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éticae | sociologia da moral EMILE DURKHEIM Tradugao PAULO CESAR CASTANHEIRA 1. ECONOMISTAS E SOCIOLOGOS Quando apresentou ao prblico francés a psicologia experimental alema, M. Ribot informou aos leitores nao existir na Alemanha nem na Inglaterra, escola alguma de psicologia reunida em torno de personalidades importantes, mas apenas uma discussio confusa € impessoal. Observou também que 0 progresso desse tipo de psicologia nao se deveu aos filésofos ou aos psicdlogos profissionais, mas aos fisiologistas e a estudiosos de diversas origens. Da mesma forma, 0 movimento ético que estamos discutindo aqui ficou ignorado e parcialmente latente durante muito tempo. Ele veio preencher a necessidade sentida simultaneamente por muitos, pensadores, embora ainda nao houvesse assumido forma definida. Deu origem a varios pontos de vista espalhados em imimeras obras, ‘0s quais,entretanto, ainda no tinham sido reunidos nem consolidados. Enfim, essas ideias nao foram lancadas pelos moralistas, mas por juristas e principalmente economistas. Esse movimento se iniciou nna economia politica. Houve, e ainda ha, muita discussio na Franga reativa ao socialismo “académico” (Katheder Socialismus), mas se 0 termo é conhecido, a realidade nao 0 é, Os economistas ortodoxos, que no nosso pais ainda detém grande influéncia, a perdida em outros paises da Europa, tudo fizeram para distorcer seu espirito e cardter. Nada viram nele além de uma f€ excessiva no poder do legislador e um respeito supersticioso pela autoridade do Estado; nao perceberam a causa profunda de que derivam essas doutrinas. Na verdade, 0 que caracteriza a nova escola econémica é uma ligagao intima entre economia politica e moral que reavivou simultaneamente as duas ciéncias. 13 Os economistas ortodoxos entendem de trés formas a relacio entre a moral e a economia politica. Para alguns, reduzindo-se 0 conceito de moral ao de utilidade, as duas ciéncias nao sao distintas, ‘mas a segunda inclui a primeira. Outros afirmam que as duas sio independentes, mas paralelas; desenvolvem-se lado a lado ¢ prestam-se um miituo apoio. £ essa a teoria dos otimistas felizes que ino veem no mundo social sendo integracao perfeita ¢ harmonia providencial, Todas as grandes verdades morais correspondem a verdades econémicas, admitindo-se quando muito, vez por outra, uma influéncia distante da moral sobre a economia em questies de detalhe, Finalmente, haa teoria mais simples dos que negam a existéncia do problema. Segundo Maurice Block, “a se tentou definirasligagdes existentes entre a economia politica e a moral procurando entre as proposicdes econdmicas aquelas que lembram certas proposigdes ‘morais... Este parece nao sero caminho correto. Asciéncias nao sio ‘morais nem imorais; elas constatam leis. Quem jamais perguntou ‘se a matemitica ou a quimica tém qualquer ligag3o com a moral ‘ua religido?”' Em outras palavras, ou eles nao admitem a existéncia ‘da moral em sentido estrito, ou a colocam mais ou menos fora da ‘economia politica ‘A primeira dessas solugdes nunca foi muito bem aceita entre os alemaes, que até recentemente se recusavam a aceitar 0 utilitarismo briténico. Moral e economia politica, apesar de vistas como centidades distintas, mantém um diélogo constante uma coma outra. Essa ideia separa radicalmente a escola alema da inglesa. Segundo Schoenberg, no ha diivida de que os fendmenos econdmicos determinam apenas a existéncia e a situaga0 material das pessoas. Mas essa condigao material, ou seja, o tamanho ea segurana da sta renda, @ cextensio da sua fortuna, a natureza da sua profissio, ete. fem grande influencia sobre as pessoas por condicionar seu estado intelecteal e | Ver no seu Dictionnaire Politique, artigo "Sciences Sociales” “4 ‘moral. Exerce influéncia particularmente decisiva sobre a vida da familia, a forma como sio mantidos, criados e educados os filhos, sobre a qualidade dos prazeres superiores, a