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CIP-Brasil .

Catalogação — na — Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP

Galbraith, John Kenneth, 1908-


C1480 A era da Incerteza / John Kenneth Galbraith ; tra-
2. ed. dução do F. R. Nickelsen Pollegrini. — 2. ed. rev. —
São Paulo : Pioneira, 1980.
(Novos umbrais)

1. Economia - História I. Título.

CDD-330.09
80-1091 -330.9

Índices para catálogo sistemático:


1. Economia :História 330.09
2. História econômica 330.9
3. Pensamento econômico : História 330.09
cyi ERA DA
INCERTEZA
Karl Marx aos 49 anos de idade.
A Dissidência de Karl Marx

Adam Smith, David Ricardo c seus seguidores afirmaram ser de ordem


natural uma sociedade econômica na qual os homens possuíssem as coisas —
fábricas, maquinaria, matérias-primas, bem como a terra — com as quais os
bens eram produzidos. Os homens possuíam o capital ou meios de produção.
Spencer e Sumner deram a isso a mais alta sanção social e moral. Thorstein
Veblen refletiu sobre a questão e divertiu-se com o resultado. Mas mesmo
Veblen não discordou. Embora fosse um crítico implacável da alta ordem capi­
talista, Veblen não era um socialista, nem mesmo um reformador.
A dissidência maciça originou-se com Karl Marx. Em grande pane, ele
se valeu das idéias de Ricardo para atacar o sistema econômico que Ricardo
interpretara c descrevera. Empreguei a palavra maciça para descrever a sua
furiosa investida. Se concordarmos que a Bíblia é uma obra coletiva, apenas
Maomé rivaliza com Marx no número de professos e devotados seguidores
recrutados por um único autor. E a competição não é realmente muito acirrada.
Os seguidores de Marx agora superam cm muito os filhos do Profeta.
Marx jaz no cemitério de Highgate, em Londres, onde foi enterrado a
17 de março de 1883. Como acontece com o túmulo de Smith, trata-se de local
de reduzida peregrinação — os peregrinos sendo quase exclusivamente dele­
gações de países comunistas em visita oficial a Londres. Até cerca de vinte anos
atrás, a sepultura de Marx achava-se num obscuro canto, quase sem identifi­
cação. Agora ela situa-se a pouca distância da de Herbert Spencer. Seria difícil
pensar em dois homens que teriam maior desprazer na companhia um do
outro.

O Homem Universal

O mundo exalta Karl Marx como revolucionário, e por todo um século


a maioria das revoluções ocorridas no mundo, sérias ou não, invocaram o seu
nome. Ele era também um sociólogo. Muitos diriam que foi o mais original e
criativo economista, um dos mais eruditos filósofos políticos de sua época. O
falecido Joseph Schumpeter, famoso economista austríaco (c da Universidade 71
A Era da Incerteza

de Harvard), iconoclasta e conservador devoto, apresentou sua apreciação das


idéias de Marx com a afirmação de que o homem era um gênio, um profeta e,
como economista teórico, "antes de mais nada, um homem muito culto”. 1
Marx foi igualmente um brilhante jornalista, e todo republicano nos
Estados Unidos, inclusive o Sr. Gerald Ford e o Sr. Ronald Reagan, ambos
muito proeminentes cidadãos no momento em que escrevo, podem anotar com
o devido orgulho que, durante um certo tempo extremamente penurioso de
sua vida, Marx foi sustentado pelo New York Tribune e foi descrito pelo editor
do jornal como sendo seu mais destacado e mais bem pago correspondente. O
Tribune, que juntamente com o Herald, foi o outro genitor do Herald Tri­
bune, durante gerações, foi o órgão oficial da mais alta instituição republicana.
Marx teve um outro envolvimento com os republicanos. Após as eleições dc
1864, ele congratulou-se calorosamente com Lincoln pela vitória republicana —
bem como pelo andamento da guerra civil americana: "Os trabalhadores da
Europa”, disse ele, “perceberam, por instinto, que a bandeira americana
defendia o destino dc sua classe"?
Marx foi, também, um historiador, um homem para quem a história
era menos uma matéria a ser estudada do que uma realidade para ser vivida e
compartilhada. Paul M. Sweezy, o mais destacado marxista americano da
atualidade, disse que é essa interpretação da história que dá ao pensamento
econômico marxista sua reivindicação especial ao destaque intelectual. Outros
economistas ouviram falar da história; os marxistas fazem dc si mesmos e dc
suas idéias pane integrante da história.
Finalmente, Marx foi um grande acontecimento histórico. Muitas vezes
pode-se pensar que, se alguém não tivesse vivido, outrem teria realizado a sua
obra. A compulsão inovadora, para usar um argumento conhecido, não foi o
indivíduo, mas sim a circunstância. Ninguém jamais dirá que o mundo seria o
mesmo se Marx não tivesse existido.
Marx, como historiador, por certo esperaria que se começasse por sua
história.

Trier

Tudo começou em Trier, ou Trèves, na cabeceira do Vale do Mosella.


Quando Marx nasceu ali em 1818, os campos da região deviam ser os mais
encantadores de toda a Europa. Muitos diriam que ainda o são. O vale é cheio
dc cidadezinhas saídas dos livros dos Irmãos Grimm. Na pane mais alta, estão
as vinhas. E mais além da orla do vale, encontram-se ondulantes terras aráveis,
a maioria das quais ainda é cultivada pelo sistema de estreitas faixas — inefi­
cientes, porém bem contrastantes — que permanecem como característica da
agricultura da Renânia. Delegações chegam dos países comunistas a Trier,
como o fazem a Highgate. Do Ocidente, os turistas vêm para apreciar seu
vinho. O serviço local de turismo informa que só de vez cm quando um visi­
72 tante pergunta sobre Marx. Uma loja de cenas proporções na cidade exibe
Local de nascimento, cm Trier: Marx nasceu nesta casa aprazível, em 5 dc maio de 1818. É um
lugar de reduzida peregrinação dos países comunistas. Os turistas ocidentais raramente se dão
conta de sua existência.
A Era da Incerteza

diversas mercadorias e ostenta na fachada o nome da família A aprazível e


espaçosa casa onde Marx nasceu ainda existe.
Havia muito na cidadezinha — que na época tinha uma população
calculada entre 10.000 e 15.000 habitantes — para estimular o gosto pela
história. Em épocas passadas, quando se chamava Augusta Trevirorum, foi
denominada Roma do Norte. As tribos germânicas normalmente irrompiam no
Sul para atacar os latinos, hábito esse que mantiveram até meados do presente
século. Augusta Trevirorum era o principal bastião contra essa agressão. A
Porta Negra, o grande portal de cor preta proveniente da muralha romana,
ainda resiste até os nossos dias como a mais expressiva relíquia romana no que
fora a Gália setentrional.
Trier é agora, evidentemente, pane da Alemanha; em 1818, era uma
aquisição recente. Quando Marx nasceu, a ocupação francesa mal acabara de
ceder terreno à dominação prussiana A mudança foi uma questão de primor­
dial importância para a família de Heinrich Marx A família Marx era judia;
diversos ancestrais de Karl Marx haviam sido rabinos. Os franceses haviam sido
relativamente liberais para com a antiga comunidade judaica da cidade. Mas a
Prússia não o foi. Como funcionário da Alta Corte de Justiça e o mais destacado
advogado local, Heinrich Marx não podia ser judeu. Assim, ele e mais tarde sua
família foram batizados protestantes. Isso foi, como hoje a maioria dos estu­
diosos são concordes em afirmar, uma atitude puramente prática, que não
envolvia qualquer rejeição das tradições sociais ou intelectuais da vida judaica.
Quanto à religião, por ocasião em que Karl Marx nasceu, parece, não mais era
uma questão muito importante na família. Seus costumes já eram então forte
mente mundanos.
Os antecedentes judeus de Karl seriam, entretanto, de extrema utili­
dade para os inimigos de Marx, tempos mais tarde. O anticomunismo podia ser
associado ao anti-semitismo. Era um bom começo para quem tivesse instinto
para conceitar as turbas, e Hitler e os nazistas acharam a coisa muito a calhar.
Mas muitos outros também valeram-se dessa circunstância.
Todavia, existe também uma oculta suspeita de que o próprio Marx era
anti-semita. Afinal de contas, ele fora batizado. E o que é mais, parte do que
escreveu foi muito severo para com os judeus. Isto foi, em parte, uma conven­
ção literária; o termo judeu, no século passado, era empregado extensamente
como sinônimo ou metáfora do comerciante avarento. Mas é preciso muita boa
vontade para não discernir certa animosidade racial cm seus escritos.
Marx era, por sinal, ateu. Era uma época em que a maioria das pessoaas
encarava a religião com máxima seriedade, quando a prática ativa dos preceitos
religiosos era símbolo de respeitabilidade. E Marx era, não um passivo, mas sim
um ativo ateu. Um de seus ditos mais famosos descreve a religião como sendo o
ópio do povo. Ela ensina a rodos para que aceitem pacientemente as dificul­
dades e a exploração, quando deveriam insurgir-se cm furiosa revolta. Um
pensamento semelhante, como vimos, agitou a alma do Reverendo Henry
Ward Beecher, embora com resultados bem diversos. A religião ajudava as
74 pessoas a suportarem com paciência e resignação o destino econômico que lhes
A Dissidência de Karl Marx

estava reservado neste mundo, não importando quão miserável fosse essa
condição, e esse era um dos aspectos que Beecher achava muito bom. Evidentemente
, faz muita diferença a maneira como se diz algo; a forma de Beecher
dizê-lo era muito mais aceitável para o devoto do que a de Marx.
Karl Marx nunca se preocupou cm ser popular, mas, quando se tratava
de religião, ele realmente sobressaía. Ser judeu, acusado de anti-semita e
abertamente hostil ao cristianismo bem como às demais doutrinas era um
modo seguro de se livrar do aplauso religioso.

