You are on page 1of 200

POR

PRÉ-VESTIBULAR
LÍNGUA
PORTUGUESA

4
Avenida Dr. Nelson D’Ávila, 811
Jardim São Dimas – CEP 12245-030
São José dos Campos – SP
Telefone: (12) 3924-1616
www.sistemapoliedro.com.br

Coleção PV
Copyright © Editora Poliedro, 2021.
Todos os direitos de edição reservados à Editora Poliedro.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal, Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ISBN 978-65-5613-119-1

Autoria: Edimara Lisboa, Maria Emília Martins, Marina Oliveira Felix de Mello Chaves e
Renato Gomes de Carvalho

Direção-geral: Nicolau Arbex Sarkis


Direção editorial: Alysson Ribeiro
Gerência editorial: Fabíola Bovo Mendonça
Coordenação de projeto editorial: Juliana Grassmann dos Santos
Edição de conteúdo: Claudio Roberto Leyria de Oliveira e Mariana Castelo Queiroz de Toledo
Assistentes editoriais: Gabriel Henrique Siqueira Neves e Graziele Baltar Ferreira Antonio
Gerência de design e produção editorial: Ricardo de Gan Braga
Coordenação de revisão: Rosangela Carmo Muricy
Revisão: Amanda Andrade Santos, Bianca da Silva Rocha, Cecília Farias de Souza, Eliana
Gagliotti, Ellen Barros de Souza, Leticia Borges, Paulo V Coelho, Sara de Jesus Santos e
Thiago Marques Pereira da Silva
Coordenação de arte: Christine Getschko
Edição de arte: Lourenzo Acunzo e Nathalia Laia
Diagramação: Francisco Cláudio M. da Silva e Marina Ferreira
Projeto gráfico e capa: Aurélio Camilo
Coordenação de licenciamento e iconografia: Leticia Palaria de Castro Rocha
Analistas de licenciamento: Margarita Veloso e Souza, Jade Cristina Bernardino e
Vitor Hugo Medeiros
Planejamento editorial: Maria Carolina das Neves Ramos
Coordenação de multimídia: Kleber S. Portela
Gerência de produção gráfica: Guilherme Brito Silva
Coordenação de produção gráfica: Rodolfo da Silva Alves
Produção gráfica: Fernando Antônio Oliveira Arruda, Matheus Luiz Quinhones Godoy Soares,
Rafael Machado Fernandes e Vandré Luis Soares
Colaboração externa: Lima Estúdio Gráfico (Diagramação) e Madrigais Produção Editorial
(Revisão)
Impressão e acabamento: PifferPrint

Fotos de capa e frontispício: hurricanehank/Shutterstock.com

A Editora Poliedro pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais


detentores dos direitos de todos os textos e de todas as imagens presentes nesta
obra didática. Em caso de omissão, involuntária, de quaisquer créditos, colocamo-nos
à disposição para avaliação e consequente correção e inserção nas futuras edições,
estando, ainda, reservados os direitos referidos no Art. 28 da lei 9.610/98.
Sumário
Frente 1
17 Concordância nominal .......................................................................................................................5
Introdução, 6 Texto complementar, 16
Regras especiais, 6 Resumindo, 17
Revisando, 10 Quer saber mais?, 17
Exercícios propostos, 12 Exercícios complementares, 18

18 Concordância verbal ........................................................................................................................23


Introdução, 24 Texto complementar, 36
Regras, 24 Resumindo, 36
Revisando, 30 Quer saber mais?, 37
Exercícios propostos, 32 Exercícios complementares, 38

19 Acentuação .....................................................................................................................................47
Introdução, 48 Revisando, 52
Fundamentos, 48 Exercícios propostos, 54
A nova reforma ortográfica, 49 Texto complementar, 62
Regras de acentuação, 49 Resumindo, 63
Ritmo e rima, 51 Quer saber mais?, 64
Variantes linguísticas no nível fonético, 51 Exercícios complementares, 64

20 Estudo de determinadas partículas..................................................................................................69


A palavra “que”, 70 Texto complementar, 78
Senão/se não, 71 Resumindo, 80
Palavras denotativas, 71 Quer saber mais?, 80
Revisando, 72 Exercícios complementares, 81
Exercícios propostos, 74

Frente 2
15 Século XX: novas identidades literárias ...........................................................................................85
Uma nova conjuntura regionalista, 86 Revisando, 102
Guimarães Rosa e a linguagem de múltiplos significados, 87 Exercícios propostos, 104
Guimarães Rosa e a desmedida do seu fabular: o romance- Texto complementar, 124
mundo, Grande sertão: veredas e o olhar para o pequeno Resumindo, 125
em Primeiras estórias, 90 Quer saber mais?, 125
Literatura e experiência em Clarice Lispector, 94 Exercícios complementares, 126
Tendências da literatura contemporânea, 99
Concretismo: atualização da sensibilidade artística em face
do progresso material, 99
Neoconcretismo, 101
16 Literatura contemporânea..............................................................................................................143
A arte engajada dos anos 1960, 144 A opressão e a violência da vida urbana nos contos de
Ferreira Gullar e a poesia participante, 145 Rubem Fonseca, 149
O Tropicalismo, 146 O teatro brasileiro do século XX, 151
Os diversos caminhos da invenção literária A literatura africana de língua portuguesa, 152
no século XX, 147 A prosa poética de Mia Couto, 153
A ficção introspectiva de Lygia Fagundes Telles, 147 Misturando um e outro, os mestiços, 154
A bagagem lírica modernista de Adélia Prado, 148 Revisando, 155
A poesia do chão e as palavras em transe de Manoel de Exercícios propostos, 159
Barros, 148 Texto complementar, 176
A crônica e as tendências neorrealistas no conto brasileiro Resumindo, 177
contemporâneo, 149 Quer saber mais?, 177
A crônica como gênero literário e seu mestre Rubem Exercícios complementares, 178
Braga, 149

Gabarito.............................................................................................................................................193
FRENTE 1

CAPÍTULO Concordância nominal


A charge de Ziraldo explora o duplo sentido das palavras por meio de sua ressegmen-

17
tação (a decomposição em partes para criar uma nova palavra). No primeiro quadrinho,
o substantivo próprio “Osmar”, ressegmentado, forma duas palavras: “Os mar”. O artigo
“os” apresenta-se no plural, no entanto o substantivo “mar” está no singular, burlando
uma regra de concordância (artigo e substantivo concordam em gênero e número: “Os
mares”). No segundo quadrinho, em “Dois/berto”, a transgressão também ocorre, se
tomarmos “Berto” como substantivo (teríamos “dois bertos”). Nos exemplos de resseg-
mentação, o enunciador não levou em conta a etimologia de “Osmar” ou “Umberto” (os
dois vocábulos não são compostos). Trata-se, naturalmente, de humor, de brincadeira
com as palavras (ato lúdico – de ludus, jogo), mas que remete ao assunto deste capítulo:
concordância nominal.
Introdução E de tarde nóis cóie deiz ou doze saca de café e depois
nóis joga elas no caminhão.
A concordância nominal estuda as relações estabeleci-
[...] = variante popular
das entre o substantivo e os termos ligados a ele (relações
de gênero e número): Quando a falta de concordância entre o artigo e o
substantivo, a alteração fonética no pronome e a con-
Artigo Adjetivo
jugação verbal revelam um enunciador que não tem
domínio da norma-padrão da língua, temos uma variante
popular. Em um trabalho literário, o estilo em desacordo
com a norma-padrão da língua cria um efeito de vera-
cidade, isto é, faz crer que as personagens pertencem
Substantivo àquela situação. Transpondo o enunciado para a norma-
padrão, teremos:
E à tarde nós colhemos dez ou doze sacas de café e depois
as jogamos no caminhão.
[...] = variante em acordo com a norma padrão

Numeral Pronome
Se o desrespeito à concordância não for proposital, ele
deve ser evitado, pois prejudica a imagem do enunciador
A regra geral diz que o artigo, o pronome, o numeral e o ao dar a impressão de que este não possui competência
adjetivo concordam em gênero e número com o substantivo linguística para se expressar na norma padrão.
ao qual se referem:
Regras especiais
... de Petrópolis datam as minhas velhas reminiscências.
Para uso correto das primeiras regras especiais, leve
art. pronome adjetivo substantivo em conta os dois tipos de concordância:
Manuel Bandeira.
Concordância gramatical
As primeiras flores carregavam o perfume da novidade subst. masc. + subst. masc. = adj. masc. plural
subst. fem. + subst. fem. = adj. fem. plural
art numeral substantivo subst masc + subst fem. = adj masc plural
R.G.C.

É bom lembrar que o uso da concordância projeta o Concordância atrativa


tipo de variante utilizada, ou seja, popular ou de acordo Trata-se da concordância com o mais próximo. Eis as
com a norma padrão Observe a frase a seguir situações em que ocorre:
SALMONNEGRO-STOCK/Shutterstock.com

Um adjetivo (na função de adjunto


adnominal) para dois ou mais substantivos
a ordem direta (substantivo(s) + adjetivo): nessa ordem,
o adjetivo pode concordar com o mais próximo (con-
cordância atrativa) ou com a soma (concordância
gramatical).
© Swisska Dreamstime.com

No Paris Café, experimente o que há de melhor:

Queijo e torta francesa


Fig 1 Trabalhador rural na colheita de café. Fig. 2 Francesa: concordância atrativa.

6 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


Utilizaram dinheiro e tecnologia brasileira = atrativa a. ordem direta (substantivo(s) + adjetivo): nessa ordem, o
adjetivo concorda com a soma (concordância gramatical).
subst. masc. subst. fem. adj. fem.
sing. sing. sing.
Homens e mulheres estavam surpresos. = gramatical
ou
pred do suj
Utilizaram dinheiro e tecnologia brasileiros. = gramatical
O padre encontrou homens e mulheres surpresos. = gramatical
subst. masc. subst. fem. adj. masc.
sing. sing. pl.
pred. do obj.
Atenção
b. ordem indireta (adjetivo + substantivo(s)): nessa ordem,
pode concordar com o mais próximo (concordância
atrativa) ou com a soma (concordância gramatical)

Estavam surpresas as mulheres e o homem = atrativa

b. ordem indireta (adjetivo + substantivo(s)): nessa ordem, pred. do suj.


o adjetivo concorda com o mais próximo (concordân
cia atrativa).
Estava surpreso o homem e as mulheres. = atrativa
Utilizaram péssima imagem e colorido. = atrativa
pred. do suj.
adj fem. subst fem subst
sing. sing masc sing

ou Estavam surpresos o homem e as mulheres. = gramatical

Utilizaram péssimo colorido e imagem. = atrativa pred. do suj.

adj. masc. subst. subst. fem. O padre encontrou surpreso o homem e as mulheres. = atrativa
sing. masc. sing sing.

pred do obj.
Atenção

O padre encontrou surpresos o homem e as mulheres =


gramatical
pred do obj

Um adjetivo (na função de predicativo) para


Atenção
dois ou mais substantivos
J L/123rf.com

Meio, bastante, caro, barato, muito, pouco


Podem exercer função adjetiva ou adverbial Em síntese:
y variam se estiverem se referindo ao substantivo ou ao
pronome substantivo:

Era homem de meias palavras

substantivo
FRENTE 1

Senhor, há bastantes alunos com zero!

Fig. 3 Estupefatos: concordância gramatical. substantivo

7
Anexo, em anexo
Meus amigos, gravidezes são caras!
Somente o primeiro varia; o segundo permanece como
substantivo está, por ser locução adverbial.

Seguem anexas ao meu livro minhas memórias.


Eram muitas meninas, tio!

substantivo Seguem em anexo minhas memórias.


y não variam, permanecendo no masculino singular, se
estiverem se referindo ao verbo, ao adjetivo ou ao Mesmo, próprio
advérbio: Variam quando ligados ao nome. Quando ligados ao
verbo, não sofrem alteração (mesmo no sentido de de fato)
Os dirigentes estão meio equivocados!
Elas mesmas chegaram à conclusão.
adjetivo

Elas próprias reconheceram a verdade dos fatos.


Senhor, os alunos estudaram bastante!

verbo
Eles vieram mesmo.

Meus amigos, gravidezes custam caro! Incluso, lesa


Ambas sofrem variação de acordo com o substantivo
verbo ao qual se referem.

POR ISSO QUE


SENHORES. O MENSALÃO ESTOU DENUCIANDO!
É UM CRIME LESA-PÁTRIA!
As meninas eram muito doidas, tio!

adjetivo

Atenção
Para facilitar o emprego de meio, use muito. Nos exemplos a seguir,
a palavra só funciona, respectivamente, como advérbio (sinônimo de DEPUTADO, NÃO ESTAVA
INCLUSA A CAIXINHA
apenas) e como adjetivo (sinônimo de sozinho). DO SENHOR?

– Só elas cantavam.
Elas estavam sós
Fig. 5 Lesa e incluso variam.

Alerta Outras situações similares


Obrigado: varia
Muito obrigado, disse o rapaz a Deus.
Muito obrigada, disse a mulher aos céus.
Quite: concorda com o sujeito.

O professor estava quite com os alunos.


Expressões é bom, é ótimo, é necessário, é proibido etc.
Variam se o substantivo ao qual se referem estiver pre-
cedido de determinante (artigo, por exemplo); são invariáveis
Fig. 4 Alerta não varia. quando o substantivo não estiver precedido de determinante.
Alerta é invariável quando advérbio, mas pode ser usa- Sem determinante: Pimenta é bom. É proibido cervejas.
da no plural quando aplicada como adjetivo e substantivo. Com determinante: A pimenta é boa. São proibidas as cervejas.

8 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


Adjetivos na função de advérbio A utilização do artigo, no segundo caso, é necessária
para que não haja uma interpretação indevida A constru-
Trata-se de adjetivos que se transformaram em ad-
ção “delegação americana e inglesa”, sem o artigo diante
vérbios (ligados ao verbo); por isso, são invariáveis (como
do segundo adjetivo, poderia dar a impressão de que
adjetivos, variam)
se trata de uma única delegação, com a participação de
Advérbios indivíduos de um mesmo país

Elas falavam errado Dois numerais ordinais para um


substantivo
advérbio
Observe que, neste caso, há uma variedade de situações:

Substantivo + numeral + numeral: substantivo


Eles agiram certo. vai para o plural
As serenatas segunda e terceira.
advérbio

Numeral + numeral + substantivo


Adjetivos
a substantivo concorda com o mais próximo
Elas estavam erradas.
Quero ouvir a segunda e a terceira serenata.
adjetivo b. substantivo vai para o plural

Quero ouvir a segunda e a terceira serenatas.


Eles estavam certos.
Um e outro e derivados
adjetivo
Observe os seguintes casos

Dois adjetivos para um substantivo Um e outro/nem um nem outro + substantivo


O substantivo permanece no singular.
Sempre haverá um e outro problema, tenha a certeza
BRASIL BATE AS SELEÇÕES Contudo, nem um nem outro obstáculo impedirá sua
vitória
GROENLANDESA E ARGENTINA
A equipe masculi- Um e outro + substantivo + adjetivo
na de handebol do O substantivo permanece no singular e o adjetivo vai
Brasil conseguiu para o plural
um feito inédito:
em uma só sema- Havia naqueles olhos um e outro traço enigmáticos.
na, venceu duas
grandes seleções:
a Groenlândia e a
Correlações o(a) mais... possível e
Argentina O téc- variantes
nico brasileiro atribui o bom desempenho à disciplina e à Alguns gramáticos, baseados em textos de renomados
garra dos jogadores: “Eles aplicaram a tática e também de- escritores, consideram que o adjetivo “possível”, quando
ram o sangue” Os jogadores estão bastante otimistas para o
usado em expressões superlativas, pode ficar tanto na for
próximo compromisso, contra a seleção da Itália.
ma invariável quanto na forma flexionada
Fig. 6 No caso de dois adjetivos, é preciso observar critérios de concordância.
Forma invariável
Quando há dois adjetivos para um substantivo, o critério
é o seguinte: Estas frutas são as mais saborosas possível
Carlos Góis.
a. Se o substantivo estiver no plural, não haverá artigo
diante do segundo adjetivo: À volta, esperava-nos sempre o almoço com os pratos mais
requintados possível
O comitê olímpico puniu as delegações russa e japonesa Maria Helena Cardoso.

b. Se o substantivo estiver no singular, haverá artigo


Forma flexionada
FRENTE 1

diante do segundo adjetivo:


De modo geral, as características do solo são as mais va-
O comitê olímpico puniu a delegação russa e a japonesa riadas possíveis.
em função da desobediência diplomática. Murilo Melo Filho.

9
A mania de Alice era colecionar os enfeites de louça mais O médico atendeu o maior número de pacientes possível
grotescos possíveis. As previsões eram as melhores possíveis.
Ledo Ivo. Os resultados eram os piores possíveis
Ele escolhia as tarefas menos penosas possíveis.
Entretanto, quando acompanhado de expressões su Joaquim escolheu a mulher mais bonita possível
perlativas (o mais, a menos, o melhor, a pior), a concordância
do adjetivo “possível” com o artigo que as integra é mais Particípio + substantivo
aceita pela maioria dos gramáticos.
O particípio concorda com o substantivo ao qual faz
Os prédios devem ficar o mais afastados possível referência.
Ele trazia sempre as unhas o mais bem aparadas possível Organizadas as torcidas, cuidaremos da entrada no estádio.

Revisando
Texto 1 3 Analise a falta de concordância em cada texto e expli-
que suas consequências ou efeitos de sentido

Texto para as questões 4 e 5.

Museu Naciona de Arte Moderna Paris França.


Texto 2
Paramo no meio da loja pra apreciá umas ropa tão visto-
sa. Só num entendemo o preço que tinha nas plaquinha
de cada ropa Com aquele valor, Dasdô comprava tanto
tecido que dava pra vesti a famia toda. Ô se dava!
Vai vê que eles vendia em lote de vinte peça. Ali só tinha
uma ropa de amostra procê vê se gostô ou não. Sim, deve sê.

1 No texto 1, há um caso inadequado de concordância


nominal segundo a norma-padrão da língua; identifi KANDINSKY, Wassily. On White II, 1923. Óleo sobre tela,
que-o e corrija 105 × 98 cm. Museu Nacional de Arte Moderna, Paris, França.

4 O texto é ambíguo em “popular”. Explique o que moti-


vou o duplo sentido

2 Identifique no texto 2 inadequações de concordância e


especifique o tipo de concordância (nominal ou verbal). 5 Por que esta ambiguidade compromete o anúncio?
Reescreva a última parte do anúncio (“qualidade e
preço popular”), elimine o adjetivo popular (trocando-o
por outro adjetivo) e evite o duplo sentido.

10 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


Texto para as questões 6 e 7 Texto para as questões 9 e 10
Diálogo dos astros A flor do maracujá

Dobrin_Dobrev/Shuttestock.com
Eu só conheço os antigos elementos, que eram quatro,
e hoje andam às dúzias. Diz aqui que eu, se mergulho
numa polpa de azeite não saio incólume [ ]
ASSIS, Machado de. “Diálogo dos astros”. Balas de estalo.
Rio de Janeiro, 1883 Domínio público.

6 Na frase “Eu só conheço os antigos elementos, que


eram quatro, e hoje andam às dúzias”, a palavra só de
limita o sentido de conhecer. Faça duas outras frases
(usando as mesmas palavras da frase citada, alteran-
do apenas a ordem) em que a palavra só estabeleça
outras relações de sentido. Encontrando-me com um sertanejo
Perto de um pé de maracujá
Eu lhe perguntei:
Diga-me caro sertanejo
Porque razão nasce roxa
A flor do maracujá?

Ah, pois então eu lhi conto


A estória que ouvi contá
A razão pro que nasci roxa
7 Em qual das frases que você construiu na questão an- A flor do maracujá
terior a palavra só varia?
Maracujá já foi branco
Eu posso inté lhe ajurá
Mais branco qui caridadi
Mais brando do que o luá

Quando a flor brotava nele


Lá pros cunfim do sertão
Maracujá parecia
8 Na frase “Ando meio preocupado”, responda: Um ninho de argodão
a) Se passarmos o verbo andar para a primeira pes-
soa do plural, todas as palavras receberão flexão, Mais um dia, há muito tempo
Num meis que inté num mi alembro
exceto a palavra meio. Por quê?
Si foi maio, si foi junho
Si foi janero ou dezembro

Nosso sinhô Jesus Cristo


Foi condenado a morrer
Numa cruis crucificado
Longe daqui como o quê

Pregaro cristo a martelo


b) Como você avalia o verbo andar do ponto de E ao vê tamanha crueza
vista sintático-semântico na frase do enunciado A natureza inteirinha
e na frase “andei meia quadra”? Como atua, do Pois-se a chorá di tristeza
ponto de vista morfológico, a palavra meia na fra-
Chorava us campu
se anterior?
As foia, as ribera
Sabiá também chorava
Nos gaio a laranjera

E havia junto da cruis


Um pé de maracujá
FRENTE 1

Carregadinho de flor
Aos pé de nosso sinhô
I o sangue de Jesus Cristo

11
Sangui pisado de dô 11 Leia o anúncio a seguir
Nus pé du maracujá
Tingia todas as flor Vai comprar foguete na Compre barato,
concorrência? compre
foguetes brasileiros

NASA
Eis aqui seu moço
A estoria que eu vi contá
A razão proque nasce roxa
A flor do maracujá.

