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Mulheremrevista (1) Watermark Watermark-2
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MULHERES EM REVISTA
A DISCURSIVIZAÇÃO DA MULHER
NA REVISTA JORNAL DAS MOÇAS
DA DÉCADA DE 1950
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Lei de direitos autorais
Compartilhamento
Palmira Heine Alvarez
proibido
MULHERES EM REVISTA
A DISCURSIVIZAÇÃO DA MULHER
NA REVISTA JORNAL DAS MOÇAS
DA DÉCADA DE 1950
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Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Copyright © da autora
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PRIMEIRAS PALAVRAS
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Assim, segundo a autora, é pelo inessencial que a
mulher foi construída historicamente, como “o outro”
do homem. No Brasil, a década de 1950 foi um período
de muito crescimento econômico com ampliação de
indústrias e crescimento de cidades, o que ocasionava
um processo ainda bastante incipiente de saída das
mulheres do ambiente doméstico para a ocupação de
algumas vagas (consideradas adequadas ao público
feminino, tais como secretárias, telefonistas, costureiras,
professoras etc.) no mercado de trabalho.
Nos âmbitos econômico e sociocultural, a década de
1950 fez parte do período conhecido como Anos
Dourados, ocorrido após a Segunda Guerra Mundial,
que possibilitou crescimento econômico e modificações
culturais importantes. No Brasil, essa época foi uma
transição entre a Era Vargas e a ditadura militar,
implantada no início da década de 1960.
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Apesar de todo o desenvolvimento econômico e
estrutural dos grandes centros urbanos, os papéis de
gênero se mantiveram inalterados, no que diz respeito à
inserção social de homens e mulheres, à moral sexual e
às relações de poder exercidas pelo homem no âmbito
familiar.
Nesse período, a imprensa também cresce e o
surgimento da TV vai revolucionar as relações de
comunicação de massa. A mídia vai se modernizando e
passa a representar um grande acervo de informações
para os brasileiros.
Diante desse cenário, passam a circular com maior
relevância, na imprensa jornalística, revistas
direcionadas ao público feminino, destinadas a serem
veículos conselheiros das moças e mulheres, difundindo
elementos da moral e dos costumes dominantes do
período. É nesse contexto que a revista Jornal das Moças
passa a figurar como importante veículo de informação
para mulheres.
As reflexões apontadas aqui têm como base a
análise desse veículo de comunicação a partir do viés da
Análise de Discurso (AD) de linha francesa, de vertente
pecheutiana, deslocando a ideia de que as revistas
serviam apenas para informar, mas defendendo a tese de
que essas revistas eram, antes de tudo, elementos de
discurso e, como tais, faziam circular diversos sentidos
sobre a mulher em diferentes aspectos: o corpo feminino,
o cabelo, o trabalho, a maternidade, o casamento, a
beleza, as prendas domésticas, dentre outros. Voltamos,
então, nosso olhar para essas revistas a fim de perceber
e analisar os modos de construção dessa imagem
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feminina sob um recorte da teoria pecheutiana,
problematizando a noção que permeava a ideia de
feminilidade no período analisado o qual, apesar de
todo o desenvolvimento econômico, ainda mantinha as
relações entre gêneros com base no poder patriarcal.
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JORNAL DAS MOÇAS E A IMPRENSA FEMININA
NO BRASIL
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inverno ou verão podem ser retomados em anos
subsequentes, desde que revestidos do ar de
atualidade e apresentados como a última palavra
no assunto (LUCA, 2013, p. 448).
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Desse modo, as representações sobre o que é ser
mulher na sociedade da época circulam através dessas
materialidades revestidas de uma neutralidade sem
falhas, mostrando ao sujeito as verdades construídas
pelas revistas. Voltaremos a esse ponto em seções
posteriores deste livro.
Retomando a historicidade da imprensa feminina,
no Brasil, o primeiro veículo destinado especificamente
para mulheres foi o “Espelho diamantino”, publicado
em 1827, com edição quinzenal, no Rio de Janeiro. O
jornal que era destinado às senhoras, conforme descrição
que consta na capa, considera a mulher como
companheira do homem, sendo que ela deve cuidar do
marido, dando-lhe conselhos, sendo a única responsável
pela manutenção da harmonia da família. A seguir, o
trecho de uma seção denominada “Prospecto da edição
número 1 de 1827” desse jornal:
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ESPELHO DIAMANTINO, 1827, n. 1, grafia
original)
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que engrandece as virtudes domésticas e
qualidades femininas e a progressista que
defende o direito das mulheres, dando grande
ênfase à educação. (BUITONI, 2009, p. 47)
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perturba a negativa. Seu sofisma é tal que nos
tratando de rainhas só nos dão o cetro da
cozinha, da máquina de procriação, etc., etc. Não
nos consideram senão como objeto de
imprescindível necessidade! Somos a flor de
Cactos e nada mais. A emancipação da mulher
pelo estudo, é o facho luminoso que pode
dissipar-lhe as trevas pela verdade em que deve
viver, levar-la-há ao templo augusto da ciência,
de bem viver na sociedade civilizadora.” (O
QUINZE DE NOVEMBRO DO SEXO
FEMININO, 1890, p. 1-2)
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direitos para o público feminino. Em São Paulo, em 1914,
surge a “Revista Feminina”, dirigida por mulheres e
fundada por Virgínia de Sousa Salles, que reivindicava
através de suas páginas o direito ao voto feminino. A
revista apresentava seções de poesia, contos,
informações gerais, moda, artes e outros temas
considerados como apropriados ao “universo
feminino”, mas também é possível ler nas páginas da
revista temas até então silenciados nos veículos
direcionados ao público feminino. Na edição de
fevereiro de 1918, há um artigo intitulado “A mulher
brasileira na guerra” assinado por Anna Rita Malheiros,
em que se fala sobre mulheres que se tornam voluntárias
para cuidarem de homens que vão à guerra, de outras
que se alistam na Cruz Vermelha etc. O artigo estava se
referindo à Primeira Guerra Mundial, na qual a
imprensa brasileira estava, em sua maioria, a favor do
bloco da Tríplice Entente (Inglaterra, EUA e França) à
qual o Brasil deu apoio. Tema como esse geralmente não
era abordado nas revistas femininas e o fato de aparecer
nessa indica uma necessidade de se falar sobre assuntos
diversos nos veículos direcionados a esse público.
Diversos outros periódicos surgiram no século XX
dentro do que se denominava de imprensa feminina,
dentre eles, destacamos o Jornal das Moças, veículo
sobre o qual nos debruçamos para a realização da
pesquisa que culminou com esse livro.
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1.1
O JORNAL DAS MOÇAS
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como sob a forma de interdição, retomo a seguir as ideias
de Eni Orlandi (2007) que nos interessam aqui:
A primeira forma do silêncio, apontada por Orlandi
(2007), é o silêncio fundador, aquele que, antes da
linguagem, permite que a palavra surja. Assim, o
silêncio é o real da significação. Segundo essa ideia, só
pode haver linguagem e, consequentemente, sentido,
porque há silêncio, e é neste sentido que o silêncio é
fundador. Ainda segundo Orlandi (2007), o silêncio
fundador é necessário, indispensável para que os
sentidos se construam. Orlandi (2007, p. 45) destaca que
“[...] O silêncio não é um acidente que intervém
ocasionalmente: ele é necessário à significação”. Isso
implica pensar que sem silêncio não seria possível haver
linguagem e nem comunicação, pois o silêncio é
constitutivo da linguagem e atravessa as palavras. Sem
silêncio, portanto, todos os sentidos estariam sendo
ditos, instaurando o impossível na linguagem. Essa é a
primeira forma na qual o silêncio se apresenta.
Além do silêncio fundador existe o que a autora
chama de políticas de silenciamento, que constitui o ato
de pôr em silêncio, colocar em silêncio, seja por uma
interdição ou por um não dizer.
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silêncio constitutivo e silêncio local. O silêncio
constitutivo indica que quando se diz algo, é
preciso silenciar outra coisa, ainda que tal
movimento não seja consciente. Para dizer, é
preciso não dizer. Se se diz que lugar de mulher
é na casa, não se diz, por exemplo, que o lugar da
mulher pode ser na política, na vida social,
pública, nas Universidades, dentre outras coisas.
(ALVAREZ; AZEVEDO, 2018, p. 134)
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A interdição de sentidos é um modo de controle
dos sujeitos, é uma forma de controle da
polissemia, para que os sentidos não se abram
para a polissemia, sendo apenas autorizados
sentidos que se adequam a determinada
formação discursiva ou a dada ideologia. Os
veículos midiáticos trabalham muito com o
silêncio local. Neles, há um controle do que pode
ou não ser dito: publica-se nos jornais, por
exemplo, algo que pode ser veiculado naquele
meio, há uma seleção prévia de informações que
poderão ali ser veiculadas em detrimento de
outras que ali não poderiam aparecer. A
interdição nem sempre se dá pela violência, mas
ela é imposta pelo que é ou não permitido ao
sujeito dizer. (ALVAREZ; AZEVEDO, 2008, p.
135)
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se tornar sujeito. Essa interpelação ocorre na e pela
língua, materializando-se na forma de discurso.
Voltando à revista Jornal das Moças, ressalto que a
mesma fazia circular sentidos de que a função principal
da mulher era a vida doméstica. Isso era feito de modo a
colocar o trabalho doméstico como algo nobre e
importante, como função natural e a única possível de
ser exercida com méritos pela mulher. O exemplo a
seguir, retirado da revista Jornal das Moças de 1950,
indica o papel atribuído à mulher pela revista:
Exemplo 1
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a obrigação doméstica de um lado e o dever materno de
outro; a pobre procura resolver o problema com suas
próprias mãos, a remediada e a rica procuram auxílio
estranho, e, vai daí, não hesitam em tomar uma ama seca
ou, mesmo, uma ama de leite” (JORNAL DAS MOÇAS,
1950). E as aconselha a não fazerem isto, já que a
responsabilidade de cuidado do lar e dos filhos cabe
exclusivamente à mãe. Neste ponto, o autor não toca na
responsabilidade paterna de criação e educação dos
filhos. De acordo com essa ideia, toda a carga do
trabalho doméstico e cuidado com a prole cabe
irrestritamente à mulher, sendo o homem silenciado
desse processo. O artigo finaliza com o trecho em
destaque: “a grande, a elevada, a importante função da
mulher na sociedade humana não é ser doutora,
telegrafista, boticária, comerciária, jornalista, etc. é ser
mãe e ser esposa.” (JORNAL DAS MOÇAS, 1950)
Neste sentido, destacamos o papel da revista em ser
o periódico que procurava manter os moldes da
sociedade patriarcal, a partir da difusão de ideias sobre
como a mulher deveria agir em sociedade.
