos, os individuos do grupo exprimem opinides correspondentes; 08 mitos sio lugares geométricos de opinides. Entre o mito ea opi- nido, s6 ha diferenga relativamente ao modo de ineréncia: a opi- nidio € 0 que pode se exprimir relativamente a um caso exterior preciso; éa norma de um juizo definido ¢ localizado, que incide sobre uma matéria precisa; 0 mito ¢ uma reserva indefinida de iz0s possiveis; cle tem valor de paradigma, ¢ esta voltado paraa interioridade geupal mais do que para os seres exteriores a serem julgados relativamente is normas grupais; o mito representa o gru- poc a personalidade em sua consisténcia interna, enquanto as opi nides jd esto diversificadas em situagdes definidas, objetivadas, separadas umas das outras. Mitos ¢ opinides sfio o prolongamento dindmico ¢ estrutural das operagdes de individuagdo do grupo em situagdes em que es- sa individuagio jd néo é mais atual, nem possivel, nem reativivel, aopiniio é trazida pelo individuo ¢ se manifesta nas situagdes em qué ¢le nio esta mais no grupo, ainda que seja do grupo ¢ tendaa agit como tal; a opinido permite ao individuo afrontar os outros individuos pertencentes ao grupo de exterioridade mesmo mantel do sua relagioao grupo de interioridade, sob a forma de um afron tamento com o grupo de exterioridade, O mito, ao contnirio, se “a A individuagiio dos seres vives joo lugarcomum das opinides que obedecem a uma sistemitica interiotidade do grupo, e por essa razio 0 mito 6 pode avan- perfeitamente, sob sua forma pura, no grupo de interioridade; jesupde uma légica de participacao e certo niimero de evidéncias gpbase que fazem parte da individuagao de grupo. 7. INDIVIDUAGAO DE GRUPO. EINDIVIDUAGAO VITAL Pode-se perguntar qual a significagao da realidade social re- jrivamente a0 individuo vivo. Sera que se pode falar de individuos ywendo em sociedade, isto ¢, supor que os individuos seriam in- diriduos mesmo que nao vivessem em saciedade? O exemplo das epécies animais nos mostra que existem casos em que a vida do individuo solitario é possivel; noutros casos, perfodos de vida so- jsiria se alternam com periods de vida coletiva, Enfim, em nu- merosos casos, a vida é quase sempre social, salvo em alguns mo- mentos muito raros (acasalamento, copulagao). Deve-se dizer, entdo, que a sociabilidade reside na espécie far parte dos cardteres especificos? Caso se admita essa proposi- gio, dever-se-4 considerar um individuo nao integrado a um gru- posocial, numa espécie habitualmente social, como um individuo imcabaco, incompleta, nao participante desse sistema de indivi- tuagio que € © grupo; se, ao contrario, o grupo ¢ feito de seres que porsimesmos poderiam ser individuos completos, o individuo iso- ldo ndo € necessariamente incomplete. Ora, a resposta a essa questio parece estar contida na mor- fologia ¢ na fisiologia das espécies, Logo que uma especi morfolégica e funcional intervém [293] ¢ modela os ind: Ponto de tornd-los impréprios para viverem isolados, deve-se de- fnir a socinbilidade como um dos carateres da espécie; a Abelha ova Formiga é necessariamente social, pois ela s6 existe enquan- woindividuo muito especializado, nio podendo viver 86, Ao con- triria, nas espécies em que nao existe uma diferenciagao extrema- mente nitida entre os individuos, tornando-os incompletos por si mesmos, a necessidade da vida social pertence menos diretamente 0; fundamentos do teansindividual ¢ a individuagio caletiva 447 aos cardteres especificos: segundo a ecologia ou outras condigées, a vida isolada tempordria nasce ou se detém; o grupo pode ser in- termitente; entao, o grupo é mais um modo de conduta da espécie relativamente ao meio ou a outras espécies do que a expressio do cardter imperfeito ¢ inacabado do ser individual. E 0 tipo de exis- téncia geral das sociedades de mamiferos. Para o homem, o problema ¢ mais complexo; a independén- cia somitica e funcional do individuo existe, como nos outros ma- miferos; também existe a possibilidade de uma vida ora agrupada e ora solitiria, como consequéncia desse acabamento somitico ¢ funcional do individuo, Nessas condigdes, pode haver agrupamen- tos que correspondam a um modo de conduta relativamente ao meio; Marx interpreta a associag&o caracteristica do trabalho nes- se sentido. Entretanto, parece que, para além dessa individuagio somatops{quica que autoriza a independéncia ou a associagio no nivel das. condutas especificas, o ser hamano ainda permanece ina- cabado, incompleto, evolutivo individuo a individuo; nenhuma conduta especifica é suficiente para responder a esse devir tio for- te que o homem, mesmo tendo um acabamento somatopsiquico pelo menos tio perfeito quanto o dos animais, assemelha-se a um ser bastante incompleto. Tudo se passa como se, por cima de uma primeira individuacao especifica, o homem procurasse uma outra, e precisasse de duas individuagSes seguidas. Recebido come viven- te no mundo, ele pode se associar para explorar 0 mundo; mas ain- da falta alguma coisa, resta um furo, um inacabamento. Explorar a Natureza nao satisfaz até o fim; a espécie frente ao mundo nao é grupo de interioridade; ainda é preciso uma outra relagio que faca cada homem existir como pessoa social, ¢ para tanto € preci- so essa segunda génese que é a individuagao de grupo. Apés ter sido constitufdo como ser acabado, © homem entra novamente num curso de inacabamento onde busca uma segunda individuagao; a Natureza e o homem frente a ela nao bastam. Ain- da restam forgas ¢ tensdes que vaio mais longe que o grupo frente 4 natureza; é por isso que © homem se pensa como ser espiritual, com razo, embora a nogao de espirito talvez seja mitica enquan- to conduz a substancializacao do espfrito e a um dualismo soma- to-psiquico. Além dos grupos funcionais, que sao como os grupos 8 A individuacio dos seres vivos eaniais, ou além do teor funcional dos grupos, ha algo de hi- funciona! neles, precisamente sua interioridade; essa interiori- due ctia 0 individuo humano uma segunda vez, recria-o através festa existéncia de ser ja individuado biologicamente; essa segun- dindividuagio é a individuagao de grupo; mas cla nao é de jeito alga redutivel ao grupo especifica, exploragdo da Natureza pe- jos homens associados; esse grupo, que se pode nomear grupo de sqi0,é distinta do grupo de interioridade. Nada prova, alids, que os grupos humanos sejam os dinicos a gosstit 08 cardteres que definimos aqui: é possivel que os grupos srimais comportem certo coeficiente que corresponda Aquilo que pyscamos como base de espiritualidade nos grupos humanos, mas demaneira mais fugidia, menos estavel, menos permanente. [294] Nessa oposi¢ao entre os grupos humanos ¢ os grupos animais, nao tomamos 05 animais como sendo verdadeiramente 0 que sao, mas como se correspondessem, talvez ficticiamente, aquilo que é para ohomem a nogio de animalidade, isto é, a nogao