Edson Haruki/Agência
Catulo da Paixão Cearense.

Espacia Brasileira
9 Cite as passagens em que se observa a transgressão
às regras de concordância nominal.
a) Quais os sentidos de pagar caro?

10 Como deve ser vista essa transgressão à luz do b) Em “Compre barato”, o vocábulo barato é invariá-
contexto? vel, pois funciona como advérbio. Crie uma frase
em que ele varie, dê a seguir sua classe gramatical.

Exercícios propostos
1 Cesgranrio “Noites pesadas de cheiros e calores 02 Sou testemunha de que eles falaram bastantes
amontoados ” coisas injustas.
Aponte a opção em que, substituídos os substantivos em 04 É proibida a presença de estranhos.
destaque, ca incorreta a concordância de amontoado: 08 Mandarei fazer os cartõezinhos numa pequena
A nuvens e brisas amontoadas gráfica do interior.
 odores e brisas amontoadas. 16 Jânio Quadros proibiu o uso de lanças-perfumes
c nuvens e morros amontoados no Brasil.
d morros e nuvens amontoados. 32 Todos já sabiam o resultado, menas as duas irmãs
E brisas e odores amontoadas. de Rodolfo
Soma: 
2 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa
que preenche corretamente as lacunas da frase
apresentada 4 Cesgranrio Assinale a opção em que a concordância
Naquela prova só _______ questões muito _______ . nominal indicada entre parênteses não é aceita pela
A havia difícil de resolver. norma culta
 havia – difícil de resolverem. A Aprecio a cultura e a história _ (europeia)
c havia – difíceis de resolver.  Procure sempre comprar jornais e revistas _.
d haviam difíceis de resolver (brasileiros)
E haviam – difícil de resolverem. c Esses meninos estão com os pés e as mãos _.
(sujas)
3 UFSC Observe as palavras em itálico e assinale as d Encontrei as cadeiras e o sofá. (reformadas)
proposições corretas quanto à flexão E Essa professora contou-nos lendas e contos.
01 Usava camisa e calças verde-limão. (antigos)

12 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


5 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que 10 CPS 2018
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada.
Duzentas gramas
desse jeito, as salas e os quartos do Edu
candário muito mal a comitiva do Meu amigo Hélio, que é pai do Arthur e diz so-
Governador. noramente trêss e déss (ao invés de, digamos, “trêis” e
A Desarrumados deixarão impressionada “déis”) fica indignado quando peço na padaria duzentas
 Desarrumados – deixarão – impressionados gramas de presunto – quando a forma correta, insiste
ele, é “duzentos” gramas. Sempre que acontece e esta-
 Desarrumadas – deixará – impressionados
mos juntos acabamos discutindo uns dez minutos sobre
 Desarrumado deixarão impressionada
modos diferentes de falar Ele de praxe argumenta que
E Desarrumado – deixará – impressionada
as regras de pronúncia e ortografia, se existem, devem
ser obedecidas – e que os mais cultos (como eu, um
6 Explique por que as frases de cada par seguinte têm cara que traduz livros!) devem insistir na forma correta a
“comportamentos” diferentes quanto à concordância fim de esclarecer e encaminhar gente menos iluminada,
nominal. como supõe-se seja a moça que me vende na padaria o
a) Comida é bom presunto e o queijo. Eu sempre argumento que quando
Uma comida sem gordura é boa à saúde. ele diz que só existe uma forma correta de falar está
b) É proibido entrada. usurpando um termo de outro ramo, e tentando apli
É proibida a entrada de estranhos. car a ética à gramática: como se falar “corretamente”
implicasse em algum grau de correção moral; como
se dizer “duzentas” gramas fosse incorrer numa falha
7 EEAR 2018 Todas as alternativas completam a frase
de caráter e dizer “duzentos” fosse prova de virtude e
seguinte com concordância nominal correta, exceto
integridade [ ]
uma. Assinale-a. https://www.baciadasalmas.com/duzentas gramas/
A casa situava-se numa região cujo clima era bastan- Acesso em: 09 11 2017
te saudável. Nessa região, havia
Releia o trecho.
A belo bosque e montanha.
Meu amigo Hélio [...] ca indignado quando peço na
 belos montanha e bosque.
padaria duzentas gramas de presunto quando a for
 bela montanha e bosque
ma correta, insiste ele, é “duzentos” gramas
 belas montanhas e bosques.
Hélio aponta um desvio da norma padrão na ex
pressão “duzentas gramas” utilizada pelo autor no
8 EEAR 2019 Em relação à concordância nominal, seu dia a dia. No entanto, ele não aponta o moti-
assinale a alternativa que completa, correta e respec vo dessa expressão não estar correta. Assinale a
tivamente, as lacunas. alternativa que contenha o tipo de problema identi-
I. —______, diziam as moças, em uníssono, para o pro- cado por Hélio.
fessor de português, após a aprovação no certame. A Concordância nominal, pois o numeral deveria con-
II. São a fome e o desprezo. cordar em gênero com o substantivo.
III. É _____ paciência com candidatos recursivos.  Concordância verbal, pois deveria haver concor
dância com o verbo que sucede o pedido.
A obrigadas – vergonhosos – necessário  Regência nominal, pois o numeral deveria concor
 obrigado vergonhosos necessária dar em número com o substantivo.
 obrigado vergonhoso necessário  Regência verbal, pois deveria haver concordância
 obrigada – vergonhosa – necessária com o verbo que está anteposto ao pedido.
E Complemento nominal, pois deveria haver concor-
9 IFSul 2019 dância de número com o numeral.

11 Cesgranrio Qual a única concordância nominal indica-


da entre parênteses aceita pela norma culta?
A Essa entidade beneficente está aceitando qual-
quer tipo de roupa usada e até de óculos _.
(velho)
 Esses diretores não costumam aceitar nossas rei-
Disponível em : <http://wagnerpassosblog.blogspot.com/search/label/Tiras%20
vindicações, _______ que sejam elas. (qualquer)
%20Amigos%20Reais> Acesso em: 30 ago. 2018
 Pode-se ver do alto daquele prédio as bandeiras
Na frase: Mas, com o tempo, algumas coisas acabaram _ (brasileira e portuguesa)
se invertendo. Se colocássemos a palavra sublinhada  reclamações foram feitas sobre o desca-
FRENTE 1

no singular, quantas outras sofreriam alteração? so das autoridades. (Bastante)


A Uma  Três. E Veio ao requerimento a planta da casa a
 Duas.  Quatro ser reformada. (anexo)

13
12 Cesgranrio “Torna-se _, para o povo brasi- o que ela tinha de essencial Depois, chegou-se à posição
leiro, a percepção de que um estudo profundo se faz oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma obra
preciso, haja os índices altos da crimina- é secundária, e que a sua importância deriva das operações
lidade no país.” formais postas em jogo, conferindo-lhe uma peculiaridade
A opção que completa corretamente as lacunas é: que a torna de fato independente de quaisquer condi-
A necessário/vistos cionamentos, sobretudo social, considerado inoperante
como elemento de compreensão Hoje sabemos que a
b necessária/visto
integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
c necessário/visto
visões ; e que só a podemos entender fundindo texto
d necessário/vista
e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em
E necessária/vista
que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fato-
res externos, quanto o outro, norteado pela convicção de
13 Fatec Assinale a alternativa que preenche correta que a estrutura é virtualmente independente, se combinam
mente as lacunas da frase, na sequência. como momentos necessários do processo interpretativo.
Regina estava indecisa quanto man Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) impor-
dar faturas notas scais e se ta, não como causa, nem como significado, mas como
folha bastaria para o bilhete. elemento que desempenha certo papel na constituição
A meia; à; as; anexo; às; meia da estrutura, tornando-se, portanto, interno.
b meia; à; as; anexas; as; meia Neste caso, saímos dos aspectos periféricos da so-
c meio; a; às; anexo; às; meio ciologia, ou da história sociologicamente orientada, para
d meia; a; às; anexo; as; meio chegar a uma interpretação estética que assimilou a dimen-
E meio; a; as; anexas; às; meia são social como fator de arte. Quando isto se dá, ocorre o
paradoxo assinalado inicialmente: o externo se torna interno
e a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas crítica.
14 FEI Assinale a alternativa em que haja erro de concor
Segundo esta ordem de ideias, o ângulo sociológico adquire
dância uma validade maior do que tinha. Em ........, não pode mais
A Terminadas as aulas, os alunos viajaram ser imposto como critério único, ou mesmo preferencial,
b Esta maçã está meia podre pois a importância de cada fator depende do caso a ser ana-
c É meio-dia e meia. lisado. Uma crítica que se queira integral deve deixar de ser
d Dinheiro, benefícios pessoais, chantagens, nada unilateralmente sociológica, psicológica ou linguística, para
podia corrompê-lo. utilizar livremente os elementos capazes de conduzirem a
E Ajudaram no trabalho amigos e parentes. uma interpretação coerente.
Adaptado de: CANDIDO, Antônio Literatura e sociedade. 9 ed Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
15 Mackenzie Leia os períodos a seguir.
I. Pseudos-intelectuais são hipócritas e imorais. Considere o trecho abaixo extraído do texto
II. Seguem anexo a esta carta os documentos É o que tem ocorrido com o estudo da relação entre
solicitados. a obra e o seu condicionamento social, que a certa
III. No campeonato de vôlei do colégio, todas as me- altura chegou a ser vista como chave para compreen-
ninas estavam meio desanimadas. dê-la, depois foi rebaixada como falha de visão, e
talvez só agora comece a ser proposta nos devidos
Em relação aos períodos citados, assinale:
termos.
A se apenas I estiver correta.
Se a palavra relação fosse substituída por vínculo,
b se apenas II estiver correta.
quantas outras palavras no trecho teriam de ser modi-
c se apenas III estiver correta.
cadas para ns de correção gramatical?
d se todas estiverem corretas.
A Duas.
E se apenas I e II estiverem corretas
b Três.
c Quatro.
16 UFRGS 2018 Nada mais importante para chamar a aten- d Cinco.
ção sobre uma verdade do que exagerá-la. Mas também, E Seis.
nada mais perigoso, ........ um dia vem a reação indispen-
sável e a relega injustamente para a categoria do erro, até
que se efetue a operação difícil de chegar a um ponto de 17 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa
vista objetivo, sem desfigurá la de um lado nem de outro que preenche corretamente as lacunas da frase
É o que tem ocorrido com o estudo da relação entre a apresentada.
obra e o seu condicionamento social, que a certa altu- As bandeiras agitavam-se, na comemoração
ra chegou a ser vista como chave para compreendê-la, pelos conquistados.
depois foi rebaixada como falha de visão, — e talvez só A alviverdes – troféis
agora comece a ser proposta nos devidos termos. b alviverde – troféus
De fato, antes se procurava mostrar que o valor e o c alvis-verdes – troféus
significado de uma obra dependiam de ela exprimir ou não d alviverdes – troféus
certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía E alviverde – troféis

14 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


18 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que II Para conquistar os objetivos, é paciência
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. III É a entrada de estranhos no recinto
_______, realmente, aquelas peças com defeito; os
A inclusas – necessário – proibida
fabricantes _______ .
 inclusos – necessária – proibido
A É caro haverão de trocá los  inclusas – necessária – proibida
 É caro – haverá de trocá-las  inclusos – necessário – proibido
 São caras – haverá de trocá-lo
 São caras haverá de trocá las
23 UFPR Enumere a segunda coluna pela primeira (adje-
E São caras haverão de trocá las
tivo posposto):
 camisa e calça ............
19 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que (1) velhos  chapéu e calça ............
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. (2) velhas  calça e chapéu ............
com muito rigor as propostas dos servidores;  chapéu e paletó ...........
acredito que muita coisa, logo mais, será _______.  chapéu e camisa ..........
A Foram repensadas – mudado A 1–2–1–1–2
 Foi repensado mudada  2–2–1–1–2
 Foram repensadas – mudada  2–1–1–1–1
 Foi repensado – mudado  1–2–2–2–2
E Foi repensadas mudada E 2–1–1–1–2

20 IFSC 2017 Assinale a alternativa em que a palavra em 24 UFF Assinale a frase que encerra um erro de concor
destaque está empregada de forma CORRETA na fra- dância nominal
se considerando-se a norma padrão escrita. A Estavam abandonadas a casa, o templo e a vila
A Frederico recebeu uma carta com as fotos anexa.  Ela chegou com o rosto e as mãos feridas
 Elas mesmas assumiram a culpa e pagaram o prejuízo.  Decorrido um ano e alguns meses, lá voltamos
 Os alunos mesmo disseram à professora que que-  Decorridos um ano e alguns meses, lá voltamos
riam ler mais um livro E Ela comprou dois vestidos cinza
 Todos os formandos estavam quite com a mensali
dade da formatura. 25 PUC-Campinas A frase em que a concordância nomi-
E O acidente foi grave O motorista ficou com o braço nal está correta é:
e a perna quebradas. A A vasta plantação e a casa grande caiados há pouco
tempo era o melhor sinal de prosperidade da família.
21 UEL Está adequadamente flexionada a forma em des-  Eles, com ar entristecidos, dirigiram se ao salão
taque na frase: onde se encontravam as vítimas do acidente
A Ele não deixou satisfeito nem a crítica, nem o público  Não lhe pareciam útil aquelas plantas esquisitas
 Todos achamos difíceis, nas provas de Física e Ma- que ele cultivava na sua pacata e linda chácara do
temática, a resolução das questões finais. interior
 O sofá e a banqueta ganharam outro aspecto de  Quando foi encontrado, ele apresentava feridos a per
pois de consertado. na e o braço direitos, mas estava totalmente lúcido.
 A culpa deles aparecia como que inscritas em suas E Esses livros e cadernos não são meus, mas poderão
feições, denunciando-os. ser importante para a pesquisa que estou fazendo
E Ele considerou inúteis, na atual circunstância, as
medidas que ela sugeria. 26 FMIt Em todas as frases a concordância nominal se fez
corretamente, exceto em:
A Os soldados, agora, estão todos alerta.
22 EEAR 2017 Em relação à concordância nominal,
 Ela possuía bastante recursos para viajar.
assinale a alternativa que completa, correta e respec
 As roupas das moças eram as mais belas possíveis.
tivamente, as lacunas.
 Rosa recebeu o livro e disse: “Muito obrigada”.
I. Seguem as faturas do empréstimo imobiliário. E Sairei de São Paulo hoje, ao meio dia e meia.
FRENTE 1

15
Texto complementar
Vícios de linguagem
Ambiguidade (ou anfibologia) Trata-se de uma sequência de sons desagradáveis que remetem a um
outro sentido não desejado:

Jean Galvão, Instagram


Nosso hino é belo. (nós suíno)
Por cada pedaço de terra, ele lutou (porcada)
Pleonasmo vicioso

Trata-se do duplo sentido dado à frase, ocasionando problemas de

Afonso Lima/Stock.xchng
clareza:
Meu pai brigou com minha tia por causa da sua posição radical. (posição
do pai ou da tia)
Barbarismo
Junior Gomes/Stock.xchng

Trata-se do erro de ortografia (ou pronúncia incorreta), ou quando se dá


à palavra um sentido errado:
A rapaziada comprou duzentos gramas de mortandela. (em vez de
mortadela)
Cacofonia
© David Snyder Dreamstime.com

Trata-se da repetição de uma expressão desnecessária à frase (repetição


de ideias):

Entrei para dentro e vi o banal.


Desci para baixo e vi uma assombração.

16 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


Resumindo
Substantivo e seus satélites Meio, bastante, caro, barato, muito, pouco
A concordância nominal estuda as relações estabelecidas entre o subs
tantivo e seus satélites (relações de gênero e número). A regra geral diz ao substantivo, ao pronome substantivo:
varia (concorda)
que o artigo, o pronome, o numeral e o adjetivo concordam em gênero e
número com o substantivo ao qual se referem
Refere-se
Refere-se
Dois substantivos para um adjetivo
ao verbo, ao adjetivo, ao advérbio:
Para uso correto das primeiras regras especiais, leve em conta os dois não varia (masculino/singular)
tipos de concordância:
1. Concordância gramatical:
Verbo ser + adjetivo
subst. masc. + subst. masc. = adj. masc. plural
As expressões “é bom”, “é ótimo”, “é necessário”, “é proibido” etc. (verbo
ser + adjetivo) são variáveis se o substantivo, ao qual se referem, for pre-
Concordância
subst. fem. + subst. fem. = adj. fem. plural
gramatical cedido de determinante; são invariáveis quando os substantivos estiverem
desacompanhados de determinante
subst. masc. + subst. fem. = adj. masc. plural
Adjetivo com valor de advérbio
2 Concordância atrativa: o adjetivo refere-se aos dois substantivos, mas con
corda com o mais próximo (o critério é a eufonia). Observe as situações: Os adjetivos que se transformaram em advérbios (ligados ao verbo) per
y um adjetivo (na função de adjunto adnominal) para dois ou mais manecem invariáveis (como adjetivos, variam).
substantivos:
Ordem direta (subst /s + adjetivo): nessa ordem, o adjetivo pode Anexo, em anexo
concordar com o mais próximo (concordância atrativa) ou com a
O primeiro varia, concorda com o substantivo (o que está sendo anexado);
soma (concordância gramatical)
o segundo não, é locução adverbial. Utiliza-se “em anexo” quando não é
– Ordem indireta (adjetivo + subst./s): nessa ordem, o adjetivo con-
corda com o mais próximo (concordância atrativa). Quando os preciso especificar a que está anexado.
substantivos são nomes próprios ou nomes de parentesco, o ad-
jetivo vai sempre para o plural Mesmo, próprio
y um adjetivo (na função de predicativo) para dois ou mais substantivos: Variam quando ligados ao nome, não variam quando ligados ao verbo
– Ordem direta (subst./s + adjetivo): nessa ordem, o adjetivo con- (“mesmo” como “de fato”).
corda com a soma (concordância gramatical). Se os substantivos
forem próprios, convém usar o plural. Se os substantivos forem de
Incluso, lesa
números diferentes, convém repetir o adjetivo.
– Ordem indireta (adjetivo + subst./s): nessa ordem, pode concordar Variam, pois concordam com o substantivo ao qual se referem.
com o mais próximo (concordância atrativa) ou com a soma (con-
cordância gramatical). Quite, pseudo

Dois adjetivos para um substantivo A palavra “quite” concorda com o sujeito ao qual se refere; “pseudo” é
Quando há dois adjetivos para um substantivo, o critério é o seguinte: invariável.

y se o substantivo estiver no plural, não haverá artigo diante do segundo


Obrigado
adjetivo.
y se o substantivo estiver no singular, haverá artigo diante do segundo adjetivo Varia em gênero e número

Quer saber mais?