O Jovem Romântico

Marx foi um jovem profundamente romântico. Escreveu poesia, em sua


grande parte intragável — segundo opinião da família — e ensaios idealistas
(alguns dos quais sobreviveram) sobre a natureza, a vida e a escolha de uma
carreira. A carreira deve estar onde se “pode contribuir mais para a humani­
dade... e brilhantes lágrimas de nobres cairão [então] sobre as nossas cinzas”?
Quando ainda adolescente, jurou seu amor por Jenny von Westphalen.
Jenny era filha do primeiro cidadão local, o Barão Ludwig von Westphalen
. O Barão von Westphalen, evidentemente um homem notável, era um
intelectual e um liberal, e havia se afeiçoado muito ao jovem Marx. Ambos
caminhavam juntos ao longo das barrancas do Mosella, tendo o nobre introdu­
zido seu adolescente amigo à poesia romântica assim como à noção de que o
Estado ideal seria socialista, não capitalista; baseado na propriedade pública,
não privada? Sem dúvida alguma, uma conversa temerária para um aristocrata
alemão manter com um jovem plebeu de sua cidade. Não é de se supor que o
socialismo de Marx tenha começado com esses colóquios, mas sem dúvida expli­
cam como foi possível a ele, não sem um certo constrangimento social, casar-se
com a filha do barão.
Aos dezessete anos, Marx foi enviado no abaixo até Bonn, para estudar
na universidade. Esta era, então, uma pequena academia com umas poucas
centenas de alunos, de tendência muito aristocrática. Marx ainda era um
romântico; seus interesses, já mais amplos, incluíam a bebida e a arte de
duelar. Até mesmo pelos frouxos padrões acadêmicos da época, ele era conside­
rado bastante indolente. Seu pai queixava-se de seus elevados gastos c sua
quase total falta de comunicação com a família. Mas, um ano mais tarde, Karl
mudou-se de Bonn para Berlim, isso foi em 1836. e representou muito mais
que uma mudança de universidade. Foi uma mudança para o principal caudal
da vida intelectual alemã, se não européia, ou até mesmo ocidental.

Berlim e Hegel

O período romântico chegava ao seu fim; começava a era de Hegel.


Não só Berlim era um lugar bem mais elevado do que Bonn, mas agora Marx
A Era da Incerteza

via-se cm companhia dos discípulos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Esses


jovens, oshegelianos, levavam a si mesmos eà sua erudita missão muito a sério.
Volta e meia, na história, ocorreu que intelectuais ficaram cão entusiasmados
com sua visão singular da verdade que se consideraram destinados a mudar o
modo de pensar de toda a humanidade. Esse foi um desses momentos.
O que não c tão fácil de descrever é a mudança que os jovens intelec­
tuais ansiavam. Hegcl não é uma figura muito acessível à mente anglo-saxónia
ou americana; com toda certeza, eu nunca achei isso. Cena feita, alguns anos
atrás, consolei-me bastante com uma história que me foi contada por Arthur
Goodhart, catedrático de direito em Oxford e por um tempo Diretor do Corpo
Docente daquela universidade. Rcfcria-se a uma noite em 1940 quando, como
membro da Guarda Nacional, ele foi designado junto com outro professor, que
por sinal era um destacado filósofo, para montar guarda num pequeno campo
de pouso particular peno de Oxford. Possivelmente foram os dois soldados
mais inacreditáveis nos anais de toda a história militar britânica. Mas, mesmo
assim, marcharam para lá e para cá em meio a uma tênue neblina, um deles
com um rifle da guerra da Criméia, mais ou menos, o outro com uma espin­
garda de caça. Sendo professores, vez por outra, paravam para bater um papo.
Quase ao amanhecer, durante uma dessas pausas, o soldado companheiro de
Goodhart acendeu o cachimbo e disse: "Diga-me, Arthur, você acha que esses
miseráveis não vêm? Gostaria tanto de dar um tiro neles. Sempre detestei
Hcgel”.
O companheiro e aliado vitalício de Marx foi Friedrich Engels. O
melhor resumo do que Hcgel significou para ambos foi feito por Engels: "O
grande mérito da filosofia de Hegcl é o de que pela primeira vez todos os
aspectos naturais, históricos c espirituais do mundo foram concebidos c repre­
sentados como um processo cm constante transformação e desenvolvimento, c
um esforço foi feito para mostrar o caráter orgânico desse processo''.1
O processo orgânico de transformação e desenvolvimento se tornaria o
tema central do pensamento de Marx. A força propulsora dessa transformação
seria o conflito entre as classes sociais. Isso manteria a sociedade numa condição
de constante mutação. Uma vez que ela tivesse criado uma estrutura que fosse
aparentemente segura, a estrutura criaria as forças antagônicas que a desafia­
riam e depois a destruiríam. Uma nova estrutura surgiría então, c o processo de
conflito e destruição começaria de novo. .’
Assim sendo, no mundo real da época, os capitalistas — a burguesia —
estavam desafiando c destruindo a velha c aparentemente imutável estrutura
do feudalismo, as tradicionais classes dominantes do antigo sistema aristocrá­
tico. Ao conquistar o poder, a burguesia iria estimular o aparecimento de um
proletariado com consciência dc classe a partir dos trabalhadores explorados,
sem propriedades c sem cidadania. Com o tempo, esse proletariado iria insur­
gir-se contra os capitalistas. Estes, incluindo o Estado burguês, seriam derru­
bados. O Estado dos trabalhadores seria a nova estrutura.
Segundo a lei hegeliana, o processo deveria continuar. Talvez o Estado
dos trabalhadores, pela natureza de suas tarefas produtivas, fosse altamente
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, 1770-1831.
A Era da Incerteza

organizado, burocrático, disciplinado. Precisaria de cientistas e outros intelec­


tuais. E estimularia o aparecimento de artistas, poetas e romancistas, cujas
obras teriam então grande procura pelas massas alfabetizadas. Tais artistas
começariam depois a vindicar seus direitos. Sua oposição à burocracia tomar se-
-ia intensa. Então, viría o próximo conflito, que por sinal não c nada invisível
nos países da Europa oriental e na União Soviética. Todavia, Marx não permitiu
que Hegel o levasse até lá. Como, aliás, fazem os modernos marxistas quando
analisam seus cientistas, romancistas e poetas dissidentes. Se fosse aplicado
rigorosamente à moderna sociedade comunista, Hegel poderia constiruir-se em
sério problema.
As idéias de Hegel não foram fáceis dc entender para Marx. Sua aceita­
ção, ou mais provavelmente, a experiência de um estudo sério cm si, envolveu-o
em crises emotivas, prejudicando sua saúde c, pelo que tudo indica, levando-o
à beira de um colapso físico. Por um tempo, ele deixou a cidade c foi para o
vilarejo de Stralau, fora dos limites dc Berlim, para rccuperar-sc. Todos os dias
ele andava várias milhas para proferir suas palestras — c escreveu, com espanto,
dc como era bom para a saúde esse exercício. Mas foi uma lição que ele logo
esquecería. A maior pane da vida, ele estaria mal de saúde, devido a um modo
de viver incrivelmente insalubre. Já se disse que muito do trabalho realizado no
mundo é feito por homens que não estão no gozo de perfeita saúde. Marx é um
caso típico.
É tentador ver-se na Berlim dc hoje a dramaticamente visível manifes­
tação da transformação que constituiu a maior preocupação de Marx. O lugar a
ser visto é o Muro. De um lado, está a Berlim Ocidental: c o posto avançado,
fortificado, do mundo capitalista. Do outro lado, o estágio seguinte: ali estão
as massas triunfantes. Há anos que, cm Berlim, todos os visitantes esclarecidos
enxergam exatamente isso aí, embora os que vêem o Muto do lado oeste geral­
mente falem de democracia, não de capitalismo, e uns poucos concordem com
a infalibilidade da transformação, a menos que seja por fraqueza. Ainda assim,
o contraste c aceito; Marx tem tido grande êxito na retórica do Muro.
Há muito tempo que acredito, valha-me Deus, que nas sociedades
industriais altamente organizadas, sejam capitalistas ou socialistas, a tendên­
cia mais atuante é no sentido da convergência — ou seja, de que se aço e auto­
móveis são procurados c precisam ser feitos em larga escala, o processo deixará
sua marca na sociedade, quer seja cm Magnitogorsk ou em Gary, Indiana. Se
assim for, o Muro não é um lugar de confrontação histórica; pelo contrário,
na medida que aqueles de ambos os lados estão dentes de seu comprometimento
maior com a produção cm massa de bens c com a vasta e intrincada organização
que ela exige, ele se tomará progressivamente menos importante. Ao visitar
Berlim do leste e do oeste, é difícil acreditar que isso já não esteja acontecendo.
A preocupação com a produção dc bens e as providências práticas para produzir
estão se tornando cada vez mais, não menos, idênticas.
Em 1841. Marx partiu de Berlim. Daí cm diante, ele seria parte do
processo hegeliano — um dos principais instrumentos de sua transformação.
Um fator novo começaria então a influir em seus movimentos. Até aqui, foram
A Dissidência de Karl Marx

tranquilos e voluntários. Daqui em diante, e por muitos anos, seriam súbitos e


forçados. A Alemanha, França e Bélgica se uniriam na crença de que Marx era
um excelente cidadão para outro país qualquer. Para um homem perseguido
pela polícia, outróponto insuficientemente reconhecido, há apenas dois meios
de consolo e proteção: um deles é ser inocente do crime. O outro é o de estar
com a razão ao cometé-lo. Marx teria que ter sempre esta segunda e mais
importante hipótese para apoiá-lo.