1.2
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E IMPRENSA
FEMININA
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econômico, ocorre um avanço acelerado pela produção
industrial que se diversificava. Sendo assim,
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veículos midiáticos e mesmo nos veículos da
denominada imprensa feminina. No campo cultural,
grandes mudanças também ocorreram com a
transmissão televisiva, o que ocasionou a expansão das
comunicações no Brasil. A industrialização também
atingiu a imprensa; os jornais e revistas passaram a
entrar na fase de produção em larga escala e a imprensa
feminina começou também a ter uma tiragem crescente
para atender ao público de mulheres consumidoras. Um
exemplo desse crescimento é a Revista Capricho,
lançada em 1952, com uma periodicidade quinzenal, e
que
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entre imprensa feminina e o consumo se
intensifica acompanhando o crescimento da
indústria de bens ligados à mulher e à casa e o
aumento do poder aquisitivo da população.
(PINSKY, 2014, p. 20)
1.3
DE QUE LUGAR FALAMOS?
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Segundo o que nos diz Pêcheux (2009, p. 82), “todo
sistema linguístico, enquanto conjunto de estruturas
fonológicas, morfológicas e sintáticas é dotado de uma
autonomia relativa”. Com essa afirmação, o filósofo
critica a ideia de autonomia total da língua, postulada
pelas teorias formais como gerativismo e estruturalismo,
lançando a luz para o fato de que, mesmo sendo uma
estrutura, a língua não é completamente autônoma, mas
é constituída intrinsecamente por elementos sócio-
históricos. Assim, nas revistas analisadas, é possível
perceber a marca da historicidade que as constitui e que
estão nas propagandas, nas piadas, nos contos etc.
É sobre a base linguística que se desenvolvem os
processos discursivos e cabe ao analista de discurso
observar justamente o processo discursivo, pois este é
que determina os sentidos que estão em jogo na
enunciação, numa relação entre historicidade e sistema
relativamente autônomo na língua. Por isso, é preciso
fazer um movimento de deslocamento, considerando
que a língua não é puro e simples “instrumento de
comunicação”, ela não existe fora do sujeito que a utiliza
quando quer para comunicar algo, a língua é
constitutiva da subjetividade. Nesse sentido, Pêcheux
afirma que a noção de língua como instrumento de
comunicação deve ser deslocada e tomada em sentido
figurado, na medida em que “esse instrumento permite,
ao mesmo tempo, a comunicação e a não-comunicação”
(PÊCHEUX, 2009, p. 82). Nesse ponto, o pensador se
refere ao fato de que língua comunica, mas também
silencia, de que a língua gera sentidos não transparentes,
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de que ela se situa entre o dizer e o não dizer, pois o
silêncio é constitutivo da linguagem.
É através do discurso que poderemos observar os
modos de funcionamento da ideologia na construção
dos sentidos, pois não há sentido que não seja moldado
ideologicamente e não há sujeito sem ideologia.
Segundo Pêcheux e Fuchs (1997, p. 166), devemos
conceber o discurso como “um dos aspectos materiais do
que chamamos de materialidade ideológica”. Desse
modo, não há discurso sem ideologia.
O funcionamento da ideologia ocorre a partir do
interpelar indivíduo em sujeito, de modo a “dissimular
sua própria existência no interior mesmo de seu
funcionamento, produzindo um tecido de evidências
subjetivas, devendo entender-se esse último adjetivo não
como que afetam o sujeito, mas nas quais se constitui o
sujeito”. (PÊCHEUX, 2009, p. 139). Assim, pode-se
afirmar a partir da citação anterior que a ideologia
dissimula sua existência, dando a impressão ao sujeito
de que ele é origem do dizer e de que os sentidos são
únicos.
Ao interpelar o indivíduo em sujeito e produzir o
efeito de evidência e unidade, que o coloca como origem
do dizer, a ideologia naturaliza os sentidos,
apresentando-os como se eles fossem transparentes,
como se fossem óbvios e únicos para o sujeito,
escondendo o fato de que, na verdade, os sentidos são
históricos, atravessados pela memória e que não há
originalidade na produção de sentidos, já que os sujeitos
não controlam o dizer. A partir do interdiscurso, que
Pêcheux (2009) denomina de “todo complexo com
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dominante”, assevera-se que os sentidos possuem uma
dimensão sóciohistórica, uma vez que são constituídos
por já-ditos, por enunciados outros que são retomados
da e na história. Aliás, é realmente essa a função da
ideologia: dissimular a polissemia linguística,
apresentando como estabilizados e únicos, sentidos
desde sempre históricos e sociais.
A evidência do sujeito como fonte do dizer (a ideia
de que ele é a origem do dizer) é acompanhada pela
evidência do sentido, como se não houvesse opacidade
na língua. É a ideologia que confere sentido às palavras
e disso pode-se inferir que as palavras não têm um
sentido anterior ao sujeito, e que sujeito e sentido se
constituem simultaneamente. Não há um sentido fixo, o
sentido é sempre constituído a partir do modo como o
sujeito interpreta determinada palavra, sob o viés de seu
posicionamento ideológico. Assim, segundo o que nos
diz Pêcheux (2009, p. 146-147), “as palavras, expressões,
proposições etc, mudam de sentido segundo as posições
sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer
dizer que elas adquirem seus sentidos em referência a
estas posições.”
Para falar de ideologia, Pêcheux (2009) retoma
algumas ideias de Althusser (1985) no que diz respeito à
interpelação do indivíduo em sujeito. Segundo
Althusser (1985), a ideologia é constitutiva do sujeito e
esse não pode dela escapar. Não há sujeito que esteja fora
dela, sendo essa entendida como uma prática que se
materializa de diversos modos. Althusser (1985) indica
que a ideologia é a representação da relação imaginária
dos indivíduos com suas condições reais de existência. É
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nessa relação imaginária que os sujeitos se constituem.
Para Althusser (1985), não se pode compreender a
ideologia como um simples conjunto abstrato de ideias,
ao contrário, toda ideologia tem uma existência material
na medida em que os sujeitos moldam suas práticas
sociais a partir das ideologias que lhes interpelam.
Assim, a ideologia se materializa principalmente a partir
dos Aparelhos Ideológicos do Estado, instituições que
têm como função reproduzir e difundir as ideias
dominantes, objetivando a manutenção dessas classes
no poder.
Em consonância com as ideias althusserianas, nas
duas primeiras fases da AD, Pêcheux afirma que o
sujeito é, desde sempre, interpelado pela ideologia e
constituído pela posição que ocupa no discurso. Aliás, é
porque é interpelado que é sempre assujeitado, condição
sine qua non para se constituir como sujeito. Em relação a
essa questão, afirma-se:
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Assim, é pela ideologia que o sujeito se torna
sujeito, a partir da identificação ou da desidentificação
com uma dada formação discursiva que está inserida
numa formação ideológica.
Interessa, neste livro, observar o modo de
construção de sentido sobre a mulher na revista Jornal
das Moças da década de 1950. A constituição desse
sentido passa, como já se sabe pela posição que o sujeito
enunciador, neste caso, a revista e as materialidades
analisadas ocupam.
Não é possível compreender os sentidos se não se
compreende as condições de produção que envolvem a
geração dos mesmos. Assim, a noção de condições de
produção do discurso indica-nos que, além de toda a
dimensão simbólica que envolve os processos
discursivos, encontra-se neles uma dimensão histórica.
A dimensão histórica não é e nem deve ser entendida
como um apêndice que, somado à língua, gera o
discurso, mas como elemento constitutivo da língua e,
consequentemente, do discurso. Segundo Pêcheux
(1997), um discurso é sempre pronunciado a partir de
condições de produção dadas e, desse modo, mobiliza
sentidos que se ligam à dimensão histórica. Não se trata
aqui de compreender condições de produção apenas
como o contexto imediato no qual se desenham os
processos discursivos. As condições de produção
envolvem outros elementos, como os lugares ocupados
pelos sujeitos numa formação social, a representação
desses lugares (que ocorre no âmbito da atividade
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discursiva), a imagem que se faz do referente, a
memória, dentre outros.
Outro elemento bastante relevante para a Análise
de Discurso é a questão da memória, essa compreendida
não como uma memória cognitiva ou como a capacidade
de memorizar coisas, mas como memória sócio-histórica
que constitui os sujeitos e os sentidos.
Diferentemente da memória cognitiva ou pessoal, a
memória discursiva não pertence a um sujeito. Ela é uma
memória histórica e coletiva consubstanciada nas
palavras e nos enunciados. Assim, quando se fala de
memória em Análise de Discurso, não se faz referência à
memória no sentido psicológico do dizer, mas fala-se da
memória histórica, daquela memória que constitui
inevitavelmente palavras e enunciados. De acordo com
o que nos diz Pêcheux (1999), a “memória deve ser
entendida aqui não no sentido diretamente psicologista
da “memória individual”, mas nos sentidos
entrecruzados da memória mítica, da memória social
inscrita em práticas, e da memória construída do
historiador.” (PÊCHEUX, 1999, p. 50) Então é essa
memória que interessa à Análise de Discurso: a memória
histórica, não individual, não pessoal, mas a memória
inscrita em práticas que desde sempre são sócio-
históricas.
É, portanto, através da memória que se pode
compreender que os sentidos são construídos numa
dimensão histórica, não sendo então originais e
carregando outros sentidos, os já-ditos. Dessa forma, a
memória é a base para restabelecer os implícitos, e é
também o que indica que o discurso tem uma dimensão
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heterogênea, pois sempre há outros dizeres que
constituem o dito.
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concebida como uma esfera plena, cujas bordas
seriam transcendentais históricos e cujo
conteúdo seria um sentido homogêneo,
acumulado ao modo de um reservatório: é
necessariamente um espaço móvel de divisões,
de disjunções, de deslocamentos e de retomadas,
de conflitos de regularização... Um espaço de
desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-
discursos. (PÊCHEUX, 1999, p. 56)
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DISCURSO E PRÁTICAS DE FEMINILIDADE EM
JORNAL DAS MOÇAS
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sentar) e ditando o que deveria ser ou não apropriado
para as moças (por exemplo, sobre como deveriam se
portar frente aos homens).
Segundo Gramsci (2011), a mídia aparece como
prática institucional que contribui para a manutenção da
hegemonia da classe dominante, a partir do controle da
opinião pública. Para esse pensador, a hegemonia é a
supremacia de um grupo social sobre outro, sendo tal
supremacia conquistada através do consentimento, da
imposição ou da concessão entre classes. Nesse caso, é
importante observar que a hegemonia nem sempre é
obtida a partir do uso explícito da força de uma classe
em relação à outra, mas pode ser obtida a partir do
consentimento das classes não hegemônicas que, ao não
perceberem a imposição da classe dominante e não
resistirem a ela, consentem na hegemonia. Tal
consentimento é uma espécie de aceitação das ideias
veiculadas pelas classes dominantes, da aceitação da
dominação, sem resistência. A mídia é, portanto, um
aparelho privado de hegemonia que busca servir aos
interesses da classe dominante, moldando a opinião
pública para que essa aceite as ideias da classe
hegemônica, sem questioná-las. Assim, a classe
dominante encontra na imprensa um meio de controlar
e moldar a opinião pública a partir de seus interesses,
garantindo a hegemonia de classe e o controle da classe
dominada.
