Professional Documents
Culture Documents
JuliaAchilles - Versao Biblioteca
JuliaAchilles - Versao Biblioteca
Rio de Janeiro
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV
75 f.
CDD – 668.55
AGRADECIMENTOS
Ao longo dessa trajetória, sinto-me grata às pessoas que conheci, às amizades que cultiveis, às
experiências e aprendizados que tive, pois todos me fizeram evoluir.
Agradeço especialmente aos meus pais, Mauro e Maristela, que sempre me proporcionaram o
privilégio de estudar.
Ao meu parceiro de todas as horas, Alejandro, meu maior incentivador e companheiro nesses
dois anos de mestrado, fazendo os finais de semana de estudo mais fáceis e mais leves.
A todos meus amigos e família, pelo apoio e pela compreensão nos momentos de ausência.
À minha orientadora, Marisol Goia, pela dedicação, incentivo e contribuições valiosas. Por ter
despertado meu interesse pelo tema da dissertação e por ser uma inspiração constante.
Aos grandes mestres que tive a sorte de ser aluna, Prof. José Mauro Nunes, Prof. Arthur
Irigaray e Prof. Joaquim Rubens.
Objetivo – Esta pesquisa tem por propósito contribuir com a discussão sobre o processo de
socialização e de aprendizagem ligados ao consumo, analisando as práticas e os significados
associados ao consumo de cosméticos naturais, com ênfase na relação entre a socialização
online e offline.
Metodologia – A natureza da metodologia selecionada para esta pesquisa é qualitativa,
descritiva e exploratória, e construída com base em netnografia, observação-participante e
entrevistas semiestruturadas.
Resultados – A pesquisa resultou na construção de uma trajetória de 4 fases da consumidora
de cosméticos naturais. (1) “Despertar”, constituída pelos eventos que dão início ao consumo,
tais como gravidez, problemas de saúde, empoderamento e consumo consciente; (2)
“Aprendizado”, mapeou os conhecimentos necessários e os múltiplos agentes socializadores
online e offline envolvidos no processo; (3) “Testes e Uso”, diz respeito aos resultados e
mostram que os mesmos irão depender do ciclo de vida da mulher; (4) “Compartilhamento”,
demonstra que a mulheres compartilham os conhecimentos adquiridos criando uma rede que
fortalece esse tipo de consumo.
Limitações – Por se tratar de estudo exploratório a pesquisa abriu um leque de discussões a
serem aprofundadas e ficam como sugestão para futuras pesquisas, como o significado de
beleza para essas consumidoras e os efeitos do greenwashing neste mercado.
Contribuições práticas – Apesar de o Brasil possuir o quarto maior mercado de cosméticos
do mundo, a temática específica dos cosméticos naturais ainda é incipiente nos estudos
acadêmicos. A pesquisa mostra que a tendência de consumo de cosméticos naturais não é um
movimento puramente estético, estando atrelado a questões mais amplas, envolvendo
posicionamentos éticos e políticos.
Originalidade – A pesquisa amplia o conhecimento sobre a temática de cosméticos naturais,
criando e propondo uma trajetória capaz de caracterizar a especificidade desse tipo de
consumidor. A pesquisa também aborda temas pouco explorados academicamente nos estudos
sobre cultura e consumo, como a categoria do “Sagrado Feminino”.
Purpose – This research project aims to understand the consumption of natural cosmetics, the
process of socialization and learning, the practices and meanings involved in this
consumption and the integration of online and offline socialization.
Methodology – The nature of the methodology chosen for this research is qualitative,
descriptive and exploratory, based on the netnography, participant observation technique and
semi-structured interviews.
Findings – The research resulted in the construction of a consumer trajectory of natural
cosmetics, consisting of 4 phases. (1) “Awakening”, listed the events that trigger this
consumption, such as pregnancy, health problems, empowerment and conscious consumption;
(2) “Learning”, listed the necessary knowledge and the multiple online and offline socializing
agents involved in the process; (3) “Testing and Use” refers to the results and shows that they
will depend on the woman's life cycle; (4) “Sharing” demonstrates that women share the
knowledge gained by creating a network that strengthens adherence to this type of
consumption.
Research limitations – As it is an exploratory study, the research opened a wide range of
new discussions to be deepened, such as the meaning of beauty for these consumers and the
effects of greenwashing in this market.
Practical implications – Natural cosmetics still is incipient in academic studies, although
Brazil has the fourth largest cosmetics market in the world. Research shows that this trend
towards consuming natural cosmetics is not a purely aesthetic movement and is linked to
more complex issues such as ideology, ethics and politics.
Originality – The research expands the knowledge on the theme of natural cosmetics,
creating the trajectory of the consumer. The research also addresses topics little explored
academically, such as the category of "Sacred Feminine".
Keywords - Natural Cosmetics, Socialization of Consumption, Social Networks, Agents of
Socialization
Paper category: Master Dissertation
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10
2. CONTEXTUALIZAÇÃO .............................................................................................. 14
4. METODOLOGIA .......................................................................................................... 27
6. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 67
1. INTRODUÇÃO
1.1 OBJETIVOS
Tendo em vista a tendência de um consumo cada vez mais voltado para o “natural”
(NILSEN, 2018; SINGHAL; MALIK, 2018), o objetivo principal deste trabalho é entender, a
partir da ideia de “socialização do consumo” (MOREIRA; CASOTTI; CAMPOS, 2018), o
consumo de beleza a base de produtos naturais. O conceito de socialização surge como
central, pois parte-se da premissa de que todo consumo envolve um processo de
12
1
Dentro desta categoria a Euromonitor considera: produtos para bebês, sabonetes, coloração, desodorantes,
produtos para cabelo, fragrâncias, produtos para pele, produtos para barbearia e depilação.
2
A China com um crescimento médio de 8% ao ano triplicou o faturamento no setor desde 2003, saindo de 19
bilhões de dólares naquele ano e fechando o ano de 2018 com um faturamento de 62 bilhões de dólares. A China
continuará puxando o crescimento deste mercado nos próximos anos, chegando a um faturamento expressivo e
semelhante ao do maior mercado mundial, os Estados Unidos, nos próximos anos.
3
Apesar de assumir a quarta colocação do Ranking mundial, com 6% do share total das vendas, em algumas
categorias o Brasil atinge a segunda colocação – perdendo apenas para os EUA – são elas: Desodorantes,
Perfumes, Produtos Masculinos e Proteção Solar.
13
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
Este capítulo tem como objetivo fazer uma contextualização sobre o mercado de
cosméticos naturais, onde são colocadas algumas definições e delimitações da categoria,
tendências de consumo e considerações a respeito de como a indústria de cosméticos parece
estar se organizando para atender esta crescente demanda. As informações baseiam-se em
relatórios de grandes empresas de pesquisa de mercado, como a Euromonitor e Nielsen, que
produzem relatórios específicos sobre o segmento de cosméticos.
Uma das tendências que definem a indústria de beleza global é o crescente interesse dos
consumidores por produtos naturais, orgânicos e éticos – definidos, em um amplo espectro, de
“beleza verde” (green beauty) (EUROMONITOR, 2018). No entanto, a falta de uma
definição padronizada e globalmente aceita de tal categoria de beleza cria desafios tanto para
os consumidores quanto para os fabricantes.
Podemos dizer que o tema de cosméticos naturais é um terreno construído, disputado e
negociado por diferentes stakeholders, atuando na construção dos contornos desse mercado,
tanto em nível nacional quanto global. Dessa arena, participam diferentes grupos, como as
empresas certificadoras, as grandes empresas de bens de consumo, pequenas empresas de
nicho, laboratórios, dermatologistas, ativistas e influenciadores, entre outros, que atuam no
segmento.
Segundo Lyrio et al (2011) os “cosméticos naturais” são produtos elaborados com
ingredientes vegetais, sem conservantes artificiais e sem substâncias de origem animal, que
além de serem mais delicados com a pele e cabelos, estimulam a sua capacidade natural de se
recuperar. Além disso, os cosméticos naturais devem seguir processos de produção que
atendam a determinados padrões de sustentabilidade, contudo não existe no Brasil um
consenso entre os diferentes grupos atuantes no setor, sobre estes padrões.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não possui uma
diretriz ou certificação para cosméticos naturais. Segundo Fonseca-Santos et al (2015) não há
um padrão global advindo de agências reguladoras ainda, e as certificações e diretrizes são
dadas por institutos privados que possuam critérios de avaliação internacionais.
O Instituto Biodinâmico de Certificações (IBD), para citar um exemplo, promove
certificações desse tipo de produto no Brasil. O Instituto faz diferenciação entre produtos
15
orgânicos e naturais. Para ser considerado orgânico, o produto deve ter 95% da formulação
composta por matérias-primas orgânicas, com certificado de extração ou matérias-primas que
sigam padrões rigorosos de produção, extração, purificação e processamento. Uma matéria-
prima orgânica é sempre considerada natural. Já um cosmético natural pode ser classificado
como tal se a formulação for composta de matérias-primas vegetais e minerais naturais,
certificadas ou não. O Instituto ressalta que uma matéria-prima natural não é necessariamente
orgânica (IBD, 2010).