Livros
y CHAMIE, Mário. Caravana contrária São Paulo: Geração, 1998.
y ALVES, Rubem. Palavras para desatar nós. Campinas: Papirus, 2012.
FRENTE 1

17
Exercícios complementares
1 EEAR 2017 Assinale a alternativa que não apresenta Há concordância nominal INADEQUADA em:
falha na concordância. A É proibida entrada em bueiros.
A Ainda que sobre menas coisas para nós, devemos ir.  O menino achou bastantes moedas no bueiro.
 As peças não eram bastante para a montagem do  Ele escolheu mau lugar e hora para fazer a expedição.
veículo  A primeira e a segunda expedições da tarde eram
 Os formulários estão, conforme solicitado, anexo à bem-sucedidas.
mensagem.
 Neste contexto de provas em que vocês se encon- 3 AFA Em relação à concordância ideológica, analise as
tram, está proibida a tentativa de cola orações a seguir.
I. “Há desenganos que fazem a gente velho.” (Ma-
2 IFSul 2017
chado de Assis)
ACHADO NÃO É ROUBADO II. Os sobreviventes, emocionados, abraçamos os
homens que vinham nos salvar
Fabrício Carpinejar
III. Essa turma é terrível! Como falam da vida alheia!
Não ganhava mesada, nem ajuda de custo na infância. IV. Os brasileiros gostamos de futebol.
Eu me virava como dava Recebia casa, comida e roupa
lavada e não havia como miar, latir e reivindicar mais nada Ocorre silepse de gênero e número, respectivamente,
aos pais, só agradecer. nas orações:
As minhas fontes de renda eram praticamente duas: A I e II apenas.
procurar dinheiro nas bolsas vazias da mãe, torcendo para  II e IV apenas
que deixasse alguma nota na pressa da troca dos acessó-  I e III apenas
rios, ou catar moedas nas ruas e nos bueiros.  III e IV apenas.
A modalidade de caça a dinheiro perdido exigia
disciplina e profissionalismo. Saía de casa pelas 13h e 4 AFA Leia as frases a seguir.
caminhava por duas horas, com a cabeça apontada ao
meio-fio como pedra em estilingue. Varria a poeira com os I. “Paulo pegou o ônibus correndo.”
pés e cortava o mato com canivete Fui voluntário remoto II. “Sim, meu filho, neste momento tens meu consen-
do Departamento Municipal de Limpeza Urbana. timento para o casamento ”
Gastava o meu Kichute em vinte quadras, do bairro III “Nosso hino é o mais belo do mundo ”
Petrópolis ao centro. Voltava quando atingia a entrada do IV. “Há três meses atrás eu já previa o resultado.”
viaduto da Conceição e reiniciava a minha arqueologia Há vício de linguagem nas frases:
monetária no outro lado da rua.
A I, II, III e IV.
Levava um saquinho para colher as moedas. Cada
 I, II e III apenas.
tarde rendia o equivalente a três reais. Encontrar corren-
 I e III apenas
tinhas, colares e broches salvava o dia Poderia revender
 II e IV apenas
no mercado paralelo da escola. As meninas pagavam em
jujubas, bolo inglês e guaraná.
Já o bueiro me socializava Convidava com frequência 5 UFJF O fragmento de texto a seguir, de André Macha-
o Liquinho, vulgo Ricardo. Mais forte do que eu, ajudava do, foi adaptado da seção Informática etc., do jornal
a levantar a pesada e lacrada tampa de metal. Eu ficava O Globo, de 30 de junho de 2003, p. 2.
com a responsabilidade de descer às profundezas do lodo. A vida antes e depois do computador
Tirava toda a roupa a mãe não perdoaria o petróleo
e da internet
do esgoto – e pulava de cueca, apalpando às cegas o
fundo com as mãos. Esquecia a nojeira imaginando as – Nunca usei nenhum software específico para por-
recompensas Repartia os lucros com os colegas que me tadores de deficiência, pois, mesmo com uma lesão num
acompanhavam nas expedições ao submundo de Porto nível muito alto, que me classifica como tetraplégica, tenho
Alegre. Lembro que compramos uma bola de futebol com preservados os movimentos de braços, mãos e dedos –
a arrecadação de duas semanas. explica, por e-mail [ ]
Espantoso o número de itens perdidos. Assim como os
No fragmento “[ ] tenho preservados os movimentos
professores paravam no meu colégio, acreditava na greve
de braços, mãos e dedos [...].”, o ajuste de exões em
dos objetos: moedas e anéis rolavam e cédulas voavam
“preservados” se explica por um processo de:
dos bolsos para protestar por melhores condições.
A concordância nominal com “braços”.
Sofria para me manter estável, pois nunca pedia di
 concordância verbal com “movimentos”.
nheiro a ninguém. Desde cedo, descobri que vadiar é
também trabalhar duro.  concordância nominal com “movimentos”
Disponível em: <http://carpinejar.blogspot.com.br/2016/06/achado-nao-e-
 concordância verbal com “braços, mãos e dedos”.
roubado.html>. Acesso em: 22 jun. 2016. E concordância nominal com “dedos”.

18 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


6 ITA O tempo do pescador é medido pelos ciclos da nature- 10 UFRGS 2017 (Adapt.) Muita gente que ouve a expressão
za, pelo decorrer dos dias e noites no ambiente marítimo “políticas linguísticas” pela primeira vez pensa em algo
e pelo comportamento das espécies. Na pesca tradicional, solene, formal, oficial, em leis e portarias, em autorida-
os róis, sob a orientação dos capitães e mestres de pesca, des oficiais, e pode ficar se perguntando o que seriam leis
dividem tarefas através do tempo de trabalho por eles es- sobre línguas. De fato, há leis sobre línguas, mas as “po-
tipulado. O senso de liberdade, 1tão caro aos homens do líticas linguísticas” também podem ser menos formais – e
mar, está muito ligado à autonomia sobre o tempo, 2po- nem passar por leis propriamente ditas. Em quase todos
dendo-se mesmo dizer que decorre dela os casos, figuram no cotidiano, pois envolvem não só a
[...] gestão da linguagem, mas também as práticas de lingua
S.C Maldonado Pescadores do mar São Paulo: Ática, 1986 gem, e as crenças e valores que circulam a respeito delas.
Tome, por exemplo, a situação do cidadão das classes
Assinale a opção cuja frase apresenta a palavra ca-
confortáveis brasileiras, que quer que a escola ensine a
ro(a) com o mesmo sentido expresso em “[...] tão caro norma culta da língua portuguesa Ele folga em saber que
aos homens do mar [...]” se vai exigir isso dos candidatos às vagas para o ensino
A No próximo verão, faremos uma viagem à Austrália, superior, mas nem sempre observa ou exige o mesmo pa-
mesmo sendo cara drão culto, por exemplo, na ata de condomínio, que ele
 Ele pagou tão caro pela decisão que tomou! aprova como está, desapegada da ortografia e das regras
 Exercer a profissão saiu lhe caro de concordância verbais e nominais preconizadas pela
 Roubaram-lhe a joia tão cara a ela gramática normativa. Ele acha ótimo que a escola dos
E Ganhar o concurso literário custou-lhe tão caro! filhos faça baterias de exercícios para fixar as normas or-
tográficas, mas pouco se incomoda com os problemas de
7 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que redação nos enunciados das tarefas dirigidas às crianças
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. ou nos textos de comunicação da escola dirigidos à co-
Deixe o poder de decisão e verá munidade escolar. Essas são políticas linguísticas. Afinal,
que não decepcionaremos. onde há gente, há grupos de pessoas que falam línguas
A conosco mesmo – o Em cada um desses grupos, há decisões, tácitas ou ex-
 com nós mesmos – lhe plícitas, sobre como proceder, sobre o que é aceitável
ou não, e por aí afora. Vamos chamar essas escolhas –
 com nós mesmos – o
assim como as discussões que levam até elas e as ações
 conosco mesmo – lhe
que delas resultam – de políticas. Esses grupos, pequenos
E conosco mesmos – o
ou grandes, de pessoas tratam com outros grupos, que
por sua vez usam línguas e têm as suas políticas internas
8 Fuvest Há muitas flores belas no mundo, e a flor de milho Vivendo imersos em linguagem e tendo constantemente
não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, que lidar com outros indivíduos e outros grupos mediante
beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso can o uso da linguagem, não surpreende que os recursos de
teirinho vulgar com uma força e uma alegria que fazem linguagem lá pelas tantas se tornem, eles próprios, tema
bem É alguma coisa de vivo que se afirma com ímpeto e de política e objetos de políticas explícitas. Como esses
certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. E eu recursos podem ou devem se apresentar? Que funções
não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma eles podem ou devem ter? Quem pode ou deve ter acesso
chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da Rua a eles? Muito do que fazemos, portanto, diz respeito às
Júlio de Castilhos. políticas linguísticas
Rubem Braga, dez. 1945. Adaptado de: GARCEZ, P. M.; SCHULZ, L. Do que tratam as políticas
linguísticas. ReVEL, v. 14, n. 26, 2016.
“Mas aquele pendão...”
Suponha que o início desse período seja: “Mas aqueles...”. Se a expressão políticas linguísticas (2o período do texto)
Reescreva o período, fazendo a penas as alterações fosse para o singular, quantas outras alterações seriam
que se tornarem gramaticalmente necessárias. necessárias no período para manter-se a concordância?
A 1.  2.  3.  4. E 5.
9 Mackenzie Leia os períodos a seguir.
11 IFSul 2017 (Adapt.)
I. Os brasileiros somos todos eternos sonhadores.
II. Muito obrigadas! disseram as moças. O acesso à Educação é o ponto de partida
III. Sr. Deputado, V. Exa. está enganado. Mozart Neves
IV. A pobre senhora ficou meia confusa.
V. São muito estudiosos os alunos e as alunas deste A Educação tem resultados profundos e abrangentes
curso. no desenvolvimento de uma sociedade: contribui para
o crescimento econômico do país, para a promoção da
Há uma concordância inaceitável de acordo com a igualdade e bem-estar social, e também tem impactos
gramática normativa: decisivos na vida de cada um. Um deles, por exemplo,
FRENTE 1

A em I e II.  apenas em III. é na própria renda do trabalhador. Uma análise feita há


 em II, III e V. E apenas em IV. alguns anos pelo economista Marcelo Neri mostrou que,
 apenas em II. a cada ano a mais de estudo, o brasileiro ganha 15% a

19
mais de salário. Além disso, o estudo também mostrou que O texto a seguir refere-se às questões 12 e 13
quem completou o Ensino Fundamental tem 35% a mais
Minhas mãos, escolhendo um livro que quero levar
de chances de ocupação que um analfabeto. Esse número
sobe para 122% na comparação com alguém que tenha o para a cama ou para a mesa de leitura, para o trem ou para
Ensino Médio e 387% com Ensino Superior dar de presente, examinam a forma [ ]
Diante disso, o direito do acesso à Educação é o
ponto de partida na formação de uma pessoa e, conse- 12 UFJF A forma verbal examinam está subordinada a mi-
quentemente, no desenvolvimento e prosperidade de uma nhas mãos por um princípio de:
nação. Não obstante os avanços alcançados pelo Brasil A regência verbal.
nas duas últimas décadas, ainda há importantes desafios  concordância nominal.
a superarmos no que tange esse direito. Se por um lado  concordância em número e gênero.
conseguimos universalizar o atendimento escolar no Ensi-  colocação pronominal
no Fundamental, temos ainda, por outro lado, 2,8 milhões
E concordância em número e pessoa.
de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola. Isso
corresponde a um país do tamanho do Uruguai O desafio,
em termos de acesso, é a universalização da Pré-Escola 13 A forma pronominal minhas está subordinada a mãos
(crianças de 4 e 5 anos) e do Ensino Médio (jovens de 15 por um princípio de:
a 17 anos) A regência verbal
Há outro desafio em jogo: o de como motivar 5,3  concordância em gênero e número.
milhões de jovens de 18 a 25 anos que nem estudam  concordância em gênero.
e nem trabalham, a chamada “geração nem-nem”, para  colocação pronominal
trazê-los de volta à escola e, posteriormente, incluí-los no E concordância em número e pessoa.
mundo do trabalho. Isso é essencial para um país que pas-
sa por um bônus demográfico que se completará, segundo
14 UFC Analise os termos dos parênteses que acompa-
os especialistas, em 2025 O país, para seu crescimento
econômico e sua sustentabilidade, não poderá abrir mão
nham cada uma das frases da coluna 1 e complete a
de nenhum de seus jovens. coluna 2 e a 3, de acordo com os códigos a seguir.
No Ensino Superior, o desafio não é menor O Brasil Código para coluna 2
tem apenas 17% de jovens de 18 a 24 anos matriculados I se só uma forma completar corretamente a frase
nesse nível de ensino. Em conformidade com o Plano II. se ambas as formas completarem corretamente a
Nacional de Educação (PNE), o país precisará dobrar frase.
esse percentual nos próximos dez anos, ou seja, chegar a Código para coluna 3
33%. Para se ter uma ideia da complexidade dessa meta, (1) sujeito composto de gêneros diferentes leva o
esse era o percentual previsto no PNE que se concluiu predicativo para o masculino plural.
em 2010 Isso exige sem que haja perda de qualidade (2) substantivos sinônimos levam o adjetivo a con-
com essa expansão – que a educação básica melhore
cordar com o substantivo mais próximo.
significativamente, tanto em acesso como em qualidade,
(3) “mesmo/próprio/só” concordam com a palavra a
tomando como referência os atuais índices de aprendi-
que se referem.
zagem escolar.
O acesso à Educação é, portanto, ainda um desafio (4) adjetivo posposto a dois ou mais substantivos de
e, caso seja efetivado com qualidade, poderá contribuir gêneros diferentes vai para o masculino plural ou con-
decisivamente para que o país reduza o enorme hiato corda com o mais próximo.
que separa o seu desenvolvimento econômico, medido (5) adjetivo anteposto a dois ou mais substantivos
pelo seu Produto Interno Bruto – PIB (o Brasil é o 7° PIB concorda com o substantivo mais próximo.
mundial) e o seu desenvolvimento social, medido pelo
seu Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (o Brasil Coluna 1 Coluna 2 Coluna 3
ocupa a 75ª posição no ranking mundial). Somente quan-
Alzira tinha crença e fé em seu pai,
do o país alinhar esses índices nas melhores posições do Getúlio Vargas. (exagerada/exagerados)
ranking mundial, teremos de fato um Brasil com menos
desigualdade e menos pobreza. Para que isso aconteça, A Era Vargas foi uma época de atitu-
não se conhece nada melhor do que a Educação. des e comportamentos (novas/novos)
Disponível em: <http://istoe.com.br/o-acesso-educacao-e-o-ponto-de-
partida/>. Acesso em: 20 mar. 2017. Às vésperas daquele 24 de agosto, esta-
vam o presidente e sua segurança
Se a palavra desao (1o período, 4o parágrafo) fosse (desorientados/desorientadas)
exionada no plural, quantas mais alterações seriam
Alzira, ela _, retirou do palácio todos
necessárias na frase para manter a correção sintática? os pertences de seu pai. (mesmo/mesma)
A Uma.
 Duas Pessoas se aglomeravam em casa e pré-
 Três. dio para ver o esquife do presidente.
(antigo/antigos)
 Quatro.

20 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


15 Col. Naval 2017 características próprias da modalidade oral Contudo, não
se respira o mesmo ar, ainda que já se possa ver o outro. As
Encontros e desencontros pessoas passaram a valer-se menos do telefone, e as con-
Hoje, jantando num pequeno restaurante aqui perto de versas também vão, por isso, tornado-se menos frequentes.
casa, pude presenciar, ao vivo, uma cena que já me tinham Gosto, mesmo, é de conversas, de preferência com
descrito. Um casal de meia-idade se senta à mesa vizinha da poucos companheiros, sem pauta, sem temas censura-
minha Feitos os pedidos ao garçom, o homem, bem depres- dos, sem se ter de esmerar na linguagem Conversa sem
sinha, tira o celular do bolso, e não mais o deixa, a merecer compromisso, a não ser o de evitar a chatice. Com suas
sua atenção exclusiva. A mulher, certamente de saber feito, contundências, conflitos de opiniões e momentos de
não se faz de rogada e apanha um livro que trazia junto à solidariedade. Conversa que é vida, que retrata a vida
bolsa. Começa a lê-lo a partir da página assinalada por um no seu dia a dia No grupo maior, há de tudo: o louco,
marcador Espichando o meu pescoço inconveniente (nem o filósofo, o depressivo, o conquistador de garganta, o
tanto, afinal as mesas eram coladinhas) deu para ver que saudosista Nem sempre, é verdade, estou motivado
era uma obra da Martha Medeiros. para participar desses grupos. Porém, passado um tempo,
Desse modo, os dois iam usufruindo suas gulodices, a saudade me bate
sem comentários, com algumas reações dele, rindo com Aqueles bate-papos intimistas com um amigo de
ele mesmo com postagens que certamente ocorriam em tantas afinidades, merecedores que nos tornamos da con-
seu celular. Até dois estranhos, postos nessa situação, tal- fiança um do outro, esses não têm nada igual. A apreensão
vez acabassem por falar alguma coisa Pensei: devem estar abrangente do amigo, de seu psiquismo, dos seus sen-
juntos há algum tempo, sem ter mais o que conversar. timentos, das dificuldades mais íntimas por que passa,
Cada um sabia tudo do outro, nada a acrescentar, nada faz-nos sentir, fortemente, a nossa natureza humana, a
de novo ou surpreendente. E assim caminhava, decerto, maior valia da vida.
a vida daquele casal. Esses momentos vão se tornando, assim me parece,
O que me choca, mesmo observando esta situação, uma cena menos habitual nestes tempos digitais. A pressa,
como outras que o dia a dia me oferece, é a ausência de os problemas a se multiplicarem, as tarefas a se diversifi-
conversa Sem conversa eu não vivo, sem sua força agrega- carem, como encontrar uma brecha para aquela conversa,
dora para trocar ideias, para convencer ou ser convencido que é entrega, confiança, despojamento? Conversa que
pelo outro, para manifestar humor, para desabafar sobre o exige respeito: um local calminho, sem gritos, vozes es-
que angustia a alma, em suma, para falar e para ouvir A ganiçadas, garçons serenos. Sim, umas tulipas estourando
conversa não é a base da terapia? Sei não, mas, atualmente, de geladas e uns tira-gostos de nosso paladar a exigirem
contar com um amigo para jogar conversa fora ou para con nova pedida. Não queria perder esses encontros. Afinal,
fessar aquele temor que lhe está roubando o sossego talvez a vida está passando tão depressa...
Adaptado de: UCHOA, Carlos Eduardo Disponível em:
não seja fácil. O tempo também, nesta vida corre-corre, tem http://carloseduardouchoa.com.br/blog/
lá outras prioridades. Mia Couto é contundente: “Nunca
o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E A concordância do termo destacado em “Um casal
nunca foi tão dramática a nossa solidão.’1 Até se fala muito, de meia idade se senta à mesa vizinha da minha ” (1°§)
mas ouvir o outro? Falo de conversas entre pessoas no mun- está de acordo com a norma-padrão da língua. Em
do real Vive-se hoje, parece, mais no mundo digital Nele, que opção tal fato também ocorre?
até que se conversa muito; porém, é tão diferente, mesmo A Não é permitida conversa pelo celular neste
quando um está vendo o outro. O compartilhamento do restaurante
mesmo espaço, diria, é que nos proporciona a abrangên- b A mulher ficou meia chateada, pois o marido não
cia do outro, a captação do seu respirar, as batidas de seu parava de usar o celular
coração, o seu cheiro, o seu humor c Há bastantes pessoas que usam o WhatsApp no
Desse diálogo é que tanta gente está sentindo falta. Brasil
Até por telefone as pessoas conversam, atualmente, bem d Seguem anexas às mensagens meu perfil no
menos. Pelo WhatsApp fica mais fácil, alega-se. Rapi- aplicativo.
dinho, rapidinho. Mas e a conversa? Conversa-se, sim, E Só, sem qualquer amigo mais próximo, muitas pes-
replicam Será? Ou se trocam algumas palavras? Quando soas se refugiam no mundo virtual.
falo em conversa, refiro-me àquelas que se esticam, sem
tempo marcado, sem caminho reto, a pularem de assunto
em assunto. O WhatsApp é de graça, proclamam. Talvez 16 Ifal 2016 Escolha a frase cuja concordância nominal
um argumento que pode ser robusto, como se diz hoje, a está correta.
favor da utilização desse instrumento moderno. A Alguns pseudos-sociólogos se opõem ao Bolsa
Mas será apenas por isso? Um amigo me lembra: no Família.
WhatsApp se trocam mensagens por escrito Eu sei Entre b Há partes da floresta que estão menas devastadas
tanto, língua escrita é outra modalidade, outro modo de que outras.
ativar a linguagem, a começar pela não copresença física c Visto a grande destruição, alguma atitude deve ser
dos interlocutores. No telefone, não há essa copresença tomada.
FRENTE 1

física, mas esse meio de comunicação não é impeditivo de d Seguem anexo os documentos do processo.
falante e ouvinte, a cada passo, trocarem de papéis e até E Todos devem ficar alerta para a questão do
mesmo de falarem ao mesmo tempo, configurando, pois, desmatamento.

21
17 Col. Naval 2016 Assinale a opção INCORRETA com relação ao emprego do gênero do substantivo em destaque.
A Se meus filhos desejarem, farei a musse de maracujá para a sobremesa desta noite.
 Assim que o veterinário examinou o pobre cão, sentiu muito dó, comovendo-se bastante.
 A próxima eclipse ocorrerá no final deste mês, à noitinha, mas somente no Sudeste.
 Como todos sabem, o plasma é fundamental na cura de certas doenças graves.
E Trouxeram o champanhe que eu encomendei, há dias, para o jantar de hoje?