Para Gramsci (2011), existe então uma tentativa de
estabelecimento da hegemonia a partir do controle da
opinião pública e, nesse caso, os meios de comunicação
servem como instrumentos que moldam a opinião
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pública, portanto, controlá-los é exercer a hegemonia
sobre as classes dominadas.
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2.1
O DISCURSO DA BELEZA
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Para ser considerada bela e arrumar um marido,
era preciso ser limpa, cheirosa, prestimosa, e
ainda conhecedora das novidades disponíveis no
mercado dos produtos de higiene. Os sabonetes
coloridos das marcas Lifeboy, Lever, Palmolive e
Gessy foram inúmeras vezes ilustrados pelas
revistas das décadas de 1940 e 1950. Artistas de
sucesso apareciam na propaganda confirmando
a ideia de que a limpeza corporal era a “principal
madrinha dos casamentos duradouros”.
(SANT’ANNA, 2014, p. 90)
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jovens e as mais velhas também eram incentivadas a se
manterem belas, sendo a beleza ligada à graciosidade,
numa construção discursiva do corpo. A beleza e a
jovialidade eram atributos dos mais importantes da
mulher e essa precisava se cuidar, consumindo os
produtos que conferissem leveza ao seu corpo e à sua
pele.
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Exemplo 2
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obtinha “resultados rápidos e perfeitos” com
cirurgias plásticas feitas por ele em seu
consultório. Segundo esses anúncios, as tristezas
resultantes da falta de beleza eram injustificáveis.
(SANT’ANNA, 2014, p. 87)
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Segundo o anúncio do Creme de alface brilhante, o
uso desse produto conferiria à pele feminina, viço,
embranquecimento e refrescância. Chama a atenção o
modo como a pele escura é discursivizada, sendo dita
como “horrivelmente escura”, ligando-a a uma pele
descuidada, que não respira e que, portanto, é feia. É
pela memória que o sentido de pele escura como algo
feio é acionado, indicando que a apele alva era o ideal de
beleza.
Exemplo 3
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Compartilhamento proibido
com o creme V Pond’s. O produto anunciado seria capaz
de resolver os problemas da imperfeição da pele, como
cor irregular, pequenas escamas, polos dilatados,
espinhas e cravos. No exemplo, a necessidade de
correção da pele para que essa fique livre da imperfeição
é colocada: era preciso corrigir, adequar a pele a um
determinado padrão considerado o perfeito.
A propaganda também cita os passos que devem
ser dados para que o produto anunciado aja
corretamente, corrigindo o que deveria a ser corrigido:
coloca-se o creme, deixa-se por um minuto e depois
remove-se, quando se observará a tonalidade
resplandecente da pele. O anúncio funciona a partir de
uma ideologia que considera o corpo como dotado de
imperfeições que precisam ser corrigidas, a partir da
imagem de uma mulher em frente ao espelho usando o
referido produto. Assim, de acordo com Gregolin (2007,
p. 10), a propaganda “age como um dispositivo de
etiquetagem e de disciplinamento do corpo social”.
Indica-se então uma normatização do corpo que,
simbolicamente, precisa estar dentro dos padrões da
perfeição e para que essa normatização seja bem
sucedida, é preciso um ritual que pressupõe formas de
uso do produto.
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Compartilhamento proibido
A ideia de beleza feminina estava ligada também à
necessidade de atração do homem e ao encontro de um
bom partido para casar, uma vez que, nas páginas da
revista, o casamento era colocado como o principal
destino da mulher: o de casar e estabelecer uma família.
Assim, ela devia estar bonita para atrair o olhar
masculino. Segundo Sant’anna (2014, p. 93) “uma parte
significativa dos cuidados com a beleza continuou,
contudo, focada na necessidade de levar as jovens ao
altar, encaminhando-se para a construção de um lar
feliz”.
O discurso publicitário oferece assim determinados
modelos de corpos, rostos e cabelos considerados os
ideais e induzem os sujeitos consumidores a imitarem e
reproduzirem os padrões ali difundidos. Conforme
Gregolin (2007, p. 10), “esses modelos de identidades são
socialmente úteis, pois estabelecem paradigmas,
estereótipos, maneiras de agir e pensar que
simbolicamente inserem o sujeito na ‘comunidade
imaginada’”.
Os modelos de identidade e de padrões de beleza
que indicam uma normatização do corpo feminino
revelam que a beleza é, antes de tudo, uma construção
histórico-discursiva que segue padrões dos diferentes
momentos históricos e que indicam perfis ideais para
cada período. Na década de 1950, encontramos alguns
anúncios incentivando o bronzeamento de pele, mas a
pele negra era negada e silenciada, além de ser, pelos
implícitos, considerada feia e indesejada. Repete-se na
revista a ideia de que a pele deve estar branca, clara, e
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que a pele escura é feia e indesejada, como se vê no
anúncio a seguir:
Exemplo 4
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Compartilhamento proibido
Uma pele branca, delicada e fina, dentro da qual
se vê circular a vida, deve ser o ideal de toda a
mulher. Peles encardidas, conforme anunciava a
propaganda, precisariam ser regeneradas. E não
eram poucas as receitas dedicadas a esse
trabalho: a máscara feita de leite, clara de ovo,
suco de limão e óleo de amêndoas prometia bons
resultados, assim como a lavagem do rosto com
água que serviu para a lavagem do arroz branco.
O uso constante do talco também estava
associado ao valor da higiene e à capacidade de
esconder manchas e uma pele queimada pelo sol.
(SANT’ANNA, 2014, p. 76)
2.1.1
O CABELO
47
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Desde o Egito antigo, em que o cabelo já era um
importante elemento estético, já havia práticas de
cuidado capilar, para mantê-lo com aspecto de beleza e
pureza
Como afirma Quintão (2013, p. 14) “os egípcios, por
exemplo, já mantinham hábitos estéticos que ainda hoje
vemos por todo o mundo: cortes, tranças, penteados,
tingimento e raspagem de cabelos, fazendo uso,
inclusive de adornos, apliques e perucas.” Assim, os
cabelos já simbolizavam beleza e pureza nesse período,
sem diferenciação entretanto entre cabelos de mulheres
e homens.
Para povos judaicos, os cabelos de homens e
mulheres eram simbolizados diferentemente. Os cabelos
masculinos eram símbolo de cuidado com o corpo, mas
os femininos eram símbolo de sedução sexual, tendo,
portanto, que ser cobertos, só sendo permitido mostrá-
los ao marido. Já se observa aí a relação de poder e
controle feminino estabelecida através do cabelo.
Na Europa entre os séculos XVII e XVIII, o cabelo
ornamentado era símbolo de poder e status social. Por
isso, a mulher desse período que pertencia a uma classe
social privilegiada ornamentava os cabelos com grandes
adereços, representando seu destaque na sociedade.
Tanto na África Ocidental quanto na Índia, os
cabelos representavam uma forma de linguagem e
comunicavam elementos religiosos, a origem social e até
mesmo, a região geográfica a qual o sujeito pertencia.
Segundo Quintão (2013, p. 16), “o cabelo, que
pertence ao mesmo tempo à vida pública e à privada, é
um dos traços fenotípicos mais marcantes e evidentes de
48
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
nossa ancestralidade, denotando não apenas nossa etnia
como também nosso status e pertencimento social.”
Para refletirmos sobre os discursos em relação ao
cabelo, lançamos mão de propagandas para shampoos
retiradas do Jornal das Moças da década de 1950.
Consideramos o cabelo como elemento no qual se
inscrevem ideologias e se constitui também a memória,
portanto, ele é muito mais do que um elemento estético,
é discurso.
Exemplo 5
49
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 6
50
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
o uso do shampoo Sedalise vai conservar nos cabelos (já
previamente alisados com outros produtos químicos ou
com ferro quente) essas características. Assim, não basta
alisar o cabelo, mas na normatização da estética, na qual
se impõem estereótipos e padrões, é preciso usar um
produto que possa reforçar a ação do alisador,
garantindo que o cabelo continue liso. Desse modo, o
cabelo alisado passa a ser almejado pelo sujeito
consumidor do produto que precisa utilizá-lo para
adequar-se aos padrões do belo da sociedade da época.
Assim, a ideologia age sem que o sujeito se dê conta, de
modo a fazê-lo ocupar uma das posições sociais que o
permitem gerar sentido sobre o cabelo liso. A esse
último, ligam-se características como maciez, limpeza e
perfume, elementos que estão relacionados ao uso dos
referidos produtos. Ao mesmo tempo, pelo silêncio
local, o da interdição, é negado ao cabelo crespo
configurar no lugar estético da beleza, do macio, do
desejado. Ao contrário, esse cabelo deve ser corrigido,
consertado.
No exemplo 6, as marcas de construção do sentido
na língua aparecem desde a pergunta seguida pela
resposta que está acima da imagem do anúncio:
“Cabelos crespos? Use pasta Janax” (JORNAL DAS
MOÇAS, 1951). O fato dessa pergunta aparecer seguida
da resposta “use pasta Janax”, num anúncio publicitário
de produto para cabelo, já indica um modo de
funcionamento da ideologia, a partir do sentido de que,
sendo o cabelo crespo indesejável para o padrão de
beleza da época, era preciso corrigi-lo, alisá-lo,
domesticá-lo. A ideologia funciona também na
51
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
discursivização do cabelo crespo, por exemplo, no
adjetivo encarapinhado. Segundo o Dicionário Online
de Português (2020), encarapinhado é o “cabelo que é
muito crespo e enrolado; encarapelado”. O uso desse
adjetivo, no contexto desse texto publicitário, faz
referência aos cabelos muito crespos, que, segundo o
anúncio, mesmo esses, podem ser alisados com a pasta
Janax. No trecho: “dando-lhes um aspecto natural,
favorecendo os mais belos penteados e permitindo
lavar”, há o funcionamento do silêncio que constitui na
tensão entre dizer e não dizer os sentidos do cabelo
crespo. Esse não é visto como natural, não permite fazer
bonitos penteados e nem é fácil de lavar. Para não dizer
diretamente que o cabelo crespo é sujo e indesejado,
afirma-se, pelos não-ditos, que o cabelo crespo é artificial
e difícil de lavar.
Por fim, ainda no mesmo exemplo, o uso do termo
“indispensável”, no trecho “indispensável para a
mulher”, sugere que a mulher não pode se negar a alisar
o cabelo. Para o homem, o produto é excelente, mas para
a mulher, é indispensável. Tal enunciado retoma já-ditos
sobre a obrigação feminina de estar e ser bonita,
silenciando outros tipos de capacidades da mulher. Ela
tem a obrigação de ser bonita, de cuidar da sua beleza,
sem, no entanto, ter que se preocupar em ser culta ou
inteligente, características atribuídas na época ao
homem.