Já a certificadora francesa ECOCERT, que também atua no Brasil, é mais rigorosa em
relação aos cosméticos naturais. Para ser classificado como tal, o produto necessita ter em sua
composição 95% de ingredientes naturais e, no mínimo, 50% dos ingredientes orgânicos. Para
o grupo ECOCERT, cosmético ecológico é sinônimo de cosmético orgânico (ECOCERT,
2009).
Na Europa foi criada pelas agências certificadoras uma consolidação de um
procedimento padrão de cosméticos orgânicos e naturais, chamado COSMOS-STANDARD.
Segundo o regulamento (COSMOS-STANDARD, 2019), para um cosmético ser considerado
orgânico deve ter pelo menos 95% de ingredientes orgânicos; para cosméticos naturais não há
exigência para usar um nível mínimo de ingredientes orgânicos.
Para Fonseca-Santos et al (2015), para que os produtos sejam categorizados por natural
ou orgânico, essas diretrizes e padrões estabelecidos pelos órgãos reguladores devem ser
seguidos, mas não há uma harmonização entre eles. Esses padrões são projetados para
estabelecer os processos de embalagem permitidos e propor uma extração sustentável e
processos permitidos.
Porém, tal como acontece com muitos outros setores, a qualidade “natural” também diz
respeito ao que não está no produto. Segundo estudo da Nielsen, 53% dos consumidores de
cosméticos naturais dizem que a ausência de ingredientes indesejáveis é mais importante do
que a inclusão do que ingredientes benéficos (NIELSEN, 2018). O estudo mostrou que a
ausência de determinados produtos como parabenos 4, sulfatos5 e fragrâncias artificiais é
fundamental para a decisão de compra do consumidor de cosméticos naturais.
4
Segundo o Conselho Internacional de Dermatologistas DermaClub os parabenos são conservantes utilizados
para proteger as formulações dos produtos da proliferação de fungos, bactérias e prolongar sua vida útil. Muito
presentes, ainda, na indústria cosmética, em itens para rosto, corpo e cabelo, essas substâncias podem
desencadear alergias, irritações e sensibilidade cutânea devido à ação antibacteriana e antifúngica, que a
substância possui. O acúmulo de parabenos no organismo, segundo estudos, também pode gerar doenças como
câncer de mama e de pele, melanoma e afetar a fertilidade.
5
Segundo o Conselho Internacional de Dermatologistas DermaClub o sulfato é introduzido nas formulações de
shampoos para agir como um detergente, ou seja, promover espuma e limpar profundamente. Assim, a
substância se liga nas partículas de sujeira presentes nos fios, sendo eliminadas com o enxágue. No entanto,
16
grandes quantidades de sulfato podem danificar o cabelo, pois alteram o pH da fibra, deixando-o ressecado e
frágil.
6
TRESemmé é uma marca do grupo UNILEVER – a terceira maior indústria de bens de consumo do mundo
segundo relatório da Euromonitor (2019)
17
3. REFERENCIAL TEÓRICO
O conceito de socialização tem uma longa história nas ciências humanas. Durkheim
(1978) foi um dos primeiros autores a abordar o conceito na Sociologia, o autor parte do
princípio de que o indivíduo se tornou sociável, pois foi capaz de aprender hábitos e costumes
característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste. Podemos entender que
este processo de aprendizagem, Durkheim chamou de Socialização.
Pierre Bourdieu (1979) e a Teoria do habitus agregam grande contribuição nos estudos
dos processos de socialização. O conceito de habitus, que traduz a palavra grega hexis,
utilizada por Aristóteles para designar então características do corpo e da alma adquiridas em
um processo de aprendizagem (SETTON, 2002). A Teoria do Habitus é sistematizada por
Bourdieu como "sistemas de disposições duradouras e transponíveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e
organizadores de práticas e de representações" (BOURDIEU, 2007, p. 191).
Mauss (1974) mostra como a socialização está ligada a uma aprendizagem que envolve
os usos do corpo. Técnicas do corpo referem-se então aos modos pelos quais as pessoas
sabem servir-se de seus corpos de maneira tradicional, o que varia de uma sociedade a outra.
Assim há mecanismos de aprendizagem que estão relacionados à sociedade em que o corpo
está inserido.
Essa ideia também é desenvolvida por Hertz (1990), em relação a esse
condicionamento do corpo de acordo com a sociedade. Hertz parte do pressuposto de que a
explicação fisiológica sobre a predominância do uso da mão direita é incompleta,
demonstrando que a relação entre o sagrado e o profano é que determina o uso preferencial de
uma das mãos. Assim como Mauss, Hertz (1990) considera que o movimento corporal
humano corresponde a uma marca específica de uma organização social.
Thomas Luckmann e Peter Berger (1983) retomam e aprofundam as análises e
acrescentam uma distinção entre socialização primária, e socialização secundária. A
socialização primária aconteceria na infância, os saberes básicos incorporados pelas crianças
dependeriam não somente das relações entre a família e o universo escolar, mas de sua
própria relação com os adultos responsáveis pela socialização. Já a socialização secundária
ocorreria na vida adulta, e englobaria “saberes especializados”.
19
O avanço teórico das reflexões de Berger e Luckmann está no fato dos autores
atribuírem uma participação ativa do indivíduo nas instâncias socializadoras, conferindo a ele
maior autonomia e liberdade reflexiva. Neste cenário, o indivíduo é concebido como tendo
capacidade de dialogar, questionar e escolher um universo de relações, bem como os valores
que constituem esse universo diferente dos demais (SETTON, 2005).
Becker (2008) pontua também sobre a importância dos agentes socializadores, para
aprender a usar a droga da maneira correta, o indivíduo precisaria estar envolvido em grupos
no qual a maconha é utilizada. Ele pode aprender através do ensinamento direto ou por meios
mais indiretos de observação ou imitação. À medida que os usuários adquirem esse conjunto
de competências, eles se tornam connaisseurs, e assim se tornam consumidores que
participam ativamente de um determinado grupo.
Assim, a questão do aprendizado surge como central ao tema de socialização. Porém,
vale ressaltar que este fato encontra respaldo na constatação de que os estágios maduros do
ciclo de vida não estão apenas associados com as diferentes variáveis relacionadas aos
processos de aprendizagem, mas também com mudanças nos padrões de comportamento já
existentes.
Nesse sentido, a Perspectiva do Curso de Vida de Moschis (2007) parte da ideia que um
evento-gatilho de mudança pode desencadear no consumidor demandas físicas, sociais e
emocionais que geram processos de adaptação. Este modelo oferece uma lente teórica
multidisciplinar que nos ajuda a compreender como eventos de transição abruptos ou graduais
geram mudanças no comportamento do objeto de análise, seja ele um indivíduo, uma família
ou uma organização.
Os eventos de transição podem ter significados socioculturais positivos, relacionados a
conquistas, por exemplo, ou, ainda, negativos e estigmatizantes. Eventos como ingresso em
uma universidade, iniciação no mercado de trabalho, mudança de profissão, casamento ou
divórcio, filhos, doenças, dentre outros, são exemplos do contexto dinâmico no qual estamos
inseridos que podem desencadear demandas físicas, sociais e emocionais e também podem
criar e modificar a ideia de consumo, caracterizando a noção de aprendizado e ajuste
constante, seja consciente e intencional ou não.
(2018) seguem a lente teórica da Consumer Culture Theory (CCT)7e buscam integrar
conceitos da Perspectiva de Curso de Vida e da ontologia social da Assemblage8 para
investigar a socialização do consumidor adulto.
Moreira, Casotti e Campos (2018), ao refletirem sobre a noção de socialização do
consumidor, dão destaque aos agentes socializadores (família, escola e trabalho), encontrando
trabalhos sobre as influências de outros agentes socializadores. As autoras propõem um
quadro teórico que reproduz uma teia constituída pelos seguintes agentes socializadores:
família, religião, pares, cultura de massa, propagandas, redes sociais, comunidades de marca e
mercado.
A grande contribuição da pesquisa seria a de ampliar nosso olhar para os múltiplos
agentes socializadores que formam uma rede de influência na vida de um consumidor. Além
disso, eventos de transição podem desencadear processos de revisão dos agentes
socializadores, alguns podem perder relevância para o consumidor, enquanto outros se
fortalecem.
7
A lente teórica da CCT, proposta por Arnould e Thompson (2005), busca explicar a dinâmica do
relacionamento entre as ações dos consumidores, o mercado e os significados cultural, abordando aspectos
socioculturais, experienciais, simbólicos e ideológicos do consumo. Esses estudos, que privilegiam a
metodologia de pesquisa qualitativa, têm se dedicado à compreensão do consumo, das escolhas comportamentais
e das práticas sociais, todos enxergados como um fenômeno cultural, em oposição, à visão predominantemente
positivista (MORAIS E QUINTÃO, 2016).
8
Moreira, Casotti e Campos ideia básica da Assemblage de Delanda (2006), a qual reside em uma associação
entre elementos heterogêneos, incluindo humanos e não humanos, que interagem entre si e podem se acoplar ou
desacoplar.