18 Uneb Assinale a alternativa em que, pluralizando-se a frase, as palavras destacadas permanecem invariáveis:
A Este é o meio mais exato para você resolver o problema: estude só.
 Meia palavra, meio tom – índice de sua sensatez.
 Estava só naquela ocasião; acreditei, pois em sua meia promessa.
 Passei muito inverno só.
E Só estudei o elementar, o que me deixa meio apreensivo.

19 IFSP 2016 De acordo com a norma-padrão da Língua Portuguesa e a gramática normativa, com relação às concordâncias
verbal e nominal, observe as placas apresentadas e, em seguida, assinale a alternativa correta.
A

22 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 17 Concordância nominal


FRENTE 1

CAPÍTULO Concordância verbal


Os homens no carrinho representam os votos. A charge de Glauco mostra, utilizando

18
o recurso da metonímia, uma realidade que ainda existe no país: a venda de votos. A frase
“vendem-se votos” está correta do ponto de vista da norma culta, pois votos é o sujeito da
oração (voz passiva: “votos são vendidos”) e o verbo está no plural fazendo a concordância.
Mas nem sempre há o acerto; é comum, em ruas e praças principalmente, placas com erro
de concordância: o verbo está no singular e o sujeito no plural (por exemplo, vende-se casas).
Contudo, o erro possui uma explicação:
a) o sujeito, representado por um substantivo, costuma vir à esquerda do verbo – o
substantivo, neste tipo de estrutura, costuma estar à direita;
b) o sujeito costuma ser agente – o substantivo, neste tipo de estrutura, é sujeito paciente.
Introdução b) Distância entre sujeito e verbo
A todo momento, utilizamos a concordância verbal. En- Coloquial
tretanto, a desobediência à norma culta prejudica a imagem A torcida dos clubes paulistas, que estavam em péssima
de quem enuncia. Para formar a concordância, há uma regra colocação no campeonato, quebraram toda a arquibancada.
geral e uma série de normas específicas. A primeira é a mais Culto
cobrada e a mais empregada; segundo a gramática, o verbo A torcida dos clubes paulistas, que estavam em péssima
concorda em número e pessoa com o sujeito Por exemplo: colocação no campeonato, quebrou toda a arquibancada.
[ ] esse teu vestido de pregas te vai muito bem c) Ordem indireta e distância entre sujeito e
núcleo do sujeito verbo verbo
3a pessoa do 3a pessoa do
singular (ele) singular Coloquial
Resta, após um longo debate entre o povo e o governo,
Cecília Meireles.
esperanças de que as coisas melhorem.
Na frase acima, o verbo ir concorda com o núcleo do Culto
sujeito vestido em número (singular) e pessoa (3a). A falta Restam, após um longo debate entre o povo e o governo,
de concordância é comum na linguagem oral e em certos esperanças de que as coisas melhorem.
textos que procuram reproduzir a fala coloquial. veja este
fragmento de As mariposa, música de Adoniran Barbosa: d) Plurais vizinhos ao núcleo do sujeito que
está no singular
As mariposa quando chega o frio
Fica dando vorta em torno das lâmpida prá se esquentá Coloquial
A educação destas pessoas impediram um mal maior
No trecho citado, o erro de concordância verbal (o
verbo ficar no singular) e o de concordância nominal (As Culto
mariposa) revelam uma característica social da persona- A educação destas pessoas impediu um mal maior.
gem. A linguagem empregada é compatível com o falar e) Na voz passiva sintética
popular, e a enunciação faz crer que se trata de gente sim-
ples. Na linguagem culta, por outro lado, teremos: Coloquial
Aceita-se passes.
As mariposas, quando chega o frio, Vende-se churros
Ficam dando volta em torno das lâmpadas.

Regras
Regra geral – sujeito simples Fig. 2 Voz passiva sintética.
Embora a regra seja relativamente fácil – o verbo con-
Culto
corda em número e pessoa com o sujeito –, os exames
Aceitam-se passes.
podem impor algumas dificuldades. Vejamos algumas delas:
Vendem-se churros.

a) Ordem indireta
Sujeito composto
Coloquial
Chegou, ontem à noite, vinte turistas. a) Em ordem direta
Nasceu, no dia 7, duas meninas. Se os sujeitos estiverem na terceira pessoa, o verbo
vai para a terceira do plural
Culto
Chegaram, ontem à noite, vinte turistas. As almofadas e o banco chegaram
Nasceram, no dia 7, duas meninas
© Pavalache Stelian Dreamstime.com
Alanta/Dreamstime.com

Fig. 1 Ordem indireta. Fig. 3 Sujeito composto em ordem direta.

24 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


b) Em ordem indireta

Pete Souza/Officia White House Photo


Senhores e
Neste caso, o verbo pode ir para o plural ou concordar senhoras, o
com o mais próximo. ex-presidente
Chegou o banco e as almofadas. dos Estados
Unidos:
ou
Chegaram o banco e as almofadas. Sua Excelência,
Barack Obama
Está (estão) chegando o Natal e o Ano Novo: é hora de
ajudar quem precisa.

c) Núcleos são sinônimos ou há gradação


O verbo pode concordar com o mais próximo ou ir
para o plural.
A maldade e a ruindade habitavam o ser Fig. 4 Pronomes de tratamento.
ou
A maldade e a ruindade habitava o ser. Sujeito oracional
d) Sujeito composto seguido de aposto Quando o sujeito for oracional, o verbo da oração prin-
cipal deve permanecer na terceira do singular.
recapitulativo
O verbo concorda com o aposto (tudo, nada etc ) Pareceu lhes que as visitas não foram bem sucedidas

Suco de uva, caviar, praia, gente bonita; tudo estava em “que as visitas não foram bem-sucedidas” é sujeito
um só lugar: no livro. (oração subordinada substantiva subjetiva).

e) Núcleos do sujeito de pessoas gramaticais Substantivo coletivo e expressões


diferentes partitivas
A primeira prevalece sobre as demais (segunda e tercei- Ao utilizar as expressões “grande parte”, “maioria” entre
ra); no caso de haver a segunda e a terceira, o verbo pode outras, observe as situações:
apresentar-se na segunda do plural ou na terceira do plural.
Eu e tu visitaremos o hospital a) No singular, se não seguidos de substantivo
1a 2a 1a pl.
no plural
Eu e ele visitaremos o hospital. O bando saiu desesperadamente.

1a 3a 1a pl. A maioria saiu desesperadamente


Tu e ele visitastes o hospital.

Maxim KazmiN/123rf.com
2a 3a 2a pl.

ou
Tu e ele visitaram o hospital

2a 3a 3a pl

Pronomes Vossa Excelência,


Vossa Santidade etc.
O verbo e os pronomes de tratamento devem ir para a Fig 5 Expressões partitivas
terceira pessoa.
b) No singular ou no plural, se seguidos de
Vossa Excelência está com seu paletó rasgado.
substantivo no plural
3a 3a 3a pl.
Um bando de marginais saiu.
Atenção ou
Um bando de marginais saíram.
A maioria dos marginais saiu.
FRENTE 1

ou
A maioria dos marginais saíram.

25
Relativos que e quem b) Fenômeno temporal
O relativo que, na função de sujeito, faz com que O verbo é impessoal, conjugado apenas na terceira
o verbo concorde com o antecedente desse pronome;
do singular.
quanto ao quem, o verbo pode concordar com o antece
dente ou na terceira do singular (concordando com este

Arthur Puls (CC BY-SA 3.0)/Wikimedia Commons


pronome).
Foi isso que os fez desistir. (o verbo “fazer” concorda com
o antecedente “isso”)
Somos nós quem pagamos a cerveja (o verbo “pagar”
concorda com o antecedente “nós”)

ou
Somos nós quem pagou a cerveja. (o verbo “pagar” con-
corda com o pronome “quem”)

Verbos haver e fazer N


Fig. 6 Fenômeno temporal.
a) Haver – sinônimo de existir, acontecer
Neste caso, o verbo é impessoal e só é conjugado na Chove lá fora e aqui dentro faz muito calor
terceira do singular: No sentido figurado, esse tipo de verbo aceita flexão,
Havia dúvidas de que o senador falasse a verdade. (exis- pois possui sujeito: “Chovem impostos”
tiam dúvidas)
(sujeito = impostos)
Houve confrontos entre a Força Sindical e a CUT. (acon-
teceram confrontos)
Deve haver noites muito frias em Santa Catarina. (devem A palavra “se”
existir noites muito frias)
a) Partícula apassivadora
Em locução verbal, o auxiliar também permanece no
singular; Ao usar a partícula, o verbo concorda com o sujeito.
Coloquial
b) Haver e fazer no sentido de tempo
Aluga-se quartos
decorrido
Quando empregados, devem vir sempre no singular;
trata-se de oração sem sujeito. verbo sujeito

Há vinte anos que não bebo, padre Culto


Faz muitos anos que João não vê a liberdade. Alugam-se quartos.
Deve haver dois meses que não chove.
Faz séculos que não como um vatapá.
Deve fazer anos que o povo não enxerga uma luz na verbo sujeito

economia do país.
Atenção
Em outros sentidos, os verbos “haver” e “fazer” aceitam
plural (há sujeito).

Verbos que denotam tempo, fenômeno


da natureza
a) Indicação de horas
O verbo concorda com o número de horas b) Índice de indeterminação do sujeito
Coloquial Nessa situação, o verbo permanece no singular.
É duas horas? Coloquial

Culto Precisam-se de pregos.


São duas horas? Necessitam-se de cobertores e pais.

26 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


Theodor Negru/Shutterstock.com
b) Não precedido de artigo: verbo no singular

ODan Jaeger Vendruscolo/Stock.xchng


Fig. 8 Sujeito não precedido de artigo.
Fig. 7 Índice de indeterminação do sujeito.
Estados Unidos atacou, na noite de ontem, o Iraque
Culto Lusíadas abalou muitos corações.
Precisa-se de pregos
Necessita-se de cobertores e pais. Atenção

Essa estrutura só é possível com verbos transitivos indi- É comum o verbo no singular no caso de obras literárias, pois os
autores concordam com a ideia de obra, livro Trata-se de silepse
retos, intransitivos e de ligação. Para mais detalhes, consulte
(Os Lusíadas é...)
a aula sobre a partícula se.

Pronomes interrogativos ou indefinidos Expressão um dos que


seguidos da expressão de nós ou
a) Com o verbo no singular: destaque para o
de vós
indivíduo
Romário foi um dos jogadores que mais acertou no jogo
a) Pronome no singular
contra o México.
O verbo também deverá estar no singular.
Qual de vós nunca errou? b) Com o verbo no plural: destaque para
Qual de nós será o presidente? o grupo
Nenhum de nós sumirá Romário foi um dos jogadores que mais acertaram no jogo
contra o México.
b) Pronome no plural
Nesse caso, o verbo pode concordar na terceira do A expressão de realce é que
plural ou com os pronomes “nós” e “vós” Trata-se de expressão invariável.
Quais de nós ganharam? Nós é que vimos o crime
Os policiais militares é que fizeram a greve
ou
Quais de nós ganhamos? Se o verbo ser estiver distante da palavra que, pode
variar:
Sujeito é nome próprio no plural São os garotos que gritaram.

a) Precedido de artigo: verbo no plural Haja vista


FRENTE 1

Os Estados Unidos atacaram, na noite de ontem,


o Iraque a) No singular
Os Lusíadas abalaram muitos corações. ... haja vista os dólares que gastaram!

27
b) No plural Verbos dar, bater e soar
... hajam vista os dólares que gastaram!
a) Se o termo relógio (torre, igreja etc.)
Verbo parecer seguido de infinitivo é sujeito da oração, verbo no singular

© Ionita Marce Constantin Dreamstime.com


a) Flexiona-se o verbo “parecer”
Os homens parecem sofrer de um mal desconhecido.
(parecem sofrer = locução verbal)

b) Flexiona-se o infinitivo
Os homens parece sofrerem de um mal desconhecido.
(parece = oração principal)
Os homens sofrerem de um mal desconhecido = oração
subordinada substantiva subjetiva (= sujeito oracional; exige
que o verbo da oração principal esteja no singular).

Verbos ter, vir, ver e derivados


a) No singular
Tem (ter), vem (vir), vê (ver), detém (deter), retém (reter),
intervém (intervir) etc
Os professores da escola, que detém um patrimônio de
100 mil reais, estavam em greve.

Quem detém o patrimônio de 100 mil reais é a escola;


o verbo “deter” está no singular.

b) No plural
Têm (ter), vêm (vir), veem (ver), detêm (deter), retêm
Fig. 9 “Relógio” é sujeito da oração, e o verbo permanece no singular.
(reter), intervêm (intervir).
Os professores da escola que detêm um patrimônio de
b) Se o sujeito é o número de horas, o verbo
100 mil reais estavam fora da greve.
concorda com o número
Atenção Deram três horas agora na torre.

São os professores que possuem um patrimônio de 100 mil reais,


Na torre e agora são adjuntos adverbiais.
pois o verbo “deter” está no plural. Estavam fora da greve apenas
os professores que possuem esse patrimônio. A oração intercalada Núcleos do sujeito ligados por ou
é adjetiva restritiva.
a) No sentido de retificação ou exclusão, o
verbo permanece no singular
Sujeito representado pelas expressões
Serra ou Dilma será presidente, diz pesquisa.
mais de um e um ou outro
b) Quando a ação pode ser atribuída aos
a) Emprega-se o singular dois, o verbo vai para o plural
Mais de um bandido escapou da Casa de Detenção Só um pai ou um tio compreenderiam o problema do
Um ou outro policial foi ferido menino

b) Havendo reciprocidade Núcleos do sujeito unidos por com


Nessa situação, o verbo cujo sujeito é “mais de um”
vai para o plural: a) No singular, quando se quer destacar o
Mais de um bandido agrediram-se durante a rebelião. primeiro elemento ou quando o verbo vier
anteposto
c) Mais de dois, mais de três etc. O técnico com seus jogadores assumiu a posição defensiva
Nesse caso, o verbo irá naturalmente para o plural. Descansa o chefe de estado com sua comitiva.

28 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


b) No plural, quando se dá a mesma f) Sujeito no plural e palavra coisa
importância aos dois elementos citados Ao se usar o sujeito no plural e o predicativo for a pa-
O pai com seus sete filhos construíram um castelo de lavra coisa ou o pronome demonstrativo o, a concordância
verdade. é feita com essas palavras.
Torturas é coisa do passado.
Núcleos do sujeito unidos por nem Sonhos é o que nos faz viver.
Utiliza-se no plural, a não ser que o verbo venha ante-
posto ao sujeito. g) Predicado formado por expressões
Se o predicado é formado por expressões é muito, é
Nem a CPI nem o povo conseguiram derrubar o deputado.
pouco, é mais que, é menos que, é demais (preço, quan-
Não o expulsei nem eu nem minha vizinha.
tidade, medida etc.), permanecem invariáveis.
Sujeitos correlacionados Vinte quilos é muito.
O verbo vai para o plural ao se usar tanto ... como; não Duzentos metros é demais.
só... mas também etc. Vinte quilos é mais que necessito.

Não só a criança mas também o adulto sofrem com a h) Indicação de tempo ou espaço
insensibilidade das autoridades. Ao usar horas, datas e distâncias, o verbo ser concorda
com o número.
Concordância com verbo ser
São quatro horas.
É uma hora e vinte.
a) Sujeito representado por pronomes
São vinte de agosto
Ao representar o sujeito utilizando-se tudo, o, isto, isso São vinte metros
ou aquilo, concorda-se com o predicativo no plural.
Na indicação de dia, pode-se utilizar o singular concor
Tudo são ilusões. dando com a palavra dia subentendida
Aquilo são atos desonestos.
É dia seis de março.
b) Sujeito representado por nome próprio É seis de março.

Faz-se a concordância com o nome próprio ou


Maria é desejos São seis de março.
Os Lusíadas são um poema inesquecível.
Concordância ideológica
c) Nomes de coisas A concordância ideológica também é denominada
Se o sujeito é nome de coisa no singular e o pre- silepse (como figura de linguagem) e, nesse caso, se dá
dicativo é nome de coisa no plural, concorda-se com o com a ideia.
predicativo
Os cidadãos somos manipulados?
A vida são conflitos.
O verbo na primeira pessoa do plural concorda com a
A casa são fantasmas.
ideia de nós, dada pelo substantivo cidadãos; o enunciador
É importante entender coisa como oposição a ser se inclui como tal, há um efeito de aproximação. A silepse
humano. pode ser de gênero, número ou pessoa.

d) Sujeito é expressão de sentido partitivo a) Número


ou coletivo: concorda-se com o predicativo A família estava faminta naquele Natal; comiam como
no plural animais
A maioria são bandidos O verbo “comer” está no plural, pois concorda com a
O resto são fragmentos. ideia de plural que a palavra família transmite. Alterou-se
o número apenas.
e) Nome e pronome pessoal
Quando o sujeito é nome de coisa ou nome próprio e b) Pessoa
o predicativo é pronome pessoal, concorda-se com este Todos os brasileiros temos vergonha da corrupção
FRENTE 1

pronome.
O verbo vai para a primeira pessoa do plural, pois
Maria és tu? o enunciador se inclui no todo. Alterou-se apenas a
Os professores sois vós. pessoa.

29
c) Gênero
Na ilustração a seguir, o pronome de tratamento pede feminino; no entanto, concorda-se com a ideia: o presidente
é homem (angustiado). Alterou-se apenas o gênero.

Vossa Excelência
está angustiado?

Fig. 10 Concordância ideológica em gênero.

Com exceção do terceiro exemplo (Vossa Excelência), a silepse só deve ser utilizada em linguagem escrita quando
empregada em textos literários

Revisando
Texto para as questões de 1 a 3. 3 A transgressão à norma no texto visa a um objetivo
Explique.
Chegô a noite. E também o frio. Nóis ia aguentá
por quanto tempo? Veio os policial com pergunta que
nóis nem precisava respondê
Eles não queria “vagabundo” parado ali. Mas nóis
não é vagabundo, só farta um lugar pra dormi. Amanhã
cedinho tem batente.
Então passamo a noite num lugar mais afastado.
Nóis vortô atrás e topô o desconto no salário para dor Texto para as questões 4 e 5.
mi no alojamento do cantero de obra. Haviam, nas eleições, duas forças antagônicas e re-
sistentes; mas a política vive da oposição, afinal, é da
1 Cite passagens em que se nota transgressão às re- oposição que nasce a síntese. Houve guerras mundiais, e
gras de concordância verbal. assim escreveu a história: oposições, sínteses, novas teses
e novas oposições a essas teses que geraram novas teses.
Devem haver outras formas de dialética, mas essa me pa-
rece a mais simples. Ou não?

4 Qual o significado do verbo haver em todas as ocor


rências? Em qual das passagens ele obedece à
norma?
2 Em qual das passagens que apresentam desvio de
norma em relação à concordância verbal está em jogo
a ordem indireta? Reescreva a passagem em norma
culta e em ordem direta

30 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


5 Substitua a o verbo haver pelo existir em “Devem ha Texto para as questões 8 e 9.
ver outras formas”

takahuli.production/Shutterstock.com
6 Veja a placa a seguir.

Aceita-se passes, relógios...


O importante é matar a fome. O coruja
[ ] tudo me contavas; dizias-me todos os passos de tua
vida, e eu podia, hora por hora, instante por instante, afi
nar meu coração pelo teu; e agora já nada me contas do
Há alguma infração à norma? Justique sua resposta. que fazes. [...]
[...] vives para mim; teu público sou eu, e mais ninguém.
[...]
AZEVEDO, Aluísio O coruja 1889 Domínio Público.

8 Em relação à frase “teu público sou eu”, justifique:


a) a concordância com o verbo ser.

7 Observe o texto a seguir.


Vamos comer, Modesto?
– Vá você, Ricardão, lá em casa a coisa tá feia, esta-
mos meio duros.
– Mas sou eu quem paga a conta, Modesto! Que tal b) o efeito semântico dessa concordância
uma feijoada?
– Opa, feijoada é bom! Sendo de graça, melhor ainda.
É um prazer convida a sua irmã
Responda ao que se pede.
a) Que outra possibilidade de concordância tería-
mos em “Mas sou eu quem paga a conta”?

