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POL Í T IC A E

OR G A NIZ AÇ ÃO
DA E D UC AÇ ÃO B Á S IC A
Gilda Cardoso de Araujo

Universidade Aberta do Brasil Educação Física


Universidade Federal do Espírito Santo
Licenciatura
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
Núcleo de Educação Aberta e a Distância

P olítica e O rganização
da E ducação B ásica
Gilda Cardoso de Araujo

Vitória
2011
Sumário
Presidente da República Reitor Diretor do Centro de
Dilma Rousseff Prof. Rubens Sergio Rasseli Educação Física e Desporto
Zenolia Christina Campos Figueiredo
Ministro da Educação Vice-Reitor
Fernando Haddad Prof. Reinaldo Centoducatte Coordenação do Curso de Educação
Física EAD/UFES
Secretário de Educação a Distância Pró-Reitor de Graduação Fernanda Simone Lopes de Paiva
Carlos Eduardo Bielschowsky Prof. Sebastião Pimentel Franco
Revisora de Conteúdo
DED - Diretoria de Educação a Distância Diretor-Presidente do Núcleo de Silvana Ventorim
Educação Aberta e a Distância - ne@ad
Apresentação 5
Sistema Universidade Aberta do Brasil
Celso José da Costa Prof. Reinaldo Centoducatte Revisora de Linguagem

Diretora Administrativa do Núcleo de


Educação Aberta e a Distância - ne@ad
Alina Bonella

Design Gráfico
1 Política: algumas definições 6
Maria José Campos Rodrigues LDI- Laboratório de Design Instrucional

Coordenadora do Sistema
Universidade Aberta do Brasil na Ufes
ne@ad
Av. Fernando Ferrari, n.514 -
2 Estado, Direitos de Cidadania e Política Educacional 10
Maria José Campos Rodrigues

3 Evolução histórica da organização


CEP 29075-910, Goiabeiras - Vitória - ES
(27)4009-2208
Diretor Pedagógico do ne@ad
Julio Francelino Ferreira Filho
e do funcionamento da instrução no Brasil: Colônia e Império 15

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)


4 Evolução histórica da organização
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) e do funcionamento da instrução no Brasil: Primeira República 20

5 Evolução histórica da organização


Araujo, Gilda Cardoso de, 1967-
A663p    Política e organização da educação básica / Gilda Cardoso
de Araujo. - Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo,
Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2011.   e do funcionamento da instrução no Brasil:
54 p. : il.
da Era Vargas à “Redemocratização” do País 25
  Inclui bibliografia.
  ISBN: 9788580870121
6 Evolução histórica da organização
   1. Política e educação. 2. Educação – Brasil – História. 3. e do funcionamento da instrução no Brasil:
Reforma do ensino. 4. Educação e Estado. I. Secundária(s) de
autor. II. Título. da estadualização à municipalização do ensino 31
CDU: 37.01

LDI Coordenação
Heliana Pacheco
Ilustração
Leonardo Amaral
7 A estrutura e a organização da educação escolar no Brasil 37

8 O financiamento da educação escolar


Hugo Cristo
José Otavio Lobo Name Capa
Ricardo Esteves Weberth Freitas
no Brasil: o Fundef e o Fundeb 41
Gerência Impressão
Susllem Meneguzzi Tonani Gráfica e Editora GM

Editoração
Weberth Freitas
9 Reforma do Estado, gestão e qualidade do ensino 45

A reprodução de imagens de obras em (nesta) obra tem o caráter pedagógico e cientifico, amparado pelos limites do FINALIZANDO 50
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escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Física, na modalidade a distância.
Apresentação

A disciplina Política e Organização da Educação Básica (POEB) integra o


núcleo comum do currículo das licenciaturas. É importante para todos os
profissionais que irão atuar na área de educação por tratar de questões
relativas às relações entre Estado e educação, direito à educação, planeja-
mento educacional, financiamento da educação e outras que afetam dire-
tamente as dinâmicas dos sistemas de ensino e das escolas brasileiras.
O objetivo geral da disciplina é analisar a política e a organização da Edu-
cação Básica no Brasil em suas dimensões conceituais, históricas, políticas
e jurídicas. Mais especificamente temos como ementa da disciplina POEB:
Compreender os conceitos de política e de política educacional;
Conhecer a evolução histórica do ensino brasileiro quanto à oferta, res-
ponsabilidades, organização e funcionamento;
Relacionar o Estado Federativo brasileiro com a organização e funciona-
mento da educação nacional.
Compreender a organização do ensino brasileiro a partir dos dispositivos
da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996;
Analisar a função social da escola e o direito à educação a partir da
Constituição Federal de 1988;
Analisar os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal de 1996 e suas implicações para a organização da educação nacional;
Compreender a política de financiamento da educação, relacionado-a
com o Estado Federativo no Brasil;
Compreender o financiamento da educação como instrumento de ga-
rantia do direito à educação;
Analisar o movimento de Reforma do Estado Brasileiro e sua relação
com a definição das políticas educacionais.

7
1
Política:
algumas definições

Em grupos, discuta as seguintes questões (webfólio) Na verdade, o sentido estrito do conceito de política é comum a vários
autores, de Hobbes (2002) a Marx e Engels (1998), ou seja, a possibilidade
de recorrer ao uso da força como exclusividade do Estado.
a ­‑ O que é política? Entretanto, há autores, como Hanna Arendt, que veem na política o espa-
b ­‑ Você entende de política? Você gosta de política? ço da liberdade, o espaço do agir em público. Para Arendt (2002), a política
c ­‑ Você faz política? Em caso positivo, onde e quando? baseia-se na pluralidade dos homens e trata da convivência entre os diferen-
d ­‑ Como você faz política? tes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum,
e ­‑ Você vota? Em quais instâncias? Acompanha o que faz o político em essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças.
quem você votou? O que determina seu voto para um candidato? Dessa forma, o sentido da política é a liberdade humana. Hannah Arendt
f ­‑ Como você avalia a política e os políticos? (2002) rompe com a interpretação comum do homem como “animal polí-
g ­‑ Você exerce ou gostaria de exercer alguma função política? Por quê? tico” que remonta a Aristóteles. A política não surge no homem, mas entre
h ­‑ Para você, como deveriam ser a política e os políticos? os homens. A discussão da autora sobre o sentido da política parte de duas
experiências do século passado: o surgimento de sistemas totalitários (na-
zismo, fascismo, stalinismo) e a ameaça de a bomba atômica exterminar a
humanidade. A autora considera que esses aspectos constituem a “desna-
turação” da política, pois suprimem a liberdade humana.
Para a autora, os preconceitos contra a política não são juízos definiti-
vos; indicam apenas que não sabemos ainda nos mover politicamente.

O perigo é a coisa política desaparecer do mundo. Mas os precon-


O termo política tem muitos significados. Etimologicamente vem do adje- ceitos se antecipam; ‘jogam fora a criança junto com a água do
tivo originado de pólis (pólitikos), que significa tudo o que se refere à cidade banho’, confundem aquilo que seria o fim da política com a política
e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável em si, e apresentam aquilo que seria uma catástrofe como ineren-
e social, tendo o termo se difundido a partir de Aristóteles (BOBBIO, 1995). te à própria natureza da política sendo, por conseguinte, inevitável
Em seu sentido estrito, a política é uma atividade social que se propõe a (ARENDT, 2002, p. 33).
garantir pela força, geralmente fundada no direito, a segurança externa
e a concórdia interna de uma unidade política particular. Vários autores Contudo, Arendt (2002) adverte que não precisamos condenar o precon-
a definem a partir desse sentido, como Max Weber (2002) que afirma que ceito contra a política, pois mesmo o preconceito desempenha um papel
a política, em seu sentido amplo, abrange toda espécie de atividade di- importante no cotidiano e na política. Para a autora, nenhum ser humano
retiva autônoma. Entretanto, em seu significado restrito, significa direção pode viver sem preconceitos, uma vez que não teria inteligência ou co-
do agrupamento político hoje denominado “Estado” ou a influência que se nhecimento de tudo que existe no mundo e que aparece como novo em
exerce nesse sentido. Assim, o autor identifica política como monopólio da sua existência e, sobretudo, não ter preconceito exigiria do ser humano um
legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis. estado de alerta permanente e sobre-humano.

8 9
Sendo assim, uma das tarefas primordiais da política é lidar sempre e dos executivos e dos tecnocratas, em que o lema é: “Onde há política ou po-
em qualquer lugar ou circunstância com o esclarecimento e a dispersão de der, há corrupção”. Para esse tipo de político, os membros da comunidade es-
preconceitos, porém isso não significa que, mesmo aqueles que atuam na tariam interessados somente em propostas realistas, pragmáticas, pontuais,
perspectiva e no esforço da dispersão dos preconceitos, como os profes- focadas em resultados. Explora o imaginário inseguro e temeroso das pesso-
sores, sejam livres de preconceitos, o que se constitui um grande desafio as, e os cidadãos são rebaixados à condição de homologadores de decisões;
para a formação política dos cidadãos, isso porque os preconceitos ocultam
sempre um pedaço do passado, um juízo já formulado, o que dificulta ou A política dos cidadãos é aquela política com muita política, cujo obje-
muitas vezes inviabiliza uma experiência articulada e verdadeira do presen- tivo é a busca do bem comum, no aproveitamento civilizado do conflito e
te com o uso judicioso da razão, ou seja, com o juízo (ARENDT, 2002). da diferença, na valorização do diálogo, do consenso e da comunicação, na
A partir dessas reflexões, podemos inferir que a educação é sempre o defesa da crítica e da participação, da transparência e da integridade. Dessa
exercício da política, traduzida como a chance e o espaço da liberdade, ten- forma, o governante está despersonalizado, uma vez que prioriza o coletivo
do como princípio a importância do agir e da realização pessoal: “[...] livre e os movimentos sociais com debate público e participação democrática.
agir é agir em público, e público é o espaço original do político” [...] en- Esse modo de conceber a política tem em seu centro a educação dos cida-
quanto os homens puderem agir, eles serão capazes de fazer o improvável e dãos: um esforço permanente para fazer com que todos aprendam a valori-
o incalculável” (ARENDT, 2002, p. 40). zar o diálogo e o alcance de consensos como meio de organizar e viver a vida.
Todavia, quando falamos de política, de modo geral, as pessoas apre-
sentam resistências. Há toda uma crítica de “despolitização” da sociedade
a partir do processo de redemocratização no Brasil em meados da década Para Nogueira (2001), a política que está desacreditada atualmente é a
de 1980. Um presidente deposto, inúmeras denúncias de corrupção ati- política dos políticos. Mas esse autor afirma que esse descrédito não é ge-
va e passiva no Executivo, no Judiciário e no Legislativo, promessas não neralizado, visto que, em que pese todo o contexto de corrupção e outras
cumpridas, oportunismos de todas as espécies, compra de votos, nepotismo, práticas que desgastam os políticos, as pessoas mantêm a expectativa de
fraudes, clientelismo, entre outros elementos da política nacional, fizeram serem bem governadas. O problema é que o aumento desse descrédito à
com que a política fosse associada, no imaginário social, a “mãos sujas” ou política dos políticos pode se transformar na indiferença pela política dos
à máxima de que “o poder corrompe”. cidadãos, tornando a sociedade brasileira ainda mais despolitizada.
Porém, como afirmamos no início deste texto, a política têm muitos sig-
nificados e sentidos. Marco Aurélio Nogueira (2001), no livro Em defesa da
política, distingue três tipos de política:

A política dos políticos é aquela política com pouca política, pois significa No fórum discuta e responda às seguintes questões
agir tendo em vista o poder (sua conquista, sua conservação, sua destruição).
O autor adverte que esse jogo político de agir pelo e para o poder integra a
essência da política, e não há por que condenar os que assim procedem, até a ­‑ Retome as questões iniciais e reflita: algo mudou em suas concepções?
por que não há nada de condenável no poder. Define esse tipo de política Em caso positivo, o quê? Em caso negativo, justifique.
como arte do possível e do indicado, a política realista que adere mais a éti- b ­‑ Traga uma notícia sobre política no âmbito nacional, estadual ou
ca da responsabilidade do que a ética da convicção. Porém chama a aten- municipal que se relacione com o texto e analise a partir dos conceitos
ção para o fato da possibilidade de se tornar realista demais e negar todos discutidos no texto.
os valores ou se transformar em política dos politiqueiros (truque, promes- c ­‑ A escola é uma instituição política? Por quê?
sas, lutas entre frações e grupelhos, intriga, conchavo, simulação, deixando d ­‑ Em caso positivo, qual tipo de política a escola realiza? Por quê?
em plano secundário o debate público, os princípios, a coerência), o que a e ­‑ Os professores têm atuação política? De qual tipo?
transformaria, na expressão de Gramsci, na política das pequenas ambições;

A política dos técnicos é aquela política sem política ou contra a política,


com a hipervalorização da técnica, da gestão e da administração sobre o go-
vernar, o articular, o participar, o discutir . Traduz-se na política dos técnicos,

10 11
Estado, Direitos de

2
Cidadania e Política
Educacional

A tividade I ntrodutória para webfolio cursões do Estado. Assim sendo, “[...] os direitos políticos eram emanação
direta do usufruto do poder econômico” (SINGER, 1988, p. 91) e o interes-
se público se traduzia na somatória dos interesses particulares dos cidadãos
a ­‑ Veja o vídeo que, por sua vez, eram somente aqueles que tinham propriedade e/ou rendas:
http://www.youtube.com/watch?v=646wfCvzQ9o
b ­‑ Organize um glossário (pesquisa na internet e/ou outros materiais) A ideologia liberal nasceu na Europa do século XVIII, quan-
sobre: Absolutismo, Iluminismo, Reforma Protestante, Renascimento, do todas as grandes classes sociais - a nobreza fundiária, a
Revoluções Burguesas, Liberalismo, Estado Liberal, nobreza clerical, a burguesia e o campesinato - eram de al-
Estado Intervencionista (de Bem-Estar Social/Desenvolvimentista), guma forma proprietárias. O proletariado era constituído por
Estado de Direito e Capitalismo Industrial. indivíduos desgarrados da ordem social, cuja característica
Rei asolutista, Luís XIV
central de não ter propriedade era uma espécie de anomalia.
Tratava-se de fugitivos dos domínios senhoriais e ex-per-
tencentes a algumas das classes possuidoras que, por uma
razão ou outra, se tinham arruinado. Não surpreende que o
constitucionalismo liberal tenha excluído estes ‘marginais’ da
cidadania (SINGER, 1988, p. 92).