22
pelos diversos papéis sociais que a mulher equilibra em cada uma das etapas de seu ciclo de
vida (CASOTTI; SUAREZ; CAMPOS, 2008).
As autoras sugerem quatro momentos de vida das consumidoras de beleza pesquisadas:
o recurso aos cosméticos naturais. Entretanto, a pesquisa não contemplou o que hoje vem
representando um importante agente socializador dessas práticas, a Internet.
De acordo com a SPC Brasil (2016), as três principais fontes em que as pessoas mais
pesquisam e buscam informações sobre produtos e serviços relacionados à beleza são amigos
e familiares (46,8%), seguidos por sites especializados (42,7%) e redes sociais (22,1%). Ou
seja, mais de 60% das pesquisas e buscas realizadas são provenientes do ambiente digital 9.
Nesse contexto, tendências digitais, principalmente mídias sociais, tendem a amplificar
a demanda por produtos naturais. A tecnologia capacita os consumidores a acessar as
informações dos ingredientes instantaneamente no momento da compra, o que pressiona o
segmento a ser transparente com relação a seus ingredientes e processos ecológicos
(EUROMONITOR, 2016).
De acordo com Belk (1998), os indivíduos têm vivido uma mudança forte de
paradigma na forma de se comunicarem, saindo do mundo offline em direção ao online, onde
as mensagens realizadas via internet se tornam cada vez mais acessíveis a todas as pessoas,
em todos os lugares e num intervalo de tempo cada vez mais reduzido.
Neste cenário é válido entender a comunicação utilizando o Eletronic Word of Mouth
(E- WoM) que tem sido cada vez mais difundida através das redes sociais e tem atraído a
atenção dos pesquisadores de marketing. O conceito pode ser definido como uma
comunicação informal de pessoa a pessoa, envolvendo um comunicador não comercial, sendo
recebida por um receptor em relação a uma marca, produto, empresa ou serviço
(HARRISON-WALKER, 2001).
No caso de beleza, essa comunicação E-WoM torna-se importante de ser entendida,
visto que é um fenômeno crescente. Segundo Kulmala (2011), as redes sociais tornaram-se
fontes credíveis de informação sobre produtos e tendências no campo da moda e beleza, sendo
que cada vez mais as mulheres recorrem a eles para se inspirarem e conhecerem novos
produtos e tendências.
Além disso, Chen e Xie (2008) colocam que as informações de produtos online criadas
pelos consumidores são consideradas um novo canal de comunicação E-WoM de extrema
9
Precisamos considerar que estes dados podem se relacionar, ex: as pessoas contatam amigos e familiares pelas
redes sociais para pesquisar e procurar informações sobre beleza .
24
importância. Estas informações assumem cada vez mais importância nas decisões de compra,
tendo por isso influência na venda de produtos. Os consumidores consultam as reviews de
outros consumidores para obterem mais informação sobre os produtos nos quais têm interesse
e assim decidir sobre a compra.
4. METODOLOGIA
Este capítulo irá apresentar o método de pesquisa adotado e a seleção dos instrumentos
de coleta de dados utilizados por essa pesquisa.
A abordagem metodológica partiu da análise bibliográfica e propôs o uso de
metodologia de pesquisa qualitativa. Tal modalidade de pesquisa caracteriza-se por não ser
estruturada e ter um caráter exploratório (MALHOTRA, 2012). Na pesquisa qualitativa a
preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado,
mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social (GOLDENBERG, 2001).
O objetivo da pesquisa é compreender o consumo de cosméticos naturais, sob a ótica da
socialização do consumo, entendendo os processos de aprendizagem envolvidos, os agentes
socializadores presentes neste contexto, os significados envolvidos neste consumo e as
continuidades e descontinuidades dos mundos online e offline que permeiam esta
socialização. Assim, entende-se que um estudo qualitativo poderá alcançar um mapeamento
dessa trajetória de maneira mais satisfatória, visto que o estudo qualitativo visa capturar o
significado dos eventos na vida dos indivíduos, apresentando suas visões e perspectivas,
abrangendo as condições contextuais (CRESWELL, 2007; YIN, 2010;).
Quanto à epistemologia, a pesquisa tem caráter interpretativista. Pesquisadores
interpretativistas sup em que a realidade só pode ser apreciada através de construções sociais,
tais como símbolos e significados compartilhados. Assim, a pesquisa interpretativa concentra-
se na complexidade do ser humano e dos fenômenos sociais na busca do entendimento dentro
de um determinado contexto (TAKAHASHI, 2013).
Sobre cosméticos naturais, os dados encontrados na pesquisa irão mostrar que o
consumidor possui uma história a ser contada. O consumo não é racional, ou puramente
estético, há diversos fatores sociais, ideológicos e até mesmo políticos envolvidos no
consumo de cosméticos naturais, exigindo que a pesquisa tenha este caráter interpretativista.
A pesquisa tem ainda um caráter descritivo, pois pretende descrever as características de
uma população ou fenômeno (ROMERO; NASCIMENTO, 2002). No caso, descrever o
processo de socialização e aprendizado no uso de cosméticos naturais, bem como seus
significados.
A pesquisa contou com técnicas múltiplas de coletas de dados. Segundo Yin (2010) a
pesquisa qualitativa procura coletar, integrar e apresentar dados de diversas fontes de
28
4.1.1 Netnografia
10
A etnografia, herdada da tradição antropológica, consiste na observação e análise de grupos humanos
considerados em sua particularidade e visando a reconstituição, tão fiel quanto possível, da vida de cada um
deles, (YIN,2010). Envolve um estudo de campo suficientemente extenso para revelar normas, rituais e rotinas
cotidianas em profundidade.
29
11
Relatório especial Google Beauty Trends - 2018
12
Google Consumer Survey -Você acredita que as informações que você recebe pela internet (Busca no Google,
YouTube, Facebook, Instagram, site de notícias e de marcas) influenciam a sua compra de produtos de beleza?
30
Outra exceção foi o canal “Bonita de Pele”, o qual não é exclusivo de cosméticos
naturais, porém é um dos canais mais relevantes do segmento de beleza e é totalmente
dedicado a ensinar o público sobre cosméticos para a pele, sendo divulgado conteúdo de
beleza, incluindo alguns posts e vídeos exclusivos de cosméticos naturais, com a criação de
conteúdo colaborativo feito em parceria com digitais influencers especialistas do assunto, o
que pareceu válido para a pesquisa. Foram escolhidos apenas perfis de brasileiros.
No primeiro momento, conforme sugerido por Kozinets (2002) realizou-se um
acompanhamento das postagens dos grupos para a familiarização com o tema de cosméticos
naturais e para a entrada cultural. Nessa fase, foi feita a observação das postagens e observado
qual tipo gerava mais comentários e interações.
Em seguida foram analisadas as postagens que se dedicam a falar sobre o processo de
aprendizagem acerca do uso de produtos naturais, e também significados de consumo dos
mesmos. Observou-se que postagens que falavam de maneira geral sobre o uso de cosméticos
naturais, bem como os malefícios de determinados produtos químicos tendiam a ter mais
interações com o público do que postagens muito específicas sobre um produto ou outro.
A netnografia revelou-se fundamental para a pesquisa, pois foi possível acompanhar e
conhecer, por meio das interações geradas pelas postagens, quais são as principais questões
que motivam e inquietam o consumidor de cosméticos naturais, assim como acessar as
informaç es e os conhecimentos fundamentais para o aprendizado desta “nova” forma de
consumo.
Ademais, essa fase foi crucial dentro do processo exploratório da pesquisa,
interferindo no curso dela. No ambiente virtual foi possível obter informações relevantes
acerca de eventos relacionados a cosméticos naturais, como a feira Naturaltech, maior feira de
produtos naturais da América Latina, à qual a pesquisadora teve a oportunidade de
comparecer. A feira, além de se mostrar um campo valioso para a pesquisa permitiu a
interação com pessoas do meio, que em um momento posterior foram convidadas a
participarem da última fase de entrevistas.
As tabelas a seguir irão mostrar os perfis selecionados para a pesquisas nas redes
sociais Instagram e YouTube.
31
92 mil
Bonita de pele Jana Rosa Sem informações
inscritos
Canal do blog -
www.anaturalíssima.com.br - sobre
beleza natural, autocuidado e estilo
de vida consciente. 1.5 mil
Marcela Rodrigues
A Naturalíssima Quem faz // Marcela Rodrigues é inscritos
jornalista, curadora de bem-estar,
herbalista e aromaterapeuta em
formação.
feira permitiu também a observação in loco das usuárias de cosméticos naturais nos stands
das marcas e a interação com consumidores, produtores e entusiastas no assunto. Além de
estabelecer contato com algumas palestrantes e consumidoras presentes, me apresentando
como pesquisadora do tema. Durante a feira foi feito um diário de campo.
Abaixo uma breve descrição das mulheres que participaram das palestras na qual a
pesquisadora esteve presente. Seus depoimentos e insights serão utilizados na análise de
resultados através da indicação de Palestrante pelo número identificado.
