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Anthony GIDDENS Membro do King’s College, Cambridge OGIOLOGIA uma breve porém critica introdugdo Tradugdo; Alberto Oliva Luis Alberto Cerqueira Professores da UFRJ ZAHAR EDITORES RIO DE JANEIRO 1 Sociologia: Questdes € Problemas A sociologia é uma disciplina que desfruta de uma repu- tagao curiosamente ambivalente. Por um lado, muitas so as pessoas que a associam ao fomento de rebelides, como se nao passasse de um estimulo 4 revolta. Mesmo que tenham vaga nocao dos tépicos estudados pela socio- logia, ainda assim a vinculam @ subversao, as estrepitosas exigéncias feitas por desleixados militantes estudantis. Por outro lado, uma viséo muito diferente da sociologia é em geral —talvez mais comumente que a primeira — abra- cada por individuos que tiveram com ela um contato di- reto em escolas e universidades. Isso é que faz com que seja um enfadonho e nao-instrutivo empreendimento que, Jonge de impelir os estudantes as barricadas, é capaz de mata-los de tédio. Dentro dessa perspectiva, a sociologia coum a inécua condicao de ciéncia. Mas nfo com tanta ‘orga explicativa quanto as ciéncias naturais erigidas em modelos pelos socidlogos, yeas Os que reagiram desse ultimo modo tém de razfo. A sociologi " | muitos de seus ding Sociologia tem sido concebida por de tal maneira a lgadores — até mesmo pela maioria — u dado ensej 6 i sa jo a que asser: a Jam enganosamente veiculadas ama tinwosgem --e 97 eevee ee Vee ees e se Ee EEN LEERY 10 sociotogia: uma breve porém critica introdugéo pseudocientffica, # equivocada a concepg¢ao de que a so- ciologia pertence ao grupo das ciéncias naturais e que deva, em razfo disso, tentar servilmente imitar seus pro- cedimentos e objetivos. Ao menos em certa medida, seus criticos leigos estéo cobertos de raziio em se mostrarem céticos quanto as realizagdes que a sociologia é capaz de produzir quando assim entendida. Minha intengdo neste livro é associar a sociologia ao primeiro tipo de visfo, mais que ao segundo, Mas isso nao significa que pretenda vincular a sociologia a algum tipo de furia irracional encarada pela maioria das pessoas como forma de conduta louvavel e adequada. Nao quero, porém, esposar a concepgao de que a sociologia, entendida da ma- heira pela qual a descrevo, encerra necessariamente um teor subversivo. Em minha opiniao, seu cardter subversivo ou critico no acarreta que ela seja um empreendimento intelectual sem valor. Ao contrario, a sociologia sé tem esse carater porque lida com problemas que se mostram (ou deveriam mostrar-se) prementes para todos nés, pro- blemas que geram as principais controvérsias e conflitos na prépria sociedade. Por mais que possa haver estudan- tes déceis ou radicais — ou qualquer outro tipo de radi- cal —, existem claras ligagdes entre os impulsos que os instigam a acgdo e algum tipo de consciéncia socioldgica. Isso nao se dd, ou talvez se dé apenas raramente, porque os socidlogos pregam abertamente a revolta. Ocorre por que o estudo da sociologia, adequadamente entendida, de- monstra de modo inequivoco quéo prementes so as ques- tées sociais com que nos defrontamos no mundo atual. Todos tém algum tipo de consciéncia dessas questdes, mas o estudo da sociologia favorece a que se lhes dé um en- foque mais agudo. A sociologia nfo pode permanecer uma disciplina puramente académica, se “académica” significa uma busca desinteressada e distanciada, circunscrita ao Ambito estreito dos muros da universidade, A sociologia nao é uma disciplina similar a um belo presente teérico, a demandar apenas o esforgo de desem- brulhar seu contetido. Como as outras ciéncias sociais — que podem incluir, entre outras disciplinas, a antropolo- gia, a economia e a histéria —, a sociologia é uma em- Preitada intrinsecamente controvertida. Até mesmo por- que se caracteriza por permanentes disputas acerca de sua propria natureza. Mas isso nao constitui fraqueza, apesar sociologia: questoes € problemas ul de ter isso parecido a intumeros “soci6logos” Pee emis: e a muitas pessoas leigas angustiadas com o fal Ce ea tirem numerosas concepgoes competindo pela Bea adequada de enfocar e analisar ° objeto da soci NE ogi que se afligem com a persisténcia dos embates sociolo - cos e com a falta de consenso para resolvé-los usualmen! caracterizam essa situag&o como sinal de imaturidade da logia se assemelhe a sociologia. Eles querem que a socio! ¢ a uma ciéncia natural, gerando um sistema de leis univer- sais supostamente semelhante aqueles que a ciéncia na- lidou. No entanto, de acordo com @ tural descobriu e val concepgdo que aqui delinearei, é um equivoco supor que a sociologia deva ser elaborada & maneira das ciéncias na- turais, ou imaginar que uma ciéncia natural da sociedade seja possivel ou desejavel. Outrossim, gostaria de enfati- zar que tal afirmagdio nao pretende veicular o ponto de vista segundo o qual os métodos e objetivos das ciéncias naturais se mostram totalmente irrelevantes para 0 eS- tudo do comportamento social humano. A sociologia lida com um objeto fatualmente observavel, depende da pes- quisa empirica e envolve tentativas de formular teorias e generalizagdes que darao sentido aos fatos. Mas a natu- reza dos seres humanos néo é a mesma dos objetos mate- riais. O estudo de nosso