de um ser que ton com a Natureza relagées regidas pelos cardreres da espécie. £ possivel, entaio, nomear grupo social humano um grupo que teria por base ¢ fungaio uma resposta adaptativa especifica Naturezas ese seria 0 caso de um grupo de trabalho que s6 seria grupo de tbalho, s¢ isso pudesse ser realizado de mancira pura ¢ estavel. Arealidade social assim definida permaneceria ao nivel vital; ela tio criaria a relagao de interioridade de grupo, a menos que se aceitasse 0 esquema marxista de condicionamente das superestru- twras pela infraestrutura econdmico-social. ‘Mas precisamente importa saber se podemos tratar 0s outros tipos de grupos € os outros contetides de vida de grupo como su- perestruturas relativamente a essa tinica infraestrutura. Talvez ha- jroutras infraestruturas que nao a exploracio da natureza pelos homens em sociedade, outros modos de relaciio ao meio que nio agueles que passam pela relacdo da elaboragao, pelo trabalho. A propria nogao de infraestrutura pode ser criticada: seria o traba- hho uma estrutura, ou mesmo uma tensa, um potencial, um cer- to jeito de se atrelar ao mundo através de uma atividade que cha- ma por uma estruturagio sem ser ela mesma uma estrutura? Ca- so se admita que os condicionamentos socionaturais sio miltiplos Os fundamentos do transindividual ¢ a individuagao coletiva 449 a0 nivel especifico, ¢ dificil extrair deles apenas um e afiemar que ele tem valor de estrutura; talvez Marx tenha generalizado um fy. to histérico real, a saber, a dominincia desse modo de relagio a Natureza que é o trabalho nas relagdes humanas do século XIX; mas ¢ dificil encontrar 0 critétio que permita integrar essa relagio @ uma antropologia, O homem que trabalha ja esta individuado biologicamente. O trabalho esta no nivel bialdgico como explora. glo da Natureza; ele é reagdo da humanidade como espécic, rea- gio especifica, Por isso é que o trabalho se compenetra tio bem nas relagdes interindividuais: ele nado tem sua resistencia prépria, ele nio produz uma segunda individuagao propriamente humana; ele esti sem defesa; o individuo, em si, permanece individuo bio- lgico, individuo simples, individuo determinado e ji dado. Mas, acima dessas relagdes biolégicas, biolégico-sociais ¢ interindivi- duais, existe um outro nivel, que se poderia nomear de transindi- vidual: € © que corresponde aos grupos de interioridade, a uma verdadeira individuagio de grupo. Arelagio interindividual vai de individuo a individug; ela nio penetra os individuos; a agdo transindividual € que faz com que os individuos existam juntos, como os elementos de um sistema que comporta potenciais ¢ metaestabilidade, espera e tensio, de pois. a descoberta de uma estrutura e de uma organizagio funcio- aal que integram e resolvem a problematica da imanéncia incor porada, O transindividual passa no individuo como de individuo aindividuo; as personalidades individuais se constituem juntas por recobrimento, e niio por aglomeragao ou por organizagao especia- Tzante, como no agrupamento biolégico de solidariedade ede di- visio do trabalho: @ divisio do trabalho abarca as unidades bio- lagicas que so 0s individuos em suas fungdes priticas. O transin- dividual no localiza os individuos: ele os faz coincidir; ele faz os individuos se comunicarem pelas significagGes: so as relagdes de informagio que sio primordiais, no as relagdes de solidariedade, de diferenciac3o funcional. Essa coincidéncia das personalidades nao éredutora, pois nao esta fundada sobre a amputagio das di- ferengas individuais, nem sobre sua utilizagao para fins de diferen- Gago funcional (o que encerraria o individuo [295] em suas pat tcularidades}, mas sobre uma segunda estruturagao a partir da- 350 A individuagdo dos seres vives ilo que a estruturagio bioldgica, produzindo os individuos vi- cas ainda deixa como nio-resolvida. Poder-se-ia dizer que a individuagio bioldgica nio esgota as rersiies que The serviram para constituir-se: essas tensdes passam qaindividuos passa no individuo algo de pré-individual, que é de yon sévee meio e individuos é a partir disso, desse nio-resolvido, esa carga de realidade ainda nio-individuada, que o homem bus- aseusemelhante para fazer um grupo no qual encontrard a pre- cenga por inva segunda individuagao, A individuagio biolégica no tou, € possivelmente também no animal, nio resolve inteira- aneme as tensdes: ela deixa a problemvitica ainda subsistente, la- rentes dizer que éa vida que porta o espirito no é exprimir-se cor ntamente; pois a vida & wma primeira individuagio; mas essa pri- neirt individuagiio niio pode esgotar e absorver todas as forgas; ei nio resolven tudo; temos movimento para ir sempre mais lon- gvdiz Malebranche; de fato, temos tensio, potenciais para devir quttos, para recomegar uma individuagdo que nado é destruidora di primeira, Essa forga nao é viral; ela é pré-vital; a vida € uma especifica- gio,uma primeira solugdo, completa em si mesma, mas deixando um residuo fora de seu sistema, Naio é como ser vivo que o homem aartega consigo aquilo com o que individuarse espiritualmente, mascomo ser que contém pré-individual ¢ pré-vital em si, Essa rea- Idade pode ser nomeada transindividual, Ela nda é nem de origem sxial, nem de origem individual; ela é depositada no individuo, cartegada por ele, mas niio The pertence e nio faz parte de seu sis~ tema de ser como individuo, No se deve falar das tendéncias do individuo que © levam ao grupo; pois essas tendéncias nio sio, propriamente falando, do individuo enquanto individuo; elas sio ano-resolucio dos potenciais que precederam a génese do indi- tiduo, © ser que precede o individuo nao foi individuado sem res- tes ele nao foi totalmente resolvido em individuo ¢ meio; o indi- viduo conservou pré-individual consigo, ¢ todos os individuas jun- tostém, assim, um tipo de fundo nao estruturado a partir do qual uma nova individuagiio pode se produzir. O psico-social é algo de transindividual: é aquela realidade que 0 ser individuado transporta consigo, aquela carga de ser pa- Os fundamentos do transindividual ¢ a individuagio coletiva 4st 1a individuagdes furutas. Nao se deve nomed-la ela vital, pois ela nao estd exatamente em continuidade com a individuagio vital, mesmo que prolongue a vida, esta que é uma primeira individua- do. Portador de realidade pré-individual, o homem encontra em outrem uma outra carga dessa realidade; o surgimento de estrutu- ras fungGes, que pode se produzir nesse momento, nio é interin- dividual, pois ele aporta uma nova individuagao que se superpie a antiga ¢ a transborda, atrelando intimeros individuos num gru- po que esta nasecndo, Nesse sentido, poder-se-ia dizer que a espi- ritualidade € mais marginal que central relativamente ao indivi- duo, e que ela nao institui uma comunicagao das consciéncias, mas uma sinergia e comum estruturacio dos seres. O individuo nio é somente individuo, mas também reserva de ser ainda impolariza- da, disponivel, 4 espera. O transindividual esta com o individuo, mas ele nio é 0 individuo individuado. Ele esta com o individuo segundo uma relagio mais primitiva que o pertencimento, a ine- réncia ou a relagiio de exterioridade; por isso, ele é contato pos- sivel para além dos limites do indivfduo; falar de alma é indivi- dualizar demais e particularizar demais o transindividual, A im- pressio de ultrapassamento dos limites individuais ¢ a impressio oposta de exterioridade que caracterizam o espiritual tém um sen- tido ¢ encontram o fundamento de sua unidade de divergéncia nes- sa realidade pré-individual. A divergéncia da transcendéncia e [296] da imanéncia da espiritualidade nao é uma divergéncia no proprio transindividual, mas apenas relativamente ao individuo individuado. 