O roteiro das entrevistas encontra-se nos apêndices. Como será possível notar, as
perguntas que nortearam as entrevistas buscam entender os seguintes aspectos, relacionados
aos objetivos e discutidos no referencial teórico:
Após a coleta dos dados, foi realizada a análise dos mesmos, utilizando-se a técnica de
análise de conteúdo.
Na análise de conteúdo, o pesquisador busca compreender as características, estruturas
ou modelos que estão por trás dos fragmentos do material levado em consideração. O esforço
do pesquisador é, então, duplo: entender o sentido da comunicação e, principalmente, buscar
ou propor um eixo mais abrangente capaz de unir o sentido das mensagens coletadas
(CRESWELL, 2003, GODOY, 2015).
Bardin (2006) destaca que os procedimentos de codificação e categorização dos
resultados possibilitam interpretações e as inferências. Através desses procedimentos, o
pesquisador organiza suas análises, obtendo também, maior clareza sobre os seus achados
(KOZINETS, 2002).
A análise de conteúdo aqui realizada, baseada nos materiais coletados na netnografia,
observação-participante e entrevistas consistiu na criação de 4 categorias de análises,
38
A primeira fase identificada nesta pesquisa foi chamada de “Despertar”. Foi utilizada a
palavra “despertar” devido à utilização da mesma por algumas consumidoras ao relatar uma
fase inicial de “revelação” do universo dos cosméticos naturais. Trata-se de um momento de
vida em que a mulher, diante de uma determinada situação, esperada ou não, reconstrói suas
práticas de consumo.
Assim como indicam os estudos sobre a socialização do consumidor na idade adulta
(MOREIRA, CASOTTI E CAMPOS, 2018) a pesquisa identificou a existência de eventos de
transição importantes - abruptos ou graduais - que afetam a consumidora e desencadeiam
mudanças e adaptações em seu modo de vida e em seus papéis sociais.
40
Notou-se que os eventos do ciclo de vida que comp em a fase do “Despertar” - tais
como gravidez, doenças, empoderamento e ressignificação do feminino e consumo consciente
- têm efeitos importantes para a construção da trajetória da consumidora de cosméticos
naturais.
Gravidez
O que foi observado neste estudo em relação à gravidez diz respeito à preocupação
com cosméticos que possam prejudicar o bebê durante a gestação e o período de
amamentação. Algumas das mulheres pesquisadas teriam passado a ter uma preocupação mais
latente em relação a sua própria saúde, por estar em jogo a saúde também do filho. Essas
mulheres entendem que cosméticos são produtos que entram na corrente sanguínea e,
portanto, entram em contato com o bebê. Da mesma forma como se preocupam com aquilo
que ingerem, essas mulheres evitam determinados produtos químicos presentes em
cosméticos, tais como chumbo, parabenos, petrolatos entre outros.
Há uma constante alegação das gestantes de que é difícil encontrar informações
específicas sobre ingredientes maléficos presentes em cosméticos. Durante a Feira
Naturaltech a palestra sobre Cosméticos e Gravidez, uma das mais procuradas pelo público,
foi proferida por Maria Cláudia Pontes, CEO da Marca Weleda, especialista em cosméticos
naturais e com linha própria para gestantes, e por Soraia Zonta, empresária da BioArt
Cosméticos.
A primeira a falar, narrou sua gravidez aos 40 anos, quando foi mãe do primeiro filho.
Eu nunca fui uma pessoa muito saudável, eu era workaholic total, comia mal, estava
sempre estressada. Até descobrir uma gravidez aos 40 anos. Isso mudou tudo!
Parece que acendeu uma luz! Comecei a pensar no que eu podia fazer para fazer
daquela gestação a mais tranquila possível. Então primeiro pensei na alimentação e
depois em tudo aquilo que podia me prejudicar. E a nossa pele é o maior órgão do
corpo. Então o que eu passo nela deveria mudar também. Fui mudando aos poucos.
Parei de pintar e alisar o cabelo, de usar esmaltes. Acho que esse é o jeito mais fácil,
ir substituindo, tem que ser algo progressivo. Você aos poucos vai se conectando
consigo mesma e entendo quais concessões é capaz de fazer. Palestrante 1 – Feira
Naturaltech
O relato mostra que para ela o início ao universo dos cosméticos naturais aconteceu
durante a gravidez, e começou de maneira progressiva, a princípio ela deixou de usar alguns
produtos de que fazia uso e considerava quimicamente pesados, como esmaltes, tinturas,
41
alisamentos, e aos poucos, foi entrando neste universo, passando a trocar seus cosméticos
sintéticos por cosméticos naturais.
Os seguintes relatos abaixo evidenciam que a gravidez mostra-se para a mulher como
um período de ressignificação do consumo. Mesmo mulheres que já adotavam um estilo de
vida mais saudável, ou já consumiam produtos naturais, dizem ter ficado mais “radicais”
durante a gravidez.
“Eu já era bem cuidadosa com a minha alimentação, mas quando descobri que
estava grávida tudo se intensificou, não tirava da cabeça a ideia de um bebê
orgânico. Então fui bem radical durante a gravidez. Não só com a alimentação, com
tudo o que eu usava! A gravidez trouxe novas necessidades de cuidados com o
corpo. Daí eu fui procurar alternativas 100% naturais. Depois disso nunca mais
parei. Hoje ainda uso a maioria dos produtos que usava na gravidez”. Palestrante 4
– Feira Naturaltech
Minha gravidez está apenas no comecinho, mas já digo que vou ser bem radical.
Quero uma gravidez limpa! E depois que nascer eu quero que minha filha desde
pequena tenha essa consciência que eu só fui ter depois de velha. Será maravilhoso
poder ensiná-la Entrevistada 8
Problemas de Saúde
Durante a quimioterapia minha pele ficou super sensível, eu não podia usar nada que
me fazia mal. Tive que abrir mão de tudo que gostava. Aí busquei alternativas e
encontrei os cosméticos naturais e tive tudo de volta. Foi por isso que decidi abrir a
marca, para compartilhar com o mundo algo tão bom”. Palestrante C – Feira
Naturaltech
Importante frisar que durante as entrevistas, as mulheres tinham dificuldades para falar
dos problemas de saúde, já que apenas depois de se sentirem confortáveis, aprofundavam
sobre o que anteriormente mencionavam como “problemas pessoais” que as levaram a
repensar seu consumo.
A Entrevistada 7 nunca havia se interessado por nenhuma forma de consumo natural,
até ter um problema psicológico que a afetou. Os cosméticos teriam se apresentado como uma
forma de tratamento alternativo.
A Entrevistada 8 também nunca havia consumido nenhum produto natural, até que
tivesse um problema de acne na idade adulta que a deixou deprimida. Os produtos naturais
teriam surgido como tratamento alternativo aos consolidados pela medicina tradicional.
Nunca tinha tido uma espinha na minha vida toda, nunca tive que me preocupar com
a minha pele. Depois de velha comecei a ter a tal acne da mulher adulta, devido a
um descontrole hormonal, e é a pior forma de acne que você pode imaginar! O meu
dermatologista recomendava mil pomadas, nada adiantava! Estava deprimida, não
conseguia me olhar no espelho, cheguei a deixar de ir trabalhar alguns dias,
inventava um desculpa, não queria sair. Aí comecei a ver vários vídeos na Internet
de meninas que trataram a acne com produtos naturais. Comprei tudo, fiquei
alucinada. Minha pele foi melhorando gradualmente. Depois disso me converti aos
cosméticos naturais. Entrevistada 8
43
Empoderamento e feminilidade
Transição capilar
Cabe dizer que, em 2017, a busca por “cabelos cacheados” no Google cresceu 232%
em relação a 2016 e superou a busca por “cabelos lisos”. Juntamente com isso, “transição
capilar” tem sido um tema cada vez mais buscado no Brasil (Relatório Google, 2017). A
questão não é só voltar ao natural, mas principalmente afirmar a identidade negra e
afrodescendente, livre de padrões impostos pela sociedade, com a força de símbolo do amor
próprio.
Podemos dizer que estaríamos diante de um fenômeno em que a mulher afirma sua
identidade através do cabelo, retornando aos cabelos naturais, sem alisamento e descolorações
agressivas. Assumir os cabelos naturais seria um movimento que exige força, cumplicidade e
muita troca, pois “quando a natureza das pessoas é transformada em motivo de vergonha e
preconceito, abraçá-la se torna um ato político” (RELATÓRIO GOOGLE, 2017, p 3).
Podemos notar que a transição capilar para algumas mulheres está intimamente ligada
ao uso de cosméticos naturais. Há evidências que mostram que durante o processo de
transição, as mulheres que antes estavam dependentes do uso de substâncias químicas fortes
para alisar os cabelos, demandam por alternativas mais naturais possíveis.
Uma das alternativas mais citadas é a técnica No- Poo ou Low Poo, técnica na qual se
utiliza pouco ou nenhum produto para lavagem dos cabelos. Os shampoos, se utilizados, são
substituídos por produtos com pouca química, especialmente sem sulfatos e parabenos.
Abaixo o depoimento da Entrevistada 2 sobre como a transição capilar trouxe para sua vida a
aderência aos cosméticos naturais.