Colônia e Jornalismo

Marx foi para Colônia. Assim como Trier, Colônia também fica na
Rcnânia e, como Trier, havia acabado de ser recuperada da França e era então
um pouco mais liberal devido à experiência vivida. Na França, dizia-se que
tudo o que não fosse proibido era permitido. A Prússia se pautava por uma lei
mais austera: o que não fosse permitido era proibido. Em Colônia, Marx
tornou-se jornalista. O jornal era o recém-fúndado Rheinische Zettung, bem
financiado, imaginem, pelos industriais e comerciantes burgueses da Renânia e
do Ruhr. Marx tornou-se logo um sucesso; primeiro atuou como ativo corres­
pondente e em seguida tornou-se redator-chefe. Nada disso surpreende.
Afinal, ele era inteligente, talentoso e extremamente dedicado’ e, de certa forma,
representava uma força da moderação. Outrossim, pregava altos padrões morais.
A revolução era um tema muito abordado pelo jornal. A palavra “comunismo",
embora ainda indefinida quanto ao seu significado, começava a ser usada.
Disse Marx que inúmeras contribuições disso resultantes foram:

... rabiscos prenhes dc revoluções mundiais c vazios dc idéias, escritos com


desleixo e temperados com algum ateísmo c comunismo (que esses cavalheiros nunca
estudaram)... dcdarci que considerava que a introdução sub-reptícia dc idéias comu­
nistas e socialistas cm revistas teatrais era imprópria e ate mesmo imoral../

Marx ainda seria uma força cm favor da decência editorial ao lidar com
escritores esquerdistas altamente motivados hoje em dia.
Sob a direção de Marx, o Rheinische Zeitung aumentou rapidamente a
circulação, e sua influência se estendeu a outros Estados germânicos. Da mesma
forma, tornou-se.cada vez mais do interesse dos censores, que todas as noites
reviam as provas antes de irem para impressão. Reagiam desfavoravelmente a
Marx cm muitos sentidos; a mais importante reação foi sobre a coleta dc lenha.
Aliás, devo reconhecer meu débito em inúmeras questões ã recente c muito
lúcida biografia de Marx escrita por David McLellan, inclusive no relato desse
conflito.’
Desde tempos imemoriais, os habitantes da Renânia haviam se acostu­
mado a entrar nas florestas da região para apanhar madeira caída, que usavam
como lenha. Como o ar c a maioria da água, essa lenha era de graça. Nessa
ocasião, porém, devido ao aumento da população e à prosperidade, a madeira 79
A Era da Incerteza

. . 1-> ! ■ . das florestais oatia.... .


i- <• u. 1 ’ ue. . ;dos pelo roubo ce ici«. .
c. j-.. .X- ,!ade . i:

... sc cada .-.olação de piopriedade. sem discir.çio ou dcerirúnação :nai


precisa, é considerada um roubo, roda propriedade privada não Seria um roubo? An -
vés da minha propriedade privada, não estarei eu privando uma outra pessoa dess
propriedade? Não estaria eu. dessa forma, violando o direito dela à propriedade?"

Nesses mesmos meses de 1842, Marx também apoiou os antigos mora­


dores da região, os vinicultores do Vale do MoseIJa. Estes estavam sofrendo
forte concorrência de parte do Zollvercin, o mercado comum que os Estados
alemães haviam adotado há pouco. Sua solução não era radical — uma discus­
são mais ampla e livre dos problemas deles — e abordou a questão também
com extrema cautela:

A fim dc resolver a dificuldade, tanto a administração como os administrados


precisam de um terceiro elemento, que é político sern scr oficial nem burocrático,
elemento esse que ao mesmo tempo representa o cidadão sem envolver-se dirctamenre
em seus interesses privados. Esse elemento decisivo, composto de uma consciência
política e um sentimento cívico, c uma Imprensa livre.5

Marx também criticou o Czar e recomendou um tratamento mais


secular da questão do divórcio. Mas a Prússia era Prússia: aí estava alguém que
apoiava a livre coleta de madeira e a discussão aberta, um homem que criticava
o Czar. Era preciso acabar com isso. Em março de 1843, o Rheimiche 7-ettung
era suprimido. Marx foi para Paris. Antes, potém, no dia 19 dc junho, de foi
até Krcuznach, uma estação de veraneio situada a umas cinquenta milhas de
Trier. Ali, cm cerimônia civil e religiosa (protestante), casou-se com Jenny von
Westphalen. Pode-se dizer, sem exagero, que a mulher nenhuma, desde a
Virgem Maria, o casamento pressagiou tanto. Alguns meses antes, Jenny havia
escrito a seu futuro esposo insistindo para que ele, o que quer que acontecesse,
ficasse fora da política.

O Nascimento de um Soãalista

Para Marx, Paris foi o começo de uma vida nova. As ruas de Paris eram
então, como tantas outras vezes, o berço da revolução. Muitos dos revolucioná­
rios nessa época eram alemães, refugiados da censura e repressão prussianas.
Muitos, é claro, eram socialistas. Sua influência sobre Marx durante sua estada
em Paris foi realmente enorme.
Jcriny Marx: “Á mulher nenhuma, desáe Maria, o casamento anunciou tanto”.
A Era da Incerteza

A família Marx morou em diversos endereços na rua Vaneau — mais


tempo no número 38, atualmente um pequeno hotel-pensâo. Uma tabuieta
colocada no corredor de entrada conta do mais famoso de seus inquilinos, como
o faz, com muita insistência, o proprietário. André Gide morou recentemente
numa das extremidades da mesma rua. Stavros Niarchos tem atualmente um
apartamento algumas casas mais adiante. Pode-se imaginar que o bairro tenha
melhorado um pouco desde o tempo de Marx.
Uma vez instalado em Paris, Marx prosseguiu com seu novo empreen­
dimento jornalístico, qual seja, o de editar os Deutsch-Franzõsische Jahrbücher.
os Anuários Teuto-Franccses. Em realidade, era mais uma revista, mas. ao
denominá-la anuário, ou livro, Marx esperava com isso evitar a censura. A refe­
rência à França no título também indicava essa manobra. Embora estivesse em
Paris, os pensamentos de Marx estavam na Alemanha, e era para a Alemanha
que os seus Anuários eram escritos. A rua Vaneau era um local conveniente
para as atividades editoriais de Marx, pois o seu co-cditor, Arnold Ruge, era um
de seus vizinhos.
Uma revisão do primeiro número dos Anuários provocou mais um con­
flito com os censores. Uma vez mais a coisa parece inócua — também compli­
cada, trabalhosa, com claros vestígios de racionalização de desejo:

A emancipação da Alemanha t a emancipação <lo homem. A cabeça dessa


emancipação é a filosofia, o coração i o proletariado, A filosofia não pode realizar-se
sem transcender ao proletariado, e o proletariado não pode transcender-se sem realizar
a filosofia.10

Uma vez mais, porém, os policiais prussianos mostraram ser homens


muito sensíveis. O assunto era perigoso. A primeira edição dupla dos Anuários
foi confiscada na fronteira. Assim não haveria leitores alemães, e já que não
havia nenhum contribuinte ou colaborador nem leitores franceses, a publicação
naturalmcntc estava cm maus lençóis. A essa altura, Marx também andava às
turras com seu sócio, Ruge. Portanto, a primeira edição dos Anuários Teuto-
-Franceses também foi a última.
Nas semanas seguintes, porém, algo muito mais importante aconte­
cia. Friedrich Engels estava de passagem por Paris; os dois homens haviam se
conhecido rapidamente antes; desta feita, no Café de Ia Régence, já frequen­
tado por Benjamin Franklin, Denis Diderot, Sainte-Beuve e Luís Napoleão,
eles sc encontraram e conversaram, encontraram-se de novo e formaram o que se
tornaria uma das mais famosas duplas da história. Engels seria o editor de Marx,
seu colaborador, admirador, amigo — e anjo financeiro. Seu nome aparecería
para sempre, c quase exçlusivamcnte, ligado ao de Marx. “O nosso entendi­
mento perfeito em todos os campos teóricos tornou-se evidente", escreveu
Engels mais tarde, “e o nosso trabalho conjunto data daquela época."11 Engels
sempre se considerou um parceiro menor e, sem dúvida, o era. Mas isso não
diminui a importância de seu papel. Não fosse ele o parceiro menor, muito
82 daquilo pelo qual o seu parceiro maior é conhecido não teria se realizado.
Friedrich Engels.
A Era da Incerteza