Então, o modelo de Constituição adequado aos pressupostos do libera-


F oi precisamente a oposição aos sistemas político e jurídico do absolutis- lismo, como corpo doutrinário, teve como elementos constitutivos a racio-
mo monárquico (considerado opressor, restritivo e injusto) que fez a bur- nalização e a limitação do poder do Estado, que deveria ter apenas uma
guesia introduzir uma concepção de Estado cuja virtude seria a proteção função subsidiária em frente à sociedade.
das liberdades individuais. Surge, assim, o Estado de Direito Liberal como A salvaguarda dos direitos dos cidadãos contra a arbitrariedade dos po-
uma consequência das revoluções burguesas e como instrumento político deres constituídos e dos privilégios da nobreza repousava no princípio da
de combate aos privilégios feudais, bem como de afirmação da competição igualdade perante a lei. Contudo, essa igualdade era aquela restrita ao âm-
livre dos capitais. bito da liberdade, ou seja, aquela em que “[...] todos os cidadãos gozam
Tratava-se de um processo de formalização do Estado “[...] para o qual se de igual liberdade, isto é, são igualmente livres, ou iguais nos direitos de
tornava cada vez menos necessária a personificação do monarca e sempre liberdade” (BOBBIO,1996, p. 41).
mais indispensável a conotação abstrata dentro de esquemas logicamente Por meio dessa luta contra o Estado de estamentos, o constitucionalismo
Fac-símile da edição de A riqueza das nações de
sem objeção e convencionais, o principal dos quais era exatamente a lei, a clássico afirmou a produção do Direito como a principal função do Estado. Adam Smith, obra fundamental para a fundação de
norma jurídica [...]” (BOBBIO et al., 1995, p. 430). Daí decorre a supremacia do Legislativo sobre os demais Poderes (Executivo um Estado Liberal

A doutrina liberal defendeu e instituiu os regimes constitucionais para e Judiciário), uma vez que a ênfase no “governo das leis” significava a im-
resguardar os direitos do cidadão (que substituiu o súdito), sobretudo o di- pessoalidade no exercício do poder, o valor moral da obediência, não pela
reito de representação política para proteger a propriedade privada das in- coerção, mas sim pelo consenso (COMPARATO, 1985). Contudo, é preciso

12 13
também destacar que o exercício desse “governo das leis” pressupunha que provenientes da tributação das empresas, bem como regula a repartição de
a função do Estado era garantir a conservação da ordem “natural” das coisas, renda e os conflitos entre capital e trabalho ao estabelecer salário mínimo,
definidas a priori pela razão, que, por sua vez, garantiria a edição de leis como limitar jornada de trabalho, etc.
normas gerais e abstratas que regulariam o comportamento dos indivíduos. Gradativamente, a partir da crise mundial dos anos 30, o Estado passou
A passagem do liberalismo à liberal-democracia é assinalada pela am- a assumir também a função de garantir a estabilidade econômica, man-
pliação do sufrágio que acaba por romper “[...] a conjunção harmônica en- tendo o equilíbrio das taxas de crescimento e de emprego, principalmente
tre poder econômico e poder político, dando acesso ao último à classe sem a partir da Segunda Guerra Mundial. Assim, o processo de democratização,
propriedade” (SINGER, 1988, p. 92). Com efeito, com o surgimento do ca- para se desenvolver e se ampliar, não se dissociou do liberalismo, mas este
pitalismo industrial e, consequentemente, a concentração da propriedade teve que recuar em relação à agudez de seus princípios de liberdade eco-
e a transformação dos produtores diretos em proletários, a relação política nômica, abrindo espaço para sucessivos direitos de participação social e de
tornou-se assimétrica: a população, em sua ampla maioria, não era pro- intervenção estatal.
prietária. Então, não fazia mais sentido a aceitação da ordem econômica e Temos, então, que, paulatinamente, os direitos civis, nascidos da neces-
política burguesa que estava assentada na propriedade privada. sidade da abolição dos privilégios feudais e do absolutismo monárquico,
Relacionadas com as demandas pela ampliação da participação política, ofereceram condições históricas para a luta pela ampliação dos direitos
as demandas pelos recursos institucionais eram cada vez maiores (na medi- políticos e para o surgimento dos direitos sociais, com as demandas da so-
da em que se ampliavam a economia de mercado e a injusta distribuição da ciedade pela proteção contra o desemprego, pela instrução pública — tida
renda e da propriedade) e essas demandas só poderiam ser atendidas pela como meio de ascensão social — pela assistência social e à saúde.
via política, pois “ [...] a política eleitoral constitui o mecanismo pelo qual O advento do Estado moderno, primeiro liberal, depois democrático, e,
todo indivíduo, enquanto cidadão, pode reivindicar seu direito de bens e por fim, social, guarda estreita vinculação com a ampliação dos direitos do
serviços. Embora como produtores imediatos os trabalhadores não tenham homem: no século XVIII, os direitos civis (ou de liberdade) para proteger os
direito legal ao produto, como cidadãos podem obter tal direito via sistema indivíduos do poder arbitrário do Estado e abolir os privilégios de nasci-
político” (PRZEWORSKY, 1995, p. 24). mento; no século XIX, os direitos políticos com a ampliação da participação
Ademais, o capitalismo industrial tornou cada vez mais necessária a in- da sociedade no poder; e, enfim, no século XX, os direitos sociais, como
tervenção do Estado nas relações de produção, especialmente no que diz amadurecimento de novas exigências históricas de igualdade substantiva e
respeito aos limites da exploração do trabalho (estabelecimento de jorna- bem-estar social (MARSHALL, 1967, BOBBIO, 1992).
da de trabalho, regulação do trabalho feminino e infantil, etc.). Essa inter- Com a mudança na concepção do Estado e a ampliação e a multiplica-
venção convergiu também com as demandas do proletariado pelo sufrágio ção dos direitos, os princípios subjacentes ao constitucionalismo clássico
universal, ou seja, pela ampliação dos direitos políticos. e ao sistema normativo que lhe serviam de base também se transformam,
Assim, a democracia moderna surge da ampliação dos princípios liberais, pois o caráter transcendente e genérico das leis não mais se adequava ao
principalmente quando estes são atingidos pelo novo contexto histórico contexto histórico assinalado pelo intervencionismo estatal e pelo reco-
configurado a partir do capitalismo industrial, sendo então inerente às nhecimento deste como fator de transformação econômica e social.
sociedades capitalistas. Mas o autor ressalta que, nessa confluência, a de- Se a função do Estado de direito liberal era garantir a conservação da
mocracia interage com o capitalismo no sentido de sua modificação. Com ordem social e a igualdade estatutária dos indivíduos, a função do ordena-
efeito, no início do século XX, após a Primeira Guerra Mundial e a Grande mento jurídico do Estado de direito social era justamente a transformação
Depressão de 1929, os governos reagiram à crise econômica, em maior ou e a promoção da equidade social. Sendo assim, a lei deixou de ser um limite
menor escala, com a aceitação e implementação dos princípios do “Welfa- ao poder estatal para se transformar no seu principal instrumento, o que
re State”, nos países ricos, e com uma política de desenvolvimento econô- gerou um processo de translação do poder normativo do Legislativo para o
mico, nos países pobres. Executivo. Nesse sentido, Comparato (1985, p. 407-408) afirma que
Com isso, o Estado assume o papel de redistribuidor de renda e de ár-
bitro dos conflitos distributivos e, então, “[...] a grande arena das lutas [...] todo o equilíbrio do sistema constitucional clássico,
sociais, doravante, já não é o espaço econômico das empresas privadas, fundado no princípio da separação dos poderes, existia no
mas o orçamento público” (COMPARATO, 1981, p. 211). Dessa forma, o Es- pressuposto de que a função do Estado seria a produção
tado financia os gastos sociais (previdência social e prestação gratuita de de direito, basicamente por meio de edição de leis. Tal com-
serviços de educação e saúde, por exemplo) usando parte dos recursos petência, pela sua vinculação essencial à própria soberania

14 15
3
popular em regime democrático, deveria ser atribuída dire-
tamente ao povo [...] ou então aos seus legítimos represen-
tantes [...]. A inadequação resulta do fato de que o Estado
Instrução no Brasil:
social não se legitima simplesmente pela produção do direi-
to, mas antes de tudo pela realização de políticas (policies),
isto é, programas de ação.
Colônia e IMPÉRIO2
Essa mudança foi refletida também nas experiências constitucionais de
Alemanha (1919), Áustria e
1
vários países1 que acrescentaram aos direitos fundamentais (liberdade pes-
Tchecoslováquia (1920), Es- soal e econômica) direitos constitutivos da ampliação na participação no
panha (1931), França (1946), poder político e da distribuição da riqueza social. Dessa forma, a educação
Itália (1947), Alemanha (1949). passou a ser reconhecida como direito social a ser garantido pela ação es-
Outros países, como Rússia, tatal e como estratégia de desenvolvimento socioeconômico.
Bulgária, Hungria, Polônia e Marshall (1967) divide a noção de cidadania em três elementos e postula
Alemanha Oriental adaptaram certa ordem lógica e cronológica no processo de conquista da cidadania nos Na ocasião do reconhecimento da Companhia de Jesus como ordem religio- 2
Texto extraído e adaptado de
suas Cartas aos princípios do países europeus: no século XVIII, o elemento civil; no século XIX, o político; sa, a colonização do território brasileiro já havia sido iniciada por D. João III,
3
Araujo (2005).
socialismo. Destacam-se ainda e no século XX, o elemento social. Esse processo foi assinalado pelas trans- inclusive com a divisão administrativa em capitanias hereditárias. Tempos 3
“[...] D.João III, rei de Portu-
as experiências constitucionais formações estruturais que alteraram tanto a concepção e princípios do Es- depois, em 1548, foi criado o Estado do Brasil como província portuguesa gal, teve como companheiro
da Alemanha nacional-socia- tado, quanto o ordenamento jurídico-constitucional que lhe servia de base. ultramarina, e o monarca português deu início à organização da educação de estudos humanísticos e
lista, da Itália fascista, de Es- Nessa dinâmica, um aspecto relevante diz respeito à afirmação da edu- no território brasileiro. Para isso, escolheu o padre Manoel da Nóbrega, da científicos, Martin Afonso de
tados da Península Ibérica e de cação como direito social, uma vez que, assumindo esse caráter, suscitou a Companhia de Jesus, dando-lhe a incumbência de instalar o ensino e os tra- Sousa, mais tarde donatário
alguns países europeus como necessidade da intervenção ativa do Estado no sentido programático, ou balhos de catequese dos índios. O padre veio na armada de Tomé de Souza da capitania de São Vicente
típicas de Estados autoritários, seja, não apenas na garantia das liberdades civis, mas também na organi- (governador-geral) e chegou ao Brasil em março de 1549. Em abril, fundou e vice-rei do Estado da Índia,
que encontram sistematização zação de programas de ação (políticas), por meio da organização tributária, o real colégio da Bahia (FERREIRA, 1966) e, no final do ano, já tinha cria- província portuguesa na Ásia,
orgânica no texto da Constitui- administrativa e jurídica para prover a população dos chamados serviços do os reais colégios de Porto Seguro, Ilhéus, Espírito Santo e São Vicente. cuja capital era Goa. E coube
ção portuguesa de 1933. públicos de educação, as políticas educacionais. Coube aos jesuítas que, progressivamente, eram enviados às terras bra- a Martin Afonso de Sousa a
Na proclamação da educação como um direito, está embutida a obriga- sileiras, a instrução na colônia. D. João III, pela confiança nessa ordem reli- glória de presidir as primeiras
ção do Estado de universalizar o ensino, sobretudo porque a extensão da giosa, não lhes negava qualquer pedido, conforme carta encaminhada ao eleições livres realizadas nas
educação como direito social passa a significar a condição essencial para o governador-geral em 1551. Américas em 22 de janeiro de
usufruto dos demais direitos e para a progressiva equalização social. 1532 e de instalar a primeira
Nessa capitania do Brasil andam alguns Padres e Irmãos da Câmara de Vereadores no con-
Companhia de Jesus, os quais folgarei que sejam providos do tinente americano, a Câmara
que lhes for necessário, assim para o seu mantimento (orde- Municipal de São Vicente, ber-
nado) como para seu vestido encomendo-vos e mando-vos ço da democracia americana”
que lhes façais dar tudo o que para as ditas coisas houverem (FERREIRA, 1966, p. 1).
mister. Em Almerim, ao primeiro de janeiro de 1551 (FERREI-
RA, 1966, p. 31, grifos do autor).

A Revolução de Outubro, em 1917.