9 Passe o tratamento para segunda do plural e substitua


o eu por nós em:
tudo me contavas; dizias-me todos os passos de tua vida,
e eu podia, hora por hora, instante por instante, afinar meu
coração pelo teu; e agora já nada me contas do que fazes
b) A frase “feijoada é bom” obedece à norma?
Justifique sua resposta
FRENTE 1

31
Exercícios propostos
Texto para a questão 1. cultura hip hop costuma ser assimilada como uma fala
histórica essencialmente crítica por uma juventude com
Olhos de ressaca tão escassas vias de fuga ao sempre igual. Quando, por
[ ] Momento houve em que os olhos de Capitu fi- exemplo, jovens de uma favela brasileira incorporam esta
taram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem linguagem tornada universal, por mais que a sua reali-
palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do dade seja diferente daquela dos marginalizados do país
mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador de origem, a forma permanece associada a um conteúdo
da manhã crítico – uma visão de mundo subalterna e frequente-
Machado de Assis. Dom Casmurro. mente subversiva.
O rap é hoje uma forma de expressão comunitária,
por meio da qual se comunicam e afirmam sua identidade
1 Faap-SP “Momento houve em que...” habitantes dos morros e comunidades populares. /.../
Com momento no plural, poderíamos escrever corre- O surgimento do movimento hip-hop nos remete ao
tamente assim: contexto no qual estavam inseridos os Estados Unidos dos
A momentos houveram anos 60 e 70, no auge da Guerra Fria. Foram anos de ten-
 momentos houve são e muita agitação política. O descontentamento popular
C momentos existiu. com a guerra do Vietnã somava se à pressão das comuni
 momentos ia existir. dades negras segregadas, submetidas a leis similares às do
E momentos iam haver. apartheid sul-africano. O clima de revolta e inconformismo
tomava conta dos guetos negros / /
2 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que Na trilha da agitação política ocorriam inovações
culturais. Nos guetos, o que se ouvia era o soul, que foi
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada.
importante para a organização e conscientização daquela
As delegações que participar dos jo-
população / ./ No mesmo período surge uma variedade
gos chegarão amanhã.
de outros ritmos, como o funk, marcados por pancadas
A latinas-americanas – veem
poderosas que causavam estranhamento aos brancos, letras
 latinas-americanas vem
que invocavam a valorização da cultura negra e denuncia-
C latino americanas vêm vam as condições às quais eram submetidas as populações
 latinos-americanas – vêm dos guetos. O soul e o funk foram as bases musicais que
E latinos-americanas – vem permitiram o surgimento do rap, que virá a ser um dos
elementos do movimento hip-hop.
3 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que Por essa época ou um pouco antes, jovens negros já
preenche corretamente as lacunas da frase apresen dançavam [o break] nas ruas ao som do soul e do funk
tada. de uma forma inovadora, executando passos que lembra-
É bom que se ______ os convites ainda hoje, embora vam ao mesmo tempo uma luta e os movimentos de um
______ acrescentar alguns nomes à lista. robô. /.../
A enviem seja preciso Finalmente, além da música e da dança, propagava-se
 enviem sejam precisos pelos guetos, ainda, o hábito de desenhar e escrever em
C enviem – sejam preciso muros e paredes. /.../ Nesse contexto de efervescência
 envie – seja preciso político-cultural, grafiteiros, breakers e rappers começa
E envie – sejam precisos ram a se reunir para realizar eventos juntos, afinal suas
artes estavam relacionadas a uma experiência comum, a
cultura de rua / ./
4 FGV Frase de referência: “Conheci Marcos Rey há mais Por volta de 1982, o rap chegou ao Brasil, fixando-se,
de vinte anos, quando sonhava tornar me escritor”. sobretudo, em São Paulo. /.../
Transcreva essa frase, mas substitua o verbo haver Nos últimos anos da década de 90, o rap brasileiro
pelo verbo fazer. ultrapassou os limites da periferia dos grandes centros e
chegou à classe média. /.../ O rap de caráter mais comer-
5 EPCar 2019 cial passou então a ser amplamente difundido pelo país, ao
mesmo tempo em que, em sua forma marginal, a lingua
Rap: uma linguagem dos guetos
gem continuava a se desenvolver nos espaços populares.
Entre as vozes que se cruzam na cacofonia urbana Há que se destacar o caráter inovador do rap nacional,
da sociedade globalizada, há uma que se sobressai pela que reelabora, de forma criadora, a partir de tradições
sua radicalidade marginal: o rap. A moderna tradição populares brasileiras, a linguagem dos guetos norte-ame-
negra dos guetos norte-americanos é, hoje, cantada pelos ricanos, mesclando o ritmo do Bronx a gêneros como o
jovens das periferias de todos os quadrantes do globo samba e a embolada / ./
Mas diferentemente das estereotipias produzidas pela Não se trata, no entanto, de idealizar o hip-
nação hegemônica e difundidas em escala planetária, a -hop como forma de conhecimento. O movimento,

32 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


seguramente, não é homogêneo: possui tendências 9 Cesgranrio Assinale a opção em que a norma culta ad-
mais ou menos politizadas, mais ou menos engaja- mite só uma concordância verbal.
das e críticas. Há, por assim dizer, uma vertente cuja A A maioria dos jovens acompanhando pe-
tônica é a denúncia, a agitação e o protesto. Outra,
los jornais as notícias sobre a Croácia. (vem/vêm).
espontânea, sem uma linha política coerente e defi-
 Naquela guerra entre quadrilhas, um
nida E outra ainda, talvez hegemônica, já assimilada
pelo mercado, que reproduz o modelo de comporta- dos chefes e alguns moradores das proximidades.
mento, aspirações e ideais dominantes (consumismo, (morreu/morreram).
individualismo e exaltação da vida privada), como a C Fui eu quem ____________ um manifesto contra
maioria das canções ditas “de massa” as irregularidades dessa repartição. (encabeçou/
(COUTINHO, Eduardo Granja, ARAÚJO, Marianna. Rap: uma linguagem dos encabecei).
guetos. In: PAIVA, Raquel, TUZZO, Simone Antoniaci (Orgs.) Comunidade,
mídia e cidade: possibilidades comunitárias na cidade hoje. Goiânia: FIC/  _______ haver campanhas educativas sobre o
UFG, 2014.) trânsito de nossa cidade. (Deveria/Deveriam).
Assinale a alternativa em que a reescrita mantém a E Quantos de nós __________ realmente dispostos
correção da língua formal. a ajudar o próximo? (estarão/estaremos).
A “O clima de revolta e inconformismo tomava conta
dos guetos dos negros.” O clima de revolta e 10 Cesgranrio Assinale a opção em que a concordância
inconformismo tomavam conta dos guetos negros. verbal contraria a norma culta da língua
 “Na trilha da agitação política ocorriam inovações A Não se assistia a tais espetáculos por aqui
culturais ” Na trilha da agitação política haviam  Podem-se respeitar essas convenções
inovações culturais. C Pode-se perdoar aos exilados.
C “...propagava-se pelos guetos, ainda, o hábito de  Há de se fazer muitas alterações.
desenhar e escrever...” Eram propagados pelos E Não se trata de problemas graves.
guetos, ainda, o hábito de desenhar e escrever
 ...como a maioria das canções ditas “de massa” re
11 Fatec Assinale a alternativa correta quanto à concor
produz... como a maioria das canções ditas “de
massa” reproduzem. dância verbal.
A Devem haver outras razões para ele ter desistido.
 Foi então que começou a chegar um pessoal es-
6 Faap SP Complete as frases seguintes com a forma
apropriada do verbo ser. tranho.
a) Os responsáveis ________ nós. Nós ________ a C Queria voltar a estudar, mas faltava-lhe recursos.
equipe de futebol da escola  Não se admitirá exceções.
b) Agora seis horas da manhã. E Basta-lhe dois ou três dias para resolver isso.
c) Hoje ___________ dia 24 de agosto.
12 FEI Assinalar a alternativa em que a concordância ver-
7 IME Nas frases a seguir há erros ou impropriedades bal está incorreta.
Reescreva as e justifique a correção. A Crianças, jovens, adultos, ninguém ficou imune aos
a) Quantos sonhos haviam naquela ingênua cabe- seus encantos.
cinha...  Mais de mil pessoas compareceram ao comício.
b) Cheguei a dois dias e voltarei daqui há quatro meses C Não só a educação mas também a saúde precisa
de muita atenção do governo.
8 Unicamp Leia a seguinte reportagem.  Bastam dois toques para sabermos que você
Sem comentários chegou
E Boa parte das pessoas está preocupada com o futuro.
Do delegado regional do Ministério da Educação no
Rio, Antônio Carlos Reboredo, ao ler ontem um discurso
de agradecimento ao seu chefe, o ministro Eraldo Tinoco: 13 Fuvest Qual a frase com erro de concordância?
“Os convênios assinados traduz (sic) os esforços. ” A Para o grego antigo a origem de tudo se deu com
(Painel, Folha de S.Paulo, 12/09/92). o caos.
 Do caos, massa informe, nasceu a terra, ordenado-
O título da nota anterior, “Sem comentários”, é, na ver-
dade, um comentário que expressa o ponto de vista ra e mãe de todos os seres.
do jornal, motivado por um problema gramatical no C Com a terra tem se assim o chão, a firmeza de que
discurso lido por A. C. Reboredo. o homem precisava para seu equilíbrio.
a) Que problema gramatical provocou o comentário  Ela mesma cria um ser semelhante que a protege:
FRENTE 1

do jornal? o céu.
b) Explicite o comentário que está sugerido, neste E Do céu estrelado, em amplexo com a terra, é que
caso específico, pela expressão “Sem comentários”. nascerá todos os seres viventes.

33
14 Fuvest Assinale a alternativa que preenche correta- poucas aprovações, visto que apenas
mente as lacunas da frase apresentada. 1% deles adequadamente.
Dessa forma, _________ estimular as obras do metrô, A haja – preveem-se – deva haver – preparam-se
uma solução não poluente, ecácia supera  sejam – prevê-se – hajam – prepararam-se
a de outras modalidades de transporte C haja prevê-se ocorrerão se preparou
A impõem-se – da qual a  concorram preveem-se haja se preparou
 impõe-se – que a E se tratem – prevê-se – ocorram – se preparou
C impõe-se – cuja
 impõe-se a qual a 20 UFRGS (Adapt.) Leia o texto a seguir.
E impõem-se cuja
[...]
Foi no leste do continente africano, precisamente
15 ITA Observe a concordância verbal nas frases a seguir no deserto de Awash, na porção central da Etiópia,
e assinale a alternativa correta. que uma equipe de pesquisadores norte-america-
I. Qual de nós contaremos a verdade? nos e etíopes _________ os fósseis mais antigos do
II. Dois terços dos coveiros receberam aumento salarial. homem moderno (Homo sapiens) São três crânios
III No relógio da escola bateu onze horas, então saí – dois de adultos e um de uma criança de aproxi-
mos para o pátio. madamente 7 anos – e mais alguns dentes de outros
IV. Não devem haver muitas áreas verdes neste bairro. sete indivíduos, encontrados entre ossos de hipopó-
tamos e antílopes e ferramentas de pedra Com cerca
A Somente a frase I está correta. de 160 mil anos, segundo a datação com argônio,
 Somente a frase II está correta. os crânios guardam semelhanças com o do homem
C As frases I e II estão corretas. moderno: face mais achatada e caixa craniana em
 As frases II e III estão corretas. forma de globo. No entanto, traços mais primitivos,
E As frases III e IV estão corretas como os olhos mais ________ um do outro, leva-
ram os pesquisadores a classificar os crânios como
16 ITA Indique a alternativa em que há erro gramatical. sendo de Homo sapiens idaltu, uma subespécie do
A Os estudantes estamos sempre atentos a reformas. H. sapiens. ________ em conjunto, essas características
 Nós fomos o cabeça da revolta. colocam esses hominídeos nas raízes da árvore evoluti-
va humana e são um reforço às evidências genéticas de
C Tu o dissestes, redarguiu ele
que o homem moderno surgiu na África ainda não se
 Caro Diretor, sois o timoneiro necessário a esta em-
sabe se em apenas uma ou em mais regiões – e depois
presa.
migrou para os outros continentes, o oposto do que
E Vossa Excelência fique avisado de que o caso é
______ as teorias que sugerem que as primeiras carac-
grave.
terísticas do H sapiens apareceram quase ao mesmo
tempo em diferentes pontos do planeta.
17 UFV “Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimen Os mais antigos homens modernos. Pesquisa Fapesp, n 89, jul 2003
to, até paixão é fácil.” As gramáticas diriam que esta p.28. (Adapt.)
flexão verbal está correta porque o sujeito é: Assinale a alternativa que preenche correta e respec-
A composto de diferentes pessoas gramaticais. tivamente as lacunas do texto
 constituído de palavras mais ou menos sinônimas. A descobriram; afastado; Analisadas; prevêm
C posposto ao verbo.  descobriu; afastados; Analisadas; preveem
 ligado por preposição. C descobriu; afastados; Analisada; preveem
E oracional.  descobriu; afastado; Analisada; preveem
E descobriram; afastados; Analisadas; prevêm
18 UEL Assinale a alternativa que preenche corretamente
as lacunas da frase apresentada. 21 PUC-PR Assinale a alternativa em que a frase pode
Peço a V. Exa. que o atraso do encami- ser completada por qualquer das formas verbais
nhamento de ________ pedido, o que só ontem colocadas nos parênteses
________ foi apresentado. A A maior parte do povo o deputado.
A desculpeis vosso vos (aplaudiu/ aplaudiram)
 desculpe vosso lhe  Nenhum dos alunos ________ no exame. (passou/
C desculpeis – seu – vos passaram)
 desculpe – seu – lhe C Os Estados Unidos guerra também ao
E desculpe – vosso – vos Líbano. (declarou/ declararam)
 ___________ haver umas 200 pessoas na praia.
19 Assinale a opção que preenche correta e respectiva (deveria/ deveriam)
mente as lacunas. E Já o prefeito e seus assessores
Embora muitos candidatos, que (chegou/ chegaram)

34 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


22 EEAR 2020 Identique a alternativa em que há erro de Relacione as duas colunas pautando a transgressão,
concordância verbal quanto à língua formal culta, identicada no texto
a Não conseguiu empréstimo nos bancos o pai e as 1 “Cosinhei as batatas” (1o parágrafo)
filhas. 2 “Dura é a cama que dormimos” (2o parágrafo)
b O conflito, a luta e a guerra interior aumentava-lhe 3 “vende eu para a Dona Julita” (5o parágrafo)
a vontade de viver 4. “eu vi as lagrimas” (6o parágrafo)
c O respeito à Instituição, a carreira, o salário, tudo 5. “os dramas que ali se desenrola” (6o parágrafo)
faziam-no lutar por uma vaga no concurso. J acentuação gráfica
d Durante a partida de futebol, uma e outra jogada foi J regência verbal
determinante para a consolidação do placar. J concordância verbal
J ortografia
23 EEAR 2019 Assinale a frase com erro de concordância J emprego inadequado do pronome reto
verbal:
a Que me importavam as questões complexas e Assinale a alternativa que contém a sequência corre-
extensas? ta, de cima para baixo.
b Nem a mentira nem o dinheiro o aproximaram de a 4-5-2-1-3 d 4-2-5-1-3
b 5-2-3-1-4 e 4-5-2-3-1
seu pai.
c 2-1-4-3-5
c Não faltará, para a festa de Ana, pessoas que gos
tem dela.
d Proibiu-se a venda direta e lojas de produtos im- 25 Unifesp 2019 Para responder à questão, leia o trecho
do livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre.
portados na movimentada avenida.
Mas a casa-grande patriarcal não foi apenas fortaleza,
24 Udesc 2019 capela, escola, oficina, santa casa, harém, convento de
22 de maio Eu hoje estou triste. Estou nervosa. Não sei moças, hospedaria Desempenhou outra função impor-
tante na economia brasileira: foi também banco. Dentro
se choro ou saio correndo sem parar até cair inconciente. É
das suas grossas paredes, debaixo dos tijolos ou mosaicos,
que hoje amanheceu chovendo. E eu não saí para arranjar
no chão, enterrava-se dinheiro, guardavam-se joias, ouro,
dinheiro. Passei o dia escrevendo Sobrou macarrão, eu
valores. Às vezes guardavam-se joias nas capelas, enfei-
vou esquentar para os meninos. Cosinhei as batatas, eles
tando os santos Daí Nossas Senhoras sobrecarregadas
comeram. Tem uns metais e um pouco de ferro que eu vou à baiana de teteias, balangandãs, corações, cavalinhos,
vender no Seu Manuel. Quando o João chegou da escola cachorrinhos e correntes de ouro Os ladrões, naqueles
eu mandei ele vender os ferros Recebeu 13 cruzeiros tempos piedosos, raramente ousavam entrar nas capelas
Comprou um copo de agua mineral, 2 cruzeiros. Zanguei e roubar os santos É verdade que um roubou o esplendor
com ele. Onde já se viu favelado com estas finezas? e outras joias de São Benedito; mas sob o pretexto, pon-
...Os meninos come muito pão. Eles gostam de pão derável para a época, de que “negro não devia ter luxo”.
mole Mas quando não tem eles comem pão duro Duro Com efeito, chegou a proibir-se, nos tempos coloniais, o
é o pão que nós comemos Dura é a cama que dormimos uso de “ornatos de algum luxo” pelos negros.
Dura é a vida do favelado. Por segurança e precaução contra os corsários, contra
Oh! São Paulo rainha que ostenta vaidosa a tua coroa os excessos demagógicos, contra as tendências comunistas
de ouro que são os arranha-céus. Que veste viludo e seda dos indígenas e dos africanos, os grandes proprietários,
e calça meias de algodão que é a favela nos seus zelos exagerados de privativismo, enterraram
...O dinheiro não deu para comprar carne, eu fiz dentro de casa as joias e o ouro do mesmo modo que os
mortos queridos. Os dois fortes motivos das casas-gran-
macarrão com cenoura. Não tinha gordura, ficou horrí-
des acabarem sempre mal-assombradas com cadeiras de
vel. A Vera é a única que reclama e pede mais. E pede:
balanço se balançando sozinhas sobre tijolos soltos que
Mamãe, vende eu para a Dona Julita, porque lá
de manhã ninguém encontra; com barulho de pratos e
tem comida gostosa
copos batendo de noite nos aparadores; com almas de
Eu sei que existe brasileiros aqui dentro de São Paulo senhores de engenho aparecendo aos parentes ou mesmo
que sofre mais do que eu. Em junho de 1957 eu fiquei estranhos pedindo padres nossos, ave-marias, gemendo la
doente e percorrí as sedes do Serviço Social. Devido eu mentações, indicando lugares com botijas de dinheiro. Às
carregar muito ferro fiquei com dor nos rins Para não ver vezes dinheiro dos outros, de que os senhores ilicitamente
os meus filhos passar fome fui pedir auxilio ao propalado se haviam apoderado. Dinheiro que compadres, viúvas e
Serviço Social. Foi lá que eu vi as lagrimas deslisar dos até escravos lhes tinham entregue para guardar Sucedeu
olhos dos pobres. Como é pungente ver os dramas que muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na
ali se desenrola A ironia com que são tratados os pobres miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depo-
A unica coisa que eles querem saber são os nomes e os sitário. Houve senhores sem escrúpulos que, aceitando
FRENTE 1

endereços dos pobres. valores para guardar, fingiram-se depois de estranhos e


JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada. desentendidos: “Você está maluco? Deu-me lá alguma
10 ed. São Paulo: Ática. p. 41 e 42. cousa para guardar?”