45
Em 2017 fiz transição capilar e parei de usar shampoo e condicionador. Meu cabelo
era grande, loiro, alisado, descolorido, aí cortei curtinho. Eu gostava muito do meu
cabelo comprido, mas não era um cabelo saudável. Quando eu cortei já ficou
melhor, e finalmente percebi como era meu cabelo natural. E desde então, parece
que todo dia me apaixono cada vez mais pelo cabelo. Aí eu falo que bom que eu fiz
isso tudo, que bom que eu entrei nessa. Eventualmente faço essas receitas naturais.
Eu tenho meu pé de babosa, aí faço um shampoo para lavar às vezes.. Entrevistada
2
Há outro grupo de mulheres que optam pelo uso de cosméticos naturais durante essa
fase. O perfil da marca Lola Cosmetics no Instagram foi observado com essa finalidade.
Desde 2011 no mercado, a marca carioca se especializou em atender os anseios e
necessidades deste público que está em processo de transição capilar ou que já cuida de seus
cabelos naturais, sejam eles cacheados, ondulados ou crespos. Exemplos significativos de
produtos que a marca oferece para este público são a linha “Creoula”, “Meu Cacho Minha
Vida”, “Curly Wurly - Abaixo a ditadura dos lisos”, “Milagre Diet” (linha específica para
quem está em transição capilar) e “Eu sei o que você fez na química passada”, para cabelos
danificados por processos químicos.
A marca Lola Cosmetics orgulha-se de ser natural, cruelty free e vegana. Essas
informações são exibidas nas redes sociais da marca, assim como conteúdo informativo a
respeito de cosméticos a base de produtos naturais, mantendo uma forte relação com as
consumidoras da marca, que são chamadas pela empresa de “Loletes”.
Fonte: Instagram
46
Fonte: Instagram
Fonte: Instagram
Testei todos já que sou apaixonada por cada produtinho que vocês fazem. Eu uso
Lola desde que resolvi fazer a transição usei milagre Diet, Creoula (a linha toda), a
linha meu cacho minha vida,e só tenho a agradecer por todos esses produtos
maravilindos que vcs lançam pra nos empoderar mais! @annyinacio comentário
Instagram
Fonte: Instagram
Fonte: Instagram
questão do cabelo branco parece surgir em alguns fóruns ainda mais seletivos, como algo
recente. Essa tendência não seria só para mulheres mais velhas, mas também para mulheres
jovens que começaram a ter cabelos brancos prematuramente e passaram a depender de
tinturas para esconder os fios brancos. Apesar de o cabelo branco significar liberdade em
relação a tinturas, cabe dizer que os cabelos brancos também são vistos como merecedores de
cuidados específicos.
Esta questão apareceu na feira sob a observação da pesquisadora, porém teve pouca
incidência nas redes sociais seguidas e também nas entrevistas. Ademais, parece ser ainda um
tema pouco desbravado pela indústria de cosméticos e pela academia.
O Sagrado Feminino
Depois de certa idade comecei a pensar em tantas regras que a sociedade coloca para
nosso corpo. Eu sempre vi a menstruação como algo ruim. Depois de ler muito sobre
o assunto, decidi respeitar o meu ciclo, me entender como mulher. Decidi trocar de
absorventes normais para o coletor, comecei a fazer a mandala lunar. E foi muito
bom. Depois disso comecei a me interessar por cosméticos naturais, procurar coisas
que não fossem ruins para mim. Entrevistada 5
Precisamos entender que somos cíclicas, ninguém ensina isso para a gente, mas
depois que a gente aprende é maravilhoso se conhecer. E isso tem a ver com o que a
gente usa, não adianta esperar milagre... nossa pele obedece nossos ciclos, quando
estamos de TPM nossa pele envelhece, é a fase Anciã. Depois da menstruação ela
fica linda, é a fase Menina. Depois que entendi isso minha relação com os
cosméticos também mudou. Entrevista 6
Cosméticos naturais têm a ver com empoderamento feminino. Para mim isso veio
com o despertar do meu lado feminino. O nome do meu Instagram [Nina e os
Lobos] tem a ver como o livro que eu estava lendo “Mulheres que correm com os
Lobos”. Eu acho que é maravilhoso a gente ter essa autonomia de criar nossos
próprios cosméticos, de ser independente das grandes empresas, descobrir nosso
lado criativo, nosso lado bruxinha, que vai lá mistura ervas, faz extratos...acho isso
maravilhoso. Entrevista 6
A ideia trazida pela Entrevistada 6 de “ descobrir nosso lado criativo, descobrir nosso
lado bruxinha, que vai lá mistura ervas, faz extratos” está associada aos cosméticos DIY. A
entrevistada, no caso, produz seus próprios cosméticos e criou um Instagram para divulgar
suas criações. A motivação principal para a criação do mesmo é o empoderamento feminino,
que a entrevistada teve acesso ao ler o livro já citado “Mulheres que correm com Lobos”.
50
Ainda sobre o livro, ele foi lançado em 1992 e foi um best-seller. A autora é
psicanalista junguiana americana, poeta e contadora de histórias. O livro mistura histórias
folclóricas com uma profunda análise psicológica para resgatar a natureza feminina selvagem.
Da teoria jungiana, trabalha-se a ideia de inconsciente coletivo. Á luz destas teorias, a autora
constrói o arquétipo da mulher selvagem, colocando que todas as mulheres têm um instinto
selvagem que, independentemente de estar domesticado, desaparece e aparece, pois é cíclico.
Segundo a autora “o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite. Não
importa onde estejamos a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas."
(ESTÉS, 1999, p.6)
Assim, a questão do Sagrado Feminino mostra-se um elemento importante acerca de
quest es de empoderamento que estão intimamente ligadas a questão do “Despertar” para um
grupo de mulheres.
Consumo consciente
Outro tipo de “despertar” foi encontrado na forma de consumo consciente. Esta seria
uma transição mais gradual na vida da mulher. Esse tipo de discurso esteve presente nas
mulheres pesquisadas mais jovens, que abordam o consumo de cosméticos naturais como
resultado de seu acesso mais fácil à informação, permitindo-lhes que desde muito cedo
aprendessem a fazer escolhas mais conscientes.
Abaixo o depoimento da Entrevistada de 4, de 25 anos, que não soube identificar um
momento de transição específico em sua vida para que começasse a usar cosméticos naturais.
Segundo ela, desde sempre aprendeu em casa sobre espiritualidade com a avó, aos 6 anos já
fazia meditação e optava sempre por se cercar de coisas saudáveis. Porém o uso de
cosméticos naturais veio na fase adulta, em consequência de seu consumo consciente e
sustentável para todos os tipos de produto.
Esse universo dos cosméticos naturais foi uma consequência. Sempre busquei minha
evolução pessoal, sempre busquei opções mais saudáveis, seja de comida, seja
daquilo que eu fosse usar, por exemplo, desde muito nova eu sempre gostei muito de
comprar em brechó, essa questão da moda mais consciente de manter a roupa em
circulação. A minha rotina com cosméticos naturais, e hoje tudo que uso é natural,
foi vindo aos poucos. Entrevistada 4
O interesse por cosméticos naturais também advém de uma escolha na fase adulta por
produtos que sejam livres de crueldade animal. Esta fala pode ser observada no depoimento
51
Aos 20 anos ela deixou de comer carne e passou a se preocupar em escolher o que
consumir de maneira consciente, a entrevistada mostrou preocupação com o meio ambiente e
afirmou a todo instante que seu consumo está atrelado aos seus valores. Podemos dizer que
esse comportamento está atrelado a uma lógica de “menos é mais”, e rejeição do consumismo
e do materialismo. Essa tendência tem sido denominada como consumo ético ou consumo
consciente (SCHOR, 2007). Trata-se de fazer escolhas de consumo com base em crenças
pessoais e morais, acreditando que essa filosofia possa trazer resultados positivos na vida do
ser humano.
Essa questão do consumo consciente em cosméticos naturais foi também abordada no
estudo de cosméticos DYI, sobre Carolina Cronemberger, pioneira no mercado de cosméticos
naturais. A empresária mostra preocupação com o consumo consciente e se considera uma
empreendedora crítica e ativista (DUARTE; CASOTTI; MOREIRA, 2019).
do uso de maconha por prazer, para mapear os conhecimentos necessários para o consumo de
cosméticos naturais.
Percebe-se que as pessoas que iniciam no universo dos cosméticos naturais,
em primeiro lugar, precisam entender as diferenças entre as diferentes categorias e
nomenclaturas de produtos: cosméticos orgânicos, veganos, naturais ou cruelty-free.
Além disso, precisam entender as certificações de produtos e quais são os órgãos
reguladores que garantem a qualidade daquele produto.
Fonte: YouTube
Como dermatologista posso dizer que é muito difícil encontrar informações sobre o
que faz bem ou faz mal, talvez não seja interesse das grandes indústrias. Por isso me
dedico à cosmetologia natural, tem que estudar, tem que pesquisar para entender
esse universo. Palestrante 7
Fonte: Instagram
Importante ressaltar que além do uso de cosméticos naturais, muito se diz também
sobre o que não se deve usar mais.
Deixei de usar muuuitas coisas – Desodorante não uso mais, uso Leite de Magnésia.