Embora D. João III e seu sucessor, D. Sebastião, dessem ordens aos go-
vernadores-gerais para custear as despesas que os jesuítas tinham com a
organização da instrução na Colônia, de modo geral não havia recursos
suficientes para isso, pois as arrecadações não cobriam as despesas (FER-
REIRA,1966).
Talvez por causa dessa relação direta entre a Companhia de Jesus e Por-
tugal é que o papel das municipalidades, quanto à intervenção na educa-

16 17
ção oferecida pelos jesuítas, tenha sido praticamente inexistente, pelo me- Para alguns autores, a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, assi- 6
Documento publicado em
nos até o começo do século XVIII (ALMEIDA, 1989). Se a empresa colonial, nalou o início da constituição da nacionalidade brasileira, consolidada com 1599, cujo título completo é
no que se refere aos aspectos econômicos, foi erigida a partir da lógica da a criação, em 1815, do “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve”. Quanto Ratio atque Institutio Studio-
delegação à iniciativa privada e à administração local, com forte controle à educação, a vinda da Família Real significou a inauguração do ensino rum Societatis Iesu, consti-
governamental, no que diz respeito à educação, a delegação da tarefa aos superior no País, para atender às necessidades urgentes da Corte em terras tuído de trinta conjuntos de
jesuítas não implicou o controle governamental. De acordo com Almeida brasileiras, e o impulso da vida cultural do Rio de Janeiro, com a criação regras com a prescrição da
Ação de catequese dos jesuítas
(1989, p. 37), “[...] o governo colonial do Brasil, ao contrário do governo da Biblioteca Nacional, da Imprensa Régia e do Jardim Botânico. Todavia, o responsabilidade, do desem-
colonial de outros povos, como o da Espanha, sempre foi hostil ao desen- ensino secundário continuava a ser ministrado nas aulas régias e o ensino penho, da subordinação e do
volvimento da instrução pública e - salvo raras exceções - sempre reprimiu primário permaneceu abandonado, com um decréscimo ainda maior quan- relacionamento dos membros
4
É preciso destacar que outras a expansão do espírito nacional”. to ao papel praticamente inexistente das municipalidades no ensino, tendo da hierarquia, dos professo-
ordens religiosas, como a das Em que pese a essa hostilidade, havia escolas públicas nas localidades em vista o empenho e as despesas em favor da instrução primária, cujo ser- res e dos alunos. Também era
Carmelitas, a dos Beneditinos onde havia mestres com o título de professores régios. Essas escolas eram viço passou a ser centralizado pelo rei, tentativa frustrada de organização um manual de organização e
e a dos Franciscanos, ministra- mantidas mediante taxas locais sobre a carne, a aguardente e o vinagre, da instrução pública em termos nacionais (ALMEIDA, 1989). administração escolar. A me-
vam em seus conventos aulas forma de financiamento que perdurou até a Reforma de Pombal, que esta- Na verdade, a orientação educacional do período foi voltada para aten- todologia prescrita no docu-
para a formação sacerdotal e beleceu o subsídio literário, em 1772. der pragmática e imediatamente às necessidades da Corte Portuguesa no mento é bastante detalhada
também aulas nas residências Romanelli (1991) indica que a estrutura da sociedade colonial contri- Rio de Janeiro, o que fez com que a ênfase recaísse no ensino superior e no que se refere à sugestão
de famílias da elite colonial buiu para a importação das formas de pensamento da cultura medieval não na instrução elementar. de processos didáticos, visto
(WEREBE, 1994). europeia e para a preeminência dos jesuítas na disseminação dessas ideias Proclamada a Independência do Brasil, em 1822, a instrução primária que a finalidade principal do
5
No século XVIII, várias críticas na colônia brasileira. A instrução no Brasil colonial estaria ao alcance ape- passou a ser tema de debates e projetos sobre a educação nacional. Em Ratio Studiorum era conferir
ao conteúdo e à didática dos nas dos donos de terra e senhores de engenho, de forma que, ao almejar 1823, primeira constituinte, configurou-se um projeto que previa uma es- certa uniformidade na forma-
jesuítas começaram a circular a reprodução dos padrões aristocráticos da elite europeia, a elite colonial cola para cada termo, um ginásio para cada comarca e universidades nos ção de todos os que frequen-
em Portugal, que passou a teve que contar com os jesuítas como agentes de disseminação dos bens lugares apropriados. Os deputados reconheciam a necessidade de um siste- tassem os colégios jesuítas
assumir os princípios da revo- culturais do velho continente. ma de educação para a Nação, mas também destacavam que um inconve- (BORTOLOTTI, 2005).
lução científica e da filosofia Ademais, também interessava a essa elite o conteúdo cultural da educa- niente seria o tempo necessário para erigi-lo. O problema da precariedade
cartesiana já em voga na Eu- ção jesuítica, voltado para a erudição e para o letramento, traduzindo-se e/ou inexistência da instrução primária era generalizado e não havia uma só
ropa, caracterizando “a época no conteúdo da contrarreforma e, portanto, calcado no dogmatismo e no província com condições ideais de oferta e infraestrutura (MOACYR, 1939a).
do Iluminismo”. A congrega- respeito à autoridade, mas não no pensamento crítico e no racionalismo,
ção do oratório aproximou-se que começavam a ganhar fôlego em alguns países europeus. Assim, os ob-
do rei D. João V e influiu no jetivos da elite eram perfeitamente atendidos pelos jesuítas, que ofereciam,
combate à orientação jesuítica. ao mesmo tempo, a catequese e a conversão do gentio e uma educação
Além das críticas propriamente desinteressada e ilustrada aos representantes da elite colonial, configuran-
pedagógicas, os jesuítas foram do uma estrutura educacional dual, que permaneceu por muito tempo na
acusados de terem perdido o história da educação brasileira4.
seu espírito fundador e terem Mesmo a expulsão dos jesuítas, em 1759,5 não fez desaparecer as mar-
se tornado ambiciosos, acu- cas do modelo de instrução existente na colônia, até porque toda uma
mulando riquezas e honras. estrutura foi desmontada sem que houvesse um outro modelo que
Isso tudo desencadeou uma pudesse substituí-la com a adequada rapidez e eficiência. Em vez de um
intensa campanha contra os sistema de instrução, passaram a existir escolas leigas e confessionais, mas
jesuítas, que começou em todas invariavelmente seguiam o Ratio Studiorum6, uma vez que não
1755 e terminou em 1773 com havia sequer a possibilidade de dispensar o trabalho dos professores com
a extinção da companhia pelo formação jesuítica. Apesar disso, a expulsão dos jesuítas marcou o início,
Papa Clemente XIV, tendo Por- mesmo que muito tímido, do papel do Estado na oferta de instrução para
tugal tomado parte ativa nesse a população, com toda a precariedade financeira, política e administrativa
processo (MIRANDA, 1975). daquele contexto histórico específico. Independência do Brasil

18 19
Desde o início da Nação brasileira, a questão de se manter um sistema Geral, que tinha a competência exclusiva de legislar. A partir de 1834, en-
de educação equânime estava colocada. Tanto a denúncia da precariedade, tão, essa competência quanto ao ensino primário e ao ensino secundário,
das desigualdades regionais e de arrecadação, quanto a dificuldade de ar- constituindo exceção o ensino superior e o município neutro (onde estava
ticular um sistema nacional em tão vasto e diverso território ocuparam os localizada a Corte), foi transferida às províncias.
primeiros deputados constituintes que teve a Nação brasileira. Dessa forma, às Assembleias Legislativas provinciais coube legislar sobre
Enfrentando esses impasses, o Projeto de Constituição de 1823 trazia dis- a instrução pública como um dos fios da teia descentralizadora do Ato Adi-
positivos que: a) instituíam escolas primárias em cada termo, ginásios em cional de 1834. Entretanto, em vez de amenizar a situação, isso foi o mote
cada comarca e universidades nos lugares considerados apropriados; b) de- para uma desorganização maior do ensino brasileiro.
finiam que leis e regulamentos marcariam o número e a constituição desses O Ato Adicional de 1834, ao transferir para as províncias o ensino pri-
estabelecimentos; c) determinavam que o ensino seria livre (MOACYR, 1936). mário e o secundário, realizou uma descentralização do ensino que signi-
Como se sabe, a Constituinte foi dissolvida, e a Carta outorgada de 1824 ficou uma omissão ainda maior do Governo Central quanto à instrução
7
Razão pela qual nessa data se foi bem mais modesta, declarando apenas a gratuidade da instrução primá- elementar, o que ampliou as desigualdades existentes. Dessa forma, o Ato
comemora o Dia do Professor. ria como uma das formas de o Império assegurar a inviolabilidade dos di- Adicional afastou ainda mais a possibilidade de constituição de um projeto
reitos políticos e civis (art. 179, XXXII), mas não havia prescrição dos meios nacional de difusão da instrução elementar.
para concretizar esse princípio, o que desconsiderou todo o rico debate A descentralização do Ato Adicional de 1834 malogrou fundamental-
sobre a organização da educação nacional dos constituintes de 1823. mente pela falta de recursos das províncias, advindo de um sistema falho
8
O ensino mútuo pode ser de- Em 15 de outubro de 1827, foi promulgada a primeira Lei Geral da Ins- de arrecadação de tributos, que impossibilitou às províncias constituir uma
finido como um “método” de trução Pública do Brasil Independente7. Essa lei, ao mesmo tempo em que organização administrativa da instrução pública:
ensino em que um adulto dava mandava criar escolas de primeiras letras em “[...] todas as cidades, vilas e
instruções —
­ com exercícios e lugares mais populosos” (art 1.º), incumbia os presidentes das províncias, O resultado foi que o ensino, sobretudo o secundário, aca-
lições — para alguns monito- em conselho e com a audiência das câmaras municipais, de definir o nú- bou ficando nas mãos da iniciativa privada e o ensino pri-
res, que repassavam aos seus mero e a localidade das escolas, enquanto não estivessem em exercício os mário foi relegado ao abandono, com pouquíssimas escolas,
colegas, agrupados em classes Conselhos Gerais com a devida aprovação final da Assembleia Geral. sobrevivendo à custa do sacrifício de alguns mestres-escola,
com 200 ou mais alunos, num Vê-se que o papel das câmaras municipais era de coadjuvante, cabendo que, destituídos de habilitação para o exercício de qualquer
clima de disciplina e rotina. “O aos presidentes das províncias, junto com o Conselho, inclusive a definição profissão rendosa, se viam na contingência de ensinar (RO-
sistema de ensino mútuo, de- dos ordenados dos mestres, com base em um valor mínimo e máximo es- MANELLI, 1991, p. 40).
vido ao célebre Joseph Lan- pecificado na própria lei. Nessa lei ficou estabelecido que as escolas seriam
caster, tinha sido trazido da de ensino mútuo8 nas capitais das províncias e também nas cidades, vilas e Além da questão dos recursos, sobrepujava o problema da falta de con-
Índia para a Inglaterra pelo Dr. lugares populosos (art. 4º). trole e de fiscalização sobre o ensino ministrado. A Lei de Interpretação
André Bell. Este método era Almeida (1989) indica que os meios para a propagação da instrução do Ato Adicional, de 1840, não alterou essa situação, pois não definiu a
conhecido na Europa desde o primária, nos doze primeiros anos do Brasil Independente, foram erigidos responsabilidade estatal com a oferta de instrução elementar. A instru-
século XVI e recomendado por com base no sistema de ensino mútuo por intermédio de medidas oficiais, ção popular permaneceu abandonada, com um ensino primário deficiente
Erasmo. A aplicação dele foi incentivando a introdução do sistema nas províncias, ao lado da liberdade (chegando ao limite da quase inexistência), um corpo docente leigo ou mal
feita com grande sucesso em de abrir escolas, sem exames prévios ou autorizações. Esse sistema parecia preparado e uma escola secundária para poucos (os filhos das classes abas-
São Ciro pela Sra. Maintenon. muito adequado à nova nação, uma vez que, em tese, poderia difundir es- tadas) com perfil livresco e propedêutico (WEREBE, 1994).
No século XVIII, a cidade de colas elementares em todas as localidades, instruindo grande quantidade
Orleans e as escolas anexas ao de alunos a um custo muito baixo. Contudo, fracassaram os esforços de
Hospício da Piedade também propagação do ensino mútuo como forma de garantir instrução primária
adotaram-no; a partir de 1814, aos brasileiros, tanto por falta de pessoal preparado, quanto por incapaci- A tividade
o ensino mútuo se estendeu dade de investimento do Governo Central e das municipalidades que re-
rapidamente na França, Suíça, velavam precariedade até mesmo em sua função de vigilância das escolas,
Rússia e Estados Unidos, onde mediante a atuação das câmaras municipais (ALMEIDA, 1989). Elabore um texto reflexivo sobre a organização do ensino no Período
o próprio Lancaster o propa- Até o Ato Adicional, os Conselhos das Províncias tinham competência Imperial, destacando as consequências da descentralização política
gou” (ALMEIDA, 1989, p. 57). para formular projetos de leis, mas deveriam encaminhá-los à Assembleia e administrativa para a educação no período.