préprio comportamento, no que se refere a certos aspectos muito importantes, é comple- tamente diferente do estudo dos fendmenos naturais. O contexto da sociologia Oo desenvolvimento da sociologia, assim como suas preo- cupagdes atuais, tem de ser apreendido no contexto. das mudangas que criaram © mundo moderno. Vivemos numa época de mMaciga transformagao social. No decorrer de apenas dois séculos, tiveram lugar avassaladoras mudan- ea oe que, nos dias de hoje, sféo ainda mais acelera- cen a mudangas, que se originaram na Europa Oci- Seat ems sentir agora por toda parte. Elas dissol- : Reade as formas de organizacao social em que ava le viveu durante milhares de anos. Seu nucleo dune preontrada nas que tém sido descritas como “as grandes revolugdes” dos séculos Xvi e XIX que tive- 12 sociologia: uma breve porém critica introdugéo ram lugar na Europa. A primeira 6 a Revolugaéo Francesa de 1789, que corresponde nio apenas a um conjunto es- pecffico de eventos, mas também a um simbolo de trans- formagées polfticas de nossa era. Pois a Revolugdo de 1789 foi muito diferente das rebelides que a antecederam. De tempos em tempos, os camponeses se rebelavam contra os senhores feudais, mas tentavam apenas afastar certos in- dividuos do poder, ou fazer com que os pregos ou as taxas fossem reduzidos. Com a Revolugao Francesa (a qual po- demos associar, com certas reservas, 4 revolugao antico- lonial ocorrida na América do Norte em 1776), pela pri- meira vez na histéria uma ordem social foi completamen- te transformada por um movimento conduzido por idéias puramente seculares — liberdade e igualdade universais. E se, mesmo nos dias de hoje, os ideais dos revolucionarios Taramente s&o realizados, ao menos eles criaram um cli- ma de mudanga politica que se tem mostrado uma das forgas dindmicas da histéria contemporanea. Atualmente, poucos séo os Estados cujos governantes nfo proclamam tratar-se de “democracias”, seja qual for sua compleigao politica real. Issso é algo totalmente novo na histéria da hhumanidade. & claro que existiram outras reptblicas, es- pecialmente as da Grécia e Roma classicas. Porém, nao passaram de casos raros. E nesses casos, os que integra- vam o corpo de “cidadaos” constituiam uma minoria da populagao, cuja maioria era composta de escravos ou de pessoas que nao desfrutavam das prerrogativas dos gru- pos restritos que tinham acesso a cidadania. A segunda “grande revolugdo” foi a chamada “Revo- lug&o Industrial”, que ocorreu na Inglaterra no final do século xvil e se disseminou, ao longo do século xIx, pela Europa Ocidental e Estados Unidos. As vezes, a Revolucéo Industrial 6 apresentada como um conjunto de inovagées técnicas: especialmente a utilizacéo do vapor para manu- faturar a produgdo e a introduc&o de novas formas de maquinaria acionadas por tais fontes de energia. Entre- tanto, essas invengées técnicas foram apenas parte de um conjunto muito mais amplo de mudangas sociais e eco- n6micas, A transformagéo mais importante foi a migra- gao em massa da forga de trabalho proveniente do campo para os setores do trabalho industrial em constante ex- Pansao, Tal processo acabou levando também & mecaniza- Sociologia: questées e problemas 13 g@o da produgiio agraria, além de promover a expansio das cidades com uma intensidade jamais vista na histéria, Calcula-se que antes do século XIX, mesmo nas Sociedades mais urbanizadas, nao mais que 10% da populacio habi- tavam as pequenas ou as grandes cidades — e geralmen- te muito menos na maioria dos Estados e impérios susten- virtualmente todas as cidades nas sociedades pré-indus- triais, mesmo os mais afamados centros cosmopolitas, eram relativamente pequenas, Estimou-se, por exemplo, a popu- lag&o londrina do século xiv em 30 mil habitantes e a de Florenga durante o mesmo perfodo em 90 mil. No inicio do século XxIx, a Populag&o de Londres j4 ultrapassara a de qualquer cidade em todos os tempos, alcancando a ci- fra de cerca de 900 mil almas, Mas, em 1800, mesmo com tao grande centro Inetropolitano, apenas uma pequena minoria da Populagao da Inglaterra e Pais de Gales resi- dia em cidades. Um século depois, quase 40% da popula- 90 residiam em cidades de 100 mil habitantes ou mais e cerca de 60%, em cidades de 20 mil habitantes ou mais. QUADRO 1.1 Percentagem da populagéo mundial que reside em cidades, Cidades de Cidades de 20 mil habi- 100 mil habi- tantes ou mais tantes ou mais 1800 24 ui 1850 43 2.3 1900 9,2 55 1950 20,9 13,1 1970 31,2 16,7 Fone: Kingsley Davis, “The origin and growth of urbas nisation in the world”, American Journal of Sociology, vol. 61, 1955 (atualizado), © Quadro 1.1 mostra que a urbanizacaio tem-se ex- Pandido dramaticamente em escala mundial, e que isso continua a ocorrer, Todos os paises industrializados sao muito urbanizados, quaisquer que sejam os critérios que usemos para distinguir a “pequena” e a “grande” cidade 14 sociologia: uma breve porém critica introdugGo dos centros menos populosos. No entanto, também nos paises do Terceiro Mundo se verifica répida expanséo das areas urbanas. As maiores reas urbanas do mundo con- temporaneo mostram-se imensas, quando as contrastamos com cidades de sociedades anteriores ao século XIX. Se a industrializagiio e a urbanizagao estéo no centro das transformagées que