8. REALIDADE PRE-INDIVIDUAL E REALIDADE ESPIRITUAL: AS FASES DO SER Anogao mesma de unidade psicossomatica nao é completa- mente satisfatéria, ¢ a insuficiéncia da teoria organismica é senti- da sem que se possa dizer em que ela reside. Ora, bem parece que ela reside nesse transbordamento de realidade pré-individual rela- tivamente 4 realidade do individuo. O individuo é tio somente ele 452 A individuagdo dos seres vivos yas existe Como que superior a si mesmo, pois veicula an uma realidade mais completa, que a individuagao nao es- e que ainda é nova ¢ potencial, animada por potenciais, O : ‘dno tem consciéncia deste fato de estar ligado a uma reali- ie ye esté acima de si mesmo enquanto ser individuado; por redugao mitolégica, pode-se fazer dessa realidade um Saipov, énio, uma alma; entio, vé-se nela um segundo individuo que ica 0 primeiro, vigia-o e pode coagi-lo, sobreviver a ele co- jadividuo. Pode-se também encontrar nessa mesma realidade, wanda 0 aspecto de transcendéncia, o testemunho da existén- deur indi viduo espiritual exterior ao individuo, 2 Sio diferentes maneiras de traduzir 4 consciéncia e 4 condu- re fato de que o individuo nao se sente sozinho em si mesmo, Be sente limitado como individuo a uma realidade que seria ie as ele mesmo; 0 individuo comeca a participar por associacéo ia desi mesmo antes de qualquer presenga manifesta de algu- maoutra realidad individuada. A partir desse sentimento primei- vodepresenga possivel, desenvolve-se.a busca desse segundo cum- mento do ser que lhe manifesta o transindividual ao estruturar sa realidade portada com o individuo ao mesmo tempo que ou- isrealidades semelhantes mediante elas. Naose pode falar nem deimanéncia, nem de transcendéncia da espiritualidade relativa- rene 20 individuo, pois a verdadeira relagio é a do individual ao jansindividual: 0 transindividual é 0 que esta no exterior do indi- ‘yuo bem como dentro dele; de fato, o transindividual, nio sen- destruturado, atravessa 0 individuo; néo estd em relagao topo- ligica com ele; imtanéncia ou transcendéncia s6 podem ser ditas nativamente & realidade individuada; hd uma anterioridade do tansindividual relativamente ao individual, anterioridade que im- ede que se defina um nexo de transcendéncia ou de imanéncia; 0 tassindividual ¢ 0 individuado nao sao da mesma fase de ser: ha conristincia de duas fases de ser, como a dgua amorfa num cri tol. Por isso, © grupo pode aparecer como um meio: a personali- dade de grupo se constitui sobre um fundo de realidade pré-indi- vidual que comporta, pds-estruturagao, um aspecto individual e outro complementar a esse individuo. © grupo possui um andlo- goda alma e um andlogo do corpo do ser individual; mas essa al- Osfundamentos do teansindividual ea individuagio coletiva 453 ma ¢ esse corpo do grupo sio feitos da realidade aportada antes de qualquer desdobramento pelos seres individuados. A cconsciéncia coletiva nao é feita da reuniao das conscitncias individuais, tampouco 0 corpo social provém dos corpos indiyj- dunis. Os individuos portam consigo alguma coisa que pode devir coletivo, mas que ainda nio esta individuada no individuo, A rey. nido dos individuos carregados de realidade nao-individuada, por- tadores dessa realidade, é necessdria para que a individuagio do grupo se cumpra; essa realidade nao-individuada nao pode ser di- ta puramente espiritual; ela se desdobra em consciéncia coletiva ¢ em corporcidade coletiva, sob forma de estruturas 297) e de limi- tes que fixam os individuos. Os individuos so, de uma s6 vez, ani- mados e fixados pelo grupo. Nao se pode criar grupos puramente espirituais, sem corpos, sem limites, sem apegos; 0 coletivo, como o individual, é psicossomatico. Se as individuagées succssivas se fazem raras ¢ se espacgam, o corpo coletivo e a alma colctiva se se- param cada vez mais, apesar da produgiio dos mitos e das opinides que os mantém relativamente acoplados: dai o envelhecimento ¢a decadéncia dos grupos, que consiste num destacamento da alma do grupo relativamente ao corpo do grupo: © presente social nio é mais um presente integrado, mas erratico; insular, destacado, co- moa consciéncia do presente que, num idoso, nao estd mais dire- tamente atrelada ao corpo, nao se insere mais, porém se alimenta dela mesma numa iteragao indefinida. Pode-se afirmar que existe uma relagio entre o coletivo ¢ o espiritual, mas essa relagao nao estd nem no nivel do interindividual, nem no nivel do social natu- ral, caso se entenda por social natural uma reagao coletiva da es- pécie humana as condigdes naturais de vida, por exemplo, através do trabalho, Aquilo que se utiliza da realidade ja individuada, somdtica ou psiquica, nao pode definir uma espiritualidade. E no nivel do transindividual que as significag6es espirituais s4o descobertas, nao no nivel do interindividual ou do social. O ser individuado porta consigo um possivel porvir de significacdes relacionais a serem des- cobertas: é 0 pré-individual que funda o espiritual no coletivo, Po- der-se-ia nomear natureza esta realidade pré-individual que o in- dividuo porta consigo, procurando reencontrar na palavra natu- 454 A individuagao dos seres vivos ea significagao que os filésofos pré-socraticos Ihe conferiam: ¢sFisidlogos jOnicos encontravam nela a origem de todas as espé- cise seh anterior & individuagao; a natureza ¢ realidade do pos- res sob as espécies desse &mmeipov do qual Anaximandro faa sair da forma individuada: a Natureza nao é 0 contrario do Homem, qosa primeira fase do ser, a segunda sendo a oposigao do indivi- 4joe do meio, complemento do individuo relativamente ao todo, sgundo a hipdtese aqui apresentada, o Gmetpov permaneceria no dividuo, como um cristal que retém algo de sua 4gua-mie, e es- carga de émte.pov permitiria seguir para uma segunda indivi- duagio. $6 que essa hipétese — a diferenga de todos os sistemas pe apreendem o coletivo como uma reuniao de individuos, ¢ pen- smo grupo como uma forma cujos individuos