saiide fisica e mental, 0 ‘comportamento e a busca de todos os objetivos morais da vida. Os ‘mesmos fendmenos tém também uma influéncia dominante sobre 8 forsa e o poder das nagdes e sobre seu papel no desenvolvimento «da civilizagdo, A capacidade de uma nagao de defender sua prépria independéncia contra os estrangeiros e tudo o que ela puder fazer «em prol de sua ordem intelectual e moral, a servigo de seus ideais, pela civilizagao, arte ¢ ciéncia, dependem essencialmente da condigéo econdmica da sociedade — do crescimento ou redugio da sua riqueza? E verdade que tanto Jean-Baptiste Say quanto Bastiat poderiam ter assinado essa passagem. Mas esta é a diferenca: para os economistas ortodoxos, a economia politica produz naturalmente suas consequéncias morais, sem a necessidade de qualquer incentivo ou restrigdo, Basta que ela sea livre. Entretanto, para os economistas alemaes, essa harmonia tio desejavel das duas ciéncias e dos dois modos de acao nao passa de um. sonho de tedrico, uma hipétese que os fatos raramente confirmam. O progresso industrial e o moral ndo sio necessariamente coincident. [Em consequéncia, como se espera que a moral aprimore o mundo, ela deve exercer uma influéncia reguladora sobre a economia politica. O abismo que separa as duas ciéncias é assim preenchido, ‘mas sem que elas se confundam. O problema da economia politica & ético por natureza; seu objetivo é moral. “Economia social (die Volkswirtschaft) nado consiste apenas na producao empresarial, Importante acima de tudo nao é saber como produzir tanto quanto seja possivel, mas saber como vivem as pessoas, saber até que ponto aatividade econdmica realiza os fins morais da vida, as exigéncias de justica, humanidade e moralidade, que se impéem a toda sociedade humana.” * Handbuch derpolitischen Okonomie, L* fasciculo, p15. 15 Entretanto, é preciso reconhecer que a tais formulas, geralmente satisfatérias para 0s economistas, falta preciso. Devem ser tentendidas menos como doutrinas cientificas propriamente ditas do ‘que como nobres aspiragées justificadas pela compreensio errénea de fatos mal analisados. As duas ciéncias estao relacionadas, mas a relagao entre elas nao é evident; elas se tocam sem se penetrar. arece mesmo que se poderia tratar de uma independentemente da outra, para buscar depois as relagdes entre elas e a adaptagio das leis econ6micas as maximas da moral. A nova escola de economia, diz Menger, nao substitui a antiga, pretende apenas submeter a julgamento moral as verdades estabelecidas por ela; essa critica € igualmente aplicivel a alguns dos socialistas académicos. Mostrar por alguns exemplos que as atividades econémicas tém implicacbes morais nao é suficiente para tornar clara a intimidade entre economia politica e moral. Como tudo no mundo se relaciona, nao ha nada de anormal no fato de as duas partes da mesma realidade reagirem uma com a outra. Ao contrario, é necessirio provar que essas duas ordens de fatos, apesar de inteiramente diferentes, si0 realmente de mesma natureza. Foi essa a demonstracio realizada por Wagner e Schmoller, 0 primeiro no seu manual de economia politica,’ eo segundo num artigo intitulado “Sobre algumas questoes fundamentais do direito e economia social”? Para a escola de Manchester, a economia politica consiste na satisfagio das caréncias do individuo, especialmente das suas lo, 0 individuo é 0 abjetive necessidades materiais. Nesse sen tinico das relagdes econdmicas; tudo ¢ feito pelo e para o individuo. A sociedade, por sua vez, 6 uma abstragio, uma entidade metafisica ‘que os cientistas podem e devem ignorar. Esse termo se refere apenas » Karl Menger, Untersuchungen iber die Methode der Socia-wissenschaften, Leiprig, 1883, cap. VI, VIT e Apendice IX. * Adolf Wagner, Lehrbuch der Poltischen Okonomie, Leipzig, 1879, vol. 1, principalmente a parte 2 (p. 343-821). {Gustay Schmoller, Ober Einige Grundjragen des Rechts und de Voliswitschaf, te capitulo I intitulado “Wirtschaft, Stte, und Recht” tca, costumes e diteito) Jena, 1875, espe 16 as interrelagdes entre as agdes individuais; um conjunto que nada ‘mais é do que a soma de suas partes. Em outras palavras, as grandes leis da economia seriam as mesmas, ainda que nao existissem no mundo nagées e Estados; tais leis pressupdem apenas a presenca de individuos que trocam entre si os seus produtos. No fundo, 608 economistas liberais sao, sem o saber, discipulos de Rousseau, cujas ideias repudiam. Reconhecem, é verdade, que o estado de isolamento nao é ideal; mas, assim como Rousseau, veem nos lagos sociais apenas uma relagao superficial determinada por interesses, miituos. Veem a nacao como uma imensa corporacao, por cujas ages 0s individuos recebem exatamente 0 que tiverem oferecido, € na qual se permanece apenas enquanto se é adequadamente remunerado. Ademais, parece-lhes correto que seja assim; pois, uma vida coletiva intensa demais se tornaria logo uma ameaga & independéncia do individuo, que para eles é prioritéria acima de tudo. Dessa forma, as mais consequentes dentre essas teorias nao hesitam em declarar que os sentimentos nacionais nao passam de residuos de preconceito que algum dia hao de desaparecer:® Sob tais condigdes, a atividade econdmica nao pode ter outra ‘motivagio sendo o egofsmo. A economia politica separa-se assim radicalmente da moral, se & que ainda restaré algum ideal moral para, a humanidade depois de dissolvido todo vinculo social. Foi esse conceito que Wagner e Schmoller atacaram. Para os dois, pelo contrério, a sociedade é um ser real que, embora nio exista fora dos individuos que a compéem, tem mesmo assim natureza e personalidade préprias. Expresses comuns, tais como “consciéncia social’, ‘espirito coletivo” e “o corpo da nagao” nao tém apenas valor linguistico: expressam fatos eminentemente concretos. Nao correto afirmar que o todo é igual a soma de suas, partes. Do fato de existirem relagdes bem definidas entre as partes, e de elas se associarem de forma determinada resulta uma coisa nova: uma entidade reconhecidamente composta, mas dotada de propriedades especiais que, sob certas condicdes, pode até mesmo * Ver G, Molinari, Evolution Politique, Paris, 1884 17 ter consciéncia de si propria. A sociedade, portanto, nao se reduz.a ‘uma massa confusa de cidadaos. Como tem necessidades proprias, algumas das quais sio materiais, 0 ser social institui e organiza para satisfazé-las uma atividade econdmica diferente da que exerce um individuo qualquer ou a maioria dos cidadaos, mas que é exercida pela nagdo em conjunto. E esse o significado do termo Volkswirtschaft (economia social), cujo sentido nem sempre foi percebido por nossos economistas, ¢ que no entanto resume & ‘caracteriza 0 conjunto dessa filosofia econdmica. Segundo Wagner, “O Volkswirtschaft & andlogo ao termo povo- um todo real, Economias privadas (die Einzelwirtschaften) nao sio partes, sio membros dele’? Longe de ser uma abstracao légica, a economia social — na falta de melhor termo, traduzimos assim a palavra Volkswirtschaft —éa realidade verdadeira e concreta, e é economia privada que se torna uma abstracao quando se tenta vé-la como entidade totalmente independente e nao como parte de um todo. A economia privada 6 tem lugar na ciéncia como um elemento da economia coletiva, que se transforma assim no tema imediato da economia politic Em outras palavras, a ciéncia da economia trata prioritariamente dos interesses sociais e, apenas como consequéncia, dos interesses individuais. ‘Sem nos propormos discutir as bases tiltimas da ética, parece-nos indiscutivel que a fungao pritica da moral é na realidade tornar a sociedade possivel, ajudar as pessoas a viverem juntas sem muitos prejuizas on conflitos, em resumo, dar salvaguarda aos grandes, interesses coletivos. Nao é verdade que 0 argument favorito © ‘mais profundo dos moralistas metafisicos consiste essencialmente em mostrar que as doutrinas empiricas nao explicam os principios