Desse modo ao estabelecer um padrão de cabelo
liso, nota-se que não havia nas revistas pesquisadas,
anúncios de produtos que pudessem agir para manter a
beleza dos cabelos crespos, mas sim produtos para
52
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
corrigi-los, alisá-los, fazendo com que os sujeitos
mulheres aderissem a um padrão de beleza imposto na
publicidade. O hábito de alisar cabelos era difundido
como a solução para correção do cabelo indesejado e
imperfeito.
2.2
DISCURSO DA MATERNIDADE
53
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
doméstico privado, impedindo-a de ocupar outros
espaços na sociedade. A luta pela pílula
anticoncepcional permitiria à mulher o controle de seu
corpo e possibilitaria a ela controlar o momento e o
desejo de ter ou não um filho, representando a liberdade
feminina, já que com o uso do anticoncepcional seria
possível à mulher trabalhar ou estudar, e programar
uma gestação caso fosse sua vontade. Segundo Scavone
(2001, p. 140), “a aquisição deste direito era considerada
fundamental para liberar as mulheres do lugar que
ocupavam na vida privada, portanto, condição de
liberdade e igualdade sociais.”
No período analisado (a década de 1950), a ideia de
que a mulher tinha obrigação de ser mãe era muito
comum. Essa ideia circulava em propagandas, em
editoriais, em cartas, piadas etc. Ser mãe era considerada
a principal função feminina, sendo todas as outras
funções que a mulher pudesse ocupar na sociedade
consideradas secundárias e desimportantes. O mesmo
não ocorria com o homem, para quem a esfera pública
era a mais importante e a que mais lhe conferiria
destaque.
54
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
A seguir, colocaremos exemplos que trazem
questões sobre a maternidade em reportagens e
propagandas retiradas do Jornal das Moças da década
de 1950.
Exemplo 7
55
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
traz ensinamentos e diretrizes para seus seguidores.
Assim, no texto, a prática da maternidade é relacionada
a padecer no paraíso e não se desviar dos ensinamentos
sobre filhos, marido e casa. Há nessa retomada também
a ideia de santidade, pelo acionamento do interdiscurso
e da memória que constitui a ideia de maternidade como
sagrada, pois o evangelho indica algo sagrado e santo e
essa coluna faz ecoar também esses sentidos pelo
atravessamento do discurso religioso na constituição do
próprio título.
Observe-se o trecho:
56
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
destino fisiológico; é a maternidade sua vocação
‘natural’” (BEAUVOIR, 2009, p. 645).
O texto do exemplo condena as mulheres que
desejam ser mães, mas que precisem trabalhar ou
realizar atividades fora do lar, deixando seus filhos sob
os cuidados de outras pessoas enquanto estão fora: nesse
caso, a mulher seria a responsável pela desagregação da
família. A palavra usada para se referir às mudanças
sociais que representam uma ainda tímida saída da
mulher do ambiente doméstico para ocupar alguns
postos de trabalho é “complicações”, já indicando a
marca do funcionamento ideológico que reprova a
participação da mulher em atividades fora do lar,
levando-a a ocupar uma posição no discurso, a aderir à
ideia de que cabia exclusivamente a ela o cuidado com
os filhos, devendo, portanto, para realizar bem essa
tarefa, permanecer no lar. Desse modo, as mudanças
sociais, ainda que incipientes, são colocadas pela revista
como negativas e indesejáveis, pois afastam as mães do
que era considerado seu papel natural. O sujeito
enunciador, através da seleção de palavras, diz que a
saída da mulher do lar, seja para trabalhar, seja para
realizar outras atividades que a vida demanda, é um
problema, algo que traz transtornos para a família, que
desmorona a estrutura construída para ser imóvel, cada
um no seu lugar, cumprindo seu dever. Assim,
considera-se que cada um tem as tarefas pré-
determinadas: mulheres sempre em casa com os filhos e
ocupadas com as atividades domésticas e homens
provendo o sustento e desfrutando da vida pública.
57
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Esse discurso indica a atualização da memória que
já se fazia presente em séculos passados, quando a
mulher era proibida de sair de casa, exceto se
acompanhada, e é reflexo de uma época em que o
homem tinha plena liberdade na sociedade, como bem
afirma Pinsky:
58
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
ocupar-se do filho”, a maternidade é construída como
uma abnegação, como algo que é dotado de uma aura de
santidade. Essa santidade é feita de sacrifícios e um
deles, seria, justamente o de abrir mão da atuação
feminina no espaço fora da casa, interditando também
sua vida pessoal, o cuidado de si e de sua saúde, a fim
de não ser considerada uma mãe desleixada. Para esse
veículo, constituía uma demonstração de falta de amor
pelo filho a atitude da mãe ao, por exemplo, participar
de eventos sociais em ambiente público fora do espaço
doméstico –, pois isso fazia com que se abrisse mão de
uma função a ela delegada, a qual é colocada pela revista
como obrigação exclusiva: a criação dos filhos. Isso,
portanto, retoma a ideia do determinismo biológico que
concebe a função biológica da maternidade como única
função importante da mulher. Há aí a retomada de já-
ditos sobre a mulher e a maternidade funcionando na
geração de sentidos. Era, portanto, desse modo que se
dava o controle da mulher, confinando-a ao espaço
doméstico, impedindo-a de ocupar outras esferas.
59
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Assim, o controle social de manutenção da mulher
no lar vai sendo difundido pela revista e vai opor dois
tipos de mães: a dedicada e a desleixada, sendo essa
última a que realiza trabalhos fora do ambiente
doméstico, deixando, portanto, de lado sua atividade
como mãe.
Exemplo 8
Exemplo 9
60
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
61
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
vida tranquila com seu marido, raramente abrem os
olhos das filhas” (JORNAL DAS MOÇAS, 1950). Esse
trecho indica, através dos implícitos, que os casamentos
infelizes são culpa das mulheres, uma vez que estas não
souberam levar uma vida tranquila com seus maridos e,
portanto, são infelizes, e por isso alertam suas filhas em
relação às mazelas do casamento. Esse discurso de culpa
feminina em relação ao fim de um casamento ou à
infelicidade deste também era muito comum no período
analisado. A infelicidade feminina no casamento é vista
como algo sem sentido e, portanto, condenável, pois “se
o marido cumpre suas funções, a esposa não tem do que
reclamar, a mulher tem uma tendência a ser
demasiadamente romântica; a mãe de família deve
sempre colocar o casamento e os filhos em primeiro
lugar”. (PINSKY, 2014, p. 264) A noção de subserviência
e submissão ao marido também eram patentes no
período analisado, tendo respaldo, inclusive, no Código
Civil brasileiro.
62
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 10
63
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
educação dos filhos, como se fosse tarefa natural e
exclusivamente feminina, mostrando que os sentidos
criados remetem aos já-ditos sobre a mulher, a qual
nasceu para ser mãe, que tem como missão divina
educar e que somente é mulher ao ser mãe. A
maternidade é aqui apresentada como condição
primordial para a realização da feminilidade, logo, ser
mulher é ser mãe. Além de responsabilizar a mulher pela
educação dos filhos, a revista coloca a responsabilidade
dos atos dos filhos exclusivamente para as mães,
culpabilizando a mulher pelas ações de seus filhos, já
que desde Eva, as mulheres tornaram-se consideradas
responsáveis pelos pecados da humanidade.
O termo utilizado, “culpada”, reproduz bem o
sentido de mulher construído pela revista, além de
naturalizar o fato de as mães, e não os pais ou ambos,
serem responsáveis pela educação de seus filhos,
responsabiliza as mães pelas ações dos filhos e apresenta
a suposta falha como delito, culpa, algo que atinge
violentamente a sociedade. Isso faz retomar pela
memória histórica, portanto, o discurso fundador
religioso que atribuiu às mulheres a culpa pelos pecados
que se abateram sobre a humanidade. O funcionamento
da memória, traz, então, pela paráfrase, o sentido de
culpa feminina pelo “pecado” da falta de educação dos
filhos.
Assim, a relação mulher e maternidade é vista como
algo santificado, que pressupõe sacrifícios, mas também
é atribuída à mãe a culpa exclusiva em relação ao mau
comportamento dos filhos, colocando-a como a vilã e
única responsável pela educação familiar.
64
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
2.3
DISCURSO SOBRE TRABALHO
65
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 11
66
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
oposto do homem, anotando coisas em um caderno. A
própria imagem já revela um funcionamento ideológico:
o homem, retratado naturalmente como chefe, e a
mulher, como auxiliar do homem, apesar de não estar
mais no ambiente doméstico.
Há duas perguntas que serão respondidas no
decorrer do texto: “Como devem ser tratadas as colegas
de trabalho? De igual para igual ou cerimoniosamente?”
Como já afirmamos antes, a ideologia se materializa no
discurso e o analista do discurso, partindo da superfície
linguística (sequências discursivas verbais e não
verbais), deve chegar ao processo discursivo,
observando, dentre outras coisas, o funcionamento da
ideologia. O fato de haver uma pergunta como essa
mostra, a partir de uma pista linguística (uma pergunta,
uma possível dúvida de como devem ser tratadas as
mulheres), que era incomum uma mulher dividir o
espaço do trabalho com um homem, principalmente
pela sua chegada recente ao mercado de trabalho. Isso
também fica visível no uso da expressão “quando” no
trecho “Quando as mulheres começaram a trabalhar em
escritórios, lojas e fábricas [...] surgiu um problema [...]”
(JORNAL DAS MOÇAS, 1954) A expressão “quando”
indica que a inserção da mulher no mercado de trabalho
ainda era novidade. A palavra “problema” indica o
funcionamento da ideologia que coloca a entrada da
mulher no mercado de trabalho como problemática para
as relações de coleguismo entre homens e mulheres.
Num outro trecho, há o seguinte enunciado:
“quando além de colegas, elas são chefes” (JORNAL
DAS MOÇAS, 1954), aparece mais uma vez a marca do
67
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
funcionamento ideológico. A língua como elemento de
materialização do discurso não é indiferente à ideologia.
Portanto, a partícula “além” indica não apenas a soma
de uma informação (é colega e é chefe), mas também um
estranhamento em relação à condição de destaque da
mulher que quebra uma barreira e vai além do esperado,
ocupando a posição de chefia.
A pergunta colocada como mote para a reportagem
é parcialmente respondida no seguinte trecho, em que se
coloca uma reposta dada por um homem numa enquete:
“As colegas de trabalho são mulheres antes de tudo,
devendo ser tratadas como tais, embora com a
camaradagem permitida entre pessoas que se estimam”.
Mais uma vez a língua traz as marcas do
funcionamento discursivo, presentes na formação
discursiva patriarcal, que coloca os sujeitos “nos seus
devidos lugares”. A expressão “mulheres antes de tudo”
mostra que, apesar de estarem num ambiente de
trabalho, são mulheres e devem ser tratadas como tais.
Tal trecho indica a diferenciação entre os gêneros e os
lugares diferentes ocupados pelas mulheres e pelos
homens. Embora possam ser tratadas com
camaradagem, com certo coleguismo, as mulheres
devem ser colocadas nos seus devidos lugares, não
havendo igualdade de atuação entre elas e os homens,
apesar de ocuparem o mesmo espaço físico desses. O
funcionamento da ideologia indica então a diferenciação
“natural” entre homens e mulheres e os lugares
diferentes ocupados pelos dois no mercado de trabalho,
negando a condição de igualdade em relação ao gênero.