sio a matéria — siofaria dos individuos a matéria do grupo; os individuos, por- udores de Grreipav, descobrem no coletivo uma significagio que setraduz, por exemplo, sob a forma da nogao de destino: a carga kdmeipov é principio de disparagao relativamente a outras car- yasdemesma natureza contidas noutros seres. O coletivo é uma individuacao que reine as naturezas que io portadas por varios individuos, mas nao contidas nas indivi- dualidades ja constituidas desses individuos; isso porque a desco- bea de significagdo do coletivo é, de uma vez s6, transcendente e imanente relativamente ao individuo anterior; ela € contempora- nea 4 nova personalidade de grupo, da qual o individuo participa amavés das significagdes que descobre, isto é, através de sua natu- fe2a; Mas essa natureza nao é verdadeiramente natureza de sua in- dividualidade; ela é natureza associada ao seu ser individuado; ela éremanescéncia da fase primitiva e original do ser na segunda fa- se,€ 88a remanescéncia implica tendéncia para uma terceira fase, que é ado coletivo; 0 coletivo é uma individuagao das naturezas jungidas aos seres individuados. Por esse Grreipov que ele porta consigo, © ser nao é somente ser individuado; ele € par de ser in- . dividuado e de natureza; é por essa natureza remanescente que ele secomunica [298] com o mundo ¢ com os outros seres individua- dos, descobrindo significagdes as quais ele nao sabe se sio a prio- Nou @ posteriori. A descoberta dessas significagdes é a posteriori, Poisé preciso uma operacao de individuacao para que elas apare- Osfundamentos do teansindividual ¢ a individuagie coletiva 455 gam, ea ser individuads nio pode cumprir sezinhe esa Opera) de individuayiios é precise que se erie una presenga com aly on, tre ser que ndv ele para que a individuagao, principio e melo dy significagia, apatecer, Mas esse aparceimenty de signifies, Ao supde também um a prior! realy a ligagia av sujeite dessa cap fa de Natureza, romaneicéncia do ser ent sua fase oriyiiial, prejp. dividual, O ser individuade é portador de orien absoluta, A sig nificagio é a correspondéncia dos a prior! na individuagio que vey depois da primeira, into é, na individuagiio @ posterior, IO COLETIVO COMO CONDIGAO DI SIGNIFICAGAO: 1, SunyerivipADE HK SIGNIFICAGAOS CARATERCTRANSINDIVIDUAL DA SIGNIFICAGAO Acxisténcia do coletive é necessdria para gue sima informa gio seja significntiva. Tanto que a carga de natureza original por tada pelos seres indivicuais nao pode se estruturar ¢ se orpaniizar, nio existe forma no ser para acolher a forma aportada por sinais, Receber uma informagio é, de fate, para o sujeita, ‘operar em si mesmo uma individuagiio que cria o nexo coletive com o ser do qual provém o sinal, Descobrir a significagio da mensagem pro- veniente de um ou varios seres é formar o coletivo com eles, é ine dividuar-se na individuagio de grupo com eles. Nao ha diferenea entre descobrir uma significagio ¢ cxistir coletivamente com o sr relativamente ao qual a signifieagdo é descoberta, pois a significi- io nio é do ser, mas esta entre os seres, ou melhor, através dos seres: ela é transindividual, O sujeito é © conjunto formado pelo individuo individuado ¢ pelo &rrerpov que ele porta consigo; 0 - jeito é mais que individuo; ele é individuo e natureza, de uma sh vez as duas fases do ser; ele tende a descobrir a significagio dessas duas fases do ser resolvendo-as na significagio transindividual do coletivo; o transindividual nio é a sintese das duas primeiras fases 456 A individuagda dos seres vivos dower, pois 88a Siritese 66 poderia cer feita no stijeite, case cla de» aes €F rigorosamente sintese, Mas ele, no entanto, & sta sipnifi- cagio, pola disparagio que existe entre as duas fases de ser com: jidas 0 sujeito & envolvida de significaytin pela constituigia dev ramindividual, Por essa razio, é absolutamente insuficiemte dizer que éa line pager que permite ao homem aceder hs sigsificagiess se niu bene yee aiiticagies para sustentar a linguagei, 140 haveria lingua gen nao ba Jinguagem que cria a significagios ela é somente aqui Jo que veicula entre o8 sujeitos uma informagae que, para devir sigificativa, precisa reencontras o rrespov avwociado a individuae fidade definida no sujeitas a linguagem é insteumene de expres- sio, veiculo de informagio, mas nfo criadora de significagties, A significagdo € um nexo de seres, nao uma pura expresso; a signi- fcagio ¢ relacional, coletiva, transindividual, ¢ nio pode ser for- neeida pelo encontro da expressdio com 0 sujeito, Pode-se diner o queéa informagio a partir da significagio, mas nio a significagig apartir da informagio, [299] Fxistem estruturas ¢ dinamismos psicossomaticos inatos que constituem uma mediagio entre o natural (fase pré-individual) eo individuado. Tal é a sexualidade; em certo sentido, poder-se-ia di- ger que, para o individuo, o faro de ser sexuado faz parte da in viduagio; e, de fato, a sexualidade nao poderia existir se a distin- gio psicossomitica dos individuos nfo existisse; no entanto, a se- xvalidade nfo pertence ao individu, nao é sua propriedade, € ne- cessita do par para ter uma significagio, Ela ainda & alpo de pré- individual atrelado ao individuo, especificada ¢ dicotomizado, pa- ra poder ser veiculado de maneira implicita, somato-psiquica, pe- lo individuo, A dicotomia do pré-individual permite uma maior integragfio dessa carga pré-individual ao individuo; a sexualidade mais imanente ag individuo que a pré-individual, que permane- ce verdadeiramente um Grreipov; a sexualidade modcla o corpoe aalma do ser individuado, cria uma assimetria entre os seres indi- viduados enquanto individuos, A sexualidade esta a uma igual dis- tincia entre o Grretpov da natureza pré-individual ea individuali- dade limitada, determinada; ela realiza a ineréncia individuali- dade limitada, individuada, de uma relagio ao ilimitado; por isso, Os fundamentos do transindividual ca individuagaa coletiva 457 ela pode ser percorrida nos dois sentidos, rumo 4 individualidag. erumo 4 natureza; ela faz individualidade e natureza se comm), carem. Nao é verdade que ela seja somente uma fungao do indi. duo; pois ela é uma fungao que faz o individuo sair de si mesmp, Ela tampouco é uma fungao especifica colocada no individuo pe. Ja espécie como um principio estranho: o individuo é sexuado, ¢ no apenas afetado por um indice sexual; a individuagio ¢, assim, bimodal enquanto individuacio; e, precisamente, ela nio é ung individuagdo completamente acabada como individuagao, |i que permanece concretamente bimodal: ha uma parada na via de ip. dividuagao que permite conservar nessa bimodalidade a ineténcig de uma carga de Grretpov; essa tradugao do ilimitado no limite pre. serva o ser da asseidade e, correlativamente, priva-o da individus. Gio completa. Assim, pode-se compreender por que a bimodalids. de individual