35
Muito dinheiro enterrado sumiu-se misteriosamente relações com a mucama de sua predileção, mandou ma
Joaquim Nabuco, criado por sua madrinha na casa-grande tá-lo pelo irmão mais velho.
de Maçangana, morreu sem saber que destino tomara a (In: Silviano Santiago (coord.). Intérpretes do Brasil, 2000.)
ourama para ele reunida pela boa senhora; e provavel-
A forma verbal destacada deve sua exão ao termo
mente enterrada em algum desvão de parede. […] Em
sublinhado em:
várias casas-grandes da Bahia, de Olinda, de Pernambuco
A “eu-me lá alguma cousa para guardar?” (2o pará-
se têm encontrado, em demolições ou escavações, boti-
jas de dinheiro Na que foi dos Pires d’Ávila ou Pires de
grafo)
Carvalho, na Bahia, achou-se, num recanto de parede,  “Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus va-
“verdadeira fortuna em moedas de ouro”. Noutras ca- lores e acabar na miséria devido à esperteza ou à
sas-grandes só se têm desencavado do chão ossos de morte súbita do depositário.” (2o parágrafo)
escravos, justiçados pelos senhores e mandados enterrar C “esempenhou outra função importante na econo-
no quintal, ou dentro de casa, à revelia das autoridades mia brasileira: foi também banco.” (1o parágrafo)
Conta-se que o visconde de Suaçuna, na sua casa-grande  “os grandes proprietários, nos seus zelos exage-
de Pombal, mandou enterrar no jardim mais de um negro rados de privativismo, enterraram dentro de casa
supliciado por ordem de sua justiça patriarcal. Não é de as joias e o ouro do mesmo modo que os mortos
admirar. Eram senhores, os das casas-grandes, que man- queridos.” (2o parágrafo)
davam matar os próprios filhos Um desses patriarcas, E “Às vezes dinheiro dos outros, de que os senhores
Pedro Vieira, já avô, por descobrir que o filho mantinha ilicitamente se haviam apoderado.” (2o parágrafo)

e
Texto complementar
Vícios de linguagem
Estrangeirismo Colisão
Trata-se de uma sequência desagradável de sons consonantais.
A tia tem tudo, tá? (excesso de “t”)
Arcaísmo

Reprodução
Trata-se da utilização de palavras ou expressões estrangeiras no lugar
de termos correspondentes da própria língua. Exemplos:
buquê: ramalhete
chofer: motorista
gafe: disparate
Solecismo
Trata-se do erro de sintaxe (regência, concordância ou colocação pro-
nominal).
“Haviam cinco homens no café”
em vez de:
“Havia cinco homens no café”.
“Me pega o cigarro!”
em vez de: Trata-se da utilização de palavras atualmente em desuso.
“Pega-me o cigarro!”
“Onde está o guarda-peitos?”
“Assisti o jogo”. em vez de:
em vez de:
“Onde está o sutiã?”
“Assisti ao jogo”

Resumindo
A concordância verbal estuda, principalmente, as relações estabelecidas entre o verbo e o sujeito É importante priorizar, além da regra geral, a concor-
dância do verbo haver, da palavra se, do sujeito composto, do sujeito oracional e do substantivo coletivo.
Sujeito simples
O verbo concorda em número e pessoa com o sujeito.
Pássaros metálicos bombardeiam Bagdá.

36 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


Sujeito composto
a) em ordem direta: se os sujeitos estiverem na terceira pessoa, o verbo vai para a terceira do plural.
Crianças e mulheres temem o pior.
b) em ordem indireta: pode ir para o plural ou concordar com o mais próximo
Morre um velhinho e seu netinho.
ou
Morrem um velhinho e seu netinho
c) núcleos são (quase) sinônimos ou há gradação: pode concordar com o mais próximo ou ir para o plural.
A vingança, a maldade, o ódio condenou o ditador do Iraque. (ou “condenaram”).

d) sujeito composto seguido de aposto recapitulativo: concorda com o aposto (“tudo”, “nada” etc.).
Morte, miséria, caos... nada sensibiliza o equivocado presidente norte-americano.
Sujeito oracional
Quando o sujeito for oracional, o verbo da oração principal deve permanecer na terceira do singular.
Parece que os democratas farão oposição sistemática a Bush, dizem os especialistas.
Observação: o sujeito de parecer tem início a partir da palavra que.
Pronomes de tratamento: Vossa Excelência, Vossa Santidade etc.
O verbo e os pronomes devem estar na terceira pessoa.
Vossa Excelência deseja o seu café na cama?
Substantivo coletivo e expressões partitivas (grande parte, maioria etc.)
Grande parte das vítimas fugia (ou fugiam) da guerra.
Verbos haver e fazer
a) haver – sinônimo de existir, acontecer: é impessoal, empregado na terceira pessoa do singular (oração sem sujeito).
Devia haver outras razões para o ataque americano.
Sim, havia bombas
b) haver e fazer com o sentido de tempo decorrido: impessoais, empregados sempre no singular (oração sem sujeito).
Faz vinte anos que aquele povo não respira a paz.
Há vinte anos que vive o inferno da guerra.
Verbos que denotam tempo, fenômeno da natureza
a) indicação de horas: o verbo concorda com o número de horas
São duas horas em Brasília.
b) fenômeno temporal: o verbo é impessoal, só na terceira pessoa do singular.
Chove na capital federal
A palavra “se”
a) partícula apassivadora: o verbo concorda com o sujeito
Roubam-se os cofres enquanto a rádio prevê bom tempo.
b) índice de indeterminação do sujeito: o verbo permanece no singular.
Precisa-se de livros para a população enxergar

Quer saber mais?

Livros
y CACASO. Lero Lero. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002.
y JESUS, Carolina Maria de Quarto de despejo: diário de uma favelada 10 ed São Paulo: Ática, 2004
FRENTE 1

y FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 48. ed. São Paulo: Global, 2003.

37
Exercícios complementares
1 UFPR Assinale a alternativa em que a norma de concor Assinale:
dância, verbal e nominal, foi inteiramente respeitada. A se I e II estão corretas.
A A rejeição à ideia de inferioridade ou de submis-  se todas estão incorretas.
são leva boa parte das pessoas que se preocupam C se apenas III está correta
com a questão dos empréstimos linguísticos a exi-  se I e III estão corretas.
girem um posicionamento das autoridades. E se apenas II está correta.
 Se, em um país, existe, realmente, fatores de diferencia-
ção que interfere na língua, existe também elementos 3 UFSC Leia com atenção as frases e assinale as proposi-
de unificação com o objetivo de preservá-la. ções que estão corretas quanto à norma culta da língua.
C O interesse do Brasil, como o de Portugal, é de que 01 As pessoas de que mais precisamos são aquelas
hajam resistências naturais aos modismos e aos de quem mais podemos confiar.
empréstimos linguísticos. 02 O policial que mora à Rua Mariana Delamare tem
 Aos termos regionais faltam força para atravessarem um comportamento passível à críticas
as fronteiras dos locais em que são empregados. 04 O chefe dos ladrões atira-se, com algemas e tudo o
E O número de termos regionais cresceram bastan- mais, às águas do rio Itajaí-Açu, preferindo a morte
tes, mas, por não haverem sido bem aceitos, não à prisão.
se incorporaram à língua nacional 08 Não devem haver na escola de samba mais do que
cem homens e mulheres brancos; dez por cento
2 PUC-SP Ethos – ética em grego – designa a morada hu- deles mora no centro da cidade.
mana. O ser humano separa uma parte do mundo para, 16 Maria Celestina, o lar, a sociedade e seus códigos,
moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e nada me importava.
permanente A ética, como morada humana, não é algo 32 Constituindo como parte da classe pensante, não
pronto e construído de uma só vez. O ser humano está importa que o público universitário sejam tão inex-
sempre tornando habitável a casa que construiu para si. perientes, mas são aprendizes.
Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a
tornar melhor o ambiente para que seja uma morada
Soma: JJ
saudável: materialmente sustentável, psicologicamente
integrada e espiritualmente fecunda. 4 Fatec Assinale a alternativa em que, mesmo posta no
Na ética há o permanente e o mutável. O permanente plural a expressão em itálico, mantém-se o verbo no
é a necessidade do ser humano de ter uma moradia: uma singular
maloca indígena, uma casa no campo e um apartamento A Este caso insignificante [ ] talvez haja desviado
na cidade Todos estão envolvidos com a ética, porque o curso dela.
todos buscam uma morada permanente.  Escapava-me a significação da réplica.
O mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua C O meu protagonista enleara-se nesta obsessão.
morada. É sempre diferente: rústico, colonial, moderno,  Devia existir uma razão econômica...
de palha, de pedra... Embora diferente e mutável, o estilo E ... que na acusação houvesse algum fundamento.
está a serviço do permanente: a necessidade de ter casa A
casa, nos seus mais diferentes estilos, deverá ser habitável.
5 Faap-SP Observe:
Leonardo Boff A águia e a galinha Petrópolis:
Vozes, 1997. p. 90 1. Cada pessoa que chegava, se punha na ponta dos
pés Estavam curiosos
Observando aspectos de pontuação, concordância e Este desvio de concordância que se assinala, chama-
colocação pronominal, podemos armar que: -se silepse:
I na oração “A ética, como morada humana, não é A de pessoa apenas  de número e gênero
algo pronto e construído de uma só vez”, há um  de número apenas. E de pessoa e gênero.
uso inadequado no que diz respeito à pontuação, C de gênero apenas.
uma vez que se usou a vírgula entre o sujeito A
ética e o verbo ser (é). 6 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que
II. na oração “Na ética há o permanente e o mutá- preenche corretamente as lacunas da frase apresentada.
vel”, há um erro de concordância, uma vez que o Vossa Senhoria me ______ a submissão ou a demis-
sujeito “o permanente e o mutável” é composto, são; co com ______ , para servir à minha dignidade,
logo o verbo haver (há) deveria estar na terceira e não ao autoritarismo
pessoa do plural A propusestes aquela seu
III na oração “moldando-a ao seu jeito”, o pronome  propusestes esta vosso
pessoal do caso oblíquo átono “a” está enclítico C propôs aquela vosso
ao verbo no gerúndio, em início de oração, de  propôs esta seu
acordo com a norma culta. E propusestes aquela vosso

38 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


7 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que 3 Quando uma Constituição livre pôs nas mãos de um
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. povo o seu destino, força é que este povo caminhe
________ instruções _______ à realização dos pró- para o futuro com as bandeiras do progresso desfral-
ximos vestibulares dadas. A soberania nacional reside nas Câmaras; as
A Devem haver referentes Câmaras são a representação nacional A opinião
 Deve haver – referente pública deste país é o magistrado último, o supremo
C Devem haver – referente tribunal dos homens e das coisas. Peço à nação que
decida entre mim e o Sr Fidélis Teles de Meireles
 Deve haver referentes
Queles; ela possui nas mãos o direito a todos superior
E Deve haverem referentes
a todos os direitos.
4 A isto responderá o algarismo com a maior simplici-
8 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que dade:
preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. 5 – A nação não sabe ler. Há só 30% dos indivíduos
Tomar medidas tão violentas me _; creio que residentes neste país que podem ler; destes, uns 9%
melhor com toda a diplomacia. não leem letra de mão. 70% jazem em profunda igno-
A parecem imprudentes – seria negociarmos rância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles;
 parece imprudente seríamos negociar é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele
C parece imprudente seria negociarmos quer; nem se realmente pode querer ou pensar. 70%
 parecem imprudentes – seríamos negociar dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram:
E parece imprudente – seríamos negociarmos sem saber por que nem o quê. Votam como vão à
festa da Penha –, por divertimento. A Constituição é
9 UEL Assinale a letra correspondente à alternativa que para eles uma coisa inteiramente desconhecida Estão
prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de
preenche corretamente as lacunas da frase apre-
Estado.
sentada. ____ muitos anos que não vejo bonecas
6 Replico eu:
iguais às que se ________ antigamente e que não
7 Mas, Sr Algarismo, creio que as instituições
mais.
8 – As instituições existem, mas por e para 30% dos
A Faz fabricavam existem
cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político.
 Fazem – fabricava – existem Não se deve dizer: “consultar a nação, representantes
C Fazem – fabricava – existe da nação, os poderes da nação”; mas – “consultar os
 Faz fabricavam existe 30%, representantes dos 30%, poderes dos 30%”. A
E Fazem fabricavam existem opinião pública é uma metáfora sem base; há só a opi-
nião dos 30% Um deputado que disser na Câmara:
10 PUC-Campinas A frase em que a concordância verbal “Sr. Presidente, falo deste modo porque os 30% nos
respeita a norma culta é: ouvem...” dirá uma coisa extremamente sensata.
A Não basta, para entendermos o século XX, referên 9 E eu não sei que se possa dizer ao algarismo, se ele
cias às conquistas tecnológicas e científicas. falar desse modo, porque nós não temos base segura
 Foi herdado do passado muitos traços dos com- para os nossos discursos, e ele tem o recenseamento.
portamentos atuais, inclusive o que permitiu, neste Machado de Assis Obra completa Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, v. 111, 1969.
século, a perseguição aos judeus.
C Quanto mais separados os saberes, mais se forta- Observe a concordância verbal nos trechos a seguir.
lecerá, com toda certeza, os que estão no poder. 70% da nossa população não sabem ler
 Colocam-se em questão, neste século, aspectos 9% não leem letra de mão (parágrafo 5)
importantes acerca da sobrevivência do planeta. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respi-
E Decorre do bem-estar – de que ninguém mais quer ram (parágrafo 5)
abrir mão – vários dos problemas que hoje atingem os 30% nos ouvem (parágrafo 8)
a humanidade Sobre o assunto, assim se expressa Evanildo Bechara:
Nas linguagens modernas em que entram expressões
11 Uerj [...] publicou se há dias o recenseamento do Im numéricas de porcentagem, a tendência é fazer concor-
pério, do qual se colige que 70% da nossa população dar o verbo com o termo preposicionado que especifica
não sabem ler. referência numérica.
Evanildo Bechara. Moderna Gramática portuguesa.
1 Gosto dos algarismos, porque não são de meias medi- Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
das nem de metáforas Eles dizem as coisas pelo seu
nome, às vezes um nome feio, mas não havendo ou- Considerando essa lição gramatical, pode-se concluir
tro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. que também estaria adequada a seguinte construção:
As letras fizeram-se para frases; o algarismo não tem A 70% da nossa população não sabe ler.
FRENTE 1

frases nem retórica  9% não lê letra de mão.


2 Assim, por exemplo, um homem, o leitor ou eu, que- C 70% dos cidadãos vota do mesmo modo que respira.
rendo falar do nosso país, dirá:  os 30% nos ouve.

39
12 Faap-SP Leia o verso de Vinicius de Moraes. por si só da contradição entre as classes), sendo uma fer-
ramenta fundamental para a ação com fins de intervenção
De repente da calma fez-se o vento
e mudança dessa estrutura.
Que dos olhos desfez a última chama
Dessa forma, para além das instituições democrá
Com a palavra vento no plural, escreveríamos obriga- ticas como os partidos, as eleições e o parlamento, a
toriamente assim: existência dos movimentos sociais é (5) de fundamental
A De repente da calma fez-se os ventos/Que dos importância para a sociedade civil enquanto meio de
olhos desfizeram a última chama manifestação e reivindicação. Podemos citar como al-
 De repente da calma fizeram-se os ventos/Que dos guns exemplos de movimentos: o da causa operária, o
olhos desfez a última chama movimento negro (contra racismo e segregação racial), o
C De repente da calma fizeram-se os ventos/Que dos movimento estudantil, o movimento de trabalhadores do
olhos desfizeram a última chama campo, o movimento feminista, os movimentos ambien
 De repente da calma fez-se os ventos/Que dos talistas, os da luta contra a homofobia, os separatistas, os
movimentos marxista, socialista, comunista, entre outros.
olhos desfez a última chama
Alguns desses movimentos possuem atuação centraliza-
E De repente da calma fazem-se os ventos/Que dos
da em algumas regiões (como no caso de movimentos
olhos desfaz a última chama
separatistas na Europa) Outros, porém, com a expansão
do processo de globalização (tanto do ponto de vista
13 UFSCar Reescreva o texto a seguir, corrigindo o no econômico como cultural) e a disseminação de meios
que for necessário, levando em consideração as nor de comunicação e veiculação da informação, rompem
mas do padrão culto da linguagem. fronteiras geográficas em razão da natureza de suas cau-
Entregou-se ao professor os relatórios de estágio que sas, ganhando adeptos por todo o mundo, a exemplo do
precisávamos para a obtenção dos créditos nais e, Greenpeace, movimento ambientalista de forte atuação
agora, caremos a espera dos resultados cujos os nú internacional.
meros serão divulgados em breve pela secretaria. A existência de um movimento social requer uma
organização muito bem desenvolvida, o que demanda a
14 IFPE 2019 mobilização de recursos e pessoas muito engajadas (4).
Os movimentos sociais não se limitam a manifestações
Movimentos sociais: breve definição públicas esporádicas, mas trata-se de organizações que
Em linhas gerais, o conceito de movimento social sistematicamente atuam para alcançar seus objetivos po-
se refere à ação coletiva de um grupo organizado que líticos, o que significa haver uma luta constante e de longo
objetiva alcançar mudanças sociais por meio do embate prazo, dependendo da natureza da causa. Em outras pala-
político, conforme seus valores e ideologias, dentro de vras, os movimentos sociais possuem uma ação organizada
uma determinada sociedade e de um contexto específi- de caráter permanente por uma determinada bandeira (7).
cos, permeados por tensões sociais (2) Os movimentos RIBEIRO, Paulo Silvino. Movimentos sociais: breve definição. Brasil Escola
Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/movimentos
sociais podem objetivar a mudança, a transição ou mes- sociais-breve-definicao.htm> Acesso em: 22 set. 2018 (adaptado)
mo a revolução de uma realidade hostil a certo grupo ou
classe social. Constroem uma identidade para a defesa de Analise alguns fragmentos do texto e marque a alter-
seus interesses, sejam eles a luta por um algum ideal ou nativa que contém uma armação verdadeira sobre
o questionamento de uma realidade que se caracterize o fenômeno da concordância verbo-nominal presente
como impeditivo à realização de seus anseios Tornam se em cada um deles.
porta-vozes de um grupo de pessoas que se encontra numa A No trecho “Cada sociedade ou estrutura social te-
mesma situação, seja social, econômica, política, religiosa, riam como cenário um contexto histórico” (ref. 6
entre outras. Gianfranco Pasquino, em sua contribuição ao – segundo parágrafo), o verbo sublinhado poderia
Dicionário de Política (2004), organizado por ele, Norberto ser flexionado no singular, já que a conjunção “ou”
Bobbio e Nicolau Mateucci, afirma (3) que os movimentos implica na ideia de exclusão de um dos núcleos no-
sociais constituem tentativas – pautadas em valores co- minais do sujeito.
muns àqueles que compõem o grupo – de definir formas  No trecho “afirma que os movimentos sociais cons-
de ação social para se alcançar determinados resultados.
tituem tentativas” (ref 3 primeiro parágrafo), o
Por outro lado, conforme aponta Alain Touraine,
verbo sublinhado concorda com um sujeito elíptico.
na obra Em defesa da Sociologia (1976), para se com-
C No trecho “o que demanda a mobilização de re-
preender os movimentos sociais, mais do que pensar em
cursos e pessoas muito engajadas” (ref. 4 – quarto
valores e crenças comuns para a ação social coletiva, seria
necessário considerar as estruturas sociais nas quais os parágrafo), o adjetivo sublinhado vai para o femini-
movimentos se manifestam. Cada sociedade ou estrutura no plural, concordando com os núcleos nominais
social teriam (6) como cenário um contexto histórico (ou “mobilização” e “pessoas”.
historicidades) no qual (1), assim como também apontava  No trecho “a existência dos movimentos sociais é
Karl Marx, estaria posto um conflito entre classes, terreno de fundamental importância para a sociedade civil”
das relações sociais, a depender dos modelos culturais, (ref. 5 terceiro parágrafo), o verbo admite o plural,
políticos e sociais Assim, os movimentos sociais fariam ex concordando com o adjunto adnominal “dos movi-
plodir os conflitos já postos pela estrutura social (geradora mentos sociais”.

40 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


E No trecho “dentro de uma determinada sociedade d A poucos dias da eleição, os candidatos enfrentam
e de um contexto específicos, permeados por ten agora uma verdadeira maratona.
sões sociais” (ref. 2 – primeiro parágrafo), o adjetivo E “Posso vencê-las, mesmo que usem drogas, pois
sublinhado vai para o masculino plural, concordando não é isso que as tornarão invencíveis”, declarou
com os núcleos nominais “sociedade” e “contexto”. a nadadora.