elementares que fundamentam 0 conjunto da sociedade? Se isso € verdade, entao o objetivo da economia politica é andlogo ao da moral. Uma nio se confina a esfera estreita dos interesses individuais, ea outra tem abertas diante de si as perspectivas quase indefinidas do ideal impessoal. Mas ambas tentam igualmente Handbuch, p68. entender, embora de diferentes pontos de vista, a forma como vivem, e se desenvolvem as sociedades. Talvez nao haja nada de novo nesse conceito. Nao foram os proprios utilitaristas que fizeram do interesse coletivo a base da moral? Sim, mas para eles o interesse coletivo é apenas mais uma forma do interesse préprio; o altruismo nao passa de egoismo disfargado que complacentemente fecha os olhos sua propria natureza. Se existe nessa doutrina terreno comum entre a moral e economia politica, é0 fato de que as duas se reduzem a condicio de instrumento do egoismo. Para os economistas alemdes, a0 contririo, os interesses do individuo e os da sociedade nem sempre sio coincidentes. Como € diferente da soma aritmética de seus cidadaos, a sociedade tem em cada uma de suas fungdes seus préprios objetivos que superam infinitamente 0s do individuo e que nem sempre sio do mesmo tipo. Seus fins nao sao os nossos, apesar de sermos obrigados a lutar Por eles. Os servigos econdmicos que o Estado exige de nés nem sempre nos so pagos com exata reciprocidade, embora sejamos obrigados a presté-los. Se prestamos tais servigos, nao ha de ser por interesse pessoal, ‘mas por altruismo; e se hé alguma relacao proxima entre economi politica e moral, 0 fato de ambas atribuirem valor ao sentimento de abnegacao. Pode-se ver como falta base &s objegdes constantemente levan. tadas pelos economistas clissicos contra as socialistas académicos. Censuram nestes a complicagdo desnecessaria das conclusies da ciéncia ea confuséo que introduzem. Admitem que as ideias morais as regulamentagoes legais geralmente afetam e alteram 0 curso dos eventos econémicos. Mas tais eventos formam uma ordem distinta de fatos que seguem leis proprias, apesar da interdependéncia que ha entre eles e outros fatos sociais. Nao seria, portanto, melhor estudé-los abstraindo essas causas de perturbacao que alteram sua evolugio natural? A abstracio nao é um processo cientifico legitimo? E claro que sim, mas nem todas as abstragdes so igualmente justificiveis, A abstracio é 0 isolamento de uma parte da realidade, nao se trata de fazé-la desaparecer. Mas 0 que geralmente fazer 19 nossos economistas tem o efeito de esconder exatamente o objeto da economia politica que interessa aos socialistas académicos: a fungio econémica do organismo social. Para refuté-los, seria necessario demonstrar que essa fungao coletiva nao existe, ¢ para tanto seria forcoso provar antes que a sociedade é apenas uma colegio de individuos. Ora, essa é uma afirmagao que geralmente ‘se propde como axiomética, mas que ninguém jamais demonstrou. ‘Que diferenca existe entao entre moral e economia politica? Uma a forma da qual a outra é a matéria, O que pertence propriamente a moral éa forma de obrigagao que se prende a certos tipos de acéo «¢ deixa neles a sua marca. Sob certas condigdes, os fendmenos econémicos disfargam essa obrigagao, assim como 0 fazem todos 08 outros fatos sociais. Isso evidentemente nao quer dizer que os fenémenos econdmicos constituam em si todo o contetido da morals, mas eles formam uma parte muito importante dela. Quando a utilidade coletiva dos fendmenos econdmicos fica claramente demonstrada, quando recebem a consagracio do tempo, cles parecem se tornar obrigatérios para a consciéncia e se transformam em prescriges juridicas ou morais, Desta forma, quando as sociedades se tornam gradualmente mais populosas, torna-se necessiria a agricultura intensiva, bem como, e simultaneamente, a propriedade privada, que é a sua condigao. Eis por que essa forma de propriedade se apresenta cada dia mais como um direito sagrado que o moralista