dissolveram inexoravelmente as formas mais tradicionais de sociedade, devemos mencionar um terceiro fenémeno que lhes esta associado. Trata-se do surpreendente aumento da populacao miundial nos dias de hoje, comparativamente com o passado. JA se estimou que, na época do nascimento de Cristo, a populagéo do mundo provavelmente nao chegava a 300 milhdes de habitantes. Até o século XVIII, sua totalidade parece ter crescido de maneira bem constante, ainda que lenta; provavelmente, a populagéo do mundo duplicou durante esse perfodo. Desde ent&o tem ocorrido a t&o falada “explosdo popula- cional”, embora pouco.se saiba sobre ela. Atualmente, ha quase 4 bilhdes de pessoas vivendo no mundo, e esse nu- mero tem aumentado de tal modo que, a perdurar tal situacéio, a populagéio mundial duplicaraé a cada 40 anos. Embora as conseqiiéncias de tal crescimento populacional para o futuro da espécie humana sejam assustadoras, po- dendo ser objeto de grande controvérsia, os fatores que subjazem as origens do recente crescimento demografico s80 menos controvertidos que os da industrializagéo ou urbanizagéo. Na maior parte da histéria da humanidade, houve um equilibrio gera] entre as taxas de natalidade e de mortalidade. Ainda que, em alguns aspectos, se trate de questo complexa, nela se destacam dois fenémenos principais. O primeiro é que, anteriormente aos dois Ulti- mos séculos, a média de vida raramente ultrapassava os 35 anos, e em geral era menor. O segundo fator foi a taxa de mortalidade infantil: nfo era incomum, na Europa medieval e alhures, que até a metade das criangas nasci- das em cada ano morresse antes de alcangar a idade adulta. O aumento da expectativa de vida e o dramatico decréscimo da taxa de mortalidade infantil — produzidos pelas melhores condigées sanitérias e higiénicas e pelo Progresso da medicina, que propiciou a cura das princi- pais doencas infecciosas — tém contribuido para esse pro- digioso crescimento populacional. sociologia: questées ¢ problemas 15 Sociologia: uma definigio © algumas consideragées preliminares A sociologia surgiu quando aqueles que se viram envolvi- dos na série inicial de mudangas ocasionadas pelas “duas grandes revolugées” que tiveram lugar em solo europeu buscaram compreender as condigées de sua emergéncia e suas provdveis conseqiiéncias. Naturalmente, nenhuma area de estudo pode ser exatamente demarcada em termos de suas origens, Podemos prontamente tragar uma linha ‘continua que vai dos autores de meados do século xvIL aos perfodos mais recentes do pensamento social. De fato, a formagao da sociologia envolveu um clima ideolégico que contribuiu para incrementar ambos os processos revolucio- nérios, : Como deverfamos definir a “sociologia”? Vejamos uma definigéo trivial. A sociologia diz respeito ao estudo das sociedades humanas. Ora, sé podemos. formular a nocio de sociedade de modo muito geral. Pois sob a categoria geral de “sociedades” desejamos incluir nao apenas os paises industrializados, mas também os imensos Estados imperiais sustentados pela agricultura (como o Império Romano ou a China tradicional) e, no extremo oposto, as pequenas comunidades tribais que apenas podem abran- ger um numero insignificante de individuos. Uma sociedade 6 um grupo, ou sistema, de modos institucionalizados de conduta. Falar de formas “institu- cionalizadas” de conduta social é referir-se a modalidades de crenga e comportamento que ocorrem e recorrem — ou, como expressa a terminologia da moderna teoria social, sao socialmente reproduzidas — no tempo e no espaco. A linguagem é excelente exemplo de uma forma de ativida- de institucionalizada, ou instituigio, por ser tao funda- mental para a vida social. Todos nds falamos linguas que, enquanto individuos, nenhum de nés criou, embora pos- samos utilizar a linguagem de forma criativa, No entan- to, muitos outros aspectos da vida social podem ser insti- tuclonaltzados, ou seja, tornam-se geralmente praticas ; lotadas que mantém uma forma reconhecidamente simi- lar ao longo das geragées. Por conseguinte, podemos falar a instituigdes econdmicas, politicas e assim por diante. Po devemos assinalar que semelhante uso do conceito de instituig&o” difere da maneira em que o termo 6 freqiien- 16 i ic L Sociologia: uma breve porém eritica introdugéo ter vant ganpregado na linguagem comum, como vago si- fale aa gmpo aon “coletividade” — como quando, ao “instibuinse” prisdo ou hospital, nos referimos a uma Essas consider Ges mos compreender o termo "socidiade’ mas nse eodos seiar 8 Questao por resolver. Como objeto de etude : at lade’ é abordada tanto pela sociologia. quanto pelas emais ciéncias sociais. A caracteristica distintiva da so- Clologia reside no fato de ela concernir principalmente Aquelas formas de sociedade que tém emergido na esteira ~ das “duas grandes revolucdes”: as sociedades industrial: mente avangadas. Terei muito a dizer nos capitulos ue pero a respeito de o que implica a expressao “indus. ente avangadas”. Mas nao seré prejudicial para nossa, discussao Se propusermos a seguinte definicao: a Sociologia focaliza principalmente o estudo das institui- goes das sociedades “avangadas” ou “industrializadas” e as condigées de transformagdo dessas instituigées. Entretanto, quero atribuir énfase especial ao fato de as