Como Marx, Engels era alemão. E como Marx, pertencia à classe média
superior. Aliás, todos os primeiros líderes revolucionários (é difícil sequer
pensar em qualquer exceção) eram intelectuais de ciasse média. Somente na
esperança e na oratória eles vinham das massas.
Todavia, a família Engels — fabricantes de tecidos no Ruhr e, antes do
tempo, uma empresa multinacional — era bem mais rica do que a de Marx.
Engels passaria a maior parte de sua vida na Inglaterra, em Manchester, onde
unia o pensamento revolucionário à supervisão da filial local da firma perten­
cente ã família.
Aliviado de seus compromissos editoriais, Marx dedicou-se a um
período de leitura séria e estudo, talvez mesmo o mais intenso de toda a sua
vida. Inúmeras idéias, que dominariam sua existência mais tarde, teriam
tomado forma nessa ocasião. Não se deve pensar, embora alguns julguem
assim, que o socialismo se iniciou com Marx. Nessa época, o tema já se encon­
trava sob discussão das mais acirradas. Saint-Simon e Charles Fourier haviam
precedido Marx. Assim também Robert Owen, que já ficamos conhecendo.
Louis Auguste Blanqui (que passou a maior pane da vida preso), Louis Blanc,
P.J. Proudhon, todos franceses, e os alemães Ferdinand Lassalle c Ludwig
Feuerbach, foram contemporâneos. Todos eles, especialmcnte os alemães,
deram origem ao pensamento de Marx.
Durante esses anos, Marx não só reunia idéias como também ponderava
sobre o papel dessas idéias em si. Para John Maynard Keynes, as idéias eram a
força que motivava a mudança na história. Marx, embora não contestasse a
importância das idéias, levou a proposição um pouco mais pata trás. As idéias
aceitas de qualquer época são, por estranho que pareça, aquelas que servem aos
interesses econômicos dominantes:

... a produção intelectual muda de natureza na proporção cm que a produção


material c mudada. As idéias dominantes cm cada época sempre foram as idéias da
classe dominante.”

Nunca achei que Marx estivesse errado nesse particular. N?da caracte­
riza de maneira mais segura a grande verdade social, a verdade econômica em
particular, do que a sua tendência de ser agradável ao interesse econômico pre­
dominante. O que os economistas crêem e ensinam, quer nos Estados Unidos
quer na União Soviética, raramente é hostil às instituições — a organização empre­
sarial privada ou o Partido Comunista — que refletem o poder econômico domi­
nante. Não perceber isso requer muito esforço, embora muitos consigam.
Começaram a tomar forma, também, nesta época os pontos de vista de
Marx sobre o processo pelo qual o próprio capitalismo se modificaria. Sir Eric
Roll, um estudioso inglês de Marx extraordinariamente eclético — foi profes­
sor, funcionário público de categoria, destacado negociador internacional que
dirigiu os entendimentos para implantação do Plano Marshall e da Comu­
nidade Econômica Européia, banqueiro, membro da diretoria do Banco da
84 Inglaterra e respeitado historiador do pensamento econômico — muitos
A Dissidência de Kari Marx

anos atrás fez o mais sucinto resumo da influência motivadora da mudança


capitalista:

Tinha que ser uma contradição no sistema que provocasse confliro. movi­
mentação e mudança.. Essa conuadição básica do capitalismo ê a natuieza cada vez
mais social, cooperativa da produção, que se tornou necessária através das novas forças
produtivas que a humanidade possui c (em oposição a isso) a propriedade individual
dos meios de produção... [Daí provém o] inevitável antagonismo., entre as duas
classes, cujos interesses são incompatíveis.1’

A noção de contradição e inevitável conflito levou Marx às suas conse­


quências. A panir disso, ele começou a formar seu conceito de comunismo e a
identificar-se com a visualização final da sociedade sem classes.
Quanto ao resto, ele continuava escrevendo. Sua preocupação conti­
nuava sendo a Alemanha, e seu novo porta-voz era Vorwarts (Avante), órgão
da comunidade de refugiados alemães cm Paris. Mas os censores continuavam a
postos Mais uma vez deve-se lero que ele dizia:

... a Alemanha tem uma vocação para a revolução social que se torna ainda
mais clássica pelo fato de ser incapaz dc uma revolução política. Isso porque a impo­
tência da burguesia alemã c a impotência política da Alemanha, c portanto a situa­
ção do proletariado alemão. .. c a situação social da Alemanha. A desproporção entre o
desenvolvimento filosófico e político na Alemanha não constitui nenhuma anormali­
dade. Éuma desproporção necessária. £ somente no socialismo que um povo filosófico
pode encontrar urna atividade correspondente e. assim, somente no proletariado ele
encontra o elemento acivo dc sua liberdade.N

Tcm-se saudade hoje em dia dc policiais que poderiam ser despertados


por esse palavreado. Mas, seguramente, a polícia prussiana o foi. Ela reclamou
junto aos franceses; abrigar um escritor dessa ordem não era um ato de boa vizi­
nhança. Os policiais prussianos pediam uma providência amigável, fraternal, de
repressão. Guizot, Ministro dc Interior francês, atendeu à solicitação e expediu
uma ordem para a expulsão de Marx. Isso foi a 25 dc janeiro de 18-15. Num
prazo de vinte c quatro horas, a família Marx — agora havia também uma
menina recém-nascida — partiu para Bruxelas. O Vorwarts também foi fechado.

O Manifesto Comunista

O Manifesto Comunista foi elaborado por Marx com a ajuda de Engels,


nos anos seguintes e bastante tranqüilos e felizes que passaram na Bélgica. O
Manifesto era um documento organizador, uma brochura destinada a ser carti­
lha da Liga dos Justos (logo a seguir chamada de Liga Comunista) que Marx
então promovia ativamente. Trata-se, sem dúvida alguma, da propaganda
política mais bem sucedida de todos os tempos. Houve também, comparado
aos primeiros escritos de Marx, um progresso palpável no impacto causado pela 85
A Era da Incerteza

O Manifesto Comunista: Sc us
tons em crescendo ainda
ressoara quando os políticos
modernos sâo instigados a
proclamar sua fé.
gUnifrsto of t|>t Communist ^artjj.

KARL MARX and FREDERICK BROELR

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Tolhí» end, Ccmn»M0»»l* *>ti<nr» miiooii t>e* ba»e a-.*cinb!c*i io
Loodoa, J»»J iletchoU lhe folfooioe ntonifoto. to be t>nbl>*bcj Io lUe
Cofchib, L'reacu. Ccrcruu. IuImo. I .'einiyb and Dionh bn^ua^CK

DOUHCEOtS AND mOLET ARI ANS. (•)


The hhloe 1 of oil hitherto <*>>lin£ sone I y (I) io Ibe Littory of dot

palavra escrita. O que antes era excessiva men te prolixo e rebuscado, agora se
apresentava de maneira sucinta c emocionante — uma serie de marteladas:

A história de todas as sociedades até agora é a história da luta dc classes.


Cidadãos livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores c servos. patrões e assalariados,
numa palavra, opressores c oprimidos, escavam cm constante oposição uns aos outros,
realizavam uma lura ininterrupta, ora oculta ora abena, que toda vez terminava ou
numa reconstituição revolucionária da sociedade cm geral, ou na ruína de ambas as
classes contendoras.
.. 0 executivo do Estado moderno náo passa dc uma comissão administra­
dora dos negócios comuns dc toda a burguesia...
A burguesia, através da rápida melhoria dc todos os meios de produção,
mediante os meros de comunicação grandemente aperfeiçoados. atrai todos, até
mesmo as nações mais bárbaras, à civilização. Os preços baixos dc suas mercadorias são
a anilharia pesada com a qual cia demole qualquer muralha chinesa...
Ela [a burguesia) criou cidades colossais, aumentou muito a população urbana
cm relaçáo à rural, e assim salvou uma boa parte da população da idiotice da vida no
campo .. durante pouco mais de cem anos cm que se encontra no poder, cia criou
86 forças produtivas mais sólidas c co.’ussais do que rodas as gerações anteriores juntas...
A Dissidência de Karl Marx

(Inicialmentc) os proletários não lutam contra seus inimigos [a grande bur­


guesia ou os capitalistas], mas sim contra os inimigos de seus inimigos, os remanes­
centes da monarquia absolutista, os latifundiários, a burguesia njo-induscrial, a
pequena burguesia.
Os comunistas não procuram ocultar seus pontos dc vista ou objetivos. Decla­
ram abertamente que suas metas só podem ser atingidas pela derrocada à força dc
todas as condições sociais existentes. Deixem que as classes governantes cremam de
medo diante de uma revolução comunista Os proletários não têm nada a perder,
ciccero seus grilhões. E têm tudo a ganhar. Trabalhadores de todos os países, uni-vos! 15

Ainda mais duradouro que o impacto político do Manifesto Comunista


tem sido o seu efeito sobre o estilo político. A sua maneira de ser peremptória,
inflexível, intransigente c impetuosa tomou-se pane integrante da consciência
dc todos os políticos, inclusive para aqueles aos quais o nome de Marx é aná-
tema c aqueles que a identificam apenas com Hart, Schaffner e roupas mas­
culinas. Conseqücntemente, quando democratas e republicanos nos Estados
Unidos, socialistas ou tories na Inglaterra, franceses de direita ou dc esquerda
resolvem falar ao povo de seus objetivos, os tons em crescendo do Manifesto
ressoam cm seus ouvidos e, nesse momento, nos do público. A fala arquitetada
dessa forma resulta, invariavelmente, cm coisas terríveis.
O Manifesto não está livre de contradições. Não há, como alguns
possam imaginar, no elogio que Marx faz ao capitalismo c às suas realizações,
um apelo à sua extinção. Trata-se de estágios diversos do processo histórico.
Como também não há, como alguns formalistas pretensiosos têm insinuado,
qualquer conflito real entre a sua conclamação ã revolução e sua afirmação de
que ela é inevitável. A gente sempre pode tentar antecipar-se ao inevitável.
Mas houve um conflito enorme c intensamente prático entre o seu programa
imediato c a sua esperança de revolução. O programa contido no Manifesto é,
segundo todos os padrões modernos, em grande parte uma coletânea dc
medidas reformistas. As reivindicações são:

Expropriate da propriedade privada das terras.