demonstra e a lei sanciona. Schmoller demonstrou facilmente como se dé essa transformacao. Depois de repetida varias vezes, a mesma agdo tendea se reproduzir da mesma forma. Pouco a pouco, pela formacao de habitos, nosso comportamento assume uma forma que entao se impde & nossa vontade com a forca de uma obrigagao. Sentimo-nos compelidos a cexecutar todas as nossas ages segundo © mesmo padrio, O mesmo se dé com as relagdes sociais € com as manifestacdes do nosso ‘comportamento privado, Depois de um periodo inicial de tentativas ¢ instabilidade, elas se fixam assumindo a forma que se reconhece pela experigncia como a melhor, e a partir de entao somos compelidos a nos conformar a ela. Essa forga da obrigagio é ademais, nio apenas a autoridade do uso comum: é um sentimento, mais ou 20 ‘menos claro, de que essa é a forma exigida pelo interesse piblico. E assim que se formam os costumes, as primeiras sementes de que nascem o direito e a moral: pois moral e direito sao apenas habitos coletivos, padres constantes de ado que se tornam comuns a toda uma sociedade. Em outras palavras, so como a cristalizacao do comportamento humano; ¢ os fendmenos econdmicos, assim como quaisquer outros, sio suscetiveis de cristalizagao. Nao ha diivida de que eles nao podem assumir formas muito rigidas. A medida que © meio em que vivemos se torna a cada dia mais complexo e mais flexivel, devemos tera iniciativae a espontaneidade necessérias para segui-lo em todas as suas variagdes, para mudar conforme ele muda. ‘Mas nao se pode acreditar que 0 caos e a incoeréncia reinem sem restrigao no mundo econémico. Uma vez que tenham determinado seu curso, os fendmenos nao se alteram por mero capricho. Com 0 passar do tempo, a vida econdmica desenvolve um leito a0 qual se ajusta a matéria que por ele flui. Os padrdes econdmicos se tornam assim fendmenos morais. Se 0s economistas ortodoxos ¢ os moralistas da escola kantiana colocam a economia politica fora do ambito da moral, isto se deve a0 fato de que as das ciéncias lhes parecem estudar dois mundos isolados, sem ligagdes entre si. Mas se nao existe outra diferenca ‘entre as duas senao a existente entre contetido e continente, torna-se centdo impossivel abstrair uma da outra, E impossivel entender as maximds da moral relativas a propriedade, contratos, trabalho, etc. sem entender as cansas econéimicas de que derivam. E, eciprocamente, teriamos uma ideia falsa de desenvolvimento econdmico se ignordssemos as causas morais que nele interferem. A economia politica ndo absorve a moral. Ao contrario, todas as fungdes sociais contribuem para a produgao da forma a que devem se ajustar os fendmenos econdmicos 4 medida que estes contribuem para sua produgdo. Por exemplo, na medida em que a sociedade exige 0 ‘aumento da producio, torna-se necessério estimular maior iniciativa pessoal e, em consequéncia, direito e moral atribuem a cada pessoa tuma quota maior de liberdade pessoal. Mas ao mesmo tempo, e sob a influéncia de causas que pouco se relacionam com as necessidades econdmicas,o reconhecimento da dignidade humana se desenvolve 21 ese opde A exploragao abusiva ou prematura de mulheres e criangas, ‘Tais medidas de protecdo ditadas pela moral reagem por sua vez sobre as relagdes econémicas e as transformam, incentivando 0 industrial a substituir o trabalho humano pelo das maquinas. De acordo com Wagner, a economia politica e a filosofia do direito deveriam ser consideradas ciéncias complementares uma da outra. A flosofia, do direito € especialmente necesséria em questoes relativas & necessidade fundamental do Estado para a vida social, & sua ‘competéncia,(..] & forma como o Estado organiza as leis relativas propriedade, contrato e sucessio, a implementacao do principio da justiga distributiva na distribuigo dos bens e servicos sociais ¢ das obrigagdes comunitarias, Mas, assim como a economia politica tem de manter contato com a filosofia do direito, esta iiltima tem, no mesmo grate em nome de seu proprio interesse, de manter contato com o direito positivo ea economia social.’ ‘Mas como até hoje esse método raramente foi praticado pelos filésofos, o economista é obrigado a formular sua prépria filosofia do direito, ¢ foi exatamente o que Wagner se propos fazer na segunda parte, a mais importante, de sua obra (Kecht und Verkehrsrecht). Ao aplicar esse método aos direitos pessoais, ele mostra que, independentemente do que jé foi dito sobre ela,aliberdade individual Zo tem em si valor absolute, Ao contrério, ela tem alguns graves inconvenientes que apenas a sua limitagao permite evitar. Nas nossas, atuais sociedades, a liberdade s6 pode ser moralmente boa se for restrita, Alias, o autor nao se satisfaz.com vagas generalidades sobre o conceito abstrato de liberdade, mas analisa em detalhe as formas coneretas que ela assume na vida pratica: liberdade de movimento, de viagem, de imigracao e emigracio, de casamento, etc, Observa as miltiplas consequencias geradas por cada um desses direitos, avalia suas vantagens e desvantagens ¢ define seus limites. Procede da * Adolf Wagner, Leirbuch der poitschen Okonoms, Leipzig, 1879, vol. 1,p.290. 22 ‘mesma forma com relagdo aos direitos reais. Nao tenta estabelecer nem negar o direito de propriedade no abstrato, mas distingue na propriedade a dos bens méveis ea dos iméveis, e entao, no ambito da segunda, define a propriedade agricola e a urbana, a propriedade de minas, de florestas, estradas, etc. Submete cada uma delas a lum exame especial ¢ chega a uma concluséo que, apesar de muito complexa, ajusta-se aos fatos e, por essa razao, permite aplicagses priticas. Segundo ele, “A propriedade é a forma mais alta de poder juridico reconhecido no direito que uma pessoa pode exercer sobre as coisas”. Existem portanto limites que variam com 0 tempo e 0 lugar e conforme os diferentes tipos de propricdade, mas que, em cada ponto da histéria, so determinados pelo direito e nao pela vontade soberana do individu. Nio vamos considerar os detalhes dessas anélises; 0 que nos deve interessar acima de tudo nesse movimento nio é esta ou aquela ideia particular que tenha sido gerada por ele, mas a dire¢io que ele impoe ao estudo da moral. Até agora, para toda escola de moral, tanto para os kantianos quanto para os utilitaristas, o problema consistia essencialmente na determinagao da forma geral do ‘comportamento moral da qual seria deduzida a matéria. Comegava-se pelo estabelecimento de que o principio da moral é 0 bem, ou 0 dever, ou a utilidade, e a partir desse axioma se deduziam algumas ‘maximas que constitu‘am a moral pratica e aplicad: AAs obras que acabamos de resumir, entretanto, mostram que aqui, assim como em todo lugar, a forma nao precede a matéria, mas deriva dela ea expressa. Nao se pode construir uma moral completa «¢ impé-la mais tarde & realidade; ao contraio, é preciso observar a realidade para dela inferir a moral. E necessério entender a moral ‘em suas miltiplas relagdes com os intimeros fatos que Ihe definem a forma e que ela, por sua vez, regula. Se é isolada deles, a moral parece nao se relacionar a coisa alguma, mas flutuar no vazio. Isolada de todas as inter-relagdes com a fonte da propria vida, ela fenece a ponto de se reduzira nada além de um conceito abstrato,inteiramente contido numa férmula vazia e seca. Pelo contrério, quando se Ihe oferece uma relagao com a realidade da qual ela ¢ parte, ela surge ‘como uma fungao viva e complexa do organismo social. 