sociedades “avangadas” nfo poderem ser tratadas como Se estivessem isoladas do resto do mundo, ou das socie- dades que as precederam no tempo — ainda que grande parte dos trabalhos sociolégicos tenha sido escrita como se assim fosse. Além disso, € igualmente importante enfa- tizar que nao é possivel tracar precisamente linhas divi- sérias entre a sociologia e outras dreas de estudo. Nem é desejavel que possamos fazé-lo, Algumas questées da teoria social, que tém a ver com a maneira pela qual o compor- tamento e as instituigdes humanas deveriam ser concei- tualizados, so objeto de estudo por parte das ciéncias so- ciais como um todo, As diferentes “Areas” de comporta- mento humano que séo abordadas pelas diversas ciéncias sociais formam uma divisao intelectual do trabalho que sé le ser justificada de maneira muito geral. A antro- x J pologia, por exemplo, est4 nominalmente preocupada com as sociedades “mais simples”: as sociedades tribais, as che- fias e os Estados sustentados pela agricultura. Tais socie- dades, porém, vém sendo completamente dissolvidas pelas profundas mudangas sociais que tém acometido o mundo ou entdo em vias de serem incorporadas pelos modernos Estados industriais. O objeto de estudo da, economia, para considerarmos outro exemplo, é a producio e a distribui- ¢ sociologia: questées e problemas 17 a materiais. Contudo, as instituigdes econdmi- By See teatae! obviamente, associadas a outras insti- tuigdes nos sistemas sociais, que as influenciam e sao por elas influenciadas. Finalmente, a histéria, como 0 estudo do continuo distanciamento entre passado e presente, constitui a fonte material da totalidade das ciéncias sociais. . Muitos pensadores notdveis associados ao desenvolvi- mento da sociologia ficaram impressionados com a im- portancia da ciéncia e da tecnologia para as mudangas que testemunharam. Portanto, ao estabelecerem as metas da sociologia, buscaram, no estudo das questées sociais humanas, conseguir o mesmo éxito obtido pelas ciéncias naturais ao explicarem o mundo material. A sociologia devia ser uma “ciéncia natural da sociedade”. Augusto Comte (1798-1857), que cunhou o termo “sociologia”, for- mulou essa concepcao de modo mais claro e abrangente. ( Alegou que todas as ciéncias, inclusive a sociologia, com- 4 partilham uma estrutura global de légica e de método; ( todas visam descobrir as leis universais que regem os fe- némenos particulares com os quais lidam. Comte acredi- tava que, se descobrirmos as leis que regem a sociedade humana, poderemos forjar nosso préprio destino, do mes- mo modo que a ciéncia nos tem permitido controlar os eventos que fazem parte do mundo natural. Sua famosa formula, Prévoir pour pouvoir (prever para poder), ex- pressa essa idéia. Desde a época de Comte, a nogio de que a sociologia deveria tomar como modelo as ciéncias naturais tem pre- dominado — embora certamente nao tenha deixado de Ssofrer objegdes, sendo também expressa de varias e dife- rentes maneiras. Emile Durkheim (1858-1917), uma das figuras mais influentes que contribuiram para o desenvol- vimento da sociologia no século xx, deu continuidade a alguns aspectos importantes do pensamento de Comte. Segundo ele, a sociologia diz respeito aos “fatos sociais”, oe podem ser abordados do mesmo modo objetivo que os fatos com que lidam as ciéncias naturais. Em seu peque- no, mas por demais influente li gi parla vro As regras do método ), Durkheim propés que os fend: LOU menos aden pecenaata ser tratados como coisas: deveriamos con- nos Mesmos como se fossemos Objetos que fazem. 18 _ Sociologia: uma breve porém critica introdugéo parte da natureza. Assim sendo, ele acentuou as similari- dades entre a sociologia e a ciéncia natural. Como mencionei anteriormente, rejeito esse tipo de ponto de vista, ainda que ele tenha sido muito difundido €m Sociologia. Falar da sociologia, e de outros temas, como 4 antropologia ou a economia, como “ciéncias sociais” é enfatizar que elas envolvem o estudo sistematico de um objeto empirico. Tal terminologia nao nos confundiré en- quanto percebermos que a sociologia e as outras ciéncias Socials diferem das ciéncias naturais em dois aspectos essenciais, “ (1) Ndo podemos abordar a sociedade, ou os “fatos socials”, como fazemos com os objetos ou eventos que fa- zem parte do mundo natural, pois as sociedades sO exts- tem na medida em que sao criadas e recriadas por nossas prdéprias agées como seres humanos. No que tange & teoria social, nio podemos tratar as atividades humanas como se fossem determinadas por certas causas da mesma for- ma que os eventos naturais. Temos de compreender o que chamariamos de duplo envoivimento de individuos e ins- tituigdes: criamos a sociedade ¢ ao mesmo tempo somos erlados por ela. J& mencionei que as institulgdes sao pa- drées de atividade social reproduzidos ao longo do tempo e do espago. Vale a pena refletir por um momento sobre as conseqiiéncias de tal caracteristica. Falar de “reprodu- gio” da conduta social ou dos sistemas soclals é referir- se & repeticdo de modelos similares de atividade por parte de atores separados no tempo e no espaco. Realmente, é muito importante enfatizar esse aspecto, pols multas teorias sociais — inclusive a de Durkhelm — tendem a pensar em termos de imagens fisicas, e tal tendéncia