Um imposto dc renda progressivo.
Abolição da herança.

Um banco nacional que monopolize as operações bancárias.


*E$ca<tzação das ferrovias e dos meios dc comunicação.
Extensão da-estatizaçãoà indústria: cultivo de terras ociosas.
Melhor utilização do solo.
Trabalho obrigatório para todos.
Unificação da indústria com a agricultura,
descentralização da população.
Ensino gratuito.
Abolição do trabalho da criança.
Ensino juntamente com o trabalho.16

De uma forma ou de outra nos países capitalistas avançados, muitas


dessas coisas — o fim da posse privativa da terra, a descentralização da popu- 87
A Era da Incerteza

lação c o monopólio público do sistema bancário são as grandes exceções — já


foram feitas. E essas reformas ajudaram a abrandar a ira aó capitalismo. Assim,
elas tiveram o condão de adiar aquela "deposição à força de todas ás condições
sociais existentes" que Marx pretendia. Dessa forma c que Marx agiu contra
Marx. A revolução interna surgiu nos países — Rússia, China, Cuba — em que
as reformas instadas por Marx nunca foram conhecidas

Revolução — De Caráter Inconsequente

A revolução realmente aconteceu nos calcanhares do Manifesto. Nos


Estados italianos, na França, Alemanha e Áustria, os governos começaram a
balançar e cabeças coroadas caíram, algumas para ressurgir semanas mais tarde.
Isso aconteceu cm 1848, o ano das revoluções, ano esse que ainda continua
ligado, na mente de muitos, a Marx e ao Manifesto. Nenhum dos dois, é pre­
ciso que se diga, teve muita influência nos acontecimentos. Quando a revo­
lução surgiu, o teor do Manifesto ainda era completamente desconhecido. Era,
entretanto, a primeira revolução que se podia identificar, embora indistinta-
mente, com os objetivos e aspirações dos trabalhadores — com o proletariado
como classe social Por isso mesmo, foi observada com máxima atenção por
Marx, especialmente quando ela se desenrolou cm Paris. E o movimento teve
profunda influência sobre a sua opinião quanto à natureza da revolução. Por
esse motivo, os eventos em Paris requerem uma apreciação mais meticulosa.
Todo grande evento tem seu epicentro geográfico — o da Revolução
Americana foram os quarteirões que circundam a Câmara c Prefeitura
(Carpenters’ e Independence Halls) em Filadélfia; o da grande Revolução
Francesa foi a Praça da Bastilha; o da Revolução de 1848 foram os Jardins de
Luxemburgo. O cenário tinha algo a ver com as causas e os participantes, nem
umas nem outros muito a gosto de Marx. Nos anos que antecederam 1848,
tinha ocorrido na França uma grave crise econômica e muito desemprego. Os
empresários e comerciantes sofreram tanto quanto os trabalhadores. As safras
também haviam sido más, e o preço do pão subiu muito. Então, em 1847, as
safras foram muito boas, e os preços caíram. Por isso, os camponeses levararn
na cabeça. Quase todos eram punidos; o mercado consumidor, que é muito
amado pelos conservadores, estava desempenhando um papel bastante revo­
lucionário.
Em especial, as circunstâncias incentivavam sobremaneira uma perigosa
linha de pensamento que ora entrava em circulação. Era a de que a produção
privada de bens poderia não ser a única forma possível de organização econô­
mica. Isto devia-se à influência de Saint-Simon, Charles Fourier, Louis Blanc c
outros que já mencionamos acima. Em circulação, também, estava a impetuosa,
premente idéia de que todo homem tinha direito a um emprego; a referência
era feita ao direito de trabalhar.
Nos Estados Unidos, a frase o direito de trabalhar agora significa oposi-
88 ção aos sindicatos, em face do princípio de que ninguém deve ser obtigado a
18-18 foi o ano das revoluções: Paris.

Praga.
A Era da Incerteza

sindicalizar-sc para ter um emprego. Ê ouvida pelos conservadores com apro­


vação, ou pelo menos com uma agradável sensação de nostalgia, e nunca por um
liberal devotado sem visível estremecimento. Um Estado que tenha legislação
baseada no direito-dc-trabalhar, mesmo que tais leis não sejam obrigatórias, é,
segundo o pensamento sindicalista, um lugar realmcnte muito atrasado. Mas o
tempo muda rudo. Em 1848, o direito ao trabalho era realmente um pensa­
mento radical.
O levante de fevereiro de 1848 uniu grupos inteiramente díspares, algo
que não animou muito Marx. Havia os operários que clamavam por trabalho e
ganhos maiores. Estes foram acompanhados dos comerciantes, na maioria
pequenos empresários, que exigiam liberdade de empreendimento e uma
oportunidade de rcssarcir-sc dos prejuízos sofridos nos anos anteriores de crise
econômica. E, logo de início, houve o apoio dos camponeses, que queriam
melhores preços. A liderança do movimento coube na maior parte a homens
que queriam liberdade de expressão — ver-se livres da censura e das atenções
da polícia. Pela maioria dos padrões estabelecidos, os líderes eram conserva­
dores. Como símbolo da revolução, a bandeira vermelha foi rejeitada em favor
da tricolor. A tricolor foi considerada menos prejudicial à confiança do mundo
dos negócios e ao crédito popular.
A revolta foi rápida e bem sucedida. O Palácio das Tulherias foi
ocupado. Louis Philippe achou conveniente ir embora. O Palácio de Luxem­
burgo foi utilizado como sede de uma comissão que estudaria os meios de
salvar os trabalhadores da miséria. Esse expediente não era ainda um despiste
ou pretexto evidente.
A preocupação com os trabalhadores concentrou-se nos Jardins. A
assembléia ali realizada foi, como tem sido chamada, o primeiro congresso de
trabalhadores em toda a história. Foi também, mais do que por simples acaso,
um meio dc segregar e manter sob controle os mais encrcnqueiros e perigosos
participantes da revolta. Uma coisa era ser liberai, republicano, romântico.
Outra coisa era contestar a propriedade privada, ser pelos direitos dos traba­
lhadores, por maiores salários, por uma jornada de trabalho de doze horas.
Que haja revolução, mas que ela não seja irresponsáve),_________ ^«u ■— »
CA palavra "revolução' - vem fáciTalíngua; sempre há ameaças de uma
revolução. Mas, se soubéssemos como é difícil fazê-la, usaríamos a palavra
muito menos, e os conservadores poderiam afligir-sc menos com o perigo. Eles
estão muito mais seguros do que julgam estar. _____________ -—
' Três"condições são absolutamente indispensáveis. Tem que haver
líderes decididos, homens que sabem exatamente o que querem e também que
sabem que têm tudo a ganhar c tudo a perder. Homens assim são raros. As
revoluções atraem os homens que estão de olho na sua grande oportunidade, os
aproveitadores.
É preciso que os líderes tenham seguidores disciplinados, gente que
acate suas ordens, que as execute sem muita discussão. Isto também é bastante
difícil; os revolucionários têm o hábito desconcertante de achar que devem
90 pensar por si mèsflíosrdeíendgrscüs próprtos pontos de vista. Existe a oportu-
A Dissidência de Karl Marx