Esmalte, não uso mais, antes fazia a unha toda semana, voltaria a usar raramente se
fosse um esmalte natureba. Sabonete íntimo, água thermal, demaquilante,
basicamente 90% da maquiagem que usava foi para o lixo! Nossa, tanta coisa, que
nem lembro! Entrevistada 2
54
No caso das consumidoras que fazem seus próprios produtos em casa, é necessário um
aprendizado ainda mais profundo, de como misturar os ingredientes, como combiná-los para
que cheguem ao produto ideal. Além disso, é preciso aprender os rituais e a ver o momento
como agradável e gerador de prazer (MORAIS, PEREIRA E QUINTÃO, 2019).
Aprender sobre a cadeia de produção (saber diferenciar o que é greenwashing).
Não basta entender sobre o produto é preciso aprender sobre sustentabilidade, entender o que
está por trás de um produto. O discurso da Palestrante C coloca que há uma ideologia por trás
do uso de cosméticos naturais, uma “aderência a um estilo de vida”, e se mostra incomodada
com a palavra “consumo”.
Cosméticos naturais não têm a ver só com produtos, têm a ver com sustentabilidade,
está ligado a toda a cadeia, do momento que sai da natureza até o momento que
volta para ela! Não gosto de falar em consumo de cosméticos naturais, não é só
consumo, é aderência a um determinado estilo de vida. Palestrante C.
Para ela é preciso ser condizente com o estilo de vida adotado, não basta comprar um
cosmético natural é preciso entender sobre toda a cadeia de produção da empresa, saber se ela
é sustentável ou não, se a empresa responsável por aquele produto se preocupa com o meio
ambiente, com os funcionários, com os clientes.
Assim seria uma competência fundamental para as usuárias dos produtos saber
diferenciar um produto verdadeiramente natural e sustentável de um produto que pode ser
apenas “greenwashing” - prática de empresas ao fazer afirmações falsas ou exageradas de
sustentabilidade sobre determinado produto, numa tentativa de ganhar participação no
mercado (GREER, 1997).
Nas redes sociais há um grande alerta para este tipo de problema. O perfil abaixo no
Instagram conduz de maneira explicativa o problema. Nyle Ferrari faz um post bastante
detalhado expondo a marca de cosméticos Simple, da Unilever. Segundo a jornalista e digital
influencer a marca utiliza-se de embalagens verdes para fazer falsas alegações de ser natural
sustentável e ecológica, quando na realidade o produto possui químicas pesadas em sua
composição além de pertencer a uma grande corporação que o post indica ser suspeita de
realizar testes em animas na China.
A jornalista indica a seus seguidores como reconhecer um produto suspeito de ser
greenwahing, indicado principalmente às certificações necessárias para que um cosmético
seja classificado como natural e ecológico.
55
Fonte: Instagram
Fonte: Instagram
Agentes socializadores
57
Como eu disse minha irmã é minha principal influenciadora. Tenho muitas amigas e
que também conversamos muito. Ah e tem a minha médica, mas é difícil eu ir lá é
muito caro! Ela trabalha na mesma clínica que minha nutricionista, as duas tem um
espaço chamado “nutrindo ideias” para falar sobre veganismo. Elas têm um
instagram e divulgam muita informação legal lá! Tem também algumas meninas que
eu sigo no Instagram, veganas, elas postam coisas sobre tudo, eu adoro testar,
algumas coisas não dão muito certo, antes eu seguia mais gente. Mas fica um pouco
confuso as vezes. Tem a Carol Cronemberger que você deveria seguir, ela é uma
referência do assunto aqui no Rio de Janeiro. Entrevistada 1
Ao longo da entrevista ela coloca que sua irmã mais velha é a sua principal
influenciadora. Graças à irmã, se tornou vegetariana e começou a adotar práticas mais
naturais. Porém, depois que a irmã foi morar no exterior a entrevistada passa a recorrer a
outras pessoas, como amigas, com as quais diz trocar muito, visto que têm interesses
semelhantes. Ela também cita também sua médica dermatologista, a qual adota práticas
naturais e diz se sentir mais segura com os conselhos da médica do que com as receitas que vê
na Internet, apesar de também recorrer a elas eventualmente. A entrevistada 1 citou a Carolina
Cronemberger como uma de suas inspirações.
Já a entrevistada 8 coloca que sua única fonte de informação é a Internet, se refere às
digital influencers que segue como suas “gurus”. A entrevistada coloca que não sente
confiança na medicina tradicional e diz que conseguiu curar um problema de pele graças ao
que aprendeu sobre cosmética natural na Internet.
Sempre busco informação na Internet! Obvio! Quando disse para meu dermato que
estava usando cosméticos naturais para tratar a minha acne adulta, ele riu. Ai não
voltei mais. Procuro minhas gurus na Internet. Entrevistada 8
O relato da entrevistada 4 evidencia que hoje é muito mais fácil encontrar informações
na Internet, porém, quando ela começou a se interessar pelo assunto, há 6 anos, a informação
não era tão abundante. Ela recorre a um livro chamado “Guia Completo da Beleza”, ao qual
se refere como sua “bíblia”, revelando a importância de ordem quase religiosa, que o livro
possui na sua vida.
Quando comecei a lavar o cabelo só com água entrei num grupo do Facebook que
agora chama Natural Care Brasil, de adeptos da técnica “water only”, aí a gente fez
um grupo de whatsapp. Aí sempre que eu quero alguma receita ou dica eu pergunto
no grupo, tudo mesmo, para pele cabelo, pra gripe, indisposição, qualquer solução
natural que eu preciso eu pergunto no grupo! (...)Eu faço parte do grupo há 2 anos,
algumas meninas já até conheci pessoalmente, a gente sempre se manda foto, confio
muito no que elas falam, é uma troca bem legal. Entrevistada 3
Essa terceira fase diz respeito ao momento em que a consumidora depois da fase do
despertar e da busca de conhecimento passa de fato a usar os cosméticos naturais e a sentir os
resultados dos mesmos e seus benefícios, tanto em termos estéticos, quanto em termos mais
plurais, como o prazer dos rituais proporcionados e a prática de um consumo mais consciente.
Nesta fase os dados retirados das entrevistas também se mostraram mais detalhados para a
análise.
60
Minha pele está muito melhor desde que comecei a usar os ativos naturais...antes
quando usava ácido ficava horrível, ressecado, puxado. Agora não, a pele fica suave,
e a acne sumiu! Também estou hidratando o corpo e o cabelo, estou me sentindo
muito bem com os resultados. Tem algumas coisas que parei de usar. Por exemplo
esmalte, tem 6 meses que não uso e minha unha está muito mais forte. Entrevistada
1
Os resultados dos cosméticos naturais são maravilhosos à longo prazo, comparando
no mesmo dia a um natural e um cheio das tecnologias e petroleiros e afins; o
segundo terá resultado imediato melhor; mas a longo prazo, não tem comparação
com o natural. Basta ter paciência! Entrevistada 3
Outro ponto que traz um sentimento de bem-estar para as consumidoras diz respeito ao
fato de elas entenderem que na cosmética natural, um único produto pode ter finalidades
diversas, diminuindo o número de embalagens e também de consumo. Foi observada em
muitos depoimentos uma sensação de satisfação com a “bancada limpa”, “pia com menos
embalagens”. Um exemplo está no depoimento da Entrevista 6.
Os cosméticos naturais mudaram minha vida. Antes minha pia era cheia de coisas,
cheio de potes, cheia de mil possibilidades. Como eu investia em coisas caras, eu
tentava usar o que eu comprava até o fim, independente do resultado. Meu banheiro
era atolado em embalagens! Com a cosmética natural isso mudou, eu tenho poucas
coisas que servem para muitas finalidades diferentes e fazem o mesmo efeito do que
pagava caríssimo para ter. Entrevistada 6
Esse sentimento de bem-estar em relação a consumir menos coisas foi comum entre as
mulheres, independente de sua idade. Porém, dentro dessa fase vale ressaltar que há
percepções que não são tão genéricas. Podemos dizer que há percepções que de resultados que
irão depender do estágio de vida da mulher, se ela é jovem ou madura, as necessidades
mostram-se diferentes. De maneira semelhante ao estudo de CASOTTI, SUAREZ, CAMPOS
(2008), o tempo mostra-se como um grande agente segmentador.
Um exemplo está no depoimento da jovem Entrevistada 4, de 25 anos, que demonstra
uma falta de preocupação maior com algum problema específico. Assim, os resultados com
cosméticos naturais mostram-se extremamente satisfatórios.
61
Como eu falei, eu não vejo necessidade de ter cuidados mais radicais. Minha pele é
normal, meu cabelo fica um pouco ressecado, mas nada que um óleo de coco não
resolva. Posso dizer que estou muito satisfeita e não preciso de mais nada.
Entrevistada 4
Eu não sou uma pessoa que me cuido super, não sei se é porque sou jovem ou algo
do tipo [...] Talvez quando eu ficar mais velhas minhas necessidades vão mudar.
Mas sou positiva pois as marcas estão buscando ressignificar, L’Oréal, Unilever, por
aí. Acredito que quando eu ficar mais velha já tenham mais alternativas do que hoje.