pode acarretar danosas conseqiiéncias. Os sistemas sociais en- volvem padrées de relacionamento entre individuos e gru- pos, Muitos socidlogos concebem tais padrdes como as pa- redes de um edificio ou como o esqueleto de um corpo. Trata-se de uma atitude equivocada, por implicar uma imagem por demais estatica e imutavel das sociedades, isto 6, por nao esclarecer que a padronizac&o dos sistemas sociais sé existe na medida em que os individuos reiteram ativamente formas particulares de conduta em tempos e lugares distintos. Se tivéssemos de usar esse tipo de ima- gem, deveriamos dizer que os sistemas sociais so como sociologia: questées e problemas 19 edificios que estado sendo constantemente reconstruidos pelos préprios tijolos que os compéem. . (2) A partir do que foi dito, podemos concluir que as implicagées praticas da sociologia nao sao e nao podem ser diretamente andlogas aos usos tecnoldgicos da ciéncia. Os dtomos nao podem saber o que os cientistas dizem so- bres eles, ou mudar de comportamento com base nesse conhecimento. Jd com os seres humanos d4-se o contra- rio. Por conseguinte, a relacéo entre a sociologia e seu “objeto de estudo” é necessariamente diferente da impli- cada pelas ciéncias naturais. Se considerarmos a ativida- de social como um conjunto mecAnico de eventos, deter- minado pelas leis naturais, néo sé compreenderemos mal o passado, mas também deixaremos de perceber de que modo a analise sociolégica pode contribuir para exercer alguma influéncia em nosso possivel futuro. Como seres jhumanos, nao apenas vivemos na histéria, mas nossa com~ preensdo da histéria é uma parte integrante daquilo que a historia é e do que pode vir a ser. Eis por que nao nos podemos satisfazer com a idéia de Comte do Prévoir pour pouvoir, considerada como tecnologia social. Quando se trata de ciéncias sociais, dirigimo-nos a outros seres hu- manos, e nado a um mundo inerte de objetos. Geralmente, por mostrar que o que a alguns se afigura inevitavel ou inquestiondvel — por se assemelhar a uma lei natural — é, de fato, um produto histérico, a andlise sociolégica pode desempenhar um papel emancipatério na sociedade hu- mana. Simultaneamente, a analise socioldgica mostra so- briedade, Pois, embora o conhecimento possa contribuir de modo importante para se alcangar 0 poder, com este nao se identifica. E nosso conhecimento de histéria é sem-~ pre inseguro e incompleto. A imaginagio sociolégica: a sociologia como critica Neste livro, afirmo que a pratica da sociologia demanda o que C, Wright Mills tao habilmente chamou de “imagi- nagao sociolégica” (C, Wright Mills, The Sociological Ima- gination, Harmondsworth, Penguin, 1970. [A imaginagdo ee Rio, Zahar, 1965; 6% ed., 1982]). Esse termo em sido tao utilizado que corre o risco de tornar-se tri~ vial, eo proprio Mills usou-o num sentido um: tanto vago. Ao mencioné-lo, quero referir-me as varias formas rela~ 20 — sociologia: uma breve porém critica introdugdo cionadas de sensibilidade que se mostram indispensaveis & analise sociolégica da manecira como a concebo. SO po- demos compreender o mundo social a que deram inicio as sociedades industrializadas contemporaéneas — 2 socieda- de atual que se formou primeiramente no Ocidente — mediante um triplice exercicio de imaginagao. Essas for- mas da imaginacdo sociolégica envolvem uma sensibilida- de historica, antropoldgica e critica. Seres humanos geneticamente idénticos a nés existem ha mais ou menos 500 mil anos. Na medida em que po- demos obter algum conhecimento a partir dos residuos arqueolégicos, “civilizagdes” baseadas na agricultura exis- tem, quando muito, ha apenas 10 mil anos. No entanto, esse parece um grande perfodo quando comparado @ in- significante durag&o da histéria recente, onde predomina © capitalismo industrial. Os historiadores nao estao de acordo com relagfo a quando o capitalismo, como modo de atividade econémica, comegou a predominar; mas é di- ficil sustentar a afirmag&o de que suas origens possam ser encontradas na Europa antes do século xv ou XVI. O ca- pitalismo industrial, enquanto associagéo do empreen- dimento capitalista com a produg&éo mecanica fabril, re- monta a tltima parte do século xvm, e nessa época Xe) existia em determinadas partes da Gra-Bretanha. Os wl- timos 100 anos, que presenciaram a expansao do capitalis- mo industrial em nivel mundial, tém, nao obstante, cau- sado mudangas sociais mais perturbadoras em suas con- seqiiéncias que qualquer outro periodo em toda a histé- ria anterior da humanidade. Os ocidentais vivem em so- ciedades que assimilaram o primeiro impacto de tais mu- dancas. A geracio contempordnea esté familiarizada com sociedades adaptadas a uma rapida inovagio tecnolégica, em que a maioria da populagéo vive em cidades grandes ou pequenas, dedica-se a um trabalho industrial e é “ci- dada” de Estados-Nagées, Entretanto, esse novo mundo social familiar, criado de forma tao répida e dramatica, é unico na histéria da humanidade, No que se refere 4 imaginagiio sociolégica, quem ana- lisa hoje em dia as sociedades industrializadas tem, em primeiro lugar, de se esforgar para recuperar nosso_ pré- prio passado imediato — o “mundo que perdemos”. So me- diante tal esforgo de imaginagdo, que naturalmente en- volve uma consciéncia histérica, é que