pode ser considerada como principio de ascensio dialética; entretanto, o mito do andrégino ainda permanece um mito, pois 0 andrégino é mais bisexual do que individuo comple. to: pode-se perguntar se o individuo rigorosamente unimodal po- de existir enquanto separado; nas espécies em que a sexualidade nao existe, ou é apenas episédica para o individuo, frequentemen- te existem formas gregarias de existéncia que marcam uma para. da na individuacdo. Nas espécies superiores, a aderéncia da sexua- lidade ao ser individual cria a ineréncia de um limite de individaa- do no interior do individuo. A sexualidade pode ser considerads como uma imanéncia psicossomatica da natureza pré-individual ao ser individuado. A sexualidade é um misto de natureza ede in. dividuagao; ela é uma individuagdo em suspenso, parada na deer minagao assimétrica do coletivo elementar, da dualidade unifica- da do par. Por essa raza0, a sexualidade pode ser introducao ao coleti- vo, ou retirada a partir do coletivo, inspiragao e incitagao para com o coletivo, mas ela nao é 0 coletivo, e tampouco ela é espiri- tualidade, mas incitacao a espiritualidade; colocando o ser em mo- vimento, ela faz o sujcito compreender que cle nao ¢ individuo fe- chado, que ele nao possui asseidade; ela é, e todavia permanece petaEu [metaxy, “no meio”, “entrementes”] e nao pode destacar -se do ser individuado, j4 que cla esta depositada cm sua modal 458 A individuagia dos sere viva dade de individuagio. Nao se pode, como fax Freud, identificar & sexualidade 0 principio mesmo das tendéncias no ser individuado; rampauco se pode dividir o ser entre dois prinefpios, o do prazer 40-05 instintos de morte, como Freud tenta fazer quando retoma sua doutrina ea modifica apés a guerra de 1914-1918, Freud sen- jiu que havia, de uma vez sé, [300] unidade do ser individuado dualidade nele. Mas o ser nao pode ser interpretado nem segundo aunidade, nem segundo a pluralidade pura. A dificuldade de to- daadoutrina de Freud vem do fato de que o sujeito¢ identificado jo individuo ¢ de que a sexualidade ¢ colocada no individuo co- mo alguma coisa que este contém e abrange; ora, a sexualidade é una modalidade da individuagao primeira mais do que um con- teudo do individuo atual; ela se organiza, ou nao se organiza, em seu desenvolvimento ontogenético com aquilo que nomeamos Na- tureza no sujeito, de modo a individualizar-se ou, ao contrario, atrelar-se ao mundo e ao grupo. A patogénese deveria estar atre- lada a um conflito entre a modalidade da individuagao, sob forma de sexualidade, e a carga de realidade pré-individual, que esta no sujeito sem estar contida no individuo. Mas é bastante certo que cumprimento dos desejos, a satisfagao das tendéncias, 0 relaxa- mento de todas as tensées do ser sexuado nao poem o individuo em acordo consigo mesmo, ¢ nao fazem cessar 0 conflito patogé- nico, no interior do sujeito, entre a modalidade de individuacao e anatureza, Nem o estudo tao s6 do individuo, nem o estudo tio s6 da integracdo social podem dar conta da patogénese. Nao € ape- nas 0 individuo, é.0 sujeito que esta doente, pois nele hi conflito entre individuo e natureza. A nica via de resolugao é a descoberta pelo sujeito das sig- nificages gracas as quais 0 coletivo ¢ o individual podem estar de acorda € se desenvolyer de maneira sinérgica. Goldstein nota,com taro, que o estado normal das tendéncias nao ¢ resolugao, a cal- ma trivial, mas uma certa tensdo média que as aplica ao mundo e as prende ao seu objeto; nao é nem no individuo puro frente a si tmesmo ¢ 4 sua realidade dada, nem na insergao ao social empiri- Co que © sujeito pode encontrar sua completude e seu equilibrio. Frend e Karen Horney generalizaram dois casos-limite. A patolo- gia mental esta no nivel do transindividual; cla aparece quando a Os fundamentos do transindividual e a individuagio coletiva 459 descoberta do transindividual falhou, isto é, quando a carga deny. tureza que esta no sujeito com o individuo nao pode encontrar gy, tras cargas de natureza noutros sujeitos com os quais poderia for. mar um mundo transindividual de significagbes; a relagao patoly. gica a outrem é aquela em que faltam significagdes, que se disso. ve na neutralidade das coisas ¢ deixa a vida sem polatidade; o in. dividuo, entio, sente-se devindo uma realidade insular; abusiyy. mente esmagado, ou falsamente triunfante ¢ dominador, o sujeitg busca atrelar o ser individual a um mundo que perde sua signif. cagio; a relagdo transindividual de significagao é substituida pela impotente relagio do sujeito a objctos neutros, alguns dos quais sio seus semelhantes, Szondi, com a Schicksalsanalyse [*Anilise do Destino”), certamente encontrou esse aspecto de natureza que ha no sujeito; mas esse aspecto também deve ser encontrado nos casos €M que nao aparecem forcas patogénicas definidas; ainda é alguma realidade pré-individual que guiou o sujeito em suas escy- Ihas positivas: com efeito, a escolha niio é apenas 0 fato daquilo que, no sujeito, esta inteiramente individuado; a escolha supée in- dividuagdo de uma parte da natureza nao-individuada, pois a es colha é descoberta de uma relacao de ser pela qual o sujeito se constitui numa unidade coletiva; a escolha nao é disposigao de um objeto neutro por um sujeito dominante, mas individuacio que in. tervém num conjunto tensionada, pré-individual, formade por deis ou varios sujeitos; a escolha é descoberta e instituigao do coletivg; ela tem valor autoconstitutivo; é preciso varias massas de nature za pré-individual para que a escolha se cumpra; a escolha nioé ato do sujeito, somente; cla é estruturagao no sujcito com outros sujeitos; o sujeito é meio da escolha ao mesmo tempo que agente dessa escolha. Ontologicamente, toda verdadeira escolha é reci- proca € supde [301] uma operagao de individuagio mais profun- da que uma comunicagao das consciéncias ou uma relacao inter subjetiva, A escolha € operacao coletiva, fundacao de grupo, at- vidade transindividual. Entio, é 0 sujeito, mais que o individuo, que esta implicado na escolha; a escolha se faz no nivel dos sujeitos, e arrasta os indi- viduos constituidos ao coletivo. Assim, a escolha é adventode ser. Ela nao é simples relagao. Conviria buscar, entao, se nao existem 460 A individuagio dos seres vives odes do pré-individual, aspectos diferentes da natureza que os gujoites comportam, Talvez o Grerpov seja indeterminado apenas elativamente ao ser individuado: talvez haja diversas modalida- des do indeterminado, o que explicaria o fato do coletivo nao po- der nascer em qualquer caso ¢ de qualquer tensio com as mesmas chances de estabilidade em todos os casos. Talvez assim se pudes- se definir classes de @ priori nas significagdes possiveis, categorias de potenciais, bases pré-relacionais estaveis. Faltam conceitos pa- yacfetuar tal estudo, 2, SujerTo E INDIViDUO Parece resultar deste estudo, parcial ¢ hipotético, que o nome iadividuo € dado abusivamente a uma realidade mais complexa, a do sujeito completo, que comporta em si, além da realidade indi- viduada, um aspecto inindividuado, pré-individual ou ainda natu- ral, Fssa carga de realidade inindividuada abriga um poder de in- dividuagdo que, unicamente no sujeito, no pode se concluir, por pobreza de ser, por isolamento, por falta de sistematica de conjun- to, Ajuntado com outros, 0 sujeito pode ser correlativamente tea- toe agente de uma segunda individuagao que faz o coletive tran- sindividual nascer ¢ atrela o sujeito a outros sujeitos. 