Não sou xiita, sabe? Mas se existem alternativas, posso optar por elas. Entrevistada
1
Já entrevistada 6, mais madura, com 41 anos, foi bem clara quanto a sua preocupação
específica com a idade. Ela diz que os cosméticos naturais não atendem totalmente sua
demanda em relação a cuidados com a idade, por isso ela continua ainda utilizando alguns
produtos tradicionais.
Eu tenho 41 anos, minha preocupação é tentar parar o tempo. Eu tento usar coisas
que façam meu rosto ficar mais jovem, melhorar o aspecto da minha pele. Eu tive
acne a minha vida inteira, eu tenho muita oleosidade na pele além de tudo, então
preciso estar sempre cuidando. Nos últimos 6 meses eu tenho feito meus próprios
cosméticos. Basicamente estou trocando todos os cosméticos para naturais. Eu uso
um shampoo sólido, por exemplo, que eu mesma faço. Tem alguns que ainda uso os
tradicionais. Por exemplo, eu uso um sprayzinho de vitamina C, que este não troco
por nada, acho maravilhoso. E um creme para área dos olhos, de vitamina C
também. Entrevistada 6
A entrevistada 6 continua dizendo que além dos tratamentos que faz, ainda pratica 30
minutos de face yoga todos os dias em sessões com a profissional japonesa Fumiko Takatsu,
através de métodos online.
Eu gasto 30 minutos por dia na parte da manhã fazendo meus exercícios de yoga
face massage com a Fumiko, uma japonesa que mora nos EUA e é maravilhoso,
sempre que eu faço meu rosto muda, fica muito mais vivo, super tonificado. Eu
adoro coisas naturebas que a Fumiko mesma ensinou, eu uso aquela proteína que
fica na casca do ovo na área dos olhos. Eu faço meu próprio iogurte, aí eu uso ele no
rosto pois é super hidradante. Entrevistada 6
62
Assim, nos depoimentos de mulheres mais maduras, também nota-se além de uma
preocupação maior com o tempo que está causando envelhecimento, há também uma grande
disposição para empregar seu tempo em rotinas de beleza. Outro ponto relevante, é que há
também uma grande disposição financeira. Em consulta ao site supracitado de face Yoga
[go.faceyogamethod.com] vê-se que os cursos oferecidos podem chegar a custar U$ 149
dólares por mês, com aulas online com a própria Fumiko Takatsu. O mesmo tipo de
disposição financeira se vê no caso da entrevistada 8 de 34 anos.
Eu gasto muito dinheiro com meus produtos. Cosméticos naturais não são nada
baratos aqui no Brasil. Agora comecei a usar produtos para rugas, com 30 anos não
tem jeito, está começando a marcar, na linha dos olhos, na boca, fico apavorada.
Comecei a usar a linha importada de ativos naturais, paguei uma fortuna, mas já
estou vendo os resultados, não fica repuxado, realmente dá uma suavizada nas linhas
de expressão. Entrevistada 8
Essa mesma disposição de empregar tempo e dinheiro com a beleza para mulheres
mais jovens parece não ser algo tão importante. Elas colocam que sua rotina é simples,
prática, fácil e que muitas vezes sequer há rotina. Entre as mais jovens é possível notar que há
uma tentativa de mostrar certo “descompromisso” com a beleza. Porém, durante a descrição
de sua rotina de beleza, percebe-se que há também emprego de tempo considerável em seus
cuidados pessoais.
A Entrevistada 4, de 25 anos, no começo da entrevista diz não ser uma pessoa vaidosa,
afirma só cuidar do básico, porém ao descrever sua rotina de beleza, percebe-se que há um
grande emprego de tempo para as atividades descritas.
Eu não sou uma pessoa muito vaidosa, sabe? Eu cuido do básico, eu lavo meu rosto,
é o maior cuidado que eu tenho, o rosto e o cabelo, eu gosto de lavar meu rosto com
um tônico que eu mesma faço, com chá verde, vinagre de maçã e óleo essencial de
lavanda, pra mim limpa bastante meu rosto, então eu lavo ele e passo esse tônico
umas 2 vezes por dia, quando eu acordo e na hora de dormir e 2 ou 3x por semana
eu faço minha hidratação no cabelo, com óleo de coco ou então azeite ou máscara de
abacate ou óleo de semente de uva. E com meu corpo eu sempre passo óleo de
amêndoa. E basicamente esse são meus cuidados maiores dentro da minha rotina de
beleza. Minha rotina costuma ser rápida, não gasto muito tempo. Lavo o rosto e
passo 5 minutos esfregando ele, faço uma massagem facial enquanto eu passo ele no
meu rosto, depois lavo com água gelada. O meu cabelo eu deixo para fazer a noite a
noite quando eu tô em casa, deixo de uma a duas hora ele hidratando, aí eu faço,
lavo, seco, então basicamente juntando tudo umas 2 horas e meia. Entrevistada 4
Entre as praticantes de DIY podemos dizer que esse empego de tempo é intrínseco ao
conceito. DIY exige que os praticantes tenham tempo disponível (WOLF E MCQUITTY,
63
2011). De modo similar, a entrevistada 3 de 24 anos, que diz não ter rotina de beleza, porém
seus cuidados com formulações de receitas mostram-se presentes.
Eu não considero que tenho uma rotina de beleza, uma vez por semana eu faço
alguma coisa, pego uma borra de café, faço uma esfoliação. Não uso nada
industrializado, não uso shampoo, nem condicionador e nem desodorante. Mas me
cuido, quando dá tempo, hoje por exemplo vou fazer uma hidratação no cabelo com
abacate, babosa e limão. Entrevistada 3
Não que eu seja influencer, mas eu gosto de compartilhar. Acho que dicas boas,
conscientes e que façam bem pra nossa alma, vai além de cosméticos, não é reparar
um dano da pele, do cabelo, vai além... é se sentir bem, se cuidar com o que a
natureza te oferece, vale a pena compartilhar, é uma questão de nutrir a alma. Acho
que dica boa tem que ser compartilhada, aí compartilho no meu Instagram mesmo. E
com a minha família, minha mãe, minha vó eles são uns poucos céticos, meu
padrasto é dermatologista ele é um pouco cético quanto a isso. Mas eu forço eles a
usar. Apresentei o óleo de coco lá em casa e agora minha mãe usa e adora.
Entrevistada 4
Com as pessoas mais intimas, minha irmã, minhas amigas, eu falo pelo whatsapp ou
quando a gente se encontra eu falo que testei algo e deu certo e falo para testarem
também. Eu sinto que compartilho muito mais com elas do que elas comigo. Para as
pessoas que não estão no meu convívio diário eu compartilho nas redes sociais. Meu
Instagram é basicamente para isso, compartilho muito conteúdo sobre menstruação,
feminismo e receita de cosméticos, quase não posto fotos minhas. Entrevistada 5
Apesar das redes sociais mostram-se protagonistas nesse momento, alguns formas de
compartilhamento tradicionais também se mostram em evidência, como aquele de mãe para
filha. O depoimento da Entrevistada 8 que estava no começo da gestação durante a pesquisa,
explicita que ela quer repassar para sua filha o conhecimento que ela não teve acesso quando
mais nova, que só teve depois de adulta. Ela afirma que vai ensinar a filha sobre consumo
consciente além de ensiná-la desde pequena a cuidar de seus cabelos cacheados:
Eu quero que minha filha tenha uma educação muito diferente da que eu tive em
relação a consumo. O mundo está tão doido, cheio de problemas, doenças, muito é
por conta do nosso padrão de consumo, comemos mal, nós entupimos de veneno e
estamos destruindo o mundo. Quero uma gravidez limpa e quero que minha filha
desde pequena tenha essa consciência que eu só fui ter depois de velha. Será
maravilhoso poder ensiná-la. [...]Na minha época de adolescente a gente alisava
cabelo com formol, passava kilos de formol no cabelo. Mas também a gente comia
Mc Donalds todo fim de semana e isso era OK. Essa geração mais nova é diferente,
tem mais informação. Minha filha, eu quero ensiná-la desde pequena...se ela nascer
de cabelo cacheado como o meu, vou ensinar ela a cuidar e amar ele desde pequena!
Minha mãe não fez isso comigo, não me ensinou como cuidar do meu cabelo
cacheado, mas coitada...naquela época não tinha informação! Todo mundo queria o
cabelo liso... Hoje as mulheres tem informação, ainda bem. Entrevistada 8
de uma cura para seus problemas pessoais uma fonte de renda. A entrevistada após verificar
os resultados positivos dos cosméticos naturais aposta na profissionalização e passa a oferecer
seus cosméticos através das redes sociais.
De maneira similar, a empresária do setor de eventos (Entrevistada 6) também iniciou
no setor de cosméticos naturais como consumidora produtora e hoje já vende os produtos para
pessoas conhecidas e os divulga através de seu Instagram.
Na feira Naturaltech também foi possível conhecer as palestrantes proprietárias de
marcas de cosméticos naturais que decidiram empreender como uma forma de fortalecer o
segmento e principalmente compartilhar de informações, valores e suas crenças,
principalmente com o propósito de mudar o mercado.