68
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
No exemplo a seguir, o trabalho feminino remonta
ao seu sentido derivado da formação discursiva
patriarcal: é discursivizado como “trabalho doméstico”.
Há aí um sentido naturalizado pelo funcionamento da
ideologia: o trabalho feminino tem que ser o trabalho
doméstico. Assim, foi feita uma reportagem indicando o
tempo que uma dona de casa, trabalhadora doméstica,
levava para realizar os serviços do lar. Ao mesmo tempo
que o trabalho fora do lar era fruto de estranhamento, o
trabalho doméstico era exaltado, sendo considerado a
atividade adequada para as mulheres da época. O
exemplo abaixo servirá de base para discutir essa
questão:
Exemplo 12
69
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
No exemplo 12, a revista recorre ao discurso
científico de um sociólogo para ditar as regras de
rendimento do trabalho doméstico feminino. Assim,
retoma os dizeres do capitalismo sobre produtividade e
rendimento para aplicá-lo ao trabalho no lar. As regras
indicam que nos dias de semana as mulheres se
levantem às sete da manhã para a realização das tarefas
domésticas e, nos domingos, nunca devem se levantar
depois das nove, apesar da necessidade de descanso. O
sociólogo trazido na revista, para sustentar o dizer sobre
a necessidade de serem aplicadas regras ao trabalho
doméstico, afirma ainda que essas determinações só
admitem exceção quando houver visitas que perturbem
o andamento natural dos lares, sendo nesse caso,
possível que as mulheres durmam um pouco mais, mas
nunca depois das dez horas.
Assim, pautando-se em regras sobre o trabalho
doméstico feminino, a revista se coloca numa posição
discursiva que considera naturalmente esse tipo de
trabalho como exclusivo das mulheres, esposas e filhas,
enquanto aos homens caberia encontrar um lar
arrumado e limpo no retorno do trabalho fora de casa.
As regras estabelecidas através de um discurso que
retoma a voz de autoridade, nesse caso, a retomada da
voz do sociólogo, indica um ritual que deve ser seguido
para que o trabalho doméstico seja bem realizado,
exigindo, portanto, que a mulher se adéque a tais regras,
circunscrevendo-se no lar, sendo um rito de
normatização das atividades domésticas pela rotina de
horários, repetição e treinamento. Isso é feito, inclusive,
indicando-se o tempo a ser gasto na realização das
70
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
diferentes tarefas domésticas, tempo esse que foi medido
numa pesquisa realizada na Suíça e a que a autora da
reportagem recorreu a fim de conferir autoridade maior
ao texto.
Exemplo 13
71
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
dedicadas e as desleixadas, cujo comportamento deveria
ser repreendido.
2.4
DISCURSO SOBRE MULHER E HUMOR
72
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Embora sejam publicadas em uma revista para
mulheres, são raras as piadas que remetem a
imagens femininas favoráveis. Geralmente a
mulher é retratada de forma pejorativa em
contraposição à superioridade e racionalidade
masculinas. Em muitas delas, as mulheres são
fúteis, escravas da moda, extrema e
ridiculamente vaidosas e possuem uma lógica
tortuosa (o “eterno feminino”) que algumas
vezes beira a estupidez. (PINSKY, 2014, p. 29)
73
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
masculino, respaldando assimetrias de poder
entre os gêneros. (MOURA; BORGES, 2009, p.
100)
Exemplo 14
74
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
A piada colocada no exemplo 14, citado
anteriormente, foi publicada em 1958 na seção Troças &
Traços.
Nela, destacam-se na imagem duas mulheres
conversando na frente de um espelho no qual estava
refletida a imagem de um casal sobre o qual as duas
mulheres falavam. No entanto, a referência feita por elas
era à mulher, sobre a qual dizem: “Ela fez de seu espôso
um milionário. Antes de casar-se era êle
multimilionário”. (JORNAL DAS MOÇAS, 1958)
É pela história que os sentidos de mulher como
consumista se desenham e podem ser retomados
quando nos deparamos com esse enunciado da piada,
que coloca a mulher como fonte de destruição financeira
do marido, uma vez que ela o fez decair socialmente de
multimilionário para milionário. Enquanto o homem
saía para trabalhar, a mulher deveria cuidar dos gastos
com as despesas domésticas, controlando-os, no entanto,
muitas vezes, o dinheiro era insuficiente e as mulheres
tinham que pedir mais dinheiro aos maridos. “Como, na
maioria das vezes, o homem é o único que recebe salário
e o entrega à esposa, o dinheiro aparece como sendo
dele, e isso certamente incrementa o poder masculino na
relação conjugal”. (PINSKY, 2014, p. 226)
É pela piada, no entanto, que a ideologia age a fim
de diferenciar os gêneros em relação ao controle
financeiro. É pelo humor que a imagem estereotipada da
mulher gastadeira é difundida e circula, através do riso
e do risível. Em lugares diferentes estão a mulher
(desequilibrada e gastadeira) e o homem (trabalhador e
equilibrado). É à mulher que cabe a destruição financeira
75
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
do marido, sendo a boa esposa, a que sabia se contentar
com a mesada recebida.
Exemplo 15
76
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
papéis sociais com a representação social da mulher no
trabalho: essa ocuparia, naturalmente, a posição
secundária de subordinação a um homem.
Como o ambiente de trabalho era desaconselhado
às mulheres, as revistas femininas faziam circular
através de contos, reportagens e piadas os aspectos
negativos da inserção feminina no mercado de trabalho.
Dentre esses aspectos estava, inclusive, o risco de
envolvimento sexual entre patrões e empregadas devido
à sedução exercida pelas mulheres. A revista, assim,
utiliza-se do humor para fazer disseminar a ideia de que
a mulher não estava pronta para exercer atividades no
trabalho fora do lar juntamente com homens, retomando
já-ditos de que o trabalho fora de casa seria perigoso
para as mulheres. “A ideia ou situação de um
envolvimento amoroso entre chefes e secretárias está
presente em contos, artigos e piadas da revista. As
secretárias se apaixonam, são assediadas, ou se tornam
amantes do patrão.” (PINSKY, 2014, p. 183)
O exemplo também faz circular sentidos de que a
mulher seria fútil e pouco afeita às questões de
produtividade no trabalho, mas isso vem pelo humor,
pelo riso, pelo escárnio, no qual é permitido se dizer a
partir de implícitos.
As piadas, portanto, dentro do discurso
humorístico fazem circular estereótipos, imagens
cristalizadas e pejorativas das mulheres. Assim, em
relação ao papel da mídia na difusão de estereótipos,
77
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
entre a comunicação midiatizada e a reprodução
da hegemonia. Os estereótipos aparecem como
uma dimensão da imposição, pelos grupos e
estratos de grupos dominantes, de sua visão de
mundo. E a mídia aparece como um instrumento
central de sua propagação. (BIROLI, 2011, p. 73)
78
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
risível é o ridículo dos elementos e atitudes que não são
bem vistas socialmente, que devem ser, por isso,
repelidas.
2.5
DISCURSO E CORPO
79
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
formas de apresentação e os modos de andar e sentar,
por exemplo, nada têm de natural, mas, ao contrário,
representam uma corporalidade fabricada por normas
culturais coletivas. Desse modo, numa cultura na qual o
corpo deve ser mostrado, tê-lo descoberto torna-se algo
necessário e natural, sem causar estranhamento, ao
contrário do que ocorre numa cultura em que o corpo
deve ser coberto, escondido e reprimido, por exemplo.
Desse modo, muito além de ser uma estrutura biológica
neutra, o corpo é uma construção cultural que se
modifica de acordo com a sociedade e com a época em
que está inserido e construído. No oriente, em algumas
culturas muçulmanas, o corpo da mulher, considerado
fonte de perdição e pecado, precisa ser totalmente
coberto com uma burca, sendo um corpo negado e
submetido ao julgo religioso. Esse corpo carrega
sentidos do que é ser mulher naquela sociedade, do
modo como o poder e a religião agem para controlar e
reprimir o corpo feminino, castrado no silêncio da
interdição simbólica. Um não-corpo em que se
inscrevem os elementos históricos do domínio do
homem sobre a mulher. Observar o corpo como
elemento simbólico, extrapolando sua condição
biológica, interessa-nos porque o corpo concebido como
discurso é um lugar de história e não pode ser visto de
maneira isolada do momento histórico em que se
constitui.
Dessa forma nos perguntamos: de que modo o
corpo feminino é discursivizado na revista Jornal das
Moças? Como ele é construído e quais sentidos
atravessam esse corpo?
80
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Para refletirmos sobre essas questões, tomaremos
alguns exemplos que indicam regularidades sobre o
padrão do corpo feminino que deveria ser almejado
pelas mulheres. O padrão de corpo é indissociável do
padrão de beleza, portanto, o corpo como discurso
indica sentidos do belo e desejável para a época,
trazendo marcas de historicidade que constituem a
mulher do período.
Exemplo 16
81
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
ainda que ela é natural e não causa rugas. Os meios de
comunicação e as revistas femininas tiverem e têm papel
importante na difusão de ideias sobre beleza e sobre
corpo bonito. Assim, a divulgação de um remédio para
emagrecimento numa revista feminina visa regular o
tipo de corpo ideal que deve ser fruto e desejo das suas
leitoras. Segundo Mirian Goldenberg (2002), o corpo
82
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
social, pois, enquanto dispositivo de poder a
serviço de uma comunicação baseada nas
fórmulas de mercado, atualiza constantemente as
práticas coercitivas que atuam explicitamente
sobre a materialidade do corpo. A mídia, por
meio dos discursos publicitários e jornalísticos,
mostra que para ser considerado belo é
necessário ter um corpo perfeito (lê-se magro), e
para obtê-lo qualquer sacrifício é válido. (FLOR,
2009, p. 268)
83
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
mulher se tornasse atraente para o homem e arranjasse
um bom pretendente para o casamento.
Exemplo 17
84
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
de gerarem filhos. “Se você está anêmica, nervosa,
magra e sem apetite e deseja ter carnes firmes, formas
graciosas, beleza e saúde, faça um tratamento com as
pílulas rosadas do DR Williams.” (JORNAL DAS
MOÇAS, 1951) Nesse trecho, o anúncio das pílulas liga a
magreza à doença, retomando já-ditos do interdiscurso
que consideravam a magreza como algo negativo,
acionando uma memória sobre o corpo magro. É na e
pela história que esse corpo nem muito magro nem
obeso se constrói na revista, inserindo-se na década de
1950 como sinônimo de beleza. O trecho: “sem excessos
prejudiciais de gordura” indica que o corpo obeso
também não é sinônimo de beleza, assim como não o é o
corpo muito magro. A construção simbólica do corpo
belo e saudável passava por um corpo que estivesse no
meio-termo entre o muito magro e o muito gordo, sendo
as pessoas muito magras e muito gordas consideradas
feias e doentes. Sabe-se que, na Análise de Discurso, as
palavras não possuem um sentido apriorístico, mas, ao
contrário, os sentidos das palavras e enunciados podem
se modificar a depender das condições de produção e
dos sujeitos que os empregam. Assim, a ideia de
magreza colocada no exemplo 17 não tem o mesmo
sentido da ideia de magreza empregada no exemplo 16.