0 coletivo nao énatureza, mas supGe a existéncia prévia de uma natureza ata- da aos sujeitos entre os quais a coletividade se institui recobrindo- os. Nao é verdadeiramente enquanto individuos que os seres es- tio atrelados uns aos outros no coletivo, mas enquanto sujeitos, quer dizer, enquanto seres que contém algo de pré-individual. Essa doutrina visaria considerar a individuacio como uma fase do ser. Além disso, essa fase pode nao esgotar as possibilida- des do ser pré-individual, tanto que uma primeira individuagio faz nascerem setes que ainda trazem consigo virtualidades, potenciais; fracos demais em cada ser, esses potenciais, reunidos, podem ope- rat uma segunda individuagao, que ¢ 0 colctivo, atrelando os se~ res individuados uns aos outros pelo pré-individual que eles con- servam € comportam. Assim, 0 ser particular é mais que individuo; numa primeira vez, ele é para si to somente individuo, como re- Qs fundamentos do transindividual ea individuagao coletiva 461 sultado de uma primeira individuagio; numa segunda ver, ele § membro do colctivo, o que o faz participar de uma segunda ind. viduagio. O coletivo niio é um meio para o individuo, mas ym conjunto de participagdes no qual ele entra por essa segunda ind. viduagéo que é a escolha, ¢ que se exprime sob forma de realida. de transindividual. O ser sujeito pode ser concebido coma sistem de coeréncia mais ou menos perfeita das trés fases sucessivas do ser: pré-individual, individuada, transindividual, correspondendo parcialmente, mas nio completamente, ao que designam os con- ceitos de natureza, individuo, espiritualidade. O sujeito nao é uma fase do ser oposta A do objeto, mas a unidade condensada c siste- matizada das trés fases do ser. [302] 3. O EMPfRICO E O TRANSCENDENTAL. ONTOLOGIA PRE-CRITICA E ONTOGENESE. O COLETIVO COMO SIGNIFICAGAO QUE TRANSMONTA UMA DISPARAGAG Essa maneira de considerar © sujeito permite evitar a dificil distingao entre o transcendental ¢ o empirico. Ela também petmi- tea antropologia nao se fechar sobre si mesma como ponto de par- tida absoluto do conhecimento do homem a partir de uma essén- cia. O individuo nao é tudo no homem, pois 0 individuo é 0 resul- tado de uma individuagao prévia; um conhecimento pré-individual do ser é necessirio, Nao se deve considerar o ser enquanto indivi- duado como absolutamente dado. E preciso integrar a ontogéne- se ao dominio do exame filosdfico, em vez de considerar o ser in- dividuado como absolutamente primeiro. Essa integra¢ao permi- tiria ultrapassar certos postulados ontoldgicos da critica, postula- dos que sio essencialmente relativos 4 individuagao; ela também permitiria recusar uma classificagao dos seres em géneros que nio correspondem a sua génese, mas a um conhecimento tomado apis a génese, e do qual afirmamos que era o fundamento de toda cs- colastica. Trata-se, entio, de assistir A génese dos seres individua- dos a partir de uma realidade pré-individual, contendo potenciais que se resolvem e se fixam em sistemas de individuagao, 462 A individuagao dos seres vivor Para tentar chegar a essa instituigio de uma ontologia pré- critica que 6 uma ontogénese quisemos criar a nogio de fases do ct. Essa nog nos pareceu poder ser estabelecida a partir da no- gio de informacao, destinada a substituir a nogao de forma tal co- ao esti implicada no insuficiente esquema hilemérfico; a informa- gio nfio é um sistema de forma ¢ de matéria, mas um sistema de forma e de forma, supondo paridade ¢ homogeneidade dos dois temos, com uma certa decalagem, ademais, fundando significa 30 ¢ realidade coletiva (como a disparacio visual). O coletivo é a significagao obrida por superposigio num sistema tinico de seres que, um a um, sao dispares: € um encontro de formas dinamicas edificado em sistema, uma significacao realizada, consumada, que exige passagem a um nivel superior, advento do coletive como sis- tema unificado de seres reefprocos; a personalidade coletiva do in- dividuo é @ que pode ganhar significacao relativamente a outras personalidades coletivas suscitadas no mesmo momento por um jogo de causalidade recfproca. A reciprocidade, a ressonancia in- tema € a condigao de advento do coletivo. O coletivo é 0 que re- sulta de uma individuagao secundaria relativamente 4 individua- cio vital, retomando 0 que a primeira individuagio havia deixa- do de natureza bruta nao empregada no vivente. Essa segunda individuago nao recobre totalmente a primeira; apesar do coleti- vo, 0 individuo morre enquanto individuo, e a participacao no co- Ietivo nfio pode salvé-lo dessa morte, consequéncia da primeira individuagao. A segunda individuagao, a do coletivo ¢ do espiri- tual, faz nascerem significagGes transindividuais que nao morrem com os individuos através dos quais elas sdo constituidas; o que hd de natureza pré-individual no ser sujeito pode sobreviver, sob forma de significagGes, ao individuo que estava vivo; “non omnis moriar®*" € yerdadeiro em certo sentido, mas seria preciso po- der afetar esse juizo com um indicio, privando-o da personalida- de em primeira pessoa; pois ja nao é 0 individuo, e dificilmente é NT (Non omnis moriar multaque pars meit vitabit Libitinam (“Nao morterei completamente, e uma grande parte de mim/ sobreviverd & Libitina [deusa da morte]”), € um trecho da Ode XXX do poeta latino Hordcio.} Os fundamentos do transindividual ¢ a individuacio coletiva 463 ‘© sujeito, que sobrevive a si mesmo; é a carga de natureza associa. da ao sujeito que, devinda significagaa integrada no coletivo, go. brevive ao hic et unc do individuo contido no ser sujeito. A ini. ca chance para 0 individuo, ou melhor, para o sujeito de sobre ver a si de algum jeito é devir significagao, fazer com que alguma [303] coisa de si devenha significagao. Tem-se ainda ai uma pers. pectiva bem pouco satisfatéria para 0 sujeito, pois a tarcfa de des. coberta das significagdes ¢ do coletivo esta submetida a0 acaso, No entanto, é apenas como informacio que o ser sujeito pode so- breviver a si, ne coletivo generalizado; participando da individua- Gio coletiva, 0 sujeito infunde alguma coisa de si mesmo (que nip €a individualidade) numa realidade mais estavel que ele. E pela natureza associada que existe 0 contato com o ser. Esse contatog informagao. 