20 21
4
Instrução no Brasil:
Primeira República9

Em grupos , discuta as seguintes questões (webfólio) O Decreto n.o 7 não só reforçou a autonomia local quanto à oferta de
instrução popular prevista no Ato Adicional como a expandiu para todos os
graus de ensino. A questão federativa assumiu, assim, papel determinante
a ­‑ O que é um Estado Federativo? na configuração da organização do ensino brasileiro e no desenvolvimento
b ­‑ Por que o Brasil é uma República Federativa? histórico dessa organização nas décadas seguintes, uma vez que a forma
c ­‑ Qual a diferença entre centralização, descentralização como foi concebida a Federação excluía a educação como uma das tarefas
e desconcentração? de caráter nacional a ser direcionada pela União.
Aos Estados (antigas províncias), dessa forma, coube assumir os ônus
dessa descentralização federativa. Entre as suas incumbências, havia a ins-
trução. A questão da distribuição dos recursos tributários entre os entes
federados, desde o princípio, colocou-se como um limite para o exercício da
autonomia desses entes federados, visto que não foram discriminadas as ren-
das que assegurassem os encargos descentralizados para a esfera estadual.
A ideia de evitar ingerências na administração dos Estados quanto à
A indiferença da política educacional imperial com a instrução pública foi educação foi expressa no dispositivo que assegurava como competência
7
Razão pela qual nessa data se mantida com a Proclamação da República e com a definição da organização não privativa do Congresso Nacional apenas “animar” o desenvolvimento
comemora o Dia do Professor. federativa. Cury (2001) considera que a descentralização do Ato Adicional de das letras, artes e ciências, criar instituições de ensino secundário e superior
1834, que pode ser interpretada como um primeiro ensaio federativo no Brasil, nos Estados e prover a instrução secundária no Distrito Federal (art. 35).
foi também a primeira omissão formal do Estado quanto à educação. É justa- Mas a educação, situada no âmbito dos direitos civis e políticos, foi definida
mente nesse vácuo de atuação do Poder Público que o catolicismo, considerado apenas em seus aspectos relativos à laicidade, nos moldes do que já havia
como religião oficial do Estado brasileiro, não só manteve, como também ex- sido definido pelo Decreto n.º 119-A do Governo Provisório10.
pandiu seus tentáculos para a formação das elites e dos professores primários, A nova estrutura jurídica e política do Estado brasileiro acabou revi-
em que pese a separação entre Igreja e Estado e a laicidade do ensino instituída gorando o debate sobre a liberdade de ensino, com base nos dispositivos
pela Constituição Republicana de 1891. Nesse sentido, é que podemos afirmar constitucionais da federação e da liberdade profissional. Também é preciso
que a instituição do federalismo não representou progresso do País quanto destacar que a conjuntura de oposição à centralização monárquica favore-
Proclamação da República à garantia de oferta estatal de instrução primária boa e bastante para todos. ceu, na área educacional, a negação do papel da União como poder legíti-
A educação foi inscrita no primeiro texto constitucional republicano e se mo para a organização de um sistema nacional de instrução. 10
De autoria de Rui Barbosa, o
desenvolveu durante toda a Primeira República como um encargo não da Enfim, o processo político da constituição do Estado republicano brasileiro Decreto n.º 119-A estabelecia
centralização política, mas eminentemente da descentralização política e pautou-se por um modelo de Federação em que prevaleceram os Estados e a separação entre a Igreja e o
administrativa, mantendo a tradição do Ato Adicional de 1834. Mesmo an- não a União. Dessa maneira, as tendências autonomistas influíram nos rumos Estado, bem como consagrava
tes da promulgação da Constituição de 1891, o Decreto n.o 7, do Governo da política educacional, com o abandono da instrução primária aos Estados, a liberdade de cultos.
Provisório, já estabelecia que aos Estados caberia a responsabilidade pela desconsiderando a sua capacidade técnica e financeira e também com a radi-
instrução pública (CURY, 2001). calização do debate sobre a desoficialização do ensino secundário e superior.

22 23
Nagle (2001) chama a atenção para o fato de, no final da Primeira República, um problema nacional, reconfigurou essa interpretação, de forma que pode ser
a escolarização passar a ser considerada como mecanismo de progresso social situado como o motivo da incipiente centralização da política educacional para
e econômico, corrigindo as falhas do projeto civilizatório brasileiro. Essa cren- o nível primário, sendo reforçado com a conferência de 1921 (NAGLE, 2001).
ça no poder da educação para transformar a sociedade foi traduzida pelo au- A Federação, que antes servia para justificar a abstenção da União, passou
tor em dois conceitos que significaram dois movimentos educacionais ora pa- a significar uma tendência para se refrear a autonomia estadual, visto que o
ralelos, ora sucessivos: o entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico. analfabetismo seria uma mal nacional a exigir soluções nacionais. Ademais, a
Foram exatamente esses movimentos que imprimiram aspectos doutriná- Constituição, em seu art. 35, determinava a criação, pelo Congresso Nacional,
rios e técnicos às reformas da instrução levadas a termo pelos Estados, na de escolas secundárias e superiores nos Estados, mas não proibia a criação
perspectiva do federalismo descentralizador da Constituição de 1891. Dessa de escolas primárias e, ainda que tal argumentação não fosse suficiente, no
forma, as expressões do entusiasmo pela educação e do otimismo pedagógico mesmo artigo, a função de “[...] animar, no País, o desenvolvimento das letras,
e a consequente preocupação com as questões educacionais apresentaram- das artes e das ciências” implicaria, necessariamente, a competência da União
Primeira Constituição Republicana em
que assumem o poder os Marechais
-se desigualmente nos Estados e timidamente no âmbito do Governo Central. para combater o analfabetismo. Em que pese a esse esboço de sistematização
Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Apesar dessa timidez na alteração do ensino secundário e superior, a União de uma ação nacional de instrução primária, pouco foi feito para traduzir
Peixoto
não se absteve de tentar intervir na questão da disseminação da escola primária as medidas da conferência em ações concretas, principalmente por falta de
no final da Primeira República, fundamentalmente porque cresciam os clamo- recursos financeiros (NAGLE, 2001).
res nacionalistas e as críticas à descentralização. Assim, foram feitos acordos Se as realizações do Governo Central não foram dignas de nota, o mesmo
com os Estados nesse sentido, mas mantinha-se uma estrutura centralizada não pode ser dito quanto aos governos estaduais. Todavia, as reformas e re-
de funcionamento apenas da escola secundária e superior11 (NAGLE, 2001). modelações dos sistemas escolares estaduais ocorreram de forma desigual e
Com relação ao ensino supe-
11
A década de 1920 foi marcada pela emergência do problema da interven- calcada na política de governadores, visto que apenas determinadas unida-
rior, a medida mais expressiva ção do Governo Central nos Estados para garantir a difusão de uma escola des da Federação (geralmente as mais desenvolvidas social, política e eco-
da União foi a criação da Uni- primária de caráter nacional. Já em 1918, as pressões nesse sentido eram tão nomicamente) passaram a assumir os princípios reformadores: “[...] o ideário
versidade do Rio de Janeiro em frequentes que a União subvencionava escolas primárias em alguns Estados nacional, especialmente na década de 1920, vai encontrar terreno propício
1920 e a de Minas Gerais em e, em 1921, o Governo Federal convocou uma conferência interestadual de para sua concretização nos Estados e no Distrito Federal; este é outro reflexo
1927 (NAGLE, 2001). ensino primário com o objetivo de analisar bases conjuntas de atuação para a do desenvolvimento do ‘estadualismo’” (NAGLE, 2001, p. 244). Assim, os Es-
disseminação da escola primária. tados mais desenvolvidos levaram a termo não só medidas para a ampliação
Os resultados finais da conferência significaram uma inversão expressiva na do acesso à instrução, mas também medidas de substituição dos princípios
interpretação constitucional, mesmo levando em conta que a União exerceria educacionais então vigentes pelos princípios da Escola Nova.
o papel de colaboração somente. Com efeito, a interpretação dos dispositivos A reforma pioneira desse movimento reformador estadualista foi a de
da Constituição de 1891 quanto ao regime federativo vinha impedindo qual- Sampaio Dória, em 1920. Articulada às preocupações do movimento nacio-
quer atuação da União no ensino primário. Isso porque, desde o Ato Adicional nalista, a reforma paulista buscava alternativas para o problema do analfa-
de 1834, por força do § 2o, do art. 10, era prescrito que às Assembleias Pro- betismo num contexto em que milhares de crianças estavam fora da escola e
vinciais caberia legislar sobre a educação pública, e essa interpretação per- em que havia severas restrições orçamentárias do Governo Estadual. A ques-
sistiu durante o regime republicano, embora os dispositivos da Constituição tão da universalização da instrução elementar ganhou relevo e a solução foi
de 1891 sugerissem o critério da competência concorrente da União e dos adotar um tipo de escola elementar aligeirada e simples, com o ensino minis-
Estados, visto que expressamente não era vedada a atuação nem da União trado em dois anos para crianças de nove e dez anos. Em seguida, a reforma
nem dos Estados em determinado nível ou ramo de ensino (NAGLE, 2001). de ensino do Ceará, conduzida por Lourenço Filho, e todas as outras reformas
Dessa forma, a instrução elementar foi assumida pelos Estados como com- estaduais (a de Anísio Teixeira na Bahia, em 1924, a de Mário Cassassanta em
petência decorrente de sua autonomia política e de acordo com os princípios fe- Minas Gerais, no ano de 1927, e a de Fernando de Azevedo, no mesmo ano,
derativos do texto constitucional. O combate ao analfabetismo, colocado como no Distrito Federal) enfatizaram menos a dimensão do analfabetismo, e o

24 25
5
ensino primário foi modificado sem a adoção de medidas radicais, mas com
forte influência do escolanovismo, enfatizando as dimensões pedagógicas do
A Política Educacional
processo de escolarização (NAGLE, 2001).
Em que pese ao idealismo das reformas, que se fizeram com base muito
do Estado Varguista12
mais em legislação que não levava em conta a realidade brasileira, foi me-
diante essas medidas no âmbito estadual que se criaram as condições para o
surgimento de um sistema nacional de educação na década de 1930. Assim,
na década de 1920, os Estados viram-se obrigados a se responsabilizar por
seus deveres constitucionais, ao mesmo tempo em que também crescia o
interesse pela difusão do ensino primário por parte das municipalidades e a
necessidade de um projeto nacional de educação.

O movimento político de 1930, conhecido como a “Revolução de 30”, não


havia formulado um plano ou plataforma política para a educação nacional,
mas se apropriou dos debates anteriores sobre a organização do ensino bra-
A tividade para fórum sileiro para traçar novas diretrizes para a educação brasileira. De imediato, foi
criado o Ministério da Educação e Saúde, sob o controle de Francisco Campos,
o que já expressava a preocupação com a organização da educação em bases
A partir do texto reflexivo elaborado no capítulo anterior, discuta, em grupos, nacionais, pois “[...] a República, em 19 de abril de 1890, criou o Ministério da
se a Proclamação da República trouxe modificações relevantes para a orga- Instrução, Correios e Telégrafos, estranho à organização e acúmulo de fun-
nização da educação nacional ções as mais diversas, que foi extinto em 1892, e as questões de ensino foram
transferidas para o Ministério do Interior e da Justiça” (MIRANDA, 1975, p. 35).
Buscava-se conferir uma reestruturação do ensino no País. Mas, em vez
de essa reestruturação ter-se iniciado pelo ensino primário, que acumulava
vários séculos de abandono e precariedade, a reestruturação do ensino ini-
ciou-se pelos cursos secundários, superior e pelo ensino comercial. Todavia,
merece destaque a criação do Conselho Nacional de Educação como uma Getúlio Vargas

medida para conferir maior organicidade ao ensino brasileiro.


No final do ano de 1931, a Associação Brasileira de Educação promoveu
a IV Conferência Nacional de Educação solicitada pelo próprio governo de
Vargas, com a finalidade de discutir uma política educacional de caráter
nacional que contemplasse os diversos interesses em jogo. De um lado, os
mais preeminentes eram aqueles ligados à Igreja Católica, que desaprova- 12
Texto extraído e adaptado de
ram os princípios reformadores debatidos e aplicados na década de 1920; Araujo (2005).
de outro lado, os grupos ligados aos profissionais da educação defensores
de princípios liberais. Não houve consenso na IV Conferência, porque os
debates giraram em torno, basicamente, dessas duas posições. Assim,

[...] um dos grupos dos educadores, por iniciativa de Nóbrega


da Cunha, incumbiu a Fernando de Azevedo de redigir um
manifesto em que se fixassem os princípios e o sentido de
uma política brasileira da educação. Daqui surgiu a recons-
trução educacional no Brasil ao povo e ao governo. Mani-

26 27
festo dos pioneiros da Educação Nova com numerosas as- Constituição, fazendo com que os Estados também os seguissem, colabo-
sinaturas, publicado em 1932 em que preconiza a laicidade rando onde houvesse insuficiência de meios.
do ensino, a gratuidade, obrigatoriedade e a Escola Única As lutas ideológicas entre católicos e liberais tiveram reflexos nas duas
(MIRANDA,1975, p. 72). Constituições que vigoraram no período. O texto constitucional promulgado
em 1934 tinha um perfil eminentemente social, seguindo uma tendência
O manifesto, do ponto de vista do debate sobre estrutura federativa brasi- mundial do pós-guerra, e, pela primeira vez na história constitucional brasi-
leira, expressava tanto a posição em defesa do nacionalismo quanto a posição leira, considerações de ordem econômica e social foram introduzidas no texto.
em defesa da descentralização, talvez pela heterogeneidade de seus signa- Em relação à educação, pela primeira vez na história constitucional do
tários, que iam desde Fernando Azevedo, com sua posição unitarista e elitis- País, foi destinado um capítulo específico sobre o assunto, com a deter-
ta, até Anísio Teixeira, com suas posições democráticas e descentralizadoras. minação explícita do Estado em provê-la de forma gratuita e obrigatória
Dessa forma, podemos observar a denúncia sobre a inexistência de um sis- no ensino primário e tendencialmente gratuita nos graus posteriores de
tema de organização escolar de caráter nacional devido às reformas parciais ensino, assegurando para tal o mínimo de aplicação de recursos públicos
que não lograram amenizar as mazelas do ensino brasileiro, sendo neces- provenientes de impostos das diversas instâncias administrativas na ma-
sário um plano integral que incidisse no problema maior da organização da nutenção e desenvolvimento do ensino (10% para a União e Municípios e
educação nacional, conforme o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: 20% para os Estados e para o Distrito Federal) com subvinculação de 20%
dos recursos da União para o ensino nas zonas rurais (art.156).
No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se No texto de 1934, embora o art. 13 tivesse conferido autonomia inédita
der um balanço ao estado atual da educação pública, no à organização municipal, a distribuição de competências quanto à oferta
Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas eco- educacional permaneceu eminentemente estadualista, pois, segundo o art.
nômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e 151, competiria aos Estados e ao Distrito Federal “[...] organizar e manter
encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nosso es- sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes tra-
forços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, çadas pela União” (CAMPANHOLE, A.; CAMPANHOLE, H., 1994, p. 668). Além
não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, disso, foi prevista a criação de fundos de educação pelos entes federados,
à altura das necessidades modernas e das necessidades do fundos constituídos pelas “[...] sobras de dotações orçamentárias, acrescidas
país. Tudo fragmentário e desarticulado (O Manifesto dos das doações, percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas,
Pioneiros da Educação Nova. Disponível em < http://www.pe- taxas especiais e outros recursos financeiros” (§1.o do art. 157) (CAMPA-
dagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm>. Acesso em 10 jan.2011). NHOLE, A.; CAMPANHOLE, H., 1994, p. 669). Parte desses fundos deveria
ser aplicada em auxílios para o fornecimento gratuito de material escolar,
O Manifesto reconhecia a educação como direito, numa perspectiva libe- bolsas de estudo, alimentos e assistência médica alimentar (§ 2.o).
ral, relativa às iguais oportunidades e condições no processo de escolariza- Também foi prevista a existência de um Conselho Nacional de Educação,
ção elementar, independentemente dos fatores econômicos ou sociais, por- cujas tarefas consistiriam em elaborar o Plano Nacional de Educação e au-
tanto, um direito desvinculado da questão de classes sociais. Nesse sentido, xiliar o governo nos problemas afetos ao ensino. Além disso, foi instituído
seus signatários defendiam que cabia ao Estado reconhecer a educação o Ensino Religioso nas escolas oficiais, com frequência facultativa (art. 150,
como uma função a um só tempo social e pública, formulando um plano alínea a, arts. 152 e 153), um dos aspectos decorrentes do confronto entre
geral de educação que priorizasse uma escola única a todas as crianças de 7 católicos e reformadores escolanovistas, que assinalou os debates consti-
a 15 anos. Quais seriam os meios para organizar essa escola única, segundo tuintes sobre educação, resultando no caráter híbrido do texto de 1934,
o documento? Ampla autonomia técnica, administrativa e econômica aos uma vez que foram acolhidas as propostas de ambos os grupos (CURY, 1988).
técnicos educacionais e aos educadores, a instituição de um fundo escolar Assim, a partir de 1930, com o arrefecimento do federalismo descentraliza-
gerido por órgãos de ensino responsáveis pelo direcionamento dos recursos dor de caráter oligárquico, a educação integrou o projeto nacionalista e cen-
e uma organização de ensino descentralizada. tralizador da Era Vargas e foi assumida como um projeto de caráter nacional.
Na aplicação da “doutrina federativa” à União, na Capital, e aos Estados, Esse processo de arrefecimento do federalismo está articulado a um proces-
deveria competir a educação geral, de acordo com os princípios fixados na so mais amplo, de declínio dos princípios liberais em nível mundial, visto que,
Carta Constitucional, bem como com o regime de atribuições estabelecido. a partir do fim do primeiro conflito mundial, as ideias ligadas ao totalitaris-
Ao Ministério da Educação caberia a ação sob os princípios prescritos na mo ou ao autoritarismo passaram a ganhar relevância na Europa (Mussolini –