nidade e muíia atração para os tagarelas. Mas estes não podem nem devem ser
permitidos. Homens desse jaez serão esmagados enquanto discutem.
E, acima de tudo, o outro lado deve ser fraco. Toda revolução bem
sucedida é como o pontapé numa porta já podre. A violência das revoluções é a
violência de homens que arrematem contra o vácuo. Foi assim na Revolução
Francesa. Foi assim na Revolução Russa de 1917. Assim foi também na Revo­
lução Chinesa após a Segunda Guerra Mundial. E assim não foi em 1848.
No Palácio de Luxemburgo, a liderança era fraca e havia muita conversa
mole. Falava-se em oficinas governamentais em que os homens produziríam
cooperativamente para o bem comum, não importando o que e a que custo.
Ou, então, de obras públicas, um grande canal subterrâneo cruzando Paris, no
qual a imaginação tomava o lugar da engenharia. Os salários foram, em
verdade, aumentados Mas essa e outras medidas de amparo tiveram o efeito de
aumentar os impostos e de dar aos camponeses a impressão de que eles é que
estavam pagando a revolução. Entrementes, ninguém pensava em apoderar-se
dos instrumentos do poder — a guarda nacional, a polícia, o exército. Toda
essa gente é extremamente importante na hora da verdade de uma revolução.
E esse momento de verdade revolucionária aconteceu nos primeiros
dias do verão de 1848. A 23 de junho, os trabalhadores decidiram abandonar
seu gueto revolucionário e reunir-se em assembléia no Pantheon, a algumas
centenas de passos dali Desse local marcharam até a Praça da Bastilha para
impor ao governo provisório os direitos de há muito discutidos. O governo não
carecia dc recursos, e já estava olhando para os operários com crescente apreensão.
Os trabalhadores conseguiram chegar à Praça da Bastilha c aí erigir uma
forte barricada. O primeiro ataque da Guarda Nacional foi repelido, e uns
trinta guardas foram monos. As tendências românticas dos revolucionários
davam-lhes maior confiança. Duas belas prostitutas subiram no topo da barri­
cada, ergueram as saias e perguntaram qual francês, não importando quão
reacionário fosse, atiraria na barriga desnuda de uma mulher. Os franceses
responderam ao desafio com uma saraivada de balas mortíferas.
A essa altura as barricadas eram tomadas dc assalto, e os operários
subjugados. Foram feitos prisioneiros, que de início eram fuzilados. Mas a
seguir, pelo que consta, em consideração aos moradores do local, que recla­
mavam do barulho, foram mortos a baioneta. O massacre estendeu-se até os
Jardins. Num outro gesto de consideração, segundo a lenda, o logradouro
público foi mantido fechado durante vários dias, até que o sangue fosse lavado
ou limpado. Como se vê, já em 1848 o pessoal estava se conscientizando do
meio ambiente.
Marx não se surpreendeu muito com esse resultado. A liderança bur­
guesa da revolução não inspirou sua confiança. E quanto aos trabalhadores, ele
achou que tanto a hora como a seqüência cronológica estavam erradas: pri­
meiro. tinha que haver uma revolução burguesa, e depois o triunfo socialista.
Mais tarde, naquele mesmo ano, Marx assinalou que a revolução, pelo menos
simbolicamente, havia, tido exito quanto à bandeira. “A república tricolor
agora tem uma única còr, a cor da derrota, a cor de sangue'” 91
AcíjdaJn m

Em outros pontos da Europa, até as monarquias sobreviveram. Con­


cessões foram feitas ao poder burguês, mas não aos trabalhadores. Antes dc
1848, dc um modo geral, as velhas classes feudais e a nova classe capitalista
estavam cm conflito. Depois disso, elas se uniram, tendo os capitalistas levado
vantagem real, se não visível, no poder. Essa união se manteria incólume por
mais sessenta e cinco anos — até a grande descolagem da Primeira Guerra
Mundial.

Para Londres

O ano de 1848 rcalmente provocou grandes mudanças pessoais em


Marx. Os belgas eram mais liberais do que seus vizinhos, mas igualmentc ner­
vosos; por isso, decidiram que nem eles podiam abrigar um homem tão peri­
goso. A essa altura, Marx já encabeçava as listas da polícia, constituindo-se cm
nome famoso em todos os dossiers.
Por um momento, a disposição revolucionária parecia ter tido ceno
efeito. Praticamente no mesmo dia cm que fora expulso de Bruxelas, Marx foi
convidado a voltar à França. E ele conseguiu ir dali para Colônia, para ressus­
citar o Rheinische Zeitung, que assim reaparecia como o Neue Rheinische
Zeitung. Sua maior lealdade continuava sendo para com os trabalhadores
alemães.
Todavia, o jornal ressuscitado era, financeiramente falando, muito mais
que uma aventura, já que lhe faltava capita). E só subsistia por causa da
insegurança das forças conservadoras e contra-revolucionárias em suprimi-lo.
Mas, tão logo perceberam a fragilidade da ameaça revolucionária, tomaram
conta novamente. Marx continuava sendo, de certa forma, uma voz que
pregava a moderação. Ele fazia forces apelos contra a ação imprevidente e
aventureira dos trabalhadores, que só poderia levar a um desastre.
Mesmo assim, teve de arrumar as malas uma vez mais. Só havia dois
países disponíveis, a Inglaterra e os Estados Unidos Marx pensou muito cm ir
para os Estados Unidos, e é interessante especular sobre o seu futuro c o da
República, tivesse ele tomado essa decisão. Mas ele não tinha dinheiro. Por
isso, foi para Londres. Seria a sua última mudança; ficou na capital inglesa o
resto da vida.
Marx cruzou o Cana) da Mancha em 24 de agosto de 1849. Embora já
dvesse na bagagem uma experiência de várias vidas, por incrível que pareça, só
tinha trinta e um anos de idade. Diante dele estavam três outras tarefas; a
primeira delas era dar forma final às idéias que conduziríam as massas à sua
salvação; a segunda era criar a organização que provocaria e dirigiría a revo­
lução; a terceira era encontrar os meios pelos quais ele e sua família iriam
comer, alojar-se e sobreviver. Cada uma dessas tarefas interferia lamentavel­
mente com as outras, mas, no fim, todas se realizaram.
A ajuda financeira veio de Engels e dc outros amigos. Houve uma
92 herança inesperada de Trier, e também havia o New York Tribune. (Em 1857,
A casa de Marx, n? 41 da Maitland Park Road. Eles mudaram para cá vindos dos ’‘terríveis,
revoltantes aposentos** no bairro de Soho, dos quais Jenny Marx disse: “encerravam toda.a nossa
alegria e toda a nossa tristeza'’. Este bairro era um pouco mcllior naquela época.
A Era da Incerteza

no tempo das vacas magras, o Tribune despediu todos os seus correspondentes


estrangeiros, com exceção de dois. Marx era um dos que foram mantidos.) Mas
Marx era um péssimo administrador do dinheiro. Sc antes os seus movimentos
eram por ordem da polícia, agora eies eram por ordem dos senhorios e credores.
Daí suas migrações — de pensões na Leicester Square para um apartamento
próximo à King’s Road cm Chelsea, para o n? 64 da Dean Street, no bairro de
Soho, depois o n? 28 mais adiante na mesma rua. Os filhos foram aparecendo,
seis ao todo, tendo três deles morrido nos sórdidos aposentos de edifícios super­
lotados em Soho. (Houve, além disso, um filho ilegítimo.) A incerteza, as
mudanças súbitas e a miséria foi o que coube a Jenny Marx em seu casamento.
Ela o aceitou, pelo que se deduz, com infinita resignação.
A polícia prussiana continuava interessada em Marx. Tanto que. em
1852, um espião policial infiltrou-se no meio freqücntado por Marx c enviou
um relato preciso da vida familiar dc Marx. Trata-se de uma valiosa contri­
buição à história documental e renova as esperanças do que um dia talvez a
CIA possa vir a oferecer:

Como pai e esposo. Marx, apesar de seu gênio impulsivo e irrequieto, é o


mais delicado e afetuoso dos homens. Marx mora num dos piores e, por isso mesmo,
um dos mais baratos bairros de Londres. Ocupa dois quanos O que dá frente para a
ma é a sala de estar, e o quarto de dormir c o de trás. Em todo o apartamento, não há
uma única peça de mobília limpa e inteira Tudo está quebtado, gasto e estragado,
com uma grossa camada dc pó sobre tudo, cm meto á maior desordem possível No
centro da sala hã uma mesa cm estilo antigo coberta com uma toalha impermeável, e
sobre ela acham-se, espalhados, manuscritos, livros e jornais, bem como os brinquedos
das crianças, trapos c apetrechos de costura da esposa, diversas xícaras desbeíçadas,
facas, garfos, lampiões, um tinteiro, copos, cachimbos de barro, cinza de tabaco — em
suma, a maior bagunça imaginável, e tudo isso numa única mesa. Um vendedor dc
artigos dc segunda mão ficaria envergonhado em oferecer tamanha porcaria
Quando se entra no aposento de Marx, a fumaça c os odotes de fumo fazem
os olhos lacrimejar tanto que. por uns instantes, fica-se tateando como se estivesse
numa caverna, mas gradar ivamente, à medida cm que a vista se acostuma ã névoa,
pode-se discernir alguns objetos que se destacam da barafunda circunstantc. Tudo está
imundo, coberto de pó. de modo que o simples ato dc tomar assento transforma-se
numa aventura alt amente perigosa '•

Em 1856, sete anos após sua mudança para Londres, uma pequena
herança permitiu que a família fugisse, como Jenny Marx disse numa carta a
uma amtga, “dos terríveis, revoltantes aposentos que encerravam toda a nossa
alegria e toda a nossa tristeza”.” A família mudou-se então, com grande
alegria, para uma ampla casa suburbana cm Hampstead, um novo bairro que
ali se desenvolvia. Houve outros problemas financeiros, porém o pior já tinha
passado. Embora o mito diga o contrário, a verdade é que cm Londres, em seus
últimos anos de vida. Marx teve uma renda bastante satisfatória pelos padrões
da época.
Nos trinta c tantos anos que viveu na Inglaterra, Marx teve algo mais
94 importante até do que a renda, embora uma renda dificilmente seja coisa
A Dissidência de Karl Marx

secundária para qucm.nâo tem nenhuma. Era a quase total segurança e liber­
dade de pensamento e expressão. Os governos sob os quais Marx tinha vivido
antes não compreendiam bem por que ele deveria ser favorecido dessa forma.
Ao chegar a Londres, a despeito dos problemas da sua vida diária,
Marx dedicou-se imediatamente ao seu trabalho político. Compareceu a
reuniões e comícios; elementos da pior espécie se reuniram em seus esquálidos
aposentos para estudar a estratégia e táticas revolucionárias. Em 1850, o embai­
xador austríaco fez um protesto oficial junto ao governo britânico. Marx eseus
companheiros da Liga Comunista dedicavam-se a toda ordem de discussões
perigosas, abordando até mesmo a conveniência ou não do regicídio. O embai­
xador recebeu uma resposta fleumaticamente indiferente: "... de acordo com
as nossas leis, a simples discussão do regicídio, desde que não diga respeito à
Rainha da Inglaterra e enquanto não houver um plano definitivo nesse sentido,
não constitui motivo suficiente para que se prendam conspiradores".30 Toda­
via, num gesto conciliatório, o Secretário do Interior britânico informou que
estava pronto a fornecer aos revolucionários ajuda financeira para que emigras­
sem para os Estados Unidos. Afinal, o regicídio não poderia ser praticado lá.
Contudo, no ano seguinte, quando um pedido oficial conjunto foi apresentado
pela Áustria e Prússia para o transporte dc Marx e seus comparsas, o mesmo foi
rejeitado.
Em Londres. Marx dispunha de mais um recurso que tem sido muito
exaltado. Era a biblioteca do Museu Britânico.