4, A ZONA OPERACIONAL CENTRAL DO TRANSINDIVIDUAL; TEORIA DA EMOGAO O sentido deste estudo é o seguinte: é preciso abandonar 0 sistema hilem6rfico para pensar a individuacao; a verdadeira indi- viduacdo nao se reduz a uma tomada de forma. A operacio dein- dividuagao é um fendmeno muito mais geral e muito mais vaso que a simples tomada de forma. Pode-se pensar a tomada de for- ma a parur da individuagao, mas nao a individuagao a panir do paradigma da tomada de forma. O esquema hilemérfico compor- tae aceita uma zona obscura, que é precisamente a zona operade- nal central. Ele é 0 exemplo e 0 modelo de todos 0s processoslé- gicos pelos quais se atribui um papel fundamental aos casos-limi- te, 205 termos extremos de uma realidade organizada em série, c- mo se a série pudesse ser engendrada a partir de suas confinancas. Segundo o método proposto para substituir 0 esquema hileméri- co, o ser deve ser apreendido em seu conjunto, e o meio de um real ordenado é tao substancial quanto seus termos extremos. A zona obscura transportada com o esquema hilemérfico projeta sua som- bra sobre toda realidade conhecida através desse esquema. 0 e- 464 A individuagio dos seres vies quem hilemGrfico substitui abusivamente 0 conhecimento da gé- nese de um real; ele impede o conhecimento da ontogénese, Em psicologia, é a zona mediana do ser que é rechacada ao jmacional ¢ a0 incognoscivel que sé podemos experimentar, ¢ ndo conhecer: a relagao psicossomatica poe problemas insohiveis. Ora, ralvez fosse preciso se perguntar se a nogao de relacaa psicofisio- jogica ndo seria iluséria, apenas traduzindo o fato de que se quis considerar © ser como o resultado de uma tomada de forma, apreendé-lo através do esquema hilemérfico apés ele ter sido cons- fituido. A impossibilidade de se chegar a uma relacao clara entre aalma ¢ 0 corpo apenas traduz a resisténcia do ser 4 imposigio do egquema hilemérfico; os termos substancializados de alma ¢ de cor po podem ser apenas os artefatos provindos desse esforco para co- nhecer 0 ser através desse esquema, o que de inicio necessita de uma redugio prévia de todo o espectro de realidade que constitui ‘ser as seus termos extremos, considerados como materia ¢ for- ma, De um mesmo jeito, o estudo dos grupos manifesta a existén- cia de uma zona obscura; 0 corpo dos grupos é conhecido pela morfologia social; as representagdes grupais so 0 objeto da in- terpsicologia e da microssociologia. Mas entre esses dois termos extremos estende-se a zona relacional obscura, a do coletivo real, cuja ontogénese parece rechagada ao incognoscivel. Tomar a rea- lidade dos grupos como um fato, segundo a atitude de objetivida- de sociolégica, é chegar apés a individuacdo que funda o coletivo, Partir dos postulados interpsicolégicos é colocar-se antes da indi- viduacao de grupo e querer fazer com que esse grupo provenha de dinamismos psiquicos interiores aos individuos, tendéncias ou ne- cessidades sociais do individuo. Ora, o verdadeiro coletivo, con- temporaneo da operacao de individuacio, nao pode ser conheci- do como [304] relagao entre os termos extremos do social puro € do psiquico puro. Ele é o ser mesmo que se espraia em espectro, indo da exterioridade social a interioridade psiquica. O social eo psiquico sao apenas casos-limite; eles nao sao os fundamentos da tealidade, os termos verdadeiros da relacdo. $6 existem termos ex- tremos para 0 olhar do conhecimento, pois 0 conhecimento preci- sa aplicar um esquema hilemérfico, par de nog6es claras encerran- do uma relagdo obscura. Os fundamentos do transindividual e a individuagio coletiva 465 Contra 0 esquema hilemérfico, pode-se erigir a representaciy da individuagao, apreendendo o ser em seu centro de atividade, Porém, para que a nogdo de individuagio possa ser inteiramente resgatada do esquema hilemérfico, é preciso operar um procedi. mento de pensamento que nao apela a classificagao ¢ que prescin. de das definigdes de esséncia por inclusio ou exclusao de carite. res, Pois a classificagio, permitindo um conhecimento dos setes por género comum e diferengas especificas, supie a utilizacao do esquema hilemérfico; é a forma que da ao género sua significacio relativamente as espécies, que sio matéria. O pensamento que po- demos nomear transdutivo nao considera que a unidade de um ser seja conferida pela forma que enforma uma matéria, mas por um regime definido da operagao de individuagao que funda o ser de maneira absoluta. E a coesao do ser que faz a unidade do set, enio a relagdo de uma forma a uma matéria; a unidade do ser é um re- gime de atividade que atravessa 0 ser, indo de parte a parte, con- vertendo estrutura em fungao e fungao em estrutura. O ser é rela. cio pois a relagao é a ressonancia interna do ser relativamente a si mesmo, © jeito como ele se condiciona reciprocamente no inte- rior de si mesmo, desdobrando-se e reconvertendo-s¢ em unidade, $6 se pode compreender a unidade do ser a partir da individuagio, ontogénese absoluta. © ser é uno porque é simbolo de si mesmo, ajustando-se a sie reverberando em si, A relagao jamais pode ser concebida como relagdo entre termos preexistentes, mas como re gime reciproco de troca de informacao e de causalidade num sis tema que se individua. A relagdo existe fisicamente, biologicamen- te, psicologicamente, coletivamente como ressondncia interna do ser individuado; a relacZo exprime a individuagio, e esta no cen- tro do ser. Para que a relagao de ser a ser seja possivel, é preciso uma in- dividuacao envolvendo os seres entre os quais a relacao cxiste: $0 supde que exista nos seres individuados certa carga de indeter- minado, isto é, de realidade pré-individual que tenha passado atra- vés da operacdo de individuacdo sem ser efetivamente individua- da, Pode-se nomear natureza essa carga de indeterminada; nao deve concebé-la como pura virtualidade (0 que seria uma nogio abstrata que compete, em certa medida, ao esquema hileméri- 466 A individuagao dos seres vivos co}, mas como verdadeira realidade carregada de potenciais atual- mente existentes como potenciais, isto é, como energia de um sis- tema metaestavel. A noc de virtualidade deve ser substituida pe- la de metaestabilidade de um sistema. O coletivo pode nascer a partir da carga de realidade pré-individual contida nos seres indi- viduados, ¢ n2o por encontro de forma e de matéria previamente esistentes. E a individuacao do coletivo que é a relagao entre os seres individuados; nao é a relagao, partindo dos seres individua- dos¢ apoiando-se sobre sua propria individualidade, tomada co- motermo, que funda a relagao e constitui o coletivo; sem indivi- duagio nao ha ser e sem ser nao ha relagao. Os liames que podem existir entre Os seres 4 individuados e que se estabeleceriam entre gas individualidades tomadas a partir de