28 29
1922/Itália, Stálin- 1929/URSS, Hitler- 1933/Alemanha) e também no Brasil, o Estado Novo, em janeiro de 1946. Estabelecia, em seu art. 24, que os
com os ideólogos autoritários, como Alberto Torres, Oliveira Vianna, Plínio estabelecimentos de ensino primário formariam, em cada Estado, em cada
Salgado, e com movimentos com o mesmo caráter, como o integralismo. Território e no Distrito Federal, um sistema escolar, com a devida unidade
No clima do autoritarismo vigente, a Carta de 1937 foi outorgada. No de organização e direção. O Decreto-Lei definia, portanto, uma organiza-
que concerne à educação, isentou o Estado da tarefa de garantir ensino ção de base estadualista, mas com forte controle da União, estabelecendo,
primário gratuito e obrigatório, situando-o na posição de colaborador da inclusive, que a coordenação das atividades dos órgãos estaduais estivesse
família: “Art.125 - A Educação integral da prole é o primeiro dever e o di- em “perfeita articulação” com o Ministério da Educação e Saúde.
reito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, No que se refere ao financiamento, a Lei Orgânica do Ensino Primário
de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir definiu a gratuidade, mas não excluiu a organização de caixas escolares
as deficiências ou lacunas da educação particular”. com recursos da família, bem de acordo ainda com os dispositivos da Cons-
E ainda: tituição de 1937. Os recursos para o ensino primário adviriam da cota parte
Art. 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratui- das rendas tributárias de impostos do Fundo Nacional do Ensino Primário
dade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos (FNEP) (art. 45). Os Municípios poderiam, segundo a Lei Orgânica, incorporar
para com os mais necessitados; assim, por ocasião da ma- os seus recursos às cotações estaduais ou aplicá-los diretamente, confor-
trícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente me acordo entre as esferas administrativas estaduais e municipais (art. 46).
não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição Além disso, as unidades federadas que não atendessem aos princípios da re-
módica e mensal para a caixa escolar. ferida Lei Orgânica estariam impedidas de receber o auxílio do FNEP (art. 48).
A implantação da Lei Orgânica do Ensino Primário coincidiu com o auge
Uma vez o Estado tido como colaborador, não houve previsão de dota- do vigor do movimento municipalista, que se empenhou no processo cons-
ção orçamentária específica para a educação, como havia na Constituição tituinte de 1946 não só para ampliar as receitas municipais, como também
de 1934; também, em conformidade com a ideologia de segurança nacio- para inserir a educação como uma das atribuições das esferas locais.
nal, a Educação Física, o Ensino Cívico e os trabalhos manuais tornaram-se No texto federal de 1946, retomou-se um formato, ainda que precário,
obrigatórios nas escolas primárias, normais e secundárias (art. 131). de cooperação entre os entes federados. Com efeito, pela alínea d , XV do
Quanto às competências dos entes federados, a Constituição Federal de art. 5.o, à União competiria legislar sobre as diretrizes e bases da educação
1937 teve um caráter eminentemente centralizador, estabelecendo que à Nacional e, pelo inciso IX do art. 65, ficava estabelecido que o Congresso
União competiria “ [...] fixar as bases e determinar os quadros da educação Nacional legislaria, com a sanção presidencial, sobre todas as matérias de
nacional, traçando as diretrizes a que devem obedecer a formação física, in- competência da União. Essa competência, entretanto, não eximia os Esta-
telectual e moral da infância e da juventude” (art. 15, IX) e, privativamente, dos de possuírem legislação supletiva ou complementar.
teria o poder de legislar sobre as Diretrizes da Educação Nacional (art.16, Expressando os campos em disputa em torno da organização da educa-
XXIV). Com a generalização das interventorias nos Estados e com uma carta ção no País, ainda mal resolvida pela própria complexidade que assumiu a
outorgada que garantia plenos poderes à União, o federalismo e a discussão federação brasileira, Oliveira (1990) destaca que, em torno da questão da
das competências quanto à oferta da instrução foram praticamente anulados. repartição de competências, apareceram três proposições: a defesa de um
No Ministério de Gustavo Capanema, em 1942, essa discussão foi reto- sistema nacional de ensino, cabendo aos Estados e Municípios um papel
mada com a criação do Fundo Nacional de Ensino Primário, instituído pelo suplementar; a admissão de dois sistemas de ensino (um federal e outro
Decreto n.º 4.958, de 14 de novembro, com a finalidade de subvencionar estadual); e a defesa de que cada nível da administração pública deveria
os convênios celebrados entre Estados, Territórios, o Distrito Federal e a organizar seu sistema de ensino. Prevaleceu a definição de que a responsa-
União para a ampliação e melhoria do sistema escolar primário. Em 1944, bilidade pelo ensino primário e médio seria de âmbito estadual, e a União,
foi elaborado um plano para o aproveitamento dos recursos do fundo, mas além de seu próprio sistema de ensino, teria tarefa subsidiária em relação
apenas a partir de 1946 teve início a construção de unidades escolares nas aos sistemas estaduais, definição que já fazia parte da tradição jurídica bra-
zonas rurais, de fronteira e de colonização. Além de escolas primárias, tam- sileira a partir de uma concepção de federalismo dual.
bém foram construídas, com os recursos do fundo, escolas normais. Apesar dessa definição, cresciam, nessa época, as ideias de autonomia mu-
Em 1942, teve início a consolidação de uma política não só de centrali- nicipal e de ensino primário, como responsabilidade dos Municípios já anun-
zação, como também de uniformização do ensino, mediante as Leis Orgâ- ciando uma distribuição de competências que levasse em conta essa pers-
nicas de Ensino. Mas a relativa ao ensino primário só foi decretada após pectiva de descentralização municipalista numa federação tridimensional.

30 31
Da Estadualização à

6
Apareceram algumas propostas opondo quantidade (aumento do nú-
mero de escolas e de matrículas) à qualidade, contudo não houve na As-
Municipalização
sembleia Constituinte grande celeuma em torno da questão da gratuidade
e da obrigatoriedade para o ensino primário, proposta que teve sua reda- do Ensino No Brasil13
ção apoiada na Constituição Federal de 1934. Para os níveis posteriores, a
gratuidade estaria vinculada à comprovação de falta de recursos financei-
ros (OLIVEIRA, 1990)
Seguindo a tendência de cooperação entre os entes federados nos servi-
ços educacionais, os recursos para a educação (art. 169), mesmo que arbi-
trariamente (não levando em conta as necessidades efetivas da educação
no País), foram estabelecidos. Assim, o valor a ser vinculado para cada esfe-
ra do Poder Público foi definido (mínimo de 10% para a União e 20% para
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios), bem como a responsabilida-
de das esferas do Poder Público (arts. 170 e 171). O aumento da vinculação A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 20 de
para a esfera municipal traduzia a expectativa em torno da atuação desse dezembro de 1961, não expressou os apelos do movimento municipalista
ente federal na oferta educacional. no sentido da consolidação de sistemas de ensino de bases locais. O Mi-
Também nessa Constituição foi definida como competência da União nistério da Educação foi instituído como órgão público federal em matéria 13
Texto extraído e adaptado de
legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Depois de um educacional, cabendo a ele velar pela observância das leis de ensino, inclu- Araujo (2005).
longo e tumultuado processo de tramitação em que disputavam a he- sive as emanadas pelo Conselho Federal de Educação, que tinha a incum-
gemonia grupos ligados à defesa da escola pública e grupos de escolas bência de decidir sobre o funcionamento e organização do ensino superior,
particulares católicos, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases bem como de indicar as disciplinas obrigatórias para o ensino secundário
da Educação Nacional (LDB). e sugerir medidas para o funcionamento do sistema federal de ensino. Aos
Estados, além de organizar seus sistemas de ensino, caberia a autorização
do ensino primário e secundário. Além disso, a LDB instituiu o fundo na-
cional para o ensino primário, secundário e superior, constituído de nove
décimos dos recursos vinculados para a educação na esfera federal (12%,
A tividade sendo 20% para Estados e Municípios).
Dessa forma, a bandeira pela existência de um sistema local ou muni-
cipal de educação primária, bem como o princípio de colaboração entre
Consulte o seu Webfólio e outros materiais e elabore um texto reflexivo os entes federados mediante a contribuição para o fundo municipal não
caracterizando e analisando a Era Vargas e o período de redemocratização foram incorporados à organização da educação nacional, enquanto a ban-
quanto à organização do ensino, a partir dos conceitos de centralização, deira da discriminação de rendas favorável aos Municípios teve alguns de
descentralização e desconcentração. seus pressupostos inseridos na organização tributária nacional, ainda que
sua duração tivesse sido muito curta.
A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 mantiveram a
tradição estadualista de constituição de sistemas de ensino, contudo foi du-
rante o regime militar que a municipalização do ensino se concretizou como
modalidade de descentralização no Brasil, mediante a vinculação de recur-
sos do Fundo de Participação dos Municípios (20%) para aplicação em edu-
cação e de programas de investimento em estrutura técnica e administrati-
va nos Municípios para a sua atuação na esfera educacional (ROSAR, 1995).
Arelaro (1980) explica que as reformas administrativas nesse período fo-
ram condicionadas pelo Decreto-Lei Federal n.º 200/67, cujo princípio era o
da centralização das decisões e descentralização da ação. A Lei n.º 5.692/71,