Das Kapital

No Museu Britânico, Marx leu e escreveu. Escreveu, cspecialmcnte, seu


duradouro testamento, ou seja, os três volumes it Das Kapital.
Ninguém, menos ainda quem procura fazê-lo, consegue satisfazer-se
com um rápido resumo das conclusões dessa imensa obra. E nenhum marxista
moderno jamais se satisfará nem mesmo com um esforço mais demorado nesse
sentido. Aliás, tem sido de há muito um direito reconhecido de todo estudioso
marxista ler em Marx o significado específico que ele próprio prefere e tratar
todos os demais cóm indignação. Isso acontece especialmente quando se toma
as palavras dc Marx ao pé dá letra, como ele talvez tivesse querido sé expressar.
Mas, a mente razoavelmente sutil sempre discerne um significado mais
profundo, mais válido, menos vulgar em suas palavras..De qualquer forma, o
esforço deve ser feito.
Como se recorda. David Ricardo deu ao mundo (ou, pelo menos,
attibui-se a ele, pois houve precursores) a teoria do valor trabalho, a tese de
que as coisas são intcrcambiadas de acordo com o volume e a qualidade da
mão-de-obta exigida na sua fabricação ou produção. E com a teoria do valor
trabalho surgiu a lei de ferro da remuneração, a irresistível tendência de os salá­
rios se reduzirem ao nível mínimo que preserva a vida c perpetua a espécie.
Quando se lhes dava qualquer coisa mais, os operários proliferavam. O preço 95
Era da Incerteza

dos meios de subsistência —■ principalmcntc a comida — era elevado, aumen-


tando-sc o lance. Os salários cram reduzidos, diminuindo-se Glance. Os senho­
rios iam muito bem; os trabalhadores eram mantidos no nível, ou voltavam a
ele, em que apenas conseguiam sobreviver.
Do ponto em que Ricardo parou, Marx prosseguiu? A posição única
ocupada por David Ricardo na história é porque ele foi uma força inovadora,
tanto do pensamento capitalista como socialista. Para Marx, o valor que o
trabalho emprestava ao produto se dividia entre o operário e o proprietário dos
meios de produção. Tudo que os operários não recebessem era considerado
mais-valia. Esse valor suplementar não se acumulava, como preconizara Ricardo,
basicamente em favor do proprietário, mas sim da burguesia, do capitalista. Os
salários eram mantidos baixos mediante o desemprego, por uma legião de
reserva industrial sempre aguardando ansiosa por um emprego. Se toda essa
mão-de-obra fosse empregada e os salários subissem, isso diminuiría os lucros,
precipitando uma crise econômica, depois diversamente chamada de pânico,
depressão, recesso econômico ou, durante o mandato de Richard Nixon, de
correção do desenvolvimento. O necessário desemprego e nível salarial seria
dessa forma restaurado.
Da mais-valia acumulada em favor dos capitalistas resultaria também o
investimento. Este aumentaria mais'rapidamente do que o valor suplementar;
assim, o capitalismo sofreria uma redução progressiva no índice de rentabili­
dade. Finaimente, da mais-valia viriam os recursos financeiros com os quais os
grandes capitalistas engoliríam os pequenos — que é o processo da concentra­
ção capitalista. Devido a essa concentração, cada capitalista se tornaria mais
fone, mas o sistema como um todo se diluiria. ficando cada vez enfraquecido.
Essa fraqueza, acrescida do decrescente índice de rentabilidade e das crises cada
vez mais intensas, tornaria o sistema progressivamente mais vulnerável à sua
autodestruição. Confrontando-se com o colérico proletariado que havia criado,
força essa perfeitamente cônscia de estar sendo explorada, disciplinada pelo
trabalho, surgiría o ataque finai e o colapso:

Juniíuncntc com o número continuamcncc menor dc magnatxs du uapiial,


que usurpam c monopolizam todas as vantagens deste processo dc transformação,
aumenta a miséria do povo, a opressão, escravidão, degradação, exploração; mas com
isso cresce também a revolta da classe trabalhadora, classe essa que sempre aumenta em
número, é disciplinada, unida, organizada pelo próprio mecanismo do processo .</c
produção capitalista. O monopólio do capital torna-se um estorvo ao método dc pro­
dução. o qual surgiu e floresceu com ele, e sob cie. A centralização dos meios de
produção e a socialização do trabalho finalmente atingem um pomo em que se tornam
incompatíveis com o seu invólucro capitalista. Esse invólucro se rompe ã força. Soa
emâo a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropnadores são expro-
priados.21

E assim termina o mundo capitalista. Diante dessas palavras, a polícia


poderia perfeitamente ter aberto os olhos, pois a essa altura Marx já dotava seus
pronunciamentos com frases bombásticas. O capitalista de Marx tinha a satisfa­
96 ção dc saber que seu fim viria não com lamúrias, mas sim com um estrondo.
O Salão de Leitura do Museu Britânico. Marx trabalhou aqui, como mais tarde o faria Lenin.
A Era da Incerteza

A Internacional

O primeiro volume de 0 Capital — no origina! alemão, Das Kapital:


Kritik der Pohtischen Oekonomie von Karl Marx, Erster Brand, Buch 1: “Der
Produktions Prozess des Kapitals" (Hamburgo: Editado por Otto Meissner) —
foi publicado em 1867. Os dois outros volumes que compõem a obra, cujo
número pretendido de leitores é muitas vezes maior do que o verdadeiro, não
foram publicados durante a vida de Marx. Foram preparados para o prelo a
partir de anotações e manuscritos reunidos pelo sempre fiel Engels c não
podiam ter sido completados por ninguém mais.
Uma das razões do atraso foi a miséria dos primeiros tempos e a luta do
autor. Outra razão era a erudição; conforme seus amigos diziam, Marx era
incapaz de escrever qualquer coisa sem informar-se amplamentc. Entretanto,
outra razão mais foi a interminável discussão, os debates c a polêmica em que
Marx vivia o tempo todo. Tudo o que não apreciava ele o descrevia com grande
prazer e nenhum instinto para condescendência. Assim ele falou de um
conhecido jornal diário de Londres:

Graças a um jiscema dc esgotos aitificiahnente oculto, todas as privadas


londrinas vomitam suas fezes no Tâmisa. Mediante a sistemática pressão das penas dc
ganso, c rnundo capitalista vomita toda a sua sujeira social no grande esgoto empape-
lado central chamado The Daily Telegraph.n

Desta forma ele se referiu a Adolphe Thiers, Presidente da República


Francesa, após a derrota e queda de Napoleâo III:

Mestre em pequenas trapaças dc Estado, um virtuoso da perjúria c da traição,


artífice de todos os estratagemas menores. dos dispositivos dc astúcia e da deslealdade
básica da guerra parlamentar inicrpanidária, nunca tem escrúpulos, quando fora do
poder, para insuflar uma revolução e paxa rcprimi-ln com sangue quando na chefia
do Estado?*

Mas a razão mais importante era a de que, nesses anos, Mane estava
lançando as fundações da revolução que ele esperava e, vez por outra,
acreditava estar iminente. O instrumento da revolução seria uma organização
que uniria, num propósito comum, a ação dos trabalhadores dc todos os países
industrializados — os proletários que, como Marx ardentemente afiançava, não
tinham pátria. Conhecida hoje como Primeira Internacional, essa organização
nasceu em Londres a 28 de setembro dc 1864, num comício a que compare­
ceram cerca de 2000 trabalhadores, membros de sindicatos de classe e intelec­
tuais de toda a Europa. Foi eleito um conselho diretivo, do qual Marx, natural-
mente, era o secretário. Sua primeira função foi a dc apresentar um estatuto de
princípios e objetivos; isso foi feito, tendo Marx ficado espantado com a verbor-
rcia, falta dc cultura e baixo nível geral do resultado. Assim, sabendo que o
. assunto era inadiável, convocou os membros do conselho para discutir os
98 regulamentos. Ele próprio redigiu os princípios. O resultado, sua Alocução às
Cartão de associado da Primeira Internacional.
A Era da Incerteza

Classes Trabalhadoras, è mais um famoso documento da história do pensa­


mento marxista:

... nenhum progresso mecânico, nenhuma aplicação prática da ciência ã


produção, nenhum meio de comunicação, nenhuma colônia nova, nenhuma emigra­
ção, nenhuma abertura de mercados, nenhum comércio livre, nem tudo isso junco
conseguirá acabar com o sofrimento e desgraça das massas nos países industrializados .
.. conquistar o poder político, por conseguinte, tornou-se o dever supremo
das classes operárias.M

E, uma vez mais, a conclamarão: "Proletários dc todos os países, uni-vos!"