podemos compre- sociologia: questbes € problemas 2 ue atualmente vivem nas de vida dos Teele a te do das pessoas que iedades industrializadas é diferen' vive i do relativamente recente. Os fatos bru- iveram num passa 3 fato tos, como os nae mencionei ao falar da urbanizagao, nos auxiliam a compreender tal fendmeno. Mas o que € real- mente necessario é uma tentativa de reconstrugao ima- ginativa da constituigao das formas de vida social que foram, em grande parte, erradicadas. Nesse caso, 6 in- possivel fazer uma distingéo entre 0 officio do socidlogo e a arte do historiador. A Inglaterra setecentista, a socie- dade que experimentou pela primeira vez 0 impacto da Re- iedade em que OS ial, era ainda uma soci tidos pela pene- volugao Industri costumes da comunidade local eram man Foi uma sociedade em que Gra-Bretanha trante influéncia da religiao. podemos constatar uma continuidade com a le os contrastes sao notaveis. As or- muns existiam apenas do século XxX, mas ond ganizagdes que hoje em dia so CO} numa forma rudimentar: nao apenas fabricas e escrité- rios, mas escolas, faculdades, hospitais e prisGes s6 se tor- naram comuns no século xix. De certo modo, naturalmente, essas mudangas na es- trutura da vida social sfo de tipo material. Ao descrever a Revolucdo Industrial, assim escreveu um historiador: ender como 0 A tecnologia moderna nfo apenas produz mais e mais. rdpido; ela produz objetos que de modo algum poderiam ser produ- zidos pelos métodos de que disptinhamos anteriormente. A melhor fiadeira indiana nao poderia produzir um fio tao fino e regular como o da fiadeira automética; nenhuma forja do século xvii poderia produzir chapas de aco tao grandes, lisas ¢ homogéneas como as da fébrica moderna. E, o que é mais importante, a moderna tecnologia tem ctiado coisas que di- ficilmente teriam sido concebidas na era pré-industrial: a camara, o automével, o aeroplano, toda a sétie de inventos eletrdnicos (do rédio ao computador), a usina nuclear e assim por diante, quase ad infinitum [...]. Isso tem resul- tado num imenso aumento da produgio e variedade de bens fe servigos, sendo o bastante para transformar a vida do pone que qualquer coisa que ele tenha feito desde a a al do fogo: o inglés de 1750 estava mais préximo, oink ea dos legiondrios de César do que de seus Sree eee (David S. Landes, The Unbound Prome- , Cambridge, Cambridge University Press, 1969, p. 5.) 22 sociologia: uma breve porém critica introdugdo disseminagiio da inovagéo tecnolégica constituem inegavelmente uma das caracteristicas distin- tivas das atuais sociedades industrializadas. E est&o inti- mamente associadas a0 declinio da tradig&o, 0 esteio da! vida cotidiana na comunidade aldeai local, importante até mesma na vida urbana da era pré-capitalista, A tradigéo inclufa o presente no passado, e€ implicava uma experién- cia do tempo distinta da que predomina nas sociedades ocidentais contemporaneas. O dia de cada um nao era dividido em “tempo de trabalho” e “tempo livre”, como ocorre hoje em dia; e nfo se separava claramente o “tra- palho” das demais atividades, fosse no espaco ou no tempo. Ja me referi & intersegao de duas grandes revolucgoes que se situam na origem das transformagées das socieda- des da Europa Ocidental, A segunda foi a revolugao poli- tica, que esta associada & origem do Estado-Nac&o, fen6- meno tao significativo para a criacéo do mundo moderno como o incremento da jndustrializagao. Os que vivem no Ocidente consideram-se “cidadaos” de uma nagdo parti- cular, e nenhum deles poderia deixar de estar consciente do importante papel que 0 Estado (governo centralizado e administracdo local) desempenha em suas vidas. No en- tanto, 0 desenvolvimento dos direitos de cidadania, parti- cularmente o sufragio universal, é relativamente recente. Trata-se do nacionalismo, 0 sentimento de se pertencer 2 uma comunidade nacional distinta, separada das outras. Bssas se tornaram caracteristicas da organizagdo “inter- na” dos Estados-Nagdes mas € igualmente importante atentar para 0 fato de que as relagées entre Estados-Na- goes sao fundamentalmente distintivas da era moderna. Hoje em dia, vivemos num sistema mundial que nao encontra paralelo nas eras que nos antecederam. As “duas grandes revolugdes” tém-se disseminado em escala mun- dial. O capitalismo industrial baseia-se numa complexa especializagio da producéo, numa divisio do trabalho em que as relacoes de troca estao espalhadas pelo mundo in- teiro. Consideremos as roupas que estamos vestindo, a sala em que estamos ou a comida que comeremos na pré- xima refeicéio, # improvavel que nés mesmos tenhamos confeccionado nossas roupas, construido nossas proprias moradias ou cultivado os alimentos que consumimos. Nos paises industrializados, estamos acostumados com tal si- tuacéio, mas, antes do advento do capitalismo industrial, A escalada ec & sociologia: questoes & problemas 3 a diviséio do trabalho era muito menos complexa. A maior parte da populagao satisfazia diretamente quase todas as suas necessidades @, quando nfo o fazia, utilizava 0 ser- vigo de outras pessoas de sua comunidade local. Entre- tanto, atualmente os produtos sao manufaturados € tro- cados num ambito mundial, 0 que demanda uma divisao do trabalho verdadeiramente global. Nao apenas muitos dos