23 Nada de importante ocorre na sociedade que nao inclua uma reagio da moral e guarde sua marca. Os economistas, é verdade, chamaram nossa atengo para apenas alguns desses fatos, que lhes interessam particularmente; mas ¢ facil generalizar as conclusdesa que chegaram. Se estiverem certos, nao poderemos separar radicalmente a moral da economia politica, da estatistica nem da ciéncia do direito positivo, assim como nao podemos estudar o sistema nervoso abstraindo os outros drgaos e fungoes. Mas se esti tao fortemente ligada as sociedades, a moral deve participar dos seus destinos e mudar quando elas mudam. Contudo, a filosofia que dominow até recentemente na Alemanha afirmava ser possivel deduzir da natureza humana em geral uma moral imutavel, vvilida para todas as ocasides e lugares. E 0 que ainda se conhece como a filosofia do direito natural (Naturrecht). Um dos grandes servigos prestados pelos economistas alemies foi precisamente a contestagao dessa doutrina ¢ a demonstragio, com 0 auxilio da historia, de que nao existe entre nossos direitos e deveres morais tum tinico que nao tivesse sido ignorado em alguma outra época. (0s fildsofos tentam estabelecer por meio de argumentos formais {que os seres humanos foram criados para a liberdade absoluta: mas © historiador nos ensina que nao apenas a escravidao foi um fato universal na antiguidade, mas até mesmo que ela foi til e necessaria Se o chefe de uma horda ou tribo barbara tivesse um dia a ideia de permitir a seus stiditos a independéncia de que hoje desfrutamos, teria tornado impossivel a vida coletiva. Quando se coloca a moral fora do tempo e do espago, torna-se impossivel fazé-la voltar aos fatos. Se tivessem sido aplicadas a determinadas sociedades, essas supostas verdades eternas teriam causado a sua dissolucao. Assim, independentemente de quais sejam a origem ¢ o objetivo tiltimo da ‘moral, é certo que ela é uma ciéncia da vida; acima de tudo ela tem a fungio de tornar possivel as pessoas viverem juntas. Assim, caso se torne uma fonte de morte, ela deixa de ser 0 que é ese transforma no seu contrario. Portanto,o vicio fundamental de todas essas doutrinas ébasearem-se numa abstracio. A nogao geral de uma humanidade, idéntica a si mesma em qualquer tempo ou lugar, nao passa de um conceito ligico sem valor objetivo. A humanidade real, humanidade 24 verdadeiramente humana, evolui de acordo com o ambiente que a contém. Ademais, 0 que facilmente se altera em n6s si0 nossas inclinagoes, as disposigdes que nos tornam seres sociais. Exatamente or serem tio complexas, elas tém de ser suscetiveis de mudanca répida. Como diteito e moral se enraizam exatamente nessa parte de nossa natureza, nao é surpreendente que os dois se transformem. ‘com maior rapidez do que o nosso pensamento ldgico ou nossas faculdades estéticas. Se 0s socialistas académicos reconhecem a evolucio das ideias, ‘morais, é porque tal reconhecimento é necessério para estabelecer as teses que Ihes sio caras. De fato, o que historicamente provocou 0 cisma entre os economistas ortodoxos ¢ 0s outros nao foi a questio absolutamente especulativa da relagio entre economia politica e moral. A disputa se iniciou a partir de um problema de interesse pratico. Tratava-se de saber se a organizagao da economia poderia ser alterada por intervencao humana. Para a escola de Manchester as leis da economia so tao naturais quanto as da gravidade ou da cletricidade, logo, imutaveis: & possivel combiné-las e usé-las, mas no modificé-las nem suprimi-las. O espirito dos alemaes nunca pode aceitar tal ftalismo econémico, De um lado, parecia-Ihes muito cedo para desistir da possibilidade de mudangas tao desejaveis. De outro, eles ja haviam demonstrado historicamente que essas leis, que se queriam naturais, haviam sofrido mudangas notaveis a0 longo do'tempo. Mas tornou-se entao necessério encontrar entre os fendmenos econdmicos aqueles elementos suficientemente flexiv para tornar possiveis tais mudangas. Se os fendmenos econdmicos 86 se submetessem realmente & influéncia das causas materiais, tais como o nimero de habitantes, os niveis de oferta e demanda, ‘¢ outros, nao haveria espaco para contingéncias. Mas tudo seria diferente se cles contivessem também elementos morais, pois estes, por serem mais flexiveis, se prestam melhor A transformagio. Se os economistas se tivessem limitado a essa afirmacio, nao haveria objegées & sua doutrina. Infelizmente, eles se deixaram levar por