No discurso publicitário, vende-se a silhueta
perfeita e atraente e que o uso do medicamento
anunciado vai conferir à mulher “a magnífica vitalidade
que constitui o verdadeiro encanto feminino”. Desse
modo, o que a propaganda vende não são apenas as
pílulas, mas o corpo prometido no anúncio, um corpo
85
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
simbólico, nem muito magro nem muito gordo, mas com
“carnes firmes”.
No trecho “As pílulas rosadas do Dr William lhe
darão igualmente essa silhueta atraente de mulher bem
constituída”, o anúncio constrói a imagem de mulher
bem constituída. Tal imagem, passa pelo aspecto do
corpo, pelo modo como este se constitui perante a
sociedade. A mulher atraente é aquela que tem carnes
firmes que proporcionam o “verdadeiro encanto
feminino”.
Exemplo 18
86
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Os modos de construção do corpo pressupõem
técnicas. Mauss (1974) chama de técnica um ato
tradicional eficaz. Ele traz a noção de técnicas corporais,
indicando que há rituais físicos que são realizados com
o corpo e sugere que uma técnica é passada
culturalmente. Segundo o autor, as técnicas corporais
pressupõem uma adaptação que deriva da educação e
da cultura nas quais o sujeito está inserido. Para Mauss,
87
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
inicial: “a elegância de uma mulher é marcada pela sua
boa linha, harmonia de toalete e também pelo seu modo
de andar. A importância desse fato não deve escapar a
nenhuma mulher.” Chama a atenção no trecho, o uso do
verbo deve, indicando uma ordem, da qual não se pode
escapar. Tal verbo revela uma marca discursiva em
relação ao sexo feminino, indicando o modo pelo qual é
preciso agir para se tornar mulher elegante, em outras
palavras, para que alguém se constitua como tal, deve
obrigatoriamente se preocupar com a estética e com os
modos de andar, coisa que não deve escapar a nenhuma
mulher. É a ideologia que constitui, então, a ideia de
mulher elegante de verdade (indicando as coisas das
quais ela não pode escapar), condicionando as mulheres
a se colocarem na posição daquelas que fatalmente se
preocupam com os modos de andar. Retomando as
ideias de Pêcheux (2009), a noção de mulher não
equivale aqui àquela que é representante do sexo
feminino, apenas. O sentido de mulher é discursivizado,
ganhando, então, outras nuances: a mulher não é apenas
o ser humano do sexo feminino, mas é aquela que se
preocupa com a beleza, que anda de determinado modo,
que cuida dos problemas estéticos.
Retomamos também, no exemplo anterior, a ideia
de Foucault (1987) sobre a domesticação do corpo, uma
vez que, para alcançar um andar gracioso, a mulher
precisará seguir alguns passos, elencados na
reportagem: “Para ter seus movimentos livres, uma
mulher deve ter as pernas ágeis, os tornozelos leves, os
pés em perfeito estado. Durante a toalete, você fará bem
em esfregar os pés com uma escova, a fim de ativar a
88
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
circulação do sangue e desembaraçar a pele das células
mortas.” Trazendo à tona as ideias de Foucault (1987)
sobre a disciplina, notamos que há no trecho em
destaque todo um ritual que deve ser seguido para
alcançar o objetivo de ter um andar gracioso. O corpo é
coagido a se tornar leve, os pés devem estar em prefeito
estado. Assim, o corpo feminino se constrói também pela
maneira de andar.
Exemplo 19
89
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
O exemplo 19 traz uma propaganda de produto
para cuidados com os seios. No trecho: “De forma
científica, Pasta Russa corrige os seios caídos e flácidos,
dando-lhes aquele encanto e firmeza da adolescência”,
(JORNAL DAS MOÇAS, 1950), o anúncio recorre à voz
de autoridade da ciência para enunciar. Na parte não
verbal, a imagem de uma mulher sorrindo com sutiã se
destaca. Ao lado da referida imagem há ainda o
enunciado: “faça em casa”, indicando que a mulher não
precisa se ausentar do ambiente doméstico que lhe é
considerado natural no período, para usar o produto
anunciado.
Como já foi dito anteriormente, os anúncios
publicitários que colocam a mulher na esfera da estética,
dos cuidados com a beleza, são recorrentes, o que indica
uma naturalização do lugar feminino na sociedade, o
lugar da estética é apresentado como se fosse o outro
lugar simbólico natural a ser ocupado pela mulher, além
do lugar físico da casa. Há também o pressuposto de que
o corpo feminino precisa ser corrigido ou tratado, não
sendo aceito na sua forma natural. No caso do anúncio,
é preciso corrigir os seios caídos. A palavra corrigir
carrega sentidos de que o corpo feminino necessita ser
reconstruído e manipulado para se adequar aos padrões
de beleza e perfeição estabelecidos socialmente.
Segundo Beauvoir,
90
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
alienar-se assim em sua imagem. (BEAUVOIR,
2016, p. 332)
91
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
credibilidade ao produto anunciado, através da
comprovação da sua eficácia retomando o discurso da
ciência.
A Pasta Russa é apresentada como um produto
capaz de “corrigir seios caídos e flácidos dando-lhes
aquele encanto e firmeza da adolescência”. Assim, o uso
do produto não conferirá apenas um seio corrigido, mas
simbolicamente dará à mulher a jovialidade da
adolescência. No período analisado, a beleza estava
ligada à juventude, mas a noção de juventude também
deriva de uma construção sócio-histórica. No período
em análise, uma mulher com a idade de 25 anos passa a
ser considerada como tendo “passado da idade” tanto
para o casamento quanto para ser considerada uma
jovem mulher. Segundo Pinsky (2014, p. 112), “a mulher
solteira com mais de 25 anos recebe o rótulo de
‘solteirona’. [...] acaba ‘solteirona’ a mulher que perdeu
as oportunidades de casamento em razão de ter ‘passado
da idade’.” O corpo maduro e mais velho não era,
portanto, considerado bonito. Cabia às moças mais
velhas corrigirem seus corpos, fazendo-os retornar,
através do uso de diversos produtos, ao corpo da
adolescência.
2.6
DISCURSO, MULHER, NAMORO E CASAMENTO
92
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
na educação das meninas, a revista Jornal das Moças
afirmava que o casamento era o destino natural das
moças que deveriam, desde tenra idade ser preparadas
para a vida conjugal. A preparação consistia em
transformar a moça, através da educação fornecida
principalmente pela mãe, em uma moça prendada, que
soubesse realizar serviços domésticos como lavar
roupas, passar, cuidar dos filhos etc.
Assim, havia uma preocupação da revista: fornecer
às moças solteiras dicas de como arranjar um noivo e,
por conseguinte, um casamento. O namoro deveria ser
algo que levaria ao casamento, pois uma moça de família
não deveria ter muitos namorados, portanto, o namoro,
que não poderia ser nem muito curto, nem muito longo,
deveria ser também a porta para o casamento. “Assim, é
dito que, no tempo de namoro, a jovem deve tentar
provar que é ‘boa moça’ — pura, recatada, fiel, cordata,
prendada — como deve ser uma dona de casa — e capaz
de vir a ser uma mãe dedicada e carinhosa.” (PINSKY,
2014, p. 67)
Os exemplos e conselhos são trazidos nas páginas
da revista em forma de reportagens e testes a serem
feitos pelas mulheres para medirem o comportamento
correto nas situações de namoro. O exemplo a seguir é
um teste que pretende responder ao seguinte
questionamento: “ele sairá com você uma segunda vez?”
Através desse teste, a mulher é levada a checar suas
ideias sobre o comportamento feminino aceito ou
condenável pela sociedade e que poderá levar o
pretendente a desistir ou não de um segundo encontro,
93
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
fazendo com que o provável futuro casamento não seja
planejado pelo homem.
Exemplo 20
94
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
95
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
No exemplo anterior, há um teste com 24 perguntas
que visam medir se um homem terá ou não interesse de
sair com a mulher depois de um primeiro encontro. O
teste indica, na verdade, um conjunto de atitudes que
uma mulher de família deve ter ao sair pela primeira vez
com um homem para que houvesse interesse em sair
novamente com ela após o primeiro encontro. Dentre as
perguntas estão: se ela deve ou não pagar a conta; se
deve dirigir-se ao garçom para solicitar talheres caso ele
tenha esquecido de trazê-los, ou se deve esperar que o
homem o faça; se deve ou não aceitar o convite do rapaz
para ir ao apartamento dele após o encontro; se deve
falar de si mesma, dos seus gostos ou falar sobre os
gostos dele etc.
No trecho que introduz o teste, destaca-se o
seguinte:
96
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
razões que inclinarão seu futuro admirador a
cortejá-la ou deixá-la de lado. (JORNAL DAS
MOÇAS, 1955)
97
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
família, portanto, não podem ser confundidas
com as levianas (com quem os rapazes namoram
mas não se casam) nem em termos de reputação,
menos ainda em termos de atitudes. (PINSKY,
2014, p. 56)
Pergunta do teste:
23- Se êle tentar abraçá-la antes de ir embora...
a) Você permite?
b) Repele-o com um ar escandalizado?
c) Você desprende-se gentilmente e estende-lhe a
mão? (JORNAL DAS MOÇAS, 1955)
98
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
deixá-la sozinha com os homens. Assim, o namoro em
casa sob a supervisão dos pais ou do irmão era muito
comum e a imagem a seguir mostra tal situação.
Exemplo 21
Assim,
99
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
ocasiões como bailes, encontros, viagens,
passeios, a “moça de família” deve estar
acompanhada por algum parente ou alguém de
confiança (vizinhos, tias, amigos da mãe etc) que
garanta sua reputação. (PINSKY, 2014, p. 60)
100
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
simples e resumida, fazendo circular sentidos e ideias
sobre a esposa ideal.
Exemplo 22
101
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
das leitoras como boas donas de casa já indica um
funcionamento do discurso e uma constituição
ideológica sobre ser mulher no período analisado: em
primeiro lugar, deveriam ser boas donas de casa. Já se
viu anteriormente como a realização dos serviços
domésticos era imposta às mulheres que tinham suas
vidas reduzidas ao ambiente do lar, ao cuidado com os
filhos e com o marido. É pela construção histórica da
feminilidade que esse enunciado é gestado: uma mulher,
boa esposa, é, antes de tudo, uma boa dona de casa.