uma individuagao do coletivo seriam apenas uma relacdo interindividual, como a rela- gio interpsicolégica. O coletive possui sua [305] propria ontogé- ese, sua Operacdo propria de individuacdo, utilizando os poten- ais portados pela realidade pré-individual contida nos seres jé in- dividuados. O coletivo se manifesta pela ressonincia interna no interior do coletivo; ele é real enquanto operacao relacional esta- veh ele existe puornddc [fysikds, “naturalmente”], e no hoyrydc llogikds, “logicamente*]. O nascimento de uma relagio inter- subjetiva € condicionado pela existéncia dessa carga de natureza nos sujeitos, remanescéncia de uma pré-individualidade nos seres individuados. ManifestagGes como a emogio no ser individual parecem ser impossiveis de explicar apenas a partir do conteiido ¢ da estrutu- ta do ser individuado. Sim, é possivel apelar a um certo condicio- tamento filogenético que repercute sobre a ontogénese e mostrar ha emogao carateres de adaptacdio a situagGescriticas. De fato, es+ ses aspectos de adaptacao, salientados por Darwin, certamente existem, mas nao esgotam toda a realidade da emogio. Pela emo- §a0, o ser se desadapta enquanto se adapta, caso se reduza a adap- lago 4s condutas que garantem a seguranca do individuo enquan- to individuo. Se de fato a emogio coloca para a psicologia proble- mas tho dificeis de resolver, & porque ela nio pode ser explicada tm fungao do ser considerado como totalmente individuado. Ela manifesta no ser individuado a remanescéncia do pré-individual; Os fundamentos do transindividual ea individuagio coletiva 467 cla € aquele potencial real que, no seio do indeterminado Natur, suscita no sujcito a relagio ao seio do coletivo que se institu, ky coletivo na medida em que uma emogio se estrurura; a emocin, na situagao de solidao, ¢ como um ser incompleto que 6 pode; sistematizar-se segundo um coletivo que vai se individuar; a emg. do é algo de pré-individual manifestado no seio do sujeito ¢ py. dendo ser interpretado como interioridade ou exterioridads; emogao remete a exterioridade ¢ 4 interioridade, pois ela niog ). go de individuado; ela é a troca, no seio do sujeito, entre a cana de natureza ¢ as estruturas estaveis do ser individuado; troca en- treo pré-individual ¢ o individuado, cla prefigura a descoberia do coletivo. Ela é um questionamento do ser enquanto individual, pois ela é poder de suscitar uma individuagao do coletivo que recobr- rae prenderd o ser individuado. A-emogio é incompreensivel segundo o individuo porque ela nao pode encontrar sua raiz nas estruturas ou fungées do indivi- duo enquanto individuo: sua adaptagao a certos atos ou a certas condutas é apenas lateral; parece que a emogio cria uma desadap- tagdo para poder reparar essa desadaptacao mediante certo ni- mero de manifestagdes anexas. De fato, o critério de adaptagio- -desadaptagiio € insuficiente para dar conta da emogao, pois ee toma posteriormente, em suas consequéncias, ou de maneira mar ginal, nas reagdes de adaptagao do individuo 4 emogio; 0 indivi- duo comunica-se com a emogdo e adapta-se relativamente a eh, nao para lutar contra ela, como geralmente se diz, mas a fim de existir com a emoc¢do; ha correlacao do individuo e da carga de natureza pré-individual na emogao; mas s6 o que se pode apreen- der so condutas que em si mesmas nao tém sua propria explica- Go, caso se faca da emocdo um estudo que almeje conté-la nases- truturas do ser individuado; dai, entao, ¢ preciso recorrer a um conjunto complexo de suposigées redutoras, como a da mi-féem Sartre, para restringir a emogdo a um fendmeno do individuo. ‘Tampouco se pode interpretar a emogao do jeito correto tentando considera-la como social, se o social é concebido como substan- cial e anterior ao nascimento da emocao, capaz de provocara emo do no individuo por uma agao invasiva que vem do exterior. A emogao nao é agao do social sobre o individual; ela tampoucoéo 468 A individuagio dos scres visas dlido individuo constituido que constituiria a relacdo a partir de qui sd termo; a emocio é [306] potencial que se descobre como sgnificagiio estraturando-se na individuagio do coletivo; ela esta- ri ineompleta e inacabada enquanto nao estiver cumprida na in- dividuagao do coletivo; ela nao existe verdadeiramente como emo- gio fora do coletiva, mas é como um conflito entre-a realidade pré- individual € a realidade individuada no sujeito, que é a laténcia daemogSo e 6, por vezes, confundida com a propria emogio; na realidade, a emogao nao é desorganizacao do sujeito, mas ence- tante de uma nova estruturagao que s6 poderd se estabilizar na Ucseoberta do coletivo. O instante essencial da emogio é a indivi- duacio do coletivo; apés esse instante ou antes dele, nao se pode descobrir a emogio verdadeira ¢ completa. A laténcia emotiva, ina~ dequacao do sujeito consigo mesmo, incompatibilidade entre sua carga de natureza e sua realidade individuada, indica ao sujeito que ele émais que ser individuado e que ele abriga em sia energia para uma individuagao ulterior; mas essa individuagao ulterior nio pode se fazer no ser do sujeito; ela s6 pode se fazer através desse set do sujeito e através de outros seres, como coletive transindivi- dual, A emogao nao é, portanto, sociabilidade implicita ou indivi- dualidade desregrada; ela é aquilo que, no ser individuado, abriga aparticipagao possivel em individuagdes ulteriores a incorpora- rem o que resta de realidade pré-individual no sujeito. ‘Nio surpreende que a emogdo se situe na zona obscura da re- lagio psicossomatica; ela nao pode absolutamente ser pensada me- diante-o esquema hilemérfico. Nascendo do pré-individual, a emo- (do parece poder ser apreendida antes da individuagao sob forma deum distarbio invasivo no individuo e, apés a individuagio, sob forma de uma significacdo definida funcionalmente no nivel do co- Ietivo; mas nem o individual, nem o social puro podem explicar a emocio, que é individuagio das realidades pré-individuais no ni- vel do coletivo instituido por essa individuacao, A emogao nao po- de ser apreendida pelos termos extremos de seu desenvolvimento, que ela reiine por sua coesdo propria, a saber, o individual puro e osocial puro, pois estes s6 sao termos extremos da individuagao émotiva porque a emogio os localiza ¢ os define como termos ex- ‘vemos de uma atividade relacional que ela institui. £ relativamen- ‘0s fundamentos do transindividual ¢ a individuagae coletiva 469 te a realidade transindividual que o social puro ¢ » « ro existem, como termos extremos de toda a Sten ndiidyy dividual; nao é um relativamente ao outro que gj, i tra - cial existem a titulo de termos antitéticos. O tran, individ nt esquecido na reflexao filos6fica porque corresponta til ier ra do esquema hilemdrfico. © tong oh A individuagdo dos seres its

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