32 33
que reorganizou o ensino brasileiro reformando a Lei n.º 4.024/61 (LDB), pa elementar de escolarização para Estados e Municípios e, ainda, definidos
também integrou as ações governamentais na busca desse princípio. Para a como uma espécie de agenda mais ampla de descentralização, no âmbito
autora, a Lei n.º 5.692/91 não só ratificou, mas também ampliou os princí- da educação para os países da América Latina.
pios descentralizadores da Lei n.º 4.024/61 com a possibilidade de a escola Assim, afirma que, ao mesmo tempo em que o Estado tinha um perfil
elaborar e assumir o seu padrão de funcionamento. intervencionista para determinados setores da economia utilizando ins-
trumentos centralizadores, para os setores de prestação de serviço para as
É fato pacífico aceitar-se que a Lei 4.024/61, apesar dos classes populares partia de uma lógica descentralizadora, com transferên-
seus dispositivos descentralizadores originou na prática um cia de responsabilidades para Estados e Municípios, sem a correspondente
regime senão totalmente unificado, pelo menos bastante transferência de recursos. Essa crítica, embora procedente, não é suficiente
centralizador. A explicação para esta contradição em geral para explicar o processo de municipalização do ensino levado a termo no
era a da impossibilidade de os órgãos normativos estaduais período, uma vez que a estratégia de centralizar as atividades de interes-
recém-criados – os Conselhos de Educação – assumirem o se do capital e descentralizar as atividades ligadas à prestação de serviços
seu papel. Em função disso, se omitiam e se socorriam do sociais sempre foi a tônica do Estado brasileiro, independentemente das
Federal, que acabava disciplinando ou regulamentando além diretrizes dos organismos multilaterais de financiamento. Exemplo disso é
de suas competências. Em tese, na Lei 5.692/71, isso não de- a República Velha, em que tivemos, como vimos, talvez a política de des-
veria acontecer. Havia uma distribuição equilibrada entre as centralização do ensino mais intensa e irresponsável, convivendo com uma
competências de nível federal, estadual e local – ao nível do política econômica extremamente centralizada, no que dizia respeito à ma-
estabelecimento de ensino – em que era realçado sempre que nutenção do preço do café no mercado internacional.
o atendimento às peculiaridades regionais e locais levaria ao A ideia de planejamento integrado, articulada à forte concentração fis-
desaparecimento dos modelos únicos para a educação esco- cal na União, estiolou o princípio descentralizador previsto na legislação,
lar brasileira (ARELARO, 1980, p.157). visto que, além de patente perda de autonomia dos entes federados e do
poder local, também acentuou o empobrecimento dos Estados e Municí-
O dever de organizar e manter o ensino era definido nos moldes da au- pios brasileiros e a consequente dependência destes em relação ao Poder
tonomia e interdependência entre União, Estados e Municípios, em nome Central, num círculo vicioso em que o planejamento gerou perda de auto-
da racionalização administrativa e econômica que orientava as reformas nomia, que provocou empobrecimento, resultando em mais dependência.
do Estado no período. O planejamento integrado era a forma sugerida para
a superação das desigualdades intra e inter-regionais e, na educação, essa Ora, se na área da educação, era o governo federal que defi-
forma de atuação deveria ser concretizada pelo Fundo Nacional de Desen- nia as diretrizes gerais a serem seguidas, fica evidenciado que
volvimento da Educação (FNDE) criado pela Lei n.º 5.537/68, que se confi- só teriam recursos, ou maiores recursos, aqueles Estados que
gurava como órgão coordenador e corretivo no âmbito educacional. melhor e mais rapidamente atendiam às “sugestões federais”.
Para Maia (1989), a Lei n.º 5.692/71 referia-se a um processo de descen- Portanto, com a exclusão de três ou quatro Estados, todos
tralização articulada em que se preservaria a unidade nacional, significan- os outros – em que o salário-educação é pouco significativo
do que os Estados poderiam organizar seus sistemas de ensino, desde que – ficavam praticamente na dependência da visão e da acei-
fossem respeitadas as diretrizes nacionais. Os Estados também poderiam tação, que os técnicos do Ministério da Educação tivessem
delegar atribuições aos Municípios, mediante a criação de Conselhos Muni- da filosofia proposta nos projetos das unidades da federação
cipais, da mesma forma que as escolas poderiam elaborar os seus regimen- (ARELARO, 1980, p. 158).
tos em consonância com a legislação vigente.
Vários projetos foram elaborados e implementados, com vistas à solução Dessa forma, em que pese a declaração do princípio de descentralização
da crise educacional e da incapacidade técnica, administrativa e financeira pela via da municipalização, a concentração de recursos na União, os crité-
dos Municípios para organizarem redes locais de ensino no período pos- rios de repasse desses recursos e o papel do Ministério da Educação na ta-
terior à Lei n.º 5.692/71, como o Promunicípio, o Edurural, o Polonordes- refa de planejamento integrado inverteram o princípio descentralizador. Se
te, Pronasec e o Projeto Nordeste. Rosar (1995) situa esses projetos como o princípio descentralizador fosse invertido em nome de uma determinada
instrumentos de uma municipalização induzida, segundo as diretrizes do eficiência da organização do ensino e de uma dada equidade nas oportuni-
Banco Mundial, mediante transferência dos encargos, com a oferta da eta- dades educacionais, ainda faria sentido, mas esse não foi o caso.

34 35
Além disso, é preciso considerar que esse mecanismo não só ampliava as
históricas desigualdades regionais, como também potencializava as atitu- A questão era saber se a descentralização federativa, principalmente
des predatórias dos entes federados e das localidades, na medida em que aquela de perfil municipalista, tal qual a que vinha sendo erigida no Brasil
estimulava a competição por recursos e benefícios, prejudicando os que desde meados da década de 1940, trazia esse potencial igualitário e eman-
mais precisavam de apoio do Governo Central. Rosar (1995) situa o núcleo cipador inerente ao direito à educação. Os estudos sobre a descentralização
da crise do funcionamento do Estado federativo na contradição entre os pela via da municipalização têm indicado que os nós federativos consti-
14
Nesse sentido, ler sobre os princípios e projetos de integração nacional e a fragmentação regional na tuem obstáculos expressivos ao alcance de medidas de política educacional
recentes conflitos dos entes história política, social e econômica do País, desde a Primeira República. com efetividade do ponto de vista da equalização das oportunidades edu-
federados em torno dos pro- A contradição entre os interesses nacionais e os interesses regionais foi cacionais.
jetos de distribuição dos royal- ganhando contornos novos, conforme a conjuntura política do País, como A história da autonomia municipal está estreitamente vinculada à com-
ties do Pré-Sal no Congresso recentemente aconteceu com a reforma tributária, que assumiu caráter di- plicada história da ideia de federação no Brasil, com todas as suas contra-
Nacional. minuto diante das necessidades de melhor distribuição dos impostos, dados dições e, portanto, não é a questão da centralização ou descentralização ou
15
Em relação ao Promunicípio, os interesses conflitantes entre a União, os Estados e os Municípios, quanto do autoritarismo e da democracia que define o processo de municipaliza-
Rosar (1995) avalia que o pro- à arrecadação e partilha da receita tributária,14 assim como aconteceu no ção do ensino no Brasil. O que esteve em jogo, quando da implantação do
jeto estava mais voltado para processo constituinte. Dessa forma, é sempre reeditado o caráter predató- federalismo, não era a questão do maior controle dos cidadãos, do equilí-
ações de expansão física da rio e pouco solidário do federalismo brasileiro, o que acaba inviabilizando brio de poderes, do contrato social ou do contrato federativo, mas, sim, a
rede e para a assistência téc- ou tornando mais difícil um projeto genuinamente nacional. adaptação de um modelo que serviria aos múltiplos e complexos interesses
nica e administrativa, e afirma A política descentralizada nas ações e centralizada nas diretrizes, conce- das elites políticas e do seu liberalismo específico. Da mesma forma, a in-
que não se pode considerar bida no regime militar e efetivada a partir da Lei n.º 5.692/71, resultou em corporação da ideia da instância local, no caso brasileiro, o Município, ao
significativa a expansão, visto distorções para a política de expansão da etapa elementar de escolarização, pacto federativo teve relação com a ampliação desses múltiplos e comple-
que, em pelo menos 70% dos visto que o peso das desigualdades regionais quanto à capacidade de in- xos interesses por força dos processos de crescimento econômico, indus-
casos, se tratava de constru- vestimento na ampliação das redes de ensino fez com que, com exceção trialização, incorporação de novos contingentes populacionais aos direitos
ções de escolas de uma sala de dos grandes centros do Sul e do Sudeste, a ampliação de vagas ocorresse de cidadania e às mudanças no perfil de Estado que, de garantidor das
aula “[...] contribuindo assim mediante escolas de uma única classe,15 e, nessas redes constituídas por liberdades e escolhas individuais, passou a ser árbitro dos conflitos sociais,
para se generalizar na zona essas escolas, a descentralização ter-se-ia caracterizado pelo abandono e com o papel de organizador de políticas públicas.
rural e na periferia urbana um pelo descompromisso do poder público. É justamente essa constatação que De toda forma, em que pese aos equívocos, é correto identificar a déca-
padrão de atendimento restri- faz Arelaro (1980, p. 192 e 195) concluir: da de 1970 como o momento de retomada dos clamores municipalistas ori-
to às primeiras séries do 1.o ginários da década de 1940. Contudo, o contexto era outro, com um regime
grau e de qualidade limitada A descentralização em si constitui apenas uma estratégia, discricionário que impedia a existência de uma autonomia municipal nos
pelo tipo de funcionamento de maior ou menor validade, dependendo dos objetivos em moldes anteriormente defendidos.
multisseriado das escolas, mas nome dos quais ela foi proposta. Ela só se constitui em uma Apenas na década de 1980 é que o debate do município como espaço
que era considerado significa- tese válida quando exprime uma opção do poder político de privilegiado de democratização da sociedade ganhou fôlego, junto com o
tivo por permitir contabilizar o realizar objetivos mais amplos no âmbito dos quais ela ganha processo de abertura política do País. Assim é que, em 1982, numa espécie
aumento da matrícula de 1.o sentido. Pudemos observar também que tanto na história de reedição dos Congressos Brasileiros de Municípios, aconteceu o I En-
grau” (ROSAR, 1955, p. 100). brasileira como na história educacional a descentralização se contro Nacional de Municípios promovido pelo Centro Brasil Democrático
prestou a equívocos que geraram adesões ingênuas ou dog- (CEBRADE). Da sucessão desses encontros surgiu a Frente Municipalista Na-
máticas a teses pretensamente democráticas [...]. Descentrali- cional, que interveio na Assembleia Constituinte para afirmar a autonomia
zação em educação significa a opção por um projeto político municipal, defendendo a reforma tributária e o fortalecimento dos exe-
que implante o direito à educação a todos. cutivos e legislativos locais (MAIA, 1989). Foi nesse contexto que voltou Movimento pelas “Diretas Já!”

36 37
A ESTRUTURA E A

7
a configurar-se a associação entre participação, democracia e autonomia ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
municipal, com ênfase na defesa de uma organização do ensino de base
local. Maia (1989) destaca que o movimento municipalista que ressurgiu
entre as décadas de 1970 e 1980 se intensificou mediante as ações lide-
ESCOLAR NO BRASIL
radas pelos políticos locais, essencialmente pelos que exerciam o mandato
de prefeito. Na área de educação, a tese municipalista foi divulgada fun-
damentalmente pela UNDIME, integrada pelos secretários ou diretores de
Departamento de Educação.
Foi nesse contexto de reedição da defesa da autonomia municipal e da
organização do ensino com bases locais que foi aprovada a Constituição
de 1988, que incluiu efetivamente o município como ente federado, caso
único entre as federações que existiam no mundo, o que imprimiu novos
contornos às políticas de ampliação do acesso, da permanência e da quali-
dade da etapa obrigatória de escolarização. A Constituição Federal de 1988 consagrou a expressão “sistemas de ensi-
no”, no plural, em vez de “sistema de ensino” ou “sistema de educação”. Se-
gundo as análises de Dermeval Saviani (1997), a consagração dessa expres-
são tem efeitos sobre a organização do ensino no País. Etimologicamente
a palavra “sistema” tem origem na palavra grega “sýstéma”, significando
aquilo que é posto conjuntamente, conjunto de elementos, materiais ou
ideais, entre os quais se possam definir alguma relação.
discuta no fórum Saviani (2008) afirma que a existência de um sistema pressupõe três
requisitos: a) intencionalidade (do sujeito em relação ao objeto); b) con-
junto (unidade na diversidade); c) coerência (interna e externa). Para o
A partir do texto elaborado no capítulo anterior, discuta, em grupos, os con- autor, a existência de instituições educacionais cada vez mais numerosas
ceitos de centralização, descentralização e desconcentração do ensino nos e diversificadas faz com que o sistema de educação se confunda com a
períodos de “Redemocratização” do País, do Regime Militar e de “Abertura” intrincada rede de instituições educativas, reduzindo-se ao conjunto des-
Política no Brasil sas instituições. Contudo, é preciso distinguir educação institucionalizada
da educação sistematizada, isto é, dotada de intencionalidade, unidade e
coerência. A educação institucionalizada pode constituir uma estrutura,
ou seja, ela pode surgir e se desenvolver sem nenhum plano, desprovida Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988

de caracteres intencionais.
Nessa perspectiva, a utilização da expressão “sistemas de ensino” atinge
o caráter de unidade que seria uma das marcas distintivas da noção de
sistema, tal como descrita por Saviani (2008). De fato, o art. 211 da Cons-
tituição Federal de 1988 (CF de 1988), preconiza que a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, organizem, em regime de colaboração, os
“seus” sistemas de ensino, multiplicando as instâncias normativas afetas à
prestação dos serviços públicos de educação, inclusive introduzindo for-
malmente o município como ente federado.
Levando em conta que, só a partir de 1930, o País começou a reco-
nhecer a educação como uma questão afeta ao Estado nacional, já que
no Império estava a cargo das províncias e na Primeira República a cargo
dos Estados, a pulverização dos “sistemas” de ensino, nas diversas uni-
dades federadas, teve efeitos deletérios para o processo de configuração