No entanto, o exemplo segue e afirma-se nele que,
mesmo sendo boas donas de casa, todas as mulheres
devem lembrar-se das sugestões ali trazidas. O primeiro
conselho, em tom de sugestão, indica que as mulheres
não devem mexer nos bolsos da roupa do esposo,
quando esse chega cansado de casa, mesmo que seja
para coser. Aliás, se o fizer, será considerada uma esposa
ruim, pois uma boa esposa de verdade deve “verificar
toda a roupa do marido antes de mandá-la para a
lavagem” e, se o bolso de um paletó estiver rasgado,
certamente foi culpa da mulher que não cuidou com
afinco de suas atividades domésticas que incluem a
checagem do estado das vestimentas do marido. É pela
memória discursiva que são resgatados sentidos sobre o
que é ser uma boa ou má esposa. Também é pela
memória discursiva, que, nesse caso, liga-se a uma
formação discursiva patriarcal, na qual a mulher é
submissa ao marido, que se inserem esses dizeres.
Assim, não causava estranhamento circunscrever a
mulher ao lar e aos cuidados com o marido para manter
o casamento. Não causava estranhamento, também,
102
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
responsabilizá-la pelo cuidado com as roupas do
marido.
O exemplo 23 continua a trazer sugestões sobre
como ser uma boa esposa, como se pode ver a seguir:
Exemplo 23
103
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
esses manuais se constituem de maneira diversa,
com um objetivo comum: adestrar
comportamentos e disciplinar condutas
femininas, cujo foco era a formação de um
modelo de mulher ideal, capaz de governar o lar,
a família, satisfazer as necessidades do marido e
manter a boa aparência. (TOMÉ, 2013, p. 39)
Exemplo 24
104
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
O exemplo 24 destaca como uma boa esposa deve
se comportar em relação às visitas que faz ao marido no
seu local de trabalho. O texto diz:
105
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 25
106
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
O exemplo traz elementos que, inscritos na história,
reclamam sentido. O primeiro deles a destacar é que, no
contexto da década de 1950, em que a saída das mulheres
para o mercado de trabalho era ainda incipiente, o
homem é que era considerado o “provedor financeiro”
da família.
Essa ideia se encontra em outras publicações da
revista, como nos seguintes trechos: “[...] uma vez
casado, deverá fazer face a todas as despesas, já não é
mais dono do seu ordenado” (JORNAL DAS MOÇAS,
1955). Nessa mesma direção, foi publicada na revista
uma coluna chamada “Prefácio do casamento” com
afirmações sobre como deveria ser o casamento, pois,
segundo a revista “este possui uma lista de formalidades
indispensáveis.” Ainda segundo a ideia de hierarquia no
casamento, destaca-se outro trecho da revista: “o marido
é o chefe da família, mas a mulher, segundo a lei, é sua
colaboradora.” (JORNAL DAS MOÇAS, 1955) Nesse
enunciado, a conjunção “mas” não é apenas um
elemento gramatical, é um elemento de discurso que
introduz um outro argumento: apesar do homem ser o
chefe da família, a mulher é sua colaboradora. A
introdução do “mas”, nesse caso, pretende trazer à tona
a mulher, no entanto o faz mantendo o papel de
submissão ao homem, já que ela é colocada na posição
de colaboradora, coadjuvante.
Dentro da afirmação de que a mulher não deveria
gastar muito com a toalete para não desagradar o
esposo, evitando desencadear a desarmonia para o
processo econômico que ele criou para a família, é
107
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
possível retomar já-ditos e não ditos. Os já-ditos de que
cabe ao homem ser o sustentáculo da família, inclusive
amparando-a financeiramente, inscrevem-se na
formação discursiva patriarcal, a partir da ideia de que o
homem é o chefe da família e os demais membros,
inclusive a mulher, deveriam obedecê-lo. Tal ideia está
disseminada em vários trechos, reportagens e contos do
Jornal das Moças. Em destaque, um deles:
108
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
era considerada incapaz e totalmente dependente do
marido.
Um outro enunciado que traz os saberes da
formação discursiva patriarcal é justamente a ideia de
que, ao ser vaidosa, a mulher desagradaria o marido,
pois daria a entender para a sociedade que ele estaria
sendo ofuscado pela esposa, além de quebrar a
harmonia financeira promovida por ele. Como consta,
"além disso, tais despesas, mesmo não afetando o
orçamento do espôso, quebram a harmonia, o processo
econômico que ele criou para que a família tenha um
futuro melhor” (JORNAL DAS MOÇAS, 1955). Os não-
ditos que significam aí dizem respeito ao fato de a
mulher não trabalhar fora de casa, portanto, não ter o
próprio dinheiro para comprar os produtos de higiene
pessoal, ou até cosméticos. Tal sentido é recuperado
através do dito, pois se a mulher precisa gastar o
dinheiro que é dado pelo marido para a sua toalete, é
porque ela não tem fonte de renda, não podendo,
portanto, usar o dinheiro com independência. Aqui mais
uma vez há a repetição da ideia de que a mulher precisa
ter um comportamento que não desagrade o homem,
cabendo somente a ela a responsabilidade pela
manutenção do casamento. A ideia de superioridade
masculina se pauta na revista, muitas vezes em questões
de diferenciação biológica entre homens e mulheres.
109
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
o costume social, o temperamento do homem
brasileiro (ou do latino) e as inalteráveis leis
divinas, além de ideais cristalizados de harmonia
familiar. (PINSKY, 2014, p. 211)
Exemplo 26
110
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primeiro e ainda ajudá-lo a arrumar-se.
(JORNAL DAS MOÇAS, 1953)
111
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
futuro se as mulheres se enganarem em suas
escolhas no tempo do noivado. […] É
significativa, pois a ausência de artigos em Jornal
das Moças que façam menção a maridos
violentos ou autoritários demais, amparando as
esposas que sofrem com esse comportamento
depois de legitimada a união. (PINSKY, 2014, p.
102).
Exemplo 27
112
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
com êle. Costuma-se dizer que essa pessoa é a
sogra. Não! Isso é um erro que, aliás, precisa ter
um fim. Muitas vezes a causa de distúrbios
familiares é uma amizade da espôsa que não sai
de sua casa. Por delicadeza, o marido não lhe
declara peremptóriamente êsse aborrecimento,
preferindo fazer insinuações que a espôsa deve
compreender, em vez de esperar pelo estouro
que, por certo, um dia virá. (JORNAL DAS
MOÇAS, 1954)
113
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
isso não aconteça. A subordinação feminina aos desejos
do marido, faz com que discursos que pregam a
abnegação da mulher circulem na revista,
condicionando comportamentos femininos, de forma a
não oferecer, espaço de questionamentos em relação a
essa condição que é, antes de tudo, uma condição
histórica.
Exemplo 28
114
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Uma boa espôsa não mostra aborrecimento
quando, vez por outra, o esposo trouxer de
improviso, colegas, já seus conhecidos e homens
de boa conduta, naturalmente, para almoçar. É
lógico que isso não deve ser um hábito do
marido. Todavia, uma descortesia, poderia tirar
do espôso aquêle prazer que ele sente em
almoçar em casa, e nessas ocasiões, ouvir dos
colegas elogios às qualidades de boa dona de
casa que tecerão à sua espôsa. (JORNAL DAS
MOÇAS, 1954)
115
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
conjugal. Trabalhando pela paráfrase, o discurso da
revista visava estabelecer o espaço feminino no lar e no
casamento, construindo identidades de boa esposa a
partir de regras e conselhos a serem seguidos. Segundo
Orlandi (1999), os processos parafrásticos são aqueles
pelos quais em todo dizer há algo que se mantém, isto é,
o dizível, a memória. A paráfrase é a base do sentido,
pois é a partir dela que o sentido pode ser outro, pode
deslizar para se tornar diferente de si mesmo. Nos
dizeres sobre uma boa esposa, o que ser mantém é a ideia
de que ela é a única responsável pela felicidade conjugal
e que cabe a ela manter a harmonia do lar. Essa repetição
parafrástica faz circular uma ideologia de submissão
feminina que se naturaliza nas revistas, sendo difundida
em propagandas, piadas, conselhos, reportagens, contos
etc. A seguir, observaremos o último exemplo desta série
de conselhos publicados na revista:
116
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 29
117
Lei de direitos autorais
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Aqui, o discurso traz novamente a ideia de sacrifício
feminino, pois mesmo que tenha seu sono
comprometido, a mulher deve deixar o abajur aceso para
permitir que o marido assista aos jornais e informe-se
sobre coisas de seu interesse. Como coadjuvante no
casamento, submissa aos desejos do homem, a mulher
deve abrir mão de suas vontades e desejos, ainda que as
vontades e desejos do marido a desagradem. Ela deve
colocar os desejos do marido acima dos seus, uma vez
que é o marido o chefe, o que proporciona também o
sustentáculo financeiro da família.
É, mais uma vez, pela história que a ideia de
submissão feminina vai sendo construída, retomada e
consolidada. A ideia de sacrifício é retomada do discurso
religioso, a partir das figuras do santo e da santa e,
colocado no contexto do conselho à boa espôsa,
normatiza-se o comportamento dela como o de uma
“mulher quase santa”.
118
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
negada antes e regulada durante o casamento, a partir
da ideia de reprodução. A ideia de submissão, vista
como natural, também era disseminada em outras partes
da revista, incluindo reportagens, colunas, propagandas
etc. Na coluna “Bom dia Senhorita”, escrita por Roberto
Moura Torres, destaca-se um trecho alusivo a essa ideia:
Exemplo 30
119
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
diferentes, que a revista dissemina as ideias do que é ser
homem e mulher na sociedade da época, moldando
identidades, construindo representações sociais com
base na retomada ou desconstrução de elementos sócio
históricos.
120
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
3
AS PROPAGANDAS E O DISCURSO SOBRE A
MULHER
121
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
discursos ligados às esferas políticas, religiosas e
também comerciais. Desse modo, utilizaremos aqui a
palavra propaganda para nos referirmos a algo que é
propagado, difundido, veiculado amplamente. Nesse
caso, iremos nos deter às propagandas que circulam na
revista Jornal das Moças e que fazem circular sentidos e
representações sobre a mulher na sociedade.
Desse modo, deslocamos aqui a noção de
propaganda como um gênero neutro e objetivo, cuja
função seria vender produtos diversos, e passamos a
considerá-lo como um elemento de discurso no qual se
inscreve a historicidade, a ideologia e a memória. Assim,
122
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
a possuir não apenas o produto, mas também as
sensações de liberdade, autonomia, aventura,
modernidade, bem como os padrões de beleza, dentre
outros elementos trazidos por ele. Dessa forma, o sujeito
da sociedade de consumo se subjetiva e constitui-se a
partir da apropriação de bens de consumo, o que
coaduna com a ideologia capitalista do ter e não do ser.