bens consumidos no Ocidente sao produzidos no Orien- te, e até certo ponto vice-versa, mas também podemos constatar intrincadas ligagoes entre processos de produgao Jevados a cabo em lugares distintos. Determinadas partes de um aparelho de TV, por exemplo, podem ser feitas num pais e outras partes, alhures; ele pode ser montado nou- tro lugar e ainda ser yendido noutro pais. 7 Mas nao foi somente a expansdo das relagdes econd- micas que deu origem a um novo & nico sistema mun- dial. A expanséo do capitalismo tem sido acompanhada pela predominancia geral do Estado-Nacdo. Ja me referi a algumas caracteristicas “internas” do Estado-Nagdo (e quero analis4-las mais completamente no Capitulo 7). Contudo, num sentido importante, é enganador falar “do” Estado-Nacao pois, 2 partir de suas origens na Europa, sempre tem ha’ ido Estados-Nagdes que se relacionam am- biguamente, de maneira harménica ou conflituosa. Hoje em dia, todo o mundo esté dividido em diversos Estados- Nagodes. Nao so a emergéncia dos Estados-Nacdes na Eu- ropa, mas especialmente seu desenvolvimento noutras par- tes do mundo é, uma vez mais, fenémeno relativamente recente. Durante a maior parte de sua historia, a huma- nidade esteve escassamente disseminada pelo mundo, vi- vendo em sociedades muito pequenas, cacando animais e coletando vegetais comestiveis. Trata-se das chamadas so- ciedades de “cacadores e coletores”. No decorrer dos wlti- mos 10 milénios, 0 mundo manteve-se ainda esparsamen- te habitado, em comparacdo com a época atual, por pes- soas que viviam em sociedades de caca e coleta, pequenas comunidades agricolas, cidades-Estados ou impérios Al guns impérios, principalmente o da China, foram muito ontemnpordin peramay muito diferentes dos Estados-Nacdes . Por SB na China ‘wadictonal mite 10 rou Ob Soe satis muito direto sobre suas vari grou obter um controle as mais ext s varias provincias, especia'mente is extensas. A maior parte dos que se’ sujei' jeitavam | 24 sociologia: uma breve porém critica introdugSo soberania do Estado chinés levava uma vida muito dife~ rente da de seus governantes, com os quais tinha muito pouco em comum no que sé refere & cultura ou A lingua. ‘Ademais, embora os varios tipos de sociedades men- cionados se relacionem de diversas formas, essas ligagdes certamente nio estavam disseminadas pelo mundo como ocorre atualmente. A 59 “Oriente € Oriente ¢ Oci- dente é Ocidente © 0S dois nunca se encontrariio”, ante- rior 20 século atual, expressava uma circunstancia muito real. Houve contatos esporadicos ¢ um certo comércio in- termitente entre @ China e a Europe do século x1 em diante; mas durante os séculos que se segu . a China e o Ocidente habitaram universes separados. Atualmente, tudo {sso mudou, nao obstante diferengas culturals pos- sam ainda separar Oriente e Ocidente- A China nio 6 majs um império, mas um Estado-Nagao, se bem que de des dimens6es, de territdrio, mas fo s6 em termos também de populagao. Naturalmente. é também um de- clarado Estado socialists. ados-Nagdes este- Embora os Esti jam atualmente disseminados pelo mundo, de manelra al- guma t¢ém seguido 0 modelo “tbernt-demnocritico” que se estabeleceu com mais firmeza na Europa Ocidental. Se a primeira dimensio da tmaginagdo soclolégica en- volve 0 desenvolvimento de uma sensibilidade histérica, & segunda acarreta © aperfelgoamento de um insight antro- poldgico. Fazer tal afirmagdo é novarnente enfatizar a nue natureza das frontelras convencionalmente reconhe- cidas entre as diversas ciéncias socials. A obtengdo de um sentido histérico de quéo recentes ¢ dramaticas so as transformacdes socials ocorridas nos dois séculos passados 6 dificil. Mas talvez seja ‘ainda mais dificil superar a cren- ca, explicita ou implicita, de que os modos de vida que tam sido desenvolvidos no Ocidente sdo, de alguma for ma, superiores ao de outras cult ‘ uras. Tal crenga & enco- rajada pela ampla disseminacio do préprio capitalismo ocidental, o qual acarretou uma série de eventos que des- gastou ou destruiu muitas outras culturas com que en- a Gare ‘Além disso, muitos pensadores socials atribuido forma con G0 eet 7 creta a essa Mi! ao tentarem clal nos quais a “evolucao” é compreent ee de diversos tipos de sociedade de controlarem dominarem seu meio ambiente material. Inevitavel- sociologia: questoes & problemas 25 industrializagio ocidental parece ser O apice pee] esquemas, visto que inegavelmente ela tem alcan- gado uma produtividade material imensamente maior que as de quaisquer outras sociedades que a precederam na ae entanto, tais esquemas evolucionistas expressam um etnocentrismo que cabe & imaginagao sociolégica dis- sipar. Uma concep¢ao etnocéntrica é aquela que adota o ponto de vista de sua propria sociedade ou cultura como padrao de medida para avaliar todas as outras. Sem du- vida, tal atitude esta profundamente enraizada na cultu- ra ocidental. E também tem caracterizado muitas outras sociedades. Contudo, no Ocidente a convicgao de superio- ridade tem sido, de certo modo, uma expressio, bem como uma justificagéo, da acerba dominagéo sobre outras ma- neiras de viver por parte do capitalismo industrial. Porém, nao devemos confundir o poder econémico e militar das sociedades ocidentais, que Ihes tem permitido assumir uma posicao preeminente