A Internacional tinha associadosindividuais c sindicatos dc dasse, além
dc outras organizações filiadas a ela. Nos anos seguintes, a entidade expandiu-
-se tanto no número de associados como na influência. Notáveis Congressos
foram realizados, cspccialmente em 1867, em Lausanne, e nos anos posteriores
em Bruxelas e Basiléia. As resoluções tomadas — reivindicando limitação das
horas dc trabalho, apoio estatal à educação, nacionalização das ferrovias — não
eram, afinal, tão revolucionárias assim. A reforma, uma vez mais, estava
mostrando ser em realidade a maldição da revolução.
Mas a revolução parecia ter uma outra maldição. Era o nacionalismo
Em 1870, Bismarck, que um dia havia feito propostas para Marx colocar sua
pena a serviço dc sua pátria, entrou em guerra com Napolcão III. Num prelú­
dio ao drama muito maior dc agosto de 1914, os proletários dos dois países’
demonstraram estar longe da desnacionalização; em vez disso, acorreram para
defender o que eles entendiam ser suas respectivas pátrias. Afinal, como ficou
provado posteriormente, nada mais fácil do que convencer o povo de um país,
inclusive os trabalhadores, das más intenções de agressão dc uma nação estran­
geira. A Primeira Internacional, já fendida por disputas intestinas, foi decla­
rada fora da lei por Bismarck e logo a seguir pela Terceira República. Sua sede
transferiu-se para Filadélfia, evidentemente um lugar pouco adequado à cons­
cientização da agitação dc classes; c aí, alguns anos mais tarde, expirou. Em
1889, como união dos partidos trabalhistas e sindicatos dc classe, ela ressurgiu
— a Segunda Internacional. Marx não viveu para ver isso acontecer.

Paris Novamente

Mas, se a guerra ia provocar a ruína da Internacional, cia também deu a


Marx alguma esperança. Pois no que diz respeito a revoluções, a guerra nos tempos
modernos tem produzido efeitos ambíguos. Tem sido extremamenre eficaz cm
mobilizar o proletariado do mundo em exércitos de oposição, desfazendo ó sonho
de uma classe trabalhadora unificada intemacionalmcnte, qúe Marx (e os que o
seguiram) esperavam ver realizado. Mas tem sido igualmcntc eficaz em desacre­
ditar, pelo menos temporariamente, as classes governantes que a realizavam —
tendência essa de maneira alguma confinada aos países que eram denotados.
100 Foi isro que aconteceu então na França.
A Dissidência de Karl Marx

No dia 1! de março de 1871, a Assembléia da Terceira República


reuniu-se. A derrubada de Napoleão 111 for concretizada, e os legisladores
aceitaram os termos da paz. O exército prussiano fez sua marcha triunfal pelos
Champs Êlysccs. A indignação pela incompetência dos antigos governantes, o
conhecimento de que os ricos haviam abandonado Paris, o orgulho ferido, a
experiência da fome c mil dificuldades, tudo isso levou à revolta popular. Ela
começou em Montmartre quando as tropas da República procuravam apossar-sc
das armas que estavam em mãos da Guarda Nacional Parisiense, cm quem,
com toda razão, não tinham confiança. Houve repercussões da revolta, a
maioria delas logo suprimidas, em Marselha, Lyon, Toulouse e em outras
cidades. Somente em Paris foi o poder realmcnte tomado — a Comuna de Paris
de 1871.
Tudo durou apenas umas poucas semanas. A 21 de maio, as tropas da
República entravam na cidade e, a 28 de maio, após uma semana de sangrenta
luta nas ruas, a revolta havia terminado O comando da Comuna mostrara-se
confuso, sem sentido e muitas vezes sanguinário. Quando Thiers mandou
fuzilar prisioneiros, os Communards', cm represália, mataram reféns, inclu­
sive, nos últimos dias, o Arcebispo de Paris. A repressão que se seguiu foi
incrivelmente cruel. Os poucos líderes dentre os Communards que não foram
executados (ou não conseguiram escapar do país) forarn enviados para a Nova
Caledonia, nos confins dòs mares do sul do Pacífico.
A guerra, o sítio de Paris e a Comuna foram noticiados com muita da
avidez com que todos os desastres modernos são apreciados atualmente. Nova-
mente os acontecimentos de Paris foram acompanhados com máxima atenção
por Marx, c a essa altura tal já era sua fama que, quando houve o derrama­
mento de sangue perpetrado pelos revolucionários, foi atribuído a ele. O
Doutor Terrorista Vermelho. Desta feita, ao contrário das dúvidas que nutrira
um quarto de século antes, ele se mostrava otimista, tanto no que se referia ã
liderança como aos objetivos colimados. Não ficou muito claro por que ele se
mostraria tão animado. A maioria dos líderes da Comuna eram elementos da
classe média, tanto na origem como na aparência. Os objetivos eram incoe­
rentes. A oposição tinha o poder que saía dos canos das armas. Os requisitos de
uma revolução bem sucedida mais uma vez estavam longe de completos.
Quando tudo terminou, Marx enviou uma úkima Comunicação,
meditativa e entristecida, ao Conselho da moribunda Internacional — intitu­
lada A Guerra Civil na França. Foi um dos pronunciamentos mais eloquentes
da literatura marxista:

A Paris des trabalhadores, com a sua Comuna, será comemorada e procla­


mada como □ glorioso prenuncio dc uma nova sociedade. Seus mártires acham-se
encerrados no grande coração da elasse operária. A história/desuno dc seus extermina-
dores já está fadada ao eternal pelourinho, do qual nem todas as rezas de seus padres
servirão para redimi los.”

■ Communard: indivíduo que apoiou ou participou da Comuna de Paris de 1871.


(N.T.) 101
A Era da Incerteza

A Comuna c os Communards não foram esquecidos. Mas jamais foram


eles totaimente encerrados no grande coração da classe operária. Embora sc
mostrasse então muito eloqüente, Marx ainda continuava racionalizando um
desejo.
E'assim terminou a primeira revolução que usaria, com seriedade,
embora de maneira inexata, a palavra raiz de "comunismo" E seria a única
que Marx presenciaria.

Morte e Vida

Depois da revolta de Paris, Marx viveu mais doze anos. Continuou sua
obra; continuou sendo o juiz supremo, embora não incontcste, do que era
considerado certo c errado no pensamento socialista. Um de seus julgamentos
propiciou uma de suas mais duradouras frases. Nos anos que se seguiram à
Guerra Franco-Prussiana, a classe trabalhista na Alemanha viu sua força política
aumentar rapidamente. Uma vez mais, a consequência de uma guerra. Não
apenas um mas dois partidos trabalhistas surgiram, e em 1875 eles sc reuniram
em Gotha, na Alemanha central, para fundir-se e concordar num programa
comum. O resultado foi extremamente desagradável para Marx: o programa
colidia profundamente com os princípios marxistas, e mais uma vez a reforma
substituía a revolução. A sua Crítica do Programa de Gotha afirmava, entre
outras coisas, que depois de os trabalhadores terem assumido o poder, a cicatriz
dos hábitos e do pensamento capitalistas teria que desaparecer primeiro. Só
então viria o grande dia em que a sociedade "inscrevería em suas bandeiras: de
cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades!11 !í
É possível que estas últimas quatorze palavras tenham arrebatado para as
fileiras marxistas mais seguidores do que as centenas de milhares que Marx
escreveu em seus três volumes de O Capital.
Os derradeiros anos dc Marx não lhe foram propícios. Sua saúde estava
abalada e não melhorava devido aos abusos a que longamcnte sc submetera cm
relação à comida, a noites mal dormidas, ao fumo c ao álcool (Ele era um
pródigo consumidor dc cerveja ) Por diversas vezes ele foi obrigado, segundo o
costume da época, a retirar-se para uma estação de cura. Diversas vezes foi a
Carlsbad, no que era então a Áustria e agora é a Tchecoslováquia, onde a
polícia o vigiava o tempo todo juntamente com os seus médicos e fazia relató­
rios, principalmcnte sobre a forma muito satisfatória cm que o paciente obser­
vava o regime que lhe fora receitado. Em 1881, sua esposa Jenny contraiu
cânccr, e em dezembro daquele mesmo ano vinha a falecer. Alguns meses mais
tarde, cia foi seguida por sua filha Jenny, a filha mais velha c mais querida de
Marx. Profundamente abalado e solitário, Marx também parou suas atividades
em todo o sentido. A 13 de março de 1883, com Engels à cabeceira de seu leito
de morte, ele expirava. Nunca, desde o Profeta, a influência dc um homem foi
102 cão pouco diminuída devido à sua morte.
Paris após a Comuna. A destruição ao longo dos Champs Élisées foi impressionante, mesmo
pelos padrões de hoje.

Communards após a Comuna.

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