Em relação ao papel do discurso publicitário na
construção das identidades,
123
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Dito de outro modo, as propagandas contribuem
para a construção de identidades sociais e para a
condução dos comportamentos dos sujeitos, os quais
terminam aderindo a este ou aquele mundo criado no
discurso publicitário. Desse modo, apresentando um
produto como novidade total ou como a resolução de
problemas que desagradam os consumidores, a
publicidade constrói argumentos em que o consumo de
determinado produto passa, então a ser uma
"alternativa" para a solução desses problemas, uma vez
que, ao consumir determinada mercadoria, o sujeito
passa a incorporar as características da mesma, a
novidade estampada por ela, as tendências de moda e de
beleza nela anunciadas. Assim, observaremos nesta
seção, algumas propagandas e os modos como essas,
enquanto elementos de discurso constroem identidades
femininas.
124
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 31
125
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
indicando que há uma palavra interditada, algo que não
pode ser dito abertamente, algo do qual não se pode falar
de maneira clara. Temos aí o funcionamento do silêncio
local, aquele da censura, como postula Orlandi (2007).
Assim, o silêncio local impede que algo seja dito em
determinada conjuntura. Nesse caso, na conjuntura
histórica dos anos 50, falar sobre sexualidade feminina,
sobre corpo e constituição biológica da mulher era um
tabu e tudo relativo à sexualidade feminina era
interditado, proibido, como se fosse algo vergonhoso ou
impuro. A ideia de menstruação como impureza
historicamente pode ser recuperada no discurso
religioso, na Bíblia, já que
126
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
difundidas através de um livro intitulado “Ser mulher e
ser feliz” distribuído gratuitamente pela Johnson &
Jonhson, empresa fabricante do Modess. O fato de haver
um enunciado que diz: “verá como o fato é normal, como
é fácil passar por aquêles dias” já indica a presença de
um outro enunciado, inscrito na história e retomado pelo
discurso religioso, de que o período menstrual não era
normal nem natural, portanto, o anúncio afirma a
normalidade da menstruação em um tom didático, algo
ensinado pelo livrinho gratuitamente distribuído.
Um outro aspecto que marca a historicidade dessa
propaganda é a oposição entre o modess e as “toalhas
comuns” trazidas no texto do anúncio. Os absorventes
descartáveis chegaram ao Brasil na década de 1930, mas
nesse período ainda eram pouco usados pelas mulheres,
que costumavam utilizar toalhinhas de pano no período
menstrual, costuradas por elas mesmas, uma a uma. As
toalhinhas eram dobradas em três partes e deveriam ser
constantemente trocadas para segurar o fluxo, por isso,
elas eram lavadas e reutilizadas. No trecho: “é mais
higiênico que as toalhinhas comuns pois é usado uma só
vez”, o anúncio traz marcas da historicidade, na
construção discursiva de oposição entre o velho e o
novo, apresentando o absorvente descartável como uma
novidade proveniente da vida moderna.
O exemplo a seguir traz agora um outro aspecto de
construção da imagem feminina, como poderemos
notar:
127
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 32
128
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Durante toda a primeira metade do século XX, as
meninas foram ensinadas a realizar trabalhos manuais,
dentre eles, corte e costura. Assim, a partir da sociedade
patriarcal, as moças precisavam ser prendadas e
aprender as atividades que pudessem auxiliá-las a
realizar tarefas domésticas e o corte e costura estão entre
essas atividades, pois, a partir deles, as mulheres
poderiam, ao casarem, costurar as próprias roupas e as
roupas dos filhos e maridos. Desse modo, “as imagens
femininas, historicamente e culturalmente, se
adaptaram aos papéis sociais que lhes foram tributados,
a partir das representações sociais provenientes de um
sistema patriarcal.” (SCHOLL, 2012, p. 36)
Os trabalhos com agulha fizeram, inclusive, parte
do currículo escolar da escola para moças, em ensinos
técnicos e profissionalizantes, por exemplo. A educação
técnica voltada para mulheres no período visava formar
“moças prendadas que se tornavam “competentes
donas-de-casa” e “operárias capacitadas”, para atuar no
âmbito das demandas emergentes das indústrias
urbanas ou como artífices (modistas, costureiras,
chapeleiras, floristas etc.), em oficinas, casas de moda ou
no próprio âmbito doméstico.” (SCHOLL, 2012, p. 146)
Assim, o trabalho de costureira era
majoritariamente realizado por mulheres e essa
atividade era aceita socialmente, uma vez que indicava
habilidades femininas. Muitas mulheres realizavam as
atividades de corte e costura como complemento da
renda, outras as realizavam profissionalmente, por isso
o fato de haver um concurso para a escolha da rainha das
costureiras, dentro de um programa de rádio voltado
129
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
para donas de casa, retoma uma historicidade que
definia o lugar da mulher.
130
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Exemplo 33
131
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
ensinam a fazer bolos artísticos e salgados. O fato desse
anúncio estar circulando numa revista feminina não é
aleatório, uma vez que a mulher era educada desde tenra
idade nas artes culinárias, de forma que cabia a ela
dominar tais artes para manutenção da felicidade
conjugal e familiar.
A realização das tarefas domésticas, inclusive da
cozinha, tinha, porém, um corte de classe: as mulheres
brancas de classe média eram as que muitas vezes
supervisionavam as tarefas domésticas realizadas pelas
mulheres pobres (empregadas domésticas).
132
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
Assim, um anúncio de livros de culinária, fosse para
a prática profissional ou doméstica, estava inserido
numa conjuntura que colocava as mulheres na esfera da
cozinha. Aliás, a cozinha era, muitas vezes, considerada
o espaço mais importante a ser ocupado por uma mulher
em casa. Era nela que a dona de casa deveria preparar as
comidas que proveriam o sustento físico e biológico para
o restante da família, cabendo a ela dominar as receitas
para produção de alimentos. Por meio desse anúncio,
dirigido à mulher através da revista feminina, a
publicidade faz circular sentidos sobre os espaços
legítimos a serem ocupados por homens e mulheres na
sociedade.
Exemplo 34
133
Lei de direitos autorais
Compartilhamento proibido
de uma mulher sorrindo dentro de uma cozinha, tendo
o liquidificador apenas ao fundo.
Longe de ser apenas um elemento secundário e
decorativo, a imagem também é produtora de sentidos,
pois, como assevera Pêcheux (1985, p. 51), a imagem
seria “um operador de memória social, comportando no
interior dela mesma um programa de leitura, um
percurso escrito discursivamente em outro lugar”. Nela
se inscrevem discursos, inscreve-se historicidade,
inscreve-se a opacidade. Portanto, o fato de haver uma
mulher sorrindo em destaque na frente de uma cozinha
não é aleatório. Antes de tudo, essa imagem, como
operadora de memória social, traz discursos sobre a
mulher e o lar que indicam a felicidade e a realização
femininas na esfera doméstica, como se a inserção dela
nesse espaço fosse fruto de alegria e felicidade naturais.
O liquidificador, ao fundo, secundariamente colocado
no plano de trás da imagem, passa a ser um coadjuvante
da mulher na realização de suas tarefas e de sua missão
doméstica. O que é vendido na propaganda não é apenas
o liquidificador, mas a ideia de realização feminina
através do trabalho doméstico que será facilitado pelo
uso do produto anunciado.
Retomando Pêcheux (2010), “a memória como
acontecimento a ler”, inferimos que esta imagem do
anúncio aciona uma memória histórica, que, como
acontecimento, restabelece os implícitos: a ligação entre
a mulher e a cozinha, a mulher e o lar.
Assim, a imagem presente na propaganda do
exemplo anterior traz em si uma série de já-ditos que
constituem o dizer sobre a mulher. Podemos trazer na
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cadeia histórica alguns enunciados como: “lugar de
mulher é na cozinha” e “a verdadeira felicidade
feminina é o cuidado com o lar”, que são retomados
nessa imagem para gerar um sentido sobre a mulher.
Juntamente com a imagem, a parte verbal que
descreve o produto anunciado indica também um
funcionamento ideológico que confere à mulher o lugar
doméstico. O texto, dirigido às mulheres, indica que o
liquidificador Long life é “o que existe de melhor para seu
lar”. Assim, ao direcionar o texto à mulher, desvela-se o
funcionamento ideológico que naturaliza o lugar
feminino como sendo na cozinha. Dessa forma, a parte
verbal complementa a não verbal na tecitura do discurso
que incide sobre o ser mulher nas condições de produção
ora analisadas.
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ALGUMAS ÚLTIMAS PALAVRAS
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eram disseminadas em piadas, propagandas, contos,
reportagens, receitas, imagens etc.
Reiteramos aqui a ideia de que as revistas, muito
mais do que elementos de informação e entretenimento,
passam a constituir-se como elementos de discurso,
fazendo ecoar já-ditos, retomando aspectos da memória
histórica na constituição de sentidos e da ideologia que
constitui os dizeres e naturalizam representações de
gênero.
A mulher no papel da revista é aquela que, antes de
tudo, deve aceitar sua submissão, naturalizando-a,
inserindo-se numa comunidade imaginada de
“mulheres de verdade”. Retomamos na e pela história a
figura da Amélia, a “mulher de verdade” “aquela que
não tinha menor vaidade” cantada por Mário Lago, cuja
figura foi construída, cultuada e disseminada durante
vários anos como ideal de mulher no Brasil. Entre as
Amélias da década de 1950, havia jovens podadas em
seus sonhos e ideias, mulheres subjugadas, submetidas
a casamentos infelizes, apontadas como incapazes de
segurarem os relacionamentos conjugais. São as
Amálias, as Rosálias, e outras anônimas mulheres que se
constituem na e pela história, através da submissão
imposta pelo patriarcado que se desdobrava, inclusive
na esfera jurídica.
Através das reflexões apontadas aqui, as quais
foram possibilitadas por termos recorrido ao arcabouço
teórico da Análise de Discurso de vertente pecheutiana,
buscamos compreender que as noções de gênero são
construções sociais e culturais e que a mídia na década
de 1950 funcionou como impulsionadora dessas
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construções sociais, havendo menor espaço para o
questionamento dos papéis naturalmente atribuídos a
homens e mulheres. Esperamos que essas reflexões
possam engendrar outros questionamentos e
desdobramentos de novos estudos na problematização
dos papéis e representações da mulher na sociedade.
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REFERÊNCIAS
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religião. In: MELO, Mônica Santos Souza (org.).
Reflexões sobre o discurso religioso. Belo Horizonte:
Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-
Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de
Letras da UFMG, 2017. p. 39-61.
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DUARTE, Constância Lima. Imprensa feminina e
feminista no Brasil. Século XIX: dicionário ilustrado.
Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
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o humor. 2019, 104 f. Dissertação (Mestrado em Estudos
Linguísticos) — Programa de Pós-Graduação em
Estudos Linguísticos, Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2019. Disponível em: https://drive.google.com/
file/d/1k0uaXk9nxCqllg0hNJ4eaWrMkeVdlfqD/view.
Acesso em: 20 abr.2020
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JORNAL DAS MOÇAS. Rio de Janeiro: Editora Jornal
das Moças, 1950-1958.
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ORLANDI, Eni. As formas do silêncio. Campinas:
Editora Unicamp, 2007.
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PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados.
São Paulo: Contexto, 2014.
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Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. Disponível em:
https://bit.ly/2YK9qWl. Acesso em: 26 abr. 2020.
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