Porém vale destacar que o compartilhamento não se trata apenas de divulgar produtos
ou fórmulas de cosméticos. O compartilhamento envolve também a relação e os significados
que a beleza natural tem para as usuárias. Os perfis de redes sociais Instagram e YouTube
seguidos nas redes sociais, sem exceção, tratam sobre temas de consumo ético, sobre
responsabilidade e também envolvem temas de autocuidado e rituais de bem-estar.
Por fim, um ponto que chamou a atenção liga-se a alguns dilemas frente à exposição
nas redes sociais. A entrevistada 1, coloca que sempre faz posts sobre sustentabilidade,
vegetarianismo, cosméticos naturais, mas que fica receosa de aparentar estar impondo uma
opinião, ou criticando as escolhas alheias, o que iria de encontro com sua ética de respeitar o
próximo.
Minha relação com redes sociais tem estado um pouco estranha. Antes eu
compartilhava tudo sobre sustentabilidade, o tempo todo, achava que estava fazendo
um grande bem. Mas as vezes fica parecendo que eu quero impor. (...)Vou fazer um
sérum hoje e um produto para casa, se ficar bom talvez eu compartilhe, ainda não
sei...Vou em um evento no final de semana de imersão chamado Lixo Zero, é um
final de semana inteiro em um sítio, uns amigos meus que organizam, mas não sei se
66
vou postar sobre isso, eu quero, mas não sei ainda, vamos ver, ando muito reflexiva
sobre isso. Entrevistada 1
6. CONCLUSÃO
são tão complexas, enquanto as mulheres mais maduras são mais exigentes em relação aos
resultados dos produtos e às técnicas empregadas.
Na esfera do compartilhamento nota-se que é estabelecida uma rede, uma consumidora
que uma vez teve de buscar informações retorna com novas informações, compartilha suas
experiências com o objetivo de fortalecer o consumo de cosméticos naturais e amplia os
conhecimentos acerca deste universo. A Internet aparece como principal campo para
divulgação e compartilhamento de informação,
No que tange aos significados do consumo de cosméticos naturais, podemos dizer que
há relação com a estética, uma preocupação com a beleza, uma preocupação em se cuidar,
porém o cuidado e a beleza se apresentam de maneira mais holística, o bem-estar físico e
psicológico também são importantes para essa consumidora. O mais relevante dos achados da
pesquisa é a compreensão de que a tendência de consumo de cosméticos naturais vai além de
um movimento estético, é um movimento ético e político, que reflete os valores e ideais das
mulheres pesquisadas.
Por se tratar de estudo exploratório a pesquisa abriu um amplo leque de novas
discussões e novos fenômenos a serem estudados, que não puderam ser contemplados e ficam
como sugestão de para futuras pesquisas. O Sagrado Feminino é uma temática pouco
explorada pelo universo acadêmico e pode apresentar-se como um fenômeno interessante a
ser explorado. Estudos sobre o fenômeno do greenwashing também poderiam ser
aprofundados. E por fim um novo estudo que contemplasse o significado da beleza nesse
universo de cosméticos naturais parece ser bastante válido.
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELK, R.. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, 15, 139–168,
1988
BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas.A construção social da realidade. Petrópolis,
Vozes, 1983
BOURDIEU, P. A Distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2013.
Originalmente publicado em 1979.
BOURDIEU, P. (2007). A economia das trocas simbólicas (5a ed.). São Paulo, Perspectiva,
2007
COSMOS-standard Cosmetics Organic and Natural Standard Version 3.0 (2019) – Disponível
em: https://cosmosstandard.files.wordpress.com/2018/12/COSMOS-standard-V3.0-including-
editorial-changes-0101_2019.pdf
CASOTTI, Leticia (Org); SUAREZ, Maribel (Org); CAMPOS, Roberta Dias (Org). O
tempo da Beleza: consumo e comportamento feminino, novos olhares. Rio de Janeiro: Senac
Nacional, 2008.
DUARTE, João Pedro Edler; CASOTTI, Leticia; MOREIRA, Catia. Do Prossumo Crítico ao
Empreendedorismo Integrado: um Estudo de Caso Longitudinal Sobre Esta Trajetória. XLIII
Encontro da ANPAD - EnANPAD 2019, [S. l.], p. 1-16, 2019.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.
FARIA, MARINA et al. Não estou mais sozinha – mudanças no processo de decisão de
consumidoras primigrávidas”. Revista de Ciências da Administração, [s. l.], p. 107-123, 1
abr. 2012. DOI 10.5007/2175-8077.2012v14n32p107. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/adm/article/view/2175-8077.2012v14n32p107. Acesso
em: 26 set. 2019.
GOOGLE - Google Consumer Survey -Você acredita que as informações que você recebe
pela internet (Busca no Google, YouTube, Facebook, Instagram, site de notícias e de marcas)
influenciam a sua compra de produtos de beleza?
KOZINETS, R. V. The field behind the screen: Using netnography for marketing research
in online communities. Journal of marketing research, 39(1), 61-72,2002
Lyrio Eyna, Ferreira Graciele, Zuqui Sara, Silva Ary (2011) Recursos vegetais em
biocosméticos: conceito inovador de beleza, saúde e sustentabilidade. Natureza on line 9 (1):
47-51.
MATIC, Matea; PUH Barbara (2015). Consumers´ purchase intentions towards natural
Cosmetics, Econviews – Review of Contemporary Entrepreneurship, Business, and Economic
Issues 2015
MAY, Tim. Pesquisa social: questões, métodos e processos. 3ª. ed. Porto Alegre: Artmed,
2004
MAUSS, M. As técnicas corporais. In: ______Sociologia e Antropologia. Trad. Mauro W.
B. de Almeida. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974.
MOREIRA, Catia, CASOTTI, Leticia, CAMPOS, Roberta. Socialização do consumidor na
vida adulta: desafios e caminhos para a pesquisa. Cadernos Ebape, vol.16, n.1, Rio de
Janeiro, jan/março 2018.
MOSCHIS, G. P. Life course perspectives on consumer behavior. Journal of the Academy
of Marketing Science, v. 35, n. 2, p. 295-307, 2007.
73
MORAIS, Isabela Carvalho, BRITO Eliane Pereira Zamith, QUINTÃO Ronan Torres
Quintão: Productive Consumption Changing Market Dynamics: A Study in Brazilian DIY
Cosmetics, Latin American Business Review, 2019
MORAIS, Isabela Carvalho; QUINTÃO, Ronan Torres. Reflexões sobre o campo de pesquisa
da Consumer Culture Theory no Brasil. In: LATIN AMERICAN RETAIL CONFERENCE,
9., 2016, São Paulo. Anais… São Paulo: CLAV, 2016
ROCHA, Ana Raquel, SCHOTT, Catia and CASOTTI, Leticia, "Socialization of the Black
Female Consumer: Power and Discourses in Hair-Related Consumption", in NA - Advances
in Consumer Research Volume 44, eds. Page Moreau and Stefano Puntoni, Duluth, MN :
Association for Consumer Research, Pages: 333-337, 2016
ROCHA, Everardo - Totemismo e mercado: notas para uma antropologia do consumo. Rio de
Janeiro, ANPAD. 1995 Vol. I, n.º 5
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura
contemporânea. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , n. 20, p. 60-70, Aug. 2002 . Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141324782002000200005&lng
=en&nrm=iso>. Acesso em 3 Maio 2019
SPCBrasil. (2016). Sete em cada dez brasileiros acredita, que gastos com beleza são uma
necessidade e não um luxo aponta pesquisa. Retrieved from https://www.spcbrasil.org.br
74
VARGO, Stephen L.; LUSCH, Robert F. Evolving to a New Dominant Logic for Marketing.
Journal of Marketing, v.68, p.1-17, 2004
XIE, C., BAGOZZI, R. P., & TROYE, S. V. (2008). Trying to prosume: Toward a theory of
consumersm as co-creators of value. Journal of the Academy of Marketing Science,
36(1),109–122. doi:10.1007/s11747-007-0060-2
YIN, R.K. (2010). Pesquisa Qualitativa: Do início ao fim. Porto Alegre: Penso.
75
1. Você poderia se apresentar um pouco, o que faz, onde estado civil, atividade,
profissional, bairro onde mora, com que mora;
2. Como é sua rotina de Beleza?
3. Quais são suas principais preocupações com o seu corpo e com a sua beleza?
4. Qual tempo gasto de tempo diário com esses cuidados?
5. Como os cosméticos naturais entraram na sua vida?
6. Como aprendeu a consumir, onde buscou informações?
7. Quem você considera seus principais influenciadores?
8. Como você escolhe os produtos que usa?
9. Qual seu gasto com produtos de beleza?
10. Como você avalia os resultados dos cosméticos naturais até agora?
11. Você compartilha as informações com outras pessoas?
12. Onde compartilha essas informações?
13. Qual a relação dos cosméticos naturais com seus valores e seu estilo de vida?
14. O que é para você se sentir bonita?
15. Gostaria de acrescentar algo mais sobre o assunto?
16. Teria outras pessoas para indicar para a entrevista?