38 39
de um sistema nacional. Um desses efeitos é a justaposição de políticas cional”, o que indica a interpretação vigente na educação quanto à existên-
fragmentadas de sistemas de ensino resultantes da somatória de ações e cia de “sistemas de ensino” com liberdade de organização nos termos da LDB.
programas e não da solidariedade entre os entes federados, como pres- Quanto à divisão das incumbências educacionais entre os entes federa-
creve o ainda não regulamentado “regime de colaboração”. Outro efeito é dos, o art. 9o estabelece que a União deve elaborar o Plano Nacional de
a possibilidade de acirramento das desigualdades regionais na oferta de Educação, em colaboração com Estados, Distrito Federal (DF) e Municípios,
escolarização para a população. organizar o seu sistema de ensino, prestar assistência técnica aos demais
Essas considerações poderiam ser relativizadas se evocássemos o art. 22, entes federados, organizar sistema de informação educacional (leia-se
que estabelece, como competência exclusiva da União, legislar sobre as Censo Escolar), assegurar processo nacional de avaliação (leia-se avaliações
diretrizes e bases da educação. Considerando que uma lei de diretrizes e em larga escala, como SAEB, Prova Brasil, ENEM, ENADE), baixar normas,
bases pressupõe não apenas a institucionalização, mas, sobretudo, a siste- autorizar, reconhecer e credenciar cursos de graduação e pós-graduação.
matização da educação, nós teríamos implicitamente aí a noção de sistema. Também foi prevista a criação do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Todavia, como destacam Muranaka e Minto (2001), os constituintes consi- Aos Estados e DF cabe, entre outras funções, organizar, manter e de-
deraram, no máximo, o sistema nacional de ensino, restrito à instituciona- senvolver o seu sistema de ensino, definir formas de colaboração com o
lização das escolas, e não o sistema nacional de educação, que abrangeria município na oferta de ensino fundamental, oferecendo com prioridade o
todas as atividades (institucionalizadas ou não) que tivessem por finalidade ensino médio (art. 10). Aos Municípios foi atribuída, além das competências
a articulação do direito à educação aos demais direitos sociais de cidadania. próprias do seu respectivo sistema, a competência de oferecer educação
Assim, a organização dos “sistemas de ensino”, de acordo com o art. 211 infantil e, com prioridade, o ensino fundamental. Foi facultado aos Mu-
da CF de 1988, prevê competências exclusivas e comuns para os entes fede- nicípios constituir sistemas próprios, integrar-se ao sistema estadual de
rados quanto à oferta educacional, que não estão claramente regulamen- educação básica ou, ainda, compor com o sistema estadual um sistema
tadas, potencializando os conflitos federativos, com incidência na oferta único (art. 11) Percebe-se, assim, que a LDB se esforça no sentido de garan-
estatal de educação. À União cabe organizar o sistema federal de ensino e tir alguma definição para formas de colaboração estabelecidas no arranjo
exercer ação supletiva e redistributiva, com assistência técnica e financeira federativo esboçado em 1988, pois prescreve o conjunto de incumbências
aos Estados, Municípios e Distrito Federal; aos Municípios cabe atuar prio- de cada ente federado, ainda que mantida uma grande indefinição quanto
ritariamente no ensino fundamental e na educação infantil; e aos Estados às possibilidades de organização da Educação Básica.
e Distrito Federal cabe atuar prioritariamente no ensino fundamental e mé- A LDB também definiu as atribuições dos estabelecimentos de ensino,
dio. Observa-se, assim, que Estados e Municípios têm a atuação no ensino entre as quais consta a elaboração da sua proposta pedagógica (art. 12),
fundamental como uma competência comum. bem como as atribuições dos docentes, que devem participar da elaboração
Além da inclusão do município como ente federado, outra particularida- da proposta pedagógica. A gestão democrática, princípio do ensino brasi-
de da Constituição Brasileira, segundo Carlos Roberto Jamil Cury (2000), é leiro declarado no art. 205 da CF de 1988, foi inscrita de forma a ser regula-
a vinculação constitucional de recursos a serem aplicados em educação. O mentada pelos sistemas de ensino, respeitados os princípios de participação
art. 212 prevê a vinculação constitucional da receita resultante de impostos dos profissionais da escola na elaboração do projeto pedagógico e dos pais
para cada um dos entes federados (18% para a União e 25% para Estados, em Conselhos de Escola ou equivalentes. Essa abertura tem gerado, nos
Distrito Federal e Municípios) sistemas de ensino, diferentes propostas de gestão democrática, tendo em
Se a CF de 1988 não privilegiou a noção de um “sistema nacional”, a Lei vista que sofrem injunções de toda ordem, desde as geográficas e culturais,
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9394/96) situa na União até as político-partidárias.
a tarefa de coordenação política e articulação dos diferentes níveis e siste- Saviani (1997) analisa que a LDB teve um perfil minimalista, ao avançar
mas, exercendo, para tanto, função normativa, redistributiva e supletiva. De muito timidamente na regulamentação de aspectos essenciais da educação
toda forma, como Dermeval Saviani (1997) chama a atenção, em vez de o tí- nacional, e avalia que tal perfil tenha relação com a necessidade, à época,
tulo do capítulo ser intitulado “Do sistema nacional de educação”, como no de viabilizar as ações do MEC, que teve o seu papel reforçado como órgão
substitutivo Jorge Hage, foi denominado “Da organização da educação na- definidor da política educacional. Nesse sentido, podemos afirmar que a

40 41
O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

8
estrutura e a organização nacional se encaminharam no sentido de atribuir ESCOLAR NO BRASIL:
maiores poderes ao Governo Central, mantendo os conflitos federativos e
a pulverização em níveis toleráveis. Sendo assim, a promulgação, tanto da
Constituição Federal quanto da LDB, foram inócuas quanto à definição da
O FUNDEF E O FUNDEB
educação brasileira a partir dos requisitos de intencionalidade, conjunto e
coerência próprios da ideia de um sistema.

A tividade ( webfólio )

O financiamento da educação escolar tomado genericamente não se cir-


a ­‑ Baixe no site www.planalto.gov.br o capítulo Da Educação, cunscreve ao setor público, pois também se refere ao setor privado me-
da Cultura e do Desporto diante os gastos realizados pelas famílias, associações e entidades privadas
Seção I Da Educação da Constituição Federal de 1988. (tipo SENAI, SENAC, sindicatos, etc.). Mas, no Brasil, são insuficientes e
b ­‑ Em grupos, faça uma análise sobre os dispositivos constitucionais precários os dados e as pesquisas sobre financiamento privado. Por isso,
e registre no seu webfólio este texto não fugirá da margem de análise da maioria dos trabalhos sobre
financiamento da educação que recai invariavelmente no setor público.
A Constituição de 1988 reafirmou a educação como um direito social e,
como todo direito, para a sua concretização como política social, definiu
também as responsabilidades e as formas de seu provimento, estabelecen-
do as fontes de financiamento de que o Estado poderia dispor para cum-
prir o seu dever constitucional de oferta. Esses dispositivos constitucionais
foram alterados pela Emenda 14, de 12 de setembro de 1996, que criou o
Fundef e que foi modificada, posteriormente, pela Emenda Constitucional
53, de 19 de dezembro de 2006, que criou o Fundeb.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996,
trouxe um capítulo dedicado aos recursos financeiros para a educação no
Brasil em que são delimitadas as fontes de recursos (art. 68), a vinculação
de recursos (art. 69 a 73), a necessidade de estabelecimento de padrões de
qualidade (art. 74 a 76) e a transferência de recursos públicos para institui-
ções particulares. Esses dispositivos constituem o arcabouço normativo do
financiamento da educação escolar no País e é com base nesse arcabouço
que analisaremos o tema.
O texto constitucional de 1988 estabeleceu que o Brasil seria organizado
sob o regime federativo e que cada unidade federada (União, Estados, Dis-
trito Federal e Municípios) deveria organizar, em regime de colaboração, os
seus sistemas de ensino (art. 211). Ao mesmo tempo, definiu a vinculação
de receitas resultantes de impostos (excluindo, portanto, as taxas, as con-
tribuições de melhoria e as contribuições sociais) para cada uma dessas
instâncias como medida de disponibilização de meios para o cumprimento
das responsabilidades do Poder Público com a educação.

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Dessa forma, ficou estabelecido o percentual de, no mínimo, 18% para a tucional 14, em 12 de setembro de 1996, que não só formalizou essa situ-
União e 25% para os Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 212). Como ação de desresponsabilização da União, como também ampliou os gastos
a relação entre os entes federados deve ser de colaboração, a União deve de Estados, Distrito Federal e Municípios com o ensino fundamental. Com
dividir a aplicação de seus recursos na manutenção do sistema federal, na efeito, a alteração do art. 60 aumentou a subvinculação de recursos para o
execução de seus programas próprios e na transferência para os sistemas ensino fundamental nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios (de
estaduais e municipais. Na mesma lógica, os Estados somam os recursos 50% para 60%), ao mesmo tempo em que tornou complementar o papel da
recebidos da União aos provenientes de suas fontes de arrecadação para a União nos gastos com a erradicação do analfabetismo e com a universaliza-
manutenção dos seus sistemas de ensino e os Municípios recebem recursos ção do ensino fundamental. Isso porque foi estabelecido que a União deve-
da União e dos Estados que são somados aos seus próprios recursos. ria aplicar nessas metas e também na complementação do Fundef, “nunca
A Constituição também estabeleceu a prioridade de atendimento à eta- menos que o equivalente” a 30%. Essa expressão, com a utilização da pa-
pa obrigatória de escolarização (ensino fundamental), a contribuição social lavra equivalente, permitiu a interpretação de que os recursos destinados
do salário-educação como fonte adicional de recursos para o financiamen- a essas metas e a complementação poderiam não ser necessariamente re-
to de programas suplementares de assistência e saúde que também podem cursos provenientes da vinculação constitucional. Dessa forma, permite-se
ser financiados com outros recursos orçamentários e a permissão de des- que sejam usados recursos de outras fontes, inclusive do salário-educação,
tinação de recursos públicos para entidades confessionais, filantrópicas e o que é uma sobreposição de gastos, visto que essa contribuição social já se
comunitárias (art. 213). destinava ao ensino fundamental.
Ainda com referência à vinculação constitucional de recursos, o art. 60 das A Emenda 14/96, ao mesmo tempo em que modificou os percentuais de
“Disposições Constitucionais Transitórias” determinou uma subvinculação de subvinculação, direcionou esse montante de recursos para o Fundef, fundo
50% dos recursos para a educação para gastos com a erradicação do analfa- de natureza contábil no âmbito estadual, cuja finalidade é assegurar a ofer-
betismo e a universalização do ensino fundamental durante os dez primeiros ta de ensino fundamental e a valorização do magistério. A lógica do Fundef
anos da promulgação da Constituição. A interpretação desse artigo gerou é a constituição de um fundo comum a cada Estado e seus Municípios com
muitas polêmicas entre os especialistas e políticos da oposição e o Governo 15 % (60 % de 25%) de alguns impostos (quatro no total). Os seus recursos
Federal, visto que, enquanto esses exigiam que 50% dos 18% de impostos redistribuídos entre cada Estado e seus Municípios são proporcionais ao nú-
da União, deveriam ser utilizados conforme o preconizado no art. 60 (erradi- mero de alunos matriculados nas respectivas redes de ensino. O Fundef foi
cação do analfabetismo e ensino fundamental), o Governo Federal interpre- posteriormente foi regulamentado pela Lei no 9.424/96 e foi um dos meca-
tava o artigo a partir da lógica de que a expressão “poder público” englobava nismos propulsores do processo de municipalização da matrícula do ensino
os três poderes e, portanto, os 50% que deveriam ser dedicados ao combate fundamental, visto que o critério de rateio dos recursos induziu que, para não
ao analfabetismo e à universalização do ensino fundamental deveriam ser haver perda de recursos, se ampliasse a matrícula no ensino fundamental.
calculados a partir do conjunto de recursos de todas as unidades federadas. Em dezembro de 2006, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emen-
Com isso, a União evitou reformular os seus gastos com educação, prio- da Constitucional n° 53/2006, que cria o Fundo de Manutenção e De-
rizando a manutenção da sua rede de escolas de ensino médio e superior, senvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
desresponsabilizando-se com os gastos com alfabetização e com o ensi- Educação (Fundeb), substituindo o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
no fundamental. Essa desresponsibilização se materializou em 1994, com mento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef),
a criação do o Fundo Social de Emergência, posteriormente denominado criado pela Emenda Constitucional n° 14/1996. Além da ampliação da
Fundo de Estabilização Fiscal, que vigorou até 31 de dezembro de 1999. abrangência do financiamento a etapas e modalidades da educação an-
Assim, o Governo Federal foi autorizado a desvincular de 20% de todos os teriormente excluídas do Fundeb, outras mudanças são dignas de nota.
impostos e contribuições federais que formavam uma fonte de recursos O Fundeb sinaliza maior preocupação no detalhamento de mecanismos
livre de carimbos. A partir do ano 2000, o Fundo de Estabilização Fiscal de distribuição, o que dificulta a margem de manobra do Governo Fede-
foi reformulado e passou a se chamar Desvinculação de Recursos da União ral. Exemplo disso é o estabelecimento, já no texto da Constituição, dos
(DRU), tendo sua prorrogação aprovada pelo Congresso Nacional até 2007. valores progressivos de complementação da União aos Estados, Distrito
Para a educação, isso significou que, dos 18% vinculados, 20% poderiam Federal e Municípios. O art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
ser utilizados em outras rubricas orçamentárias. sitórias define o objeto do novo Fundo. Enquanto os recursos do Fundef
Todo esse processo de diminuição dos gastos do Governo Federal com o estavam destinados “[...] à manutenção e ao desenvolvimento do ensino
ensino fundamental se consolidou com a promulgação da Emenda Consti- fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu aten-

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dimento e a remuneração condigna do magistério”, os recursos do Fundeb REFORMA DO ESTADO, GESTÃO
devem estar destinados “[...] à manutenção e desenvolvimento da edu-
cação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação”. E QUALIDADE DO ENSINO
No que se refere ao cálculo das matrículas para o repasse dos recursos
aos Estados e aos Municípios, o Fundeb explicita que somente serão leva-
dos em conta, na distribuição dos recursos, os estudantes matriculados na
educação presencial. Além disso, os repasses serão feitos dentro da deli-
mitação constitucional de competências de cada ente federado. Ou seja,
os Municípios receberão os recursos referentes ao número de estudantes
na educação infantil e no ensino fundamental, e os Estados, às matrículas
contabilizadas nos ensino fundamental e médio. Assim, mesmo que com-
provem atendimento em educação infantil, os Estados não podem con-
siderá-las para efeito do Fundeb. O mesmo se aplica aos Municípios em
relação ao ensino médio. Enquanto o texto anterior deixava para a legis- Segundo Boaventura de Sousa Santos (1999), a questão da reforma
lação toda a definição sobre a forma de cálculo do valor por aluno, a nova do Estado é muito peculiar porque se trata, na verdade, de superar dois
redação estabelece diretrizes para sua definição. Um importante avanço diz paradigmas de transformação social da modernidade: o reformismo e a
respeito à proibição expressa de utilização da receita do salário-educação revolução. O primeiro, predominante nos países centrais, estendendo-se
na complementação da União ao Fundeb, o que libera a totalidade desses posteriormente, para todo o sistema mundial, partia do pressuposto de
recursos para aplicação em outros programas voltados à educação básica. que a sociedade seria problemática, cabendo ao Estado reformá-la e, por-
tanto, o reformismo se exercia pelo Estado que era o sujeito dos processos
políticos e econômicos. Já o paradigma da revolução pressupunha uma
transformação contra o Estado, chegando, no limite, à defesa de sua elimi-
P esquise , discuta e responda no fórum nação. Todavia, atualmente, trata-se de reformar o próprio Estado, sendo
ele próprio considerado o problema e o objeto da reforma, situação esta
que denuncia, segundo o autor, uma crise no próprio reformismo.
a ­‑ Quais são os tipos de tributos que compõem o sistema tributário brasileiro? Essa crise no paradigma reformista de transformação social está situada
b ­‑ Sobre qual desses tributos incide a vinculação constitucional no contexto mais amplo de transformações no capitalismo das três últimas
de recursos? O que é o salário-educação? Para o que ele é destinado? décadas do século passado que abalou os alicerces da economia mista e do
c ­‑ O que significa Fundef? Para que foi criado? Estado de bem-estar social ou do Estado desenvolvimentista erigidos no
d ­‑ O que significa Fundeb? Para que foi criado? período do pós-guerra e que até 1973, pelo menos, obteve notável grau
e ­‑ Clique neste link: de sucesso relativamente à sinergia complementar entre as demandas do
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/compdefdeb14.06.05.pdf mercado e as demandas do Estado.
Se o capitalismo concorrencial tinha como braço político o liberalismo
com sua defesa de um Estado subordinado aos interesses do mercado, cujas
funções eram aquelas relativas à segurança e à garantia da propriedade pri-
vada, a etapa monopolista de desenvolvimento do capitalismo significou
A tividade a reconfiguração do Estado, principalmente ao final da Segunda Guerra
Mundial, no sentido da promoção de intervenções que estabelecessem um
equilíbrio entre os princípios do mercado e do Estado.
A partir do texto, do quadro comparativo contido nesse link e de outras Com efeito, a Grande Depressão de 1929 e as duas guerras mundiais
leituras, escreva um texto reflexivo sobre as diferenças entre o Fundef desalojaram o Império Britânico como potência mundial dominante ao
e o Fundeb, analisando se o FUNDEB representa ou não aumento de mesmo tempo em que fizeram ascender os EUA para essa condição. Com
recursos destinados à educação. isso, a libra esterlina foi substituída pelo dólar como moeda hegemônica e
os mercados internacionais de investimentos foram regulamentados pelo