no mundo, com o 4pice de um esque- Ina evolutivo. A valorizacio da produtividade material, tao pronunciada no Ocidente moderno, é em si mesma uma* atitude especificamente anémala, quando comparada com outras culturas. _, _ 4 dimensao antropolégica da imaginagio sociolégica é importante porque nos permite apreciar a diversidade dos modos de existéncia humanos que se tém sucedido em nosso mundo, Uma das ironias da era moderna & que o estudo sistematico da diversidade das culturas amare — “o trabalho de campo antropolégico” — surgi 1 ad e ae itary do capitalismo industrial e do 0 ocidental que acelerava a destruica& culturas. No entanto, o aspecto antro; tae 7 - polégico da imagina- gio Se iso as ciéncias socials desde cardter etnocéntrico, No Disckrao ae evoluctoniste, de gualdade entre os homens (1755) a re a origem da desi- Seau, encontramos repetidas vezes le Jean-Jacques Rous- que, a0 nos tornarmos conuclents R ieee esclarecedora de lade das sociedades humanas, podemos S Preender melhor a n6: aprender a Rousseau, esté conatit mesmos, “O mund com- lo todo”, nhecemos apenas og ituido Por sociedad , observou E les “das ‘qu sobre a rage hums goes nao obstante ousemes coe Pede-nos para ima. E em seguida 26 sociologia; uma preve porém critica introdugao 6. 8 idos observado- ao constituida de intrép rvade expedier gensivels 4 diversidade da ops. fe ‘descrever 08 multifacetadas sociedax eae das quais conhecemos muito pouco. [po- I es Novos Hercules, 20 nhamos”, 5 am-se cal- voltarem oe rere ae erie mpetinies Tal e politica mamente a escrever a ‘undo emer- daquilo que viram, Entao, verfamos um novo mi pir de Bae penas e, conseqiientemente, aprenderiamos @ conhecer a nés mesmos. . ; No decorrer do século e meio que se seguiu & publica- go do Discurso de Rousseau, viajantes, missionarios, Co” merciantes e outros mais realizaram essas viagens. No en- tanto, seus relatos eram incertos ou parciais, ou assu- miam o proprio etnocentrismo que Rousseau pretendera atacar. O trabalho de campo antropologico de tipo siste- miAtico e minucioso s6 teve inicio por yolta da virada do século Xx. Desde essa época, a partir da qual seu campo de estudo diminuiu rapidamente, a antropologia logrou reunir muitas informagoes a respeito de diferentes cultu- ras, Por um lado, tal informagdo confirma a unidade da raca humana; nao tem fundamento a afirmacaéo de que as pessoas que vivem em sociedades pequenas e “primiti- vas” séo de algum modo geneticamente inferiores 4s que vivem em “civilizagdes” supostamente mais avancadas N&o conhecemos sociedades humanas que na&o possuam formas desenvolvidas de linguagem, e nfo parece haver correlacao entre tipos de sociedade e complexidade lin- giifstica. Por outro lado, a moderna pesquisa antropolégi ca também subjaz o amplo espectro de instituicé ia elas es setee hucnanee podem ordenar suas vidas. es ralment pea nite Sat” RE mkt ne militar, assoladas por enfermidade: aacreeaveos tato com o ocidental ou arruinadas poe aes Pee cous costumes tradicional! ssolugéio de seus is, Segundo Claude Lévi-Sti vez 0 mais erninente pensador rauss, tal- to nos dias de hoje, o antropél que se dedica e esse assun- nha” desses povos em via ee logo 6 o “aluno e a testemu- dir 0 continuo despojame: to extingao. A luta para impe- pelo menos para suavizar-Ihe dos direitos desses povos, ou dos de vida quando o seu jo 8 © ajustamento a novos mo- ___ Wes urgentes e bastante rath desintegrou, envolve ques- cas. No entanto..a_imnor- ginar uma res que se 2 sociologia: questoes & problemas Q7 a nos a ignorar a im- anci jutas néio de cA eae tals Fabalho antropolégico que fol Pee ng decorrer dos tiltimos 50 anos, pois & par a ereics aoa it demos manter viva a imagem ¢ oe eadal eset que podem estar As vésperas de serem © re. ; para scombinat esse segundo sentido com 0 primeiro, © fi i ibilita- tra icio da imaginagao sociolégica possibilita nos u Cae eed ponto de vista de sé pensar em et. do tipo de sociedade que conhecemos de modo imediato. Assim sendo, cada qual é diretamente relevante para a terceira forma de imaginagao sociolégica que quero assl nalar. Ela concerne as possibilidades futuras. AO criticar a idéia de que a sociologia se assemelha a uma ciéncla natural, aleguei com veeméncia que nenhum processo so- cial é regido por leis inalteraveis. Como seres humanos, nao estamos condenados a sermos arrastados por forgas que sejam tao jnevitaveis quanto as leis naturais. Mas isso significa que devemos estar conscientes das alternativas futuras que potencialmente se nos apresentam. E nesse terceiro sentido que a imaginaciio socioldgica se une a ta- refa da sociologia ao contribuir para a critica das formas ezistentes de sociedade, _ A critica deve basear-se na analise. Nos capitulos se- guintes, iniciarei a discussiio de diferentes concepgédes da natureza das sociedades industrializadas, contrastando-as eure inter pretastes contrarias. Mas as mudangas que ti- no pode pelonae) promiaets como Soa anteriormente, lacd se levar em conta as re- coumqlincla, dlevutirel ‘minuclasenante eee ’ rei minuciosamente a importancia da formacéo do siste ea ‘stema mundial contempor: a ae fundamental para se cathnoareny as tee oeoe lades da organizagio social humana, i

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