suas preocupagées priticas e extrairam dessas verdades algumas conclusdes que sao claramente nao cientificas. Do fato de os fendmenos morais serem mais suscetiveis de alteracao do que 25 ‘outros, eles concluiram ser possivel transformé-los a vontade por via legislativa. Como os fendmenos morais nao se originam da natureza das coisas materiais, e sim da consciéncia humana, eles ‘0 viram como construgdes artifciais que a vontade humana tem ccapacidade de destruir ou reconstruir, porter sido a criadora de tais fendmenos. De acordo com Wagner, ‘A economia social é um organismo, mas isso nao a transforma ‘num produto natural. De certo ponto de vista, ela é com certeza um produto natural, como 0 é 0 préprio povo. A exemplo deste, ela de certa forma deve sua existéncia, sua duragio ¢ desenvolvimento a tendéncias humanas naturais, tais como © instinto de autopreservacao € 0 sexual. ... Mas ela é a0 mesmo tempo criagdo da atividade humana consciente, um produto artificial (ein Gebilde bewusster menschlichter That, ein Kunstproduct). E a vontade humana dirigida a um fim definido @ agindo de acordo com um plano preconcebido que dew ‘economia social sua forma intencionalmente determinada.’ (Ora, para a psicologia contempordnea,fatos psicolégicos, morais sociais, por mais elevados e complexos que sejam, sio também fendmenos naturais, pertencentes mesma categoria que outros. O dominio social, ou seja, as leis morais, s6 se distinguem de outros reinos naturais por nuances e diferencas de grau. Nao hé diivida de que a mudanca é mais ficil no dominio social, pois sua matéria & mais elistica, mas nao se produz mudanga por ordem do legislador; cla s6 pode resultar da interac com as leis naturais. Mesmo assim, € quase sempre impossivel criar mudanga com reflexdo metédica, Essa é outra verdade psicoldgica que nossos economistas parecem. ignorar. Em sua grande maioria, os fatos sociais s4o complexos lemais para serem compreendidos em sua inteireza pela inteligencia ‘humana, por maior que esta seja. Assim.a maior parte das instituigoes » Adolf Wagner, Lehrbuch der poitischon Okonomie, Leipzig, 1879, vol. I, p.201-202, 26 moraise sociais nio sio resultantes de célculo ou razio, mas de causas obscuras, de sentimentos subconscientes e de motivos que no tm qualquer relagZo com os efeitos que produzem e que, em conseqiéncia, eles ndo podem explicar. Finalmente, os socialistas acadétticos nao percebem que estdo revivendo Rousseau (a quem atacam] e defendendo uma de suas teorias mais caras; pois eles também passaram a ver as fungbes superiores da sociedade como nada nais que arranjos artificiais sem nenhuma ligago com a naturen das coisas. Bis a origem do seu excesso de confianga na acdo lislativa: essa predilegao pelos meios autoritérios que Ihes é sgeralmente censurada e que desacredita suas doutrinas para muitos dos mehores intelectos. Schillle foi 0 primeiro a separar as implicagdes morais de seu ‘movimento econdmico, livrando-as em grande parte do grave erro ue acchamos de observar. Isso nao quer dizer que Schiflle seja um socialist académico; isolava-se tanto de Wagner quanto de Karl Marx e— contrariamente ao que se afirmou na Franga — nio & coletivita nem socialista de Estado. Nao se filia a nenhuma escola; sua doutrina tem caracteristicas préprias que a tornam distinta de qualquer outra. Mas nao ha divida de que a nova escola econémica alemateve profundo efeito no desenvolvimento de seu pensamento € € posivel associé-lo a ela, desde que se preservem as distingdes entre osdois.” Emi obra Bau und Leben des socialen Korpers, Schaffle define (8 prindpios gerais da ética." © autor se propde especialmente a defini direito e moral e mostrar como diferem entre si e se compketim mutuamente. Na verdade, faltam clareza e preciso & sua defniglo, Segundo ele, uma agao s6 é moral se resultar de um " Adesss al como os socilistas académicos,Schafle admite o carter ético

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