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sistema de Bretton Woods. A hegemonia norte-americana, todavia, fez-se Nesse sentido, Boaventura Sousa Santos (1999) chama a atenção para
acompanhar de um cenário sociopolítico em que o socialismo implantado o fato de que que não se trata, na verdade, de um regresso aos princípios
e difundido pela União soviética dividiu o mundo em dois sistemas antagô- do mercado presentes no capitalismo concorrencial. A nova forma de re-
nicos: o capitalista e o socialista. gulação estatal não significaria um enfraquecimento do Estado, mas um
O Estado reformista consistiu justamente numa resposta a essa polari- processo político destinado a construir um outro Estado forte em sintonia
zação, com a formação de economias mistas que garantiam o crescimento com as demandas do capitalismo global. Se a força do Estado, no período
econômico, o pleno emprego e os direitos sociais sem que houvesse ruptura do reformismo, consistiu em amenizar os efeitos predatórios da lógica do
com o capitalismo. Assim, tivemos o New Deal nos EUA, o Estado de bem- mercado para a organização social e política, a força do Estado atualmente
-estar na Europa e os diferentes tipos de Estados desenvolvimentistas (Ja- consiste em submeter todas as relações sociais e políticas à lógica do mer-
pão e países que estavam se liberando do jugo colonialista). Para Boaventu- cado. Desse modo, o movimento de reforma do Estado reformista nada mais
ra de Sousa Santos (1999), essa configuração do Estado foi a forma política é do que a busca de governabilidade no quadro do capitalismo globalizado.
mais acabada do reformismo, uma vez que houve a politização da questão A reforma do Estado, como movimento global, teve dois momentos mar-
social não para eliminá-la, mas, sim, para minorá-la ao mesmo tempo em cantes na década de 1990: o primeiro de defesa de um Estado mínimo
que era legitimado o capitalismo. Nesse sentido, a lógica paradoxal do re- propugnado e desenhado pelo consenso de Washington (que, na verda-
formismo era que as mudanças sociais deveriam se dar num movimento de, partia do princípio de um Estado irreformável e acabou por disseminar
simétrico de repetição e melhoria, de progresso dentro da ordem capitalista. diagnósticos inequívocos sobre a ineficiência do Estado e certo pensamen-
É exatamente o Estado interventor e reformista (no sentido do bem- to único sobre a ineficácia dos serviços públicos) e a segunda de defesa da
-estar nos países centrais ou no sentido do desenvolvimento nos países construção de outra qualidade de Estado adequada às demandas de desre-
periféricos) que vai ser atingido nos seus fundamentos com o processo de gulamentação financeira (só um Estado forte pode produzir a sua fraqueza).
globalização e com o ideário neoliberal que lhe serve de suporte. No Brasil, em 1995, o extinto Ministério da Administração Federal e Re-
No que tange às formas de regulação estatal, esse processo de globaliza- forma do Estado (MARE) apresentou o “Plano Diretor da Reforma do Apa-
ção e o neoliberalismo tem conduzido ao desmantelamento do sistema de relho do Estado”. Embora não tenha sido implantada, alguns pressupostos
garantias sociais criado durante o período de pós-guerra. Desde a década desse documento orientaram muitos aspectos da política administrativa e
de 1970, as pressões pela diminuição da carga de impostos vêm crescendo, também da política educacional da década de 1990. Esse plano parece se
junto com demandas de redução do Estado. Ao lado dessas demandas, ha- inserir no quadro mais amplo da segunda fase do movimento de defesa da
via uma expansão das empresas transnacionais e o início de uma revolução reforma do Estado, uma vez que pretendia um fortalecimento do Estado
tecnológica e financeira que reforçavam mais ainda as demandas neolibe- na eficácia de sua ação reguladora, levando em conta o contexto de uma
rais de redução do Estado materializadas nos governos Tatcher e Reagan. economia de mercado. O documento explicitava que houve no País duas
A crise do petróleo em 1973, causada pela reação dos países árabes aos reações à chamada crise do Estado no Brasil: a primeira consistindo numa
países que apoiavam Israel na guerra do Yom Kipur, atingiu severamente os reação imediata à crise — ainda nos anos 80, logo após a transição demo-
Estados Unidos e a Europa ocidental e cimentou o caminho para a política crática — foi ignorá-la. Uma segunda resposta, igualmente inadequada, foi
internacional de desregulamentação dos setores financeiros. a neoliberal, caracterizada pela ideologia do Estado mínimo. Ambas se reve-
Estava formado o cenário para o movimento de precedência do capital laram irrealistas: a primeira, porque subestimou tal desequilíbrio; a segun-
financeiro sobre os interesses do capital produtivo das décadas seguintes. da, porque utópica. Assim, o plano apresentado em 1995 representaria, na
E é exatamente essa precedência que coloca desafios para os governos visão do governo, uma resposta consistente com o desafio de superação da
nacionais: o poder do capital especulativo internacional faz com que, crise: a ideia da reforma ou reconstrução do Estado, de forma a resgatar sua
para garantir a competitividade das empresas privadas de seus respec- autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas.
tivos países, os governos nacionais mantenham ou reduzam o seu nível Assim, almejava-se um Estado gerencial voltado para o controle dos resul-
de renda e salários e, ao mesmo tempo, precisem de políticas restritivas tados e com um nível de descentralização que chegasse até ao cidadão. Acu-
que evitem o déficit fiscal, tendo que reduzir os gastos sociais. As conse- sava-se, no documento, o Estado brasileiro de ter se afastado de suas funções
quências desse processo foram a redução drástica do reformismo estatal, precípuas para se ocupar do setor produtivo, o que teria acarretado distor-
empresas e serviços públicos privatizados, mercados desregulamentados ções crescentes no mercado, que passou a conviver com artificialismos que se
e liberalizados, busca cega pelo equilíbrio macroeconômico e descentrali- tornaram insustentáveis na década de 1990. O Estado seria, assim, o respon-
zação das funções estatais. sável pela desaceleração econômica nos países desenvolvidos e dos graves

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desequilíbrios na América Latina e no Leste Europeu, uma vez que não sou- Na sequência das reformas da década de 1990, podemos destacar tam-
bera processar de forma adequada a sobrecarga de demandas a ele dirigidas. bém, ainda no ano de 1996, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases
Nesse sentido, o grande desafio seria garantir e ampliar a governança da Educação Nacional (LDB no 9.394/96), como outro marco expressivo da
do Estado brasileiro mediante um ajuste fiscal duradouro, reformas eco- redefinição do papel do Estado na área de educação. O longo processo de
nômicas orientadas para o mercado e inovação dos instrumentos de polí- tramitação traduziu não só as mudanças no cenário internacional, como
tica social. No documento, fica evidenciada a relação entre o ajuste fiscal também a mudança na correlação das forças políticas no cenário interno.
e a implementação de políticas públicas, pois, mediante a privatização e a Assim, progressivamente, vão sendo retiradas as propostas que comprome-
transferência de alguns serviços do Estado para o setor público não estatal, teriam mais o Estado na tarefa de consolidação de um sistema nacional de
o Estado poderia reduzir o seu papel de executor ou prestador direto de educação, de forma que muitos autores consideram a LDB a formalização
serviços, para assumir o papel de regulador e de coordenação política. jurídica das reformas educacionais que já estavam em curso, cujo pressu-
Se o debate sobre a reforma do Estado foi mundializado o mesmo pode posto era a redefinição do papel do Estado nos moldes das necessidades
ser dito quanto ao tema da reforma educacional. Se o processo de reforma ditadas pela nova ordem econômica mundial global. Como a Emenda Cons-
do Estado brasileiro não foi implantado mediante o plano diretor da refor- titucional 14/96, a LDB enfatiza uma distribuição de competências entre as
ma do aparelho do Estado, muitos dos pressupostos, tanto do debate in- unidades subnacionais, com a responsabilização crescente destas. Contudo,
ternacional quanto do documento, informaram a reforma educacional no o aspecto inovador é que são formalizados os aspectos relativos à regulação
Brasil, na década de 1990. Com efeito, as questões em debate das reformas e controle da União como a questão da avaliação, a questão da produção
educacionais empreendidas ao longo da década de 1990 são muito seme- e disseminação das informações educacionais, entre outros. Isso significou
lhantes, porque a agenda educacional foi também mundializada, buscando uma redefinição das responsabilidades do Estado brasileiro na oferta dos
incorporar, em nome da eficiência e da eficácia, os valores e os procedi- serviços educacionais, uma vez que a União foi situada com papel de coor-
mentos do mercado para o sistema educativo. denação, de avaliação e de definição de padrões de funcionamento, ao mes-
Romualdo Portela de Oliveira indica, no livro Reformas educacionais em mo tempo em que se desincumbia das funções relativas ao financiamento.
Portugal e no Brasil (2000), que o movimento das reformas educacionais no Dessa maneira, a descentralização da gestão e do financiamento da edu-
Brasil buscou redimensionar a polaridade centralização/descentralização, cação representaria as finalidades de tornar menor o gasto social do Estado
descentralizando o financiamento e a gestão e centralizando o processo de brasileiro, e a centralização da avaliação do sistema representaria o ideal de
avaliação e de controle do sistema. Esse redimensionamento tem estreita tornar o Estado forte naquilo que ele precisaria ser, segundo os padrões do
relação tanto com a necessidade do estabelecimento de uma nova forma pós-reformismo, ou seja, na capacidade de induzir políticas e de controlar
de regulação estatal observada em nível mundial (a reforma do reformis- todo o sistema educativo, segundo as demandas da boa governança ligadas
mo), quanto com os pressupostos que integravam o documento-base da ao ajuste fiscal, à desregulamentação econômica e à implementação de
reforma do Estado brasileiro em 1995. políticas sociais pouco onerosas.
Aliás, é justamente a partir de 1995 que as mais profundas alterações
na política educacional vão se configurar, pois a aprovação da Emenda
Constitucional no 14, de 12 de setembro de 1996, e a Lei no 9.424/96 que,
respectivamente, cria e regulamenta o Fundef, representam exatamente a A tividade
redução do papel executor ou prestador direto de serviços da União que as-
sume a função de regular e coordenar a política. De fato, a principal carac-
terística desses instrumentos legais é a transferência da responsabilidade, a ­‑ Baixe no site www.planalto.gov.br a Lei no 9.394/1996 (Lei de Diretrizes
pelo financiamento do ensino fundamental, para as unidades subnacionais e Bases da Educação Nacional – LDB)
(Estados e Municípios). A União praticamente se desresponsabiliza por esse b ­‑ Elabore um texto reflexivo sobre a organização da educação nacional
nível de ensino. Assim, se a Constituição Federal de 1988 pode ser consi- na LDB e sua relação com o movimento da Reforma do Estado Brasileiro.
derada um marco na tentativa histórica de assegurar direitos de cidadania
típicos do Estado de bem-estar social, na linha do Estado reformista eu-
ropeu, a Emenda constitucional 14/96 representa uma expressiva inflexão
nessa trajetória, acompanhando o movimento mais amplo de redefinição
das formas de regulação do Estado moderno.

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mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo 15 jan. 2011.
usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de
minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes ARELARO, Lisete Regina Gomes. A descentralização na Lei 5.692/71: coerência ou contradi-
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Aqui finalizamos nosso fascículo da disciplina Política e Organização
da Educação Básica, mas esperamos que vocês não percam jamais o in- ARENDT, Hannah. O que é política? Fragmentos das obras póstumas compilados por Ursula
teresse pelas suas temáticas e o engajamento que essas temáticas pro- Ludz. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
põem. Até porque elas integrarão seu trabalho docente, com questões
relativas à remuneração, composição de turmas, Conselhos Escolares, BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
assembleias, avaliações em larga escala, investimento em infraestrutu-
ra, bibliotecas, quadras, discussão e formulação de planos educacionais _______ Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
e projetos pedagógicos. Desse modo, o fascículo e o desenvolvimento da
disciplina se propuseram a ser instrumentos básicos de iniciação políti- BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. 7. ed. Brasília: Editora UnB, 1995.
ca e técnica ao conhecimento dessas temáticas, bem como instrumentos
de luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade, com digni- BORTOLOTTI, Karen Fernanda da Silva. O Ratio Studiorum e a sua missão no Brasil. Disponível
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