15 PUC Campinas A frase em que a concordância está cor 18 Fuvest A única frase que não apresenta desvio em
reta é: relação à concordância verbal recomendada pela
A O Grupo Ornitorrinco, em sua última montagem – norma culta é:
aliás, excepcionalmente bem-cuidada , ilustram a A A lista brasileira de sítios arqueológicos, uma vez
tendência à mistura de linguagens, sobre a qual a crí aceita pela Unesco, aumenta as chances de pre-
tica especializada tanto tem chamado a atenção. servação e sustentação por meio do ecoturismo
b O pessoal do “Fora do Sério”, grupo teatral de Ri- b Nenhum dos parlamentares que vinham defenden-
beirão Preto, promove seu último espetáculo, e do o colega nos últimos dias inscreveram-se para
está dando de presente dez ingressos aos leitores falar durante os trabalhos de ontem.
de um jornal paulistano que primeiro entrarem em C Segundo a assessoria, o problema do atraso foi re-
contato com a redação. solvido em pouco mais de uma hora, e quem faria
C O último censo mostrou que a classe social menos conexão para outros estados foram alojados em
privilegiada economicamente tiveram significativa hotéis de Campinas.
piora na qualidade de vida nos dois últimos anos d Eles aprendem a andar com a bengala longa, o
d A criançada veio para conhecer a exposição de equipamento que os auxilia a ir e vir de onde esti-
animais recém-chegados ao zoológico, mas acaba- ver para onde entender.
ram por visitar todas as instalações. E Mas foram nas montagens do Kirov que ele con-
E A família urbana parece ter mudado, nos últimos quistou fama, especialmente na cena “Reino das
tempos, seus hábitos de lazer, pois são vistos Sombras”, o ponto alto desse trabalho.
constantemente participando de passeios ciclísti-
cos pela cidade ou de caminhadas por parques e 19 ITA Leia o texto a seguir e responda às perguntas se-
regiões especialmente arborizadas. guintes.
O sol ainda nascendo, dou a volta pela Lagoa Rodrigo de
16 UFSCar Leia o excerto a seguir. Freitas (7.450 metros e 22 centímetros). Deslumbrante.
Tecnologia Paro diante de uma placa da Prefeitura, feita com os maio-
res cuidados técnicos, em bela tipografia, em português
Hackers invadem a rede de computadores e inglês, naturalmente escrita por altos professores e, no
da Microsoft
longo período com que trabalham as burocracias, vista e
Direção da maior empresa de softwares do mundo revista por engenheiros, psicólogos, enfim, por toda espé-
descobriram que invasores tiveram acesso aos códigos cie e gênero de PhDs Certo disso, leio, cheio do desejo
produzidos pela companhia e chamam o FBI para ajudar de aprender, a história da lagoa e seus d’intorni, environs,
nas investigações. neighbourhood.
Veja online. 27 out. 2000, Notícias Diárias. Lá está escrito: “beleza cênica integrada aos contor-
nos dos morros que a cerca (!)”. Berro, no português mais
No trecho reproduzido, incorre-se num erro gramati- castiço do manual do [jornal] Globo: HELP!
cal, por conta: E, como isso não tem a menor importância, o sol
A da concordância do verbo “descobriram”. continua nascendo no horizonte. Um luxo!
b do emprego de artigo em “aos códigos”. Millôr Fernandes O Estado de S Paulo, 4 jul 1999 Caderno 2
C da apassivação do verbo “produzidos”.
d da regência do verbo “chamam”. a) Explique por que Millôr Fernandes se assusta
E do complemento do verbo “tiveram” com a placa da Prefeitura
) Localize no texto um trecho que indica a ironia
do autor. Explique como é produzido o efeito de
17 Fuvest A única frase inteiramente de acordo com as
ironia nesse trecho.
normas gramaticais do padrão culto é:
A A secretária pretende evitar que novos mandados
de segurança ou liminares contra o decreto sejam 20 ITA Atente ao excerto a seguir para assinalar a alter
expedidas. nativa correta
“[...] e as aldeias são a alheia vigilância.”
b O Contru interditou várias dependências do prédio,
Guimarães Rosa. Desenredo.
inclusive o Salão Azul, cujo o madeiramento do for-
FRENTE 1

ro foi atacado por cupins. A A concordância do verbo ser é especial; no caso


C O Ministro da Agricultura da Inglaterra declarou que citado, está indo ao encontro da norma culta, pois
por hora não há motivo para sacrificar os animais. é patente a intenção de se realçar o sujeito.

41
 O termo a alheia vigilância, cujo núcleo é alheia, modo à esfera institucional política, e o espaço onde
exerce função sintática de predicativo do sujeito se realizam, também são políticos Um comício é uma
C O enunciado que o constitui, pelos aspectos gra reunião política e um partido é uma associação política,
maticais que apresenta, pode ser considerado um um indivíduo que questiona a ordem institucional pode
período. ser um preso político; as ações do governo, o discurso
 A palavra vigilância, no texto, é transitiva; pede, de um vereador, o voto de um eleitor são políticos
pois, o complemento nominal alheia. Mas há um outro conjunto em que a mesma palavra
manifesta-se claramente de um modo diverso Quando
21 UFSCar Leia o texto a seguir. se fala da política da Igreja, isto não se refere apenas às
relações entre a Igreja e as instituições políticas, mas à
[...] Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo existência de uma política que se expressa na Igreja em
dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo relação a certas questões como a miséria, a violência,
se resolve. etc Do mesmo modo, a política dos sindicatos não se
Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no refere unicamente à política sindical, desenvolvida pelo
vaivém, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e governo para os sindicatos, mas às questões que dizem
pequenas horas, não se podendo facilitar é todos contra respeito à própria atividade do sindicato em relação
os acasos Tendo Deus, é menos grave se descuidar um aos seus filiados e ao restante da sociedade A política
pouquinho, pois, no fim dá certo Mas, se não tem Deus, feminista não se refere apenas ao Estado, mas aos ho-
então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque mens e às mulheres em geral. As empresas têm políticas
existe dor. E a vida do homem está presa encantoada – para realizarem determinadas metas no relacionamento
erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem com outras empresas, ou com os seus empregados. As
pernas e braços. [...] pessoas, no seu relacionamento cotidiano, desenvolvem
Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas. políticas para alcançar seus objetivos nas relações de
Uma das principais características da obra de Guimarães trabalho, de amor, ou de lazer; dizer “Você precisa ser
Rosa é sua linguagem articiosamente inventada, barro- mais político” é completamente distinto de dizer “Você
ca até certo ponto, mas instrumento adequado para sua precisa se politizar mais”, isto é, “precisa ocupar-se mais
narração, na qual o sertão acaba universalizado. da esfera política institucional”.
a) Transcreva um trecho do texto apresentado, em [...] Não resta dúvida, porém, de que este segundo
que esse tipo de “invenção” ocorre. significado é muito mais vago e impreciso do que o
b) Transcreva um trecho em que a sintaxe utilizada primeiro. A evolução histórica em relação ao gigantis-
por Rosa configura uma variação linguística que mo das Instituições Políticas – o Estado onipresente – é
contraria o registro prescrito pela língua padrão. acompanhada de uma politização geral da sociedade
em seus mínimos detalhes, por exigir um posiciona-
mento diário frente ao Poder. Mas ao mesmo tempo
22 UFRGS Leia o texto a seguir.
traz consigo a imposição de normas com que balizar a
Os mais antigos homens modernos própria aplicação da palavra política, procurando de-
terminar o que é e o que não é “política”.
Agora, parece que foi mesmo na África que a espécie
Desta forma, oculta-se ao eleitor o seu ser político,
humana, assim como a conhecemos, surgiu e dali se
espalhou para o restante do mundo. [...] atribuindo-se esta qualidade apenas ao eleito. Ou então
Pesquisa Fapesp, n 89, jul 2003 p 28. (Adapt.)
atribui-se à pessoa um espaço e um tempo determi-
nado para que exerça uma atividade política, na hora
Se a expressão a espécie humana fosse substituída das eleições, quando está na tribuna da Câmara dos
por os seres humanos, quantas outras alterações se- Deputados depois de ter sido eleita, quando senta no
riam necessárias na frase em questão? palácio para despachar com seus secretários mesmo sem
A Uma ter sido eleita. A própria delimitação rígida da política
 Duas constitui, portanto, um produto da história; e este é, sem
C Três dúvida, o principal motivo pelo qual não basta ater-se a
 Quatro um significado geral da política, que apagaria todas as
E Cinco. figuras com que se apresentou em sua gênese.
Esta delimitação operada pelo nível institucional
23 IFSul 2019 (Adapt.) traz consigo alterações profundas na esfera de valores
associados à política. Uma conjuntura institucional in-
A política e as políticas
satisfatória, pela corrupção ou pela violência, jamais
Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica dissociadas, reflete-se numa desmoralização da ativida-
a palavra “política” ___ uma delas goza de indiscutível de política – politicagem – que pode reverter em apatia
unanimidade ___ a referência ao poder político ___ à es- e na procura de alternativas extrainstitucionais como
fera da política institucional. Um deputado ou um órgão a luta armada. Ao mesmo tempo, processa-se uma in-
de administração pública são políticos para a totalidade versão na valorização da atividade política na própria
das pessoas. Todas as atividades associadas de algum esfera institucional, em que ela deixa de ser um direito,

42 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


passando a ser apenas um dever e uma responsabilida 25 EPCar 2018
de Em outras palavras, à Instituição passa despercebido
O poder da literatura
que a sua é também uma política, assentada na socie-
dade com uma proposta de participação, representação José Castello
e direção. Por esta carência de visão de relatividade, Em um século dominado pelo virtual e pelo instantâ-
instaura-se um normativismo absoluto, ocultando-se neo, que poder resta à literatura? Ao contrário das imagens,
assim sua natureza. que nos jogam para fora e para as superfícies, a literatura
Interessa perceber que, apesar de haver um signi- nos joga para dentro. Ao contrário da realidade virtual,
ficado predominante, que se impõe em determinadas que é compartilhada e se baseia na interação, a literatura
situações, e que aparece como sendo a política, o que é um ato solitário, nos aprisiona na introspecção. Ao con-
trário do mundo instantâneo em que vivemos, dominado
existe na verdade são políticas.
pelo “tempo real” e pela rapidez, a literatura é lenta, é
MAAR, Leo Wolfgang A política e as políticas. In: O que é política
São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985. (fragmento) indiferente às pressões do tempo, ignora o imediato e as
circunstâncias.
O verbo deve ser exionado no plural se a expressão Vivemos em um mundo dominado pelas respostas
destacada for pluralizada em: enfáticas e poderosas, enquanto a literatura se limita a
A Quando se fala da política da Igreja [...] (2o pará- gaguejar perguntas frágeis e vagas. A literatura, portan-
grafo). to, parece caminhar na contramão do contemporâneo.
 [...] “precisa ocupar-se mais da esfera política insti Enquanto o mundo se expande, se reproduz e acelera,
tucional” (2o parágrafo) a literatura contrai, pedindo que paremos para um mer-
gulho “sem resultados” em nosso próprio interior. Sim: a
C Desta forma, oculta-se ao eleitor o seu ser político
literatura no sentido prático é inútil Mas ela apenas
[ ] (3o parágrafo)
parece inútil.
 Ou então atribui-se à pessoa um espaço e um tem- A literatura não serve para nada – é o que se pensa. A
po determinado [...] (3o parágrafo). indústria editorial tende a reduzi-la a um entretenimento
para a beira de piscinas e as salas de espera dos aeroportos.
24 Acafe 2018 Analise as frases a seguir. De outro lado, a universidade – em uma direção oposta,
mas igualmente improdutiva – transforma a literatura em
I. Visto que houve poucas inscrições até a presente uma “especialidade”, destinada apenas ao gozo dos pes-
data, é provável que vai sobrar vagas quisadores e dos doutores. Vou dizer com todas as letras:
II Juca Jacu é um personagem ilhéu, maravilhoso são duas formas de matá-la. A primeira, por banalização.
modelo de carne e osso onde se resume todas as A segunda, por um esfriamento que a asfixia Nos dois
características da espécie tabajara. casos, a literatura perde sua potência. Tanto quando é vista
III. De acordo com informações prestadas pelo Mi- como “distração”, quanto quando é vista como “objeto
nistério da Agricultura, 10% dos produtos agrícolas de estudos”, a literatura perde o principal: seu poder de
interrogar, interferir e desestabilizar a existência. Contudo,
comercializados no Brasil não apresenta certifica
desde os gregos, a literatura conserva um poder que não é
ção sanitária.
de mais ninguém. Ela lança o sujeito de volta para dentro
IV As divagações metafísicas e a expressão de uma
de si e o leva a encarar o horror, as crueldades, a imensa
angústia existencial compõe o ponto forte da instabilidade e o igualmente imenso vazio que carrega-
poesia de Augusto dos Anjos. mos em nosso espírito. Somos seres “normais”, como nos
V. Em 1971, no período da Guerra do Vietnã, uma tur- orgulhamos de dizer Cultivamos nossos hábitos, manias
ma de pacifistas se reúne no Alasca e organizam e padrões. Emprestamos um grande valor à repetição e ao
uma manifestação para protestar contra os testes Mesmo. Acreditamos que somos donos de nós mesmos!
nucleares americanos. Mas leia Dostoievski, leia Kafka, leia Pessoa, leia Cla
VI. Vai começar amanhã, aqui em Joinville, as obras rice – e você verá que rombo se abre em seu espírito. Verá
o quanto tudo isso é mentiroso. Vivemos imersos em um
de recuperação de uma das mais importantes ro
grande mar que chamamos de realidade, mas que a lite-
dovias de Santa Catarina.
ratura desmascara isso – não passa de ilusão. A “realidade”
Considerando as normas da língua padrão sobre con- é apenas um pacto que fazemos entre nós para suportar
cordância verbal, é correto o que se arma em: o “real”. A realidade é norma, é contrato, é repetição,
A Somente nas frases IV, V e VI todos os verbos con ela é o conhecido e o previsível O real, ao contrário, é
instabilidade, surpresa, desassossego. O real é o estranho.
cordam com os respectivos sujeitos.
(...)
 Os verbos “resume” e “apresenta”, nas frases II e
A literatura não tem o poder dos mísseis, dos exércitos
III, concordam com os respectivos sujeitos, a saber:
e das grandes redes de informação. Seu poder é limita-
Juca Jacu e Ministério da Agricultura. do: é subjetivo. Ao lançá-lo para dentro, e não para fora,
FRENTE 1

C Todas as frases contêm verbos que não concor- ela se infiltra, como um veneno, nas pequenas frestas de
dam com os respectivos sujeitos. seu espírito. Mas, nele instalada pelo ato da leitura, que
 Apenas as frases I e IV estão incorretas. escândalos, que estragos, mas também que descobertas

43
e que surpresas ela pode deflagrar Não é preciso ser um b Em nível formal, a expressão “vão haver” deveria
especialista para ler uma ficção. ser “haverá”.
Não é preciso ostentar títulos, apresentar currículos, C O uso da expressão “evidente que” e da palavra
ou credenciais. A literatura é para todos. Dizendo melhor: “eventualmente” revela aproximação com a oralidade
é para os corajosos ou, pelo menos, para aqueles que d Também é correto inferir que, num nível de formali-
ainda valorizam a coragem.
dade, deve-se evitar a utilização dupla de conector
(...)
“porque” num mesmo período.
(http://blogs.oglobo.globo.com/jose castello/post/o-poder-da-
literatura444909.html Acesso em: 21 fev 2017) E A norma-padrão da linguagem seria mantida se a
expressão “vão haver” fosse substituída por “vai
Assinale a alternativa que apresenta uma explicação
haver”, como é usual atualmente.
INCORRETA.
A Em “Tanto quando é vista como distração, quanto
quando é vista como objeto de estudos ”, os ter 28 Ifal 2018 Deda, meu amigo, estou aqui Podes me ouvir?
mos em destaque estabelecem uma relação de Já faz algum tempo que não conversamos Poderíamos
comparação entre as duas situações relacionadas arrancar a malvada saudade de nosso peito, o que achas
b Os dois pontos foram utilizados no excerto “ .a li então? Teu rosto está envelhecido. Tua carne, envileci-
teratura perde o principal: seu poder de interrogar, da. Teu corpo treme. Tuas débeis mãos fremem. O que
terá acontecido contigo, meu velho? Ah, já não és mais
interferir e desestabilizar ” para introduzir ideias
bravo e guerreiro, moço e vigoroso: és, sim, pó espec-
que foram resumidas em um termo anterior
tral. Logo te ajuntarás ao barro da terra. Logo a terra
C A vírgula presente em “...a literatura é um ato solitá
abrirá a fecunda e profunda boa para te tragar Oleiro
rio, nos aprisiona na introspecção.” foi utilizada para
Logo, meu velho Logo. Lembras-te que eras tão bom
marcar a elipse de um termo.
na pontaria, que não erravas uma formiga na mira da
d No período “...mas também que descobertas e que
tua espingarda, que ficavas a escorar-te em qualquer
surpresas ela pode deflagrar.”, se o sujeito fosse
pilastra por onde pousavas e passavas, em varandas de
para o plural, a locução verbal ficaria: pode defla-
casebres e casas grandes? Lembras-te, meu velho, que
grarem.
eras tão bom na composição de versos, nos improvisos
de belos repentes? Tuas pernas já não suportam o peso
26 FMP 2018 A concordância da forma verbal em desta- de teu corpo, mesmo que tu queiras: magro, seco feito
que está de acordo com a norma-padrão da Língua imbaúba Triste é sofrer O tempo passou devagar, vo-
Portuguesa em: raz, amigo O tempo não espera que o acompanhemos
A Acredita-se que a profusão de informações e a Segue sozinho os caminhos da vida e vai a todos os
amplitude de acesso a elas está forjando uma ge- lugares e direções: atalhos.
ração mais inteligente (LOURENÇO, Rosival. Pelos engenhos. Maceió: Edufal, 2011, p. 12)
b Consta da programação da Feira Literária Inter
nacional de Paraty vários títulos a serem lançados Considerando as relações de coerência e coesão,
sobre o escritor Lima Barreto bem como as relações sintáticas de concordância do
C Contriuíram para o aumento da expectativa de português, assinale a alternativa que apresenta uma
vida da humanidade o crescimento das pesquisas armação errada quanto ao trecho a que se refere.
científicas e tecnológicas A “Já faz algum tempo que não conversamos” / se o
d Crescem continuamente, de acordo com as es sujeito do primeiro verbo fosse plural, a forma ver-
tatísticas, os percentuais de comércio nacional e bal deveria permanecer no singular, de acordo com
internacional por meio da rede. o português culto.
E Não asta, na opinião das autoridades, oportunida- b “Tuas débeis mãos fremem” / as concordâncias
des de trabalho para o jovem se desenvolver, mas nominal e verbal obedecem à norma padrão do
é preciso oferecer escolaridade a todos. português escrito.
C “eras tão bom na composição de versos, nos impro-
27 PUC-PR Assinale a alternativa incorreta a respeito das visos de belos repentes” / os adjetivos concordam
estruturas do texto. adequadamente com os nomes a que se ligam, ob-
Quando falei sobre o caso do jogador que está fora servando-se o padrão da língua portuguesa
do país e não está jogando, é evidente que vão surgir ex- d “Segue sozinho os caminhos da vida e vai a todos
ceções. Deverão ser poucas, mas vão haver porque não os lugares e direções” / os dois verbos não estão
se pode abrir mão de um bom jogador porque ele even- adequados na sua flexão número-pessoal, pois de-
tualmente não esteja jogando. veriam flexionar-se na segunda pessoa do singular.
O Globo, 22 out. 2000.
E “Tuas pernas já não suportam o peso de teu corpo,
A O uso coloquial da linguagem permite o emprego mesmo que tu queiras” / no português padrão, o
de “vão surgir” ou “deverão ser”, mas, para um ní- último verbo não deve ser flexionado na terceira
vel mais formal, o emprego seria, respectivamente, pessoa do singular, embora isso seja aceito em si-
“surgirão” ou “serão”. tuação de coloquialidade.

44 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


29 Fuvest “Na reunião do Colegiado, não faltou, no momen- “O acetato de chumbo era adicionado às bebidas
to em que as discussões se tornaram mais violentas, como adoçante” (1o parágrafo)
argumentos e opiniões veementes e contraditórias ” Preservando-se a correção gramatical e o seu sentido
No trecho citado, há uma infração as normas de con original, essa oração pode ser reescrita na forma:
cordância. A Adicionava-se o acetato de chumbo às bebidas
a) Reescreva-o com a devida correção. como adoçante.
b) Justifique a correção feita  Adiciona-se o acetato de chumbo às bebidas como
adoçantes
30 Unesp 2018 Leia o trecho do livro Em casa, de Bill Bry- C Eram adicionadas às bebidas como adoçante o
son, para responder à questão. acetato de chumbo
 Adicionam-se às bebidas como adoçante o acetato
Quase nada, no século XVII, escapava à astúcia dos de chumbo.
que adulteravam alimentos O açúcar e outros ingredientes E Adicionavam-se às bebidas como adoçante o ace-
caros muitas vezes eram aumentados com gesso, areia e tato de chumbo.
poeira. A manteiga tinha o volume aumentado com sebo e
banha. Quem tomasse chá, segundo autoridades da época,
31 Acafe 2017 Assinale o texto que mais se ajusta à norma
poderia ingerir, sem querer, uma série de coisas, desde serra-
padrão escrita.
gem até esterco de carneiro pulverizado. Um carregamento
inspecionado, relata Judith Flanders, demonstrou conter
A Se eu fosse o prefeito de Floripa, iria criar um es-
apenas a metade de chá; o resto era composto de areia e paço novo de lazer e entretimento tipo os que se
sujeira. Acrescentava-se ácido sulfúrico ao vinagre para dar tem no Parque das Nações, em Lisboa, Portugal,
mais acidez; giz ao leite; terebintina1 ao gim. O arsenito do lado continental da Ilha, onde estão a Capitania
de cobre era usado para tornar os vegetais mais verdes, ou dos Portos, o estaleiro Shaefer, uma fábrica de gelo
para fazer a geleia brilhar. O cromato de chumbo dava um e uma favela.
brilho dourado aos pães e também à mostarda. O acetato  Seria cômico não fosse Lula o que incitaria quando
de chumbo era adicionado às bebidas como adoçante, e o havia ostracismo ou crise no governo jogando nor
chumbo avermelhado deixava o queijo Gloucester, se não destino contra sulistas, culpando a elites pela crise,
mais seguro para comer, mais belo para olhar mas isentando seus comparsas e agora que rouba-
Não havia praticamente nenhum gênero que não pu- ram e repassaram para seu filho e nora 2 milhões,
desse ser melhorado ou tornado mais econômico para o todos como inocentes.
varejista por meio de um pouquinho de manipulação e C Estão pensando em elaborar outra Lei para que
engodo Até as cerejas, como relata Tobias Smollett, ga- comportamento como este do Conselheiro sejam
nhavam novo brilho depois de roladas, delicadamente, considerados nobres e ao invés de apontar puni-
na boca do vendedor antes de serem colocadas em expo- ções, apontem para reconhecimento e valorização,
sição. Quantas damas inocentes, perguntava ele, tinham inclusive com afastamento remunerado em dobro
saboreado um prato de deliciosas cerejas que haviam sido até que esteja apto para aposentadoria.
“umedecidas e roladas entre os maxilares imundos e, tal  Em uma entrevista concedida por Dilma para 4 ou
vez, ulcerados de um mascate de Saint Giles”? 5 jornalistas da RBS, em resposta a uma pergun-
O pão era particularmente atingido. Em seu ro- ta sobre o lazer da Presidente, ela respondeu que
mance de 1771, The expedition of Humphry Clinker, gostava de transitar, altas horas da noite, incógni-
Smollett definiu o pão de Londres como um composto ta, pelas ruas quase desertas de Brasília, pilotando
tóxico de “giz, alume2 e cinzas de ossos, insípido ao uma motocicleta.
paladar e destrutivo para a constituição”; mas acusações
assim já eram comuns na época. A primeira acusação
32 Acafe 2017 Assinale a frase em que o(s) verbo(s) con-
formal já encontrada sobre a adulteração generalizada
corda(m) com o sujeito em pessoa e número.
do pão está em um livro chamado Poison detected: or
A Assim que se concluiu a apuração dos votos, veri-
frightful truths, escrito anonimamente em 1757, que
ficou-se que 2/3 do eleitorado votaram em branco
revelou segundo “uma autoridade altamente confiá-
vel” que “sacos de ossos velhos são usados por alguns ou anularam o voto.
padeiros, não infrequentemente”, e que “os ossuários  Com toda certeza, algumas coisas erradas haviam,
dos mortos são revolvidos para adicionar imundícies ao sobretudo diante de algumas indagações que se
alimento dos vivos”. fazia diante dos resultados inesperados.
(Em casa, 2011. Adaptado.) C Para diversas obras importantes em Santa Catarina
destinou-se recursos no próximo orçamento, mas
1 terebintina:
resina extraída de uma planta e usada na fabricação penso que os recursos não deve chegar a tempo
de vernizes, diluição de tintas etc.
de serem concluídas no até 2018
2 alume: designação dos sulfatos duplos de alumínio e metais  Não se faz mais brincadeiras como no meu tempo
FRENTE 1

alcalinos, com propriedades adstringentes, usado na fabricação de guri; hoje em dia, o que mais se vê é crianças
de corantes, papel, porcelana, na purificação de água, na clari- trancadas em casa brincando de videogame, aces-
ficação de açúcar etc. sando smartphone ou vendo TV.

45
33 Col. Naval 2017 No que se refere à concordância verbal, observe as frases abaixo.
I Espera-se muitas novidades no campo da informática educacional este ano
II Em todos os países, faz-se muitas promessas aos fabricantes de mídias digitais.
III Choveram reclamações sobre o novo celular disponibilizado nas lojas do ramo
IV Houveram-se muito bem os expositores da Feira de Tecnologia no Anhembi
Assinale a opção correta.
A Apenas as afirmativas I, II e IV são verdadeiras.
 Apenas as afirmativas II, III e IV são verdadeiras.
C Apenas as afirmativas I, III e IV são verdadeiras.
 Apenas as afirmativas I e II são verdadeiras.
E Apenas as afirmativas III e IV são verdadeiras.

46 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 18 Concordância verbal


Elias/Jorna Zero Hora

FRENTE 1

CAPÍTULO Acentuação

19
A charge acima aponta, com humor e criatividade, a queda do trema, que foi
suprimido com a nova reforma ortográca.
Essa reforma é um assunto importante para a língua portuguesa, já que por causa
dela algumas regras relativas ao emprego do hífen e ao do acento gráco foram
alteradas
A mudança foi pouca, mas deve ser assimilada por todos nós, visto que somos
usuários da língua escrita.
Introdução Mudança de significado na alteração
Neste capítulo, estudaremos as regras de acentuação. da sílaba tônica
Os vocábulos de nossa língua podem ser classificados A mudança de sílaba tônica pode, em alguns casos,
como monossílabos, dissílabos, trissílabos ou polissílabos gerar mudança de sentido.
(mais de três sílabas). Em uma das sílabas do vocábulo, Ja-ca = fruta
incide um acento de intensidade: trata-se da sílaba tônica.
Embora o acento recaia sobre esta sílaba, nem sempre as
Paroxítona
palavras são acentuadas. Por isso, é preciso observar as
terminações e os demais critérios.
Para se determinar uma sílaba tônica, usa-se o critério Ja-cá = cesto
fonético (vale ressaltar que fonema é a unidade sonora;
Oxítona
letra é a representação gráfica).
Os sinais utilizados para indicar a pronúncia correta são
chamados de diacríticos e apresentam-se da seguinte forma: Cá-qui = cor
y o acento agudo ( ´ ), empregado para assinalar as vo-
Paroxítona
gais a, e, u e para indicar as vogais tônicas e abertas
e, o, como em má, pé, açúcar, herói.
y o acento circunflexo ( ^ ), empregado para indicar o Ca-qui = fruta
timbre fechado das vogais tônicas e e o, assim como
Oxítona
o timbre do a seguido de m ou n, como em mês, robô,
tâmara, cânhamo.
y o acento grave ( ` ), empregado para indicar a crase Mudança de classe gramatical na
(fusão) da preposição a com os artigos definidos a, as, alteração da sílaba tônica
com o a inicial dos demonstrativos aquela(s), aque- A alteração da posição da sílaba tônica também pode
le(s) e aquilo (à, às, àquele, àquela, àquilo) e o com o alterar a classe gramatical
a inicial dos relativos a qual, as quais. y in-tér-pre-te = substantivo
y o til ( ~ ), empregado para indicar a nasalização da y in-ter-pre-te = verbo
vogal, como em mãozinha, órfã.
Monossílabos
Fundamentos São palavras com uma única sílaba (palavras pronun-
ciadas com um só impulso de voz). O monossílabo pode
Posição da sílaba tônica ser átono ou tônico. Observe as seguintes características.
A sílaba tônica é a mais forte (pronunciada com mais
intensidade). De acordo com a posição, classifica se da a. Monossílabo átono
seguinte forma: O monossílabo átono é pronunciado de forma mais
a. Última: oxítona fraca; a duração de sua pronúncia é mais breve que a do
Bra-sil tônico e, semanticamente, possui significado gramatical.
Preposições, conjunções e certos pronomes, por exemplo,
b. Penúltima: paroxítona são monossílabos átonos.
Fa-ve-la Nordeste todo em paz.

c. Antepenúltima: proparoxítona b. Monossílabo tônico


Úl-ti mo O monossílabo tônico é pronunciado com clareza e
Observe a sílaba tônica das palavras a seguir mais lentamente; além disso, ele possui significado por si
No-bel A-va-ro só. Substantivos, verbos, advérbios e certos pronomes, por
exemplo, são monossílabos tônicos.
Oxítona Paroxítona Nordeste todo em paz

Ru bri ca Ín-te-rim Hiato e ditongo


a Hiato
Paroxítona Proparoxítona Caracteriza-se pelo encontro de duas vogais em sílabas
diferentes por guardarem sua identidade fonética.
Atenção y pa-ís
y ba-i-nha
y ca-fe-í na
y ju í zes
y sa-ú-de

48 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


b Ditongo

Orlandel
É o encontro de uma vogal e de uma semivogal (ou
vice-versa) na mesma sílaba. A vogal é som vocálico que,
no ditongo, se ouve mais distintamente.
Ditongo oral: o ar sai pela via oral: dis tân-cia
Ditongo nasal: o ar sai pela via oral e pela via nasal: põe
Ditongo decrescente: trata-se de uma vogal (forte) +
uma semivogal (fraca): vei-a Fig 2 Reforma ortográfica
Ditongo crescente: trata-se de uma semivogal (fraca)
+ uma vogal (forte): his-tó-ria Regras de acentuação
Monossílabos tônicos
Atenção
Acentuam-se os monossílabos tônicos terminados em:
As semivogais assumem, ao serem pronunciadas, o som de / i / ou de -a(s), -e(s) e -o(s):
/ u /, mesmo que não sejam representadas por essas vogais (o com y já, é, só, pás, pés, dó
som de / u / ou e com som de /i /). Os finais átonos ia, ie, -io, ua,
-ue e -uo podem ser pronunciados como ditongo (em São Paulo: Oxítonas
his-tó-ria) ou como hiato (em Pernambuco: his-tó-ri-a).
Acentuam-se as oxítonas terminadas em: -a(s), -e(s),
-o(s) e -em(s):
y axé, orixá, amém, axoxô, cafés, amapá, parabéns
Tritongo
Encontro de uma vogal entre duas semivogais numa Paroxítonas
mesma sílaba Acentuam-se as paroxítonas terminadas em: -ps, um(s),
Governo quer impedir contrabando que vem do -x, -u(s), r, i(s), n, ão(s), -l, ã(s), ditongo oral e ons:
Paraguai. y bíceps, álbum, tórax, vênus, cadáver, clitóris, hífen,
Há tritongo em: sa-guão, i-guais, u-ru-guai-o. órfão,
y agradável, ímã, tendência, íons
Fonema
Letra é a representação gráfica, e fonema é o som, a “ima- Proparoxítonas
gem” acústica. Em carro, assalto, alho, ganho, chato, querida Todas as proparoxítonas são acentuadas:
e guerra, por exemplo, rr-, ss , lh-, nh-, ch-, qu- e gu são dígra y ímpeto, lâmpada, número, alíquotas, âmago
fos consonantais, duas letras que correspondem a um fonema.
Em canta, a sequência an também se constitui num dí- Ditongos abertos
grafo (no caso, dígrafo vocálico), pois temos um só fonema: Acentuam-se os ditongos abertos tônicos -éu(s), -éi(s)
/c/, /ã/, /t/, /a/. Há letras que não correspondem a fonema e -ói(s) em palavras oxítonas:
algum: é o caso de hoje, em que o h não é pronunciado. Já y réu, véu, céu, dodói, pastéis, troféu, troféus
em táxi, a letra x corresponde a dois fonemas: /ks/
Em função da nova reforma ortográfica, as regras de Mas os ditongos éi e ói deixam de ser acentuados nas
acentuação passam a valer da seguinte forma: palavras paroxítonas:
y asteróide  asteroide
y heróico  heroico
A nova reforma ortográfica y bóia  boia
y celulóide  celuloide
vôos w, k, y y clarabóia  claraboia
voos y (ele) apóia (verbo apoiar)  apoia

ü
y (eu) apóio (verbo apoiar)  apoio
assembléia y estréia  estreia
y estréio (verbo estrear)  estreio
assembleia y geléia  geleia
y idéia  ideia
Fig. 1 Algumas das novas regras de ortografia.
y jibóia  jiboia
A nova reforma ortográfica foi assinada em Lisboa, y jóia  joia
em 16 de dezembro de 1990, por Brasil, Portugal, Angola,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçam- Atenção
bique e, posteriormente, Timor Leste; no Brasil, o acordo
FRENTE 1

Essa regra é válida somente para palavras paroxítonas; dessa forma,


foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 54, de 18 de abril ainda recebem acento palavras como:
de 1995. As regras de acentuação apresentadas a seguir y papéis, herói, heróis, troféu, troféus
estão em conformidade com a nova lei.

49
Acento no i e no u tônico y verbo enxaguar: enxaguo, enxaguas, enxagua, enxa-
guam; enxague, enxagues, enxaguem
y verbo delinquir: delinquo, delinques, delinque, delin-
O acento agudo desaparece do "i"

Orlandel
e do "u'' tônicos de palavras quem; delinqua, delinquas, delinquam
paroxítonas, quando essas letras
vierem depois de ditongo.
No Brasil, a pronúncia mais corrente é deixar tônicos
o a e o i (primeiro caso)

U tônico
Fig. 3 Mudanças no uso de acento agudo.
Cai o acento agudo no u tônico das formas verbais
Acentuam-se o i e o u quando: do presente do indicativo dos verbos arguir e redarguir.
a forem tônicos; Tu argúis bem, ele argúi muito bem, eles argúem mal.
b. fizerem hiato com a vogal anterior;
c. estiverem sozinhos na sílaba ou com s; Tu arguis bem, ele argui muito bem, eles arguem mal.
d não seguidos de nh;
e não antecedidos de ditongo decrescente em palavras Palavras terminadas em eem e oo
paroxítonas: Não se usa mais o acento das palavras terminadas em
y saída, faísca, Anhangabaú, conteúdo, distribuí-lo, baú, eem e oo(s).
contraí-la
CIRCUNFLEXO

Orlandel
Não será mais usado
nas palavras termina-
Mas, nas palavras paroxítonas, não se usa mais o acen- das em hiato.
Exemplo: "vôo" passa a
to no i e no u tônicos quando vierem depois de um ditongo ser "voo".

decrescente
y bocaiúva  bocaiuva
y cauíla  cauila (avarento)
y feiúra  feiura
Fig. 4 Mudanças no uso de acento circunflexo.

Se a palavra for oxítona e o i ou o u estiverem em po y crêem (verbo crer)  creem


sição final (ou seguidos de s), o acento permanece: y dêem (verbo dar)  deem
y tuiuiú, tuiuiús (ave), Piauí y lêem (verbo ler)  leem
y vêem (verbo ver)  veem
Se i ou u tônicos forem precedidos de ditongo cres y dôo (verbo doar)  doo
cente, o acento permanece: y enjôo  enjoo
y guaíba, Guaíra y magôo (verbo magoar)  magoo
y perdôo (verbo perdoar)  perdoo
As palavras xiita e juuna não são acentuadas, porque y vôos  voos
fazem hiato com a própria vogal. y zôo  zoo
Feiíssimo e cheiíssimo continuam acentuadas, porque
são proparoxítonas Acentos diferenciais
Terminações -guar, -quar, -quir Verbos ter e vir
Verbos terminados em -guar, -quar e -quir como aguar, Os acentos diferenciais (singular e plural) nos verbos
averiguar, apaziguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir ter e vir, assim como de seus derivados (manter, deter,
– admitem duas pronúncias em algumas formas do presente reter, conter, convir, intervir, advir etc.), foram mantidos.
do indicativo, do presente do subjuntivo e do imperativo. Exemplos:
Leo tem dois filhos./Leo e Maria têm dois filhos.
Observe as duas possibilidades: Mariana vem de Paris./Mariana e Pedro vêm de Paris.
a. se pronunciadas com a ou i tônicos, essas formas de- Ele mantém a promessa./Eles mantêm as promessas.
vem ser acentuadas Ele convém ao poder./Eles convêm ao poder.
y verbo enxaguar: enxáguo, enxáguas, enxágua, enxá- Ele detém a chefia./Eles detêm a chefia.
guam; enxágue, enxágues, enxáguem Ele intervém na guerra./Eles intervêm nas guerras.
y verbo delinquir: delínquo, delínques, delínque, delín-
quem; delínqua, delínquas, delínquam Atenção
b se pronunciadas com u tônico, essas formas deixam
de ser acentuadas (a vogal sublinhada é tônica, isto é,
deve ser pronunciada mais fortemente que as outras).

50 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


Pôr (verbo) e por (preposição) Exemplo 1
Permanece o acento diferencial em pôr (verbo)/ por Venha, veja e viva
Revista Desfile, predomínio das paroxítonas.
(preposição).
Vamos pôr um fim na discussão feita por mim.
Exemplo 2
De teus anos colhendo doce fruto
Verbo poder Camões.
Não se tirou o acento diferencial em pôde/pode
Pôde é pretérito perfeito do indicativo, na 3a pessoa do Neste exemplo de Camões, temos um decassílabo
singular. Pode é presente do indicativo, na 3ª pessoa (verso heroico): acento na 6ª e na 10ª sílaba poética.
do singular
Ontem o presidente não pôde assinar, mas hoje pode Rima
Trata se da identificação sonora que existe entre as
Para, pelo, polo etc. palavras; quanto ao critério da tonicidade, temos os se-
Não se usa mais o acento diferencial em pára/para, guintes tipos:
péla(s)/pela(s), pêlo(s)/pelo(s), pólo(s)/polo(s), pêra/pera. y rimas masculinas: rimam com palavras oxítonas.
João pára o ônibus  João para o ônibus
Peço para que não me leve a mal,
Maria vai ao pólo Sul.  Maria vai ao polo Sul.
mas hoje vi seu retrato no jornal
Praticávamos pólo.  Praticávamos polo.
justamente na seção policial
Havia pêlos no chão  Havia pelos no chão.
Comeram a pêra.  Comeram a pera. y rimas femininas: rimam com palavras paroxítonas
Forma/fôrma Decidi convidá-la para a última dança,
É facultativo o emprego do acento circunflexo para dis- pois amanhã cedo partirei desta terra
tinguir as palavras forma/fôrma, entretanto o uso do acento Acho que isso me dará esperança
deixa a frase mais clara. de voltar são e salvo depois da guerra
A fôrma do bolo tem uma forma estranha.
y rimas esdrúxulas: rimam com palavras proparoxítonas.
Palavras compostas
A nova regra dos diferenciais aplica-se também a pa Não fique se abanando feito um pássaro,
não há muito pra garantir a sua matrícula.
lavras compostas, por exemplo:
Seu exame nem foi, assim, algo bárbaro,
y para-brisa, para-raios.
posso dizer que essa afobação é ridícula.
Quê, porquê, por quê
Quê
Variantes linguísticas no nível fonético
a. como substantivo, precedido de artigo: A pronúncia de determinadas palavras pode variar, de-
Tem um quê de Hebe Camargo. pendendo da região. Observe as diferenças.
b. como interjeição ou pronome interrogativo, no final da Pronúncia
frase: predominante
Quê!?
his-tó-ri-a no Sudeste

Porquê
Como substantivo, precedido de artigo:
Só há um porquê
Pronúncia his-tó-ria
Por quê predominante
Como pronome interrogativo, no final da frase: no Nordeste
Por quê? Fig. 5 Diferenças regionais nas pronúncias.
Não sei por quê.
No primeiro caso, a palavra é proparoxítona; no segun-
Ritmo e rima do, paroxítona (ambas as classificações são aceitas).
A língua também varia conforme o grupo social e o
Ritmo grau de escolaridade; nas variantes mais populares e em
situação de oralidade, é comum a omissão, o acréscimo ou
O ritmo pode ser definido como a alternância de sílabas
mesmo a substituição de fonemas:
átonas e tônicas; a tônica deve repetir-se em intervalos
FRENTE 1

regulares, recaindo em determinadas sílabas y – Nóis fala errado purque nóis aprendeu assim, né?
Observe os exemplos a seguir. Ou meió, num aprendeu!

51
Revisando
Texto para as questões 1 e 2. 4 No texto a seguir, há uma palavra que teve a acentuação
alterada pela reforma; identifique-a e faça a correção.

Frank

DiVUlgação
1 A reforma ortográfica tem seus efeitos na linguagem oral?

Para as questões 5 e 6, leia o excerto a seguir, extraído


poema O chalé, de João da Cruz e Sousa, de 1886.
2 Qual é o implícito do segundo balão? É um chalé luzido e aristocrático,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpático

O sol que vibra em rubro tom prismático,


No resplendor dos luxos principescos,
Dá-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimático.

5 Justifique a acentuação da última palavra nos versos


inicial e final de cada estrofe.

3 Leia a seguinte manchete


Na Globo, candidato para deputado.
Por que a frase não é clara?

6 Qual é o tipo de rima (em relação à posição da sílaba


tônica) nesses mesmos versos?

52 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


Texto para a questão 7 e 8

Bom dia, ouvintes. Em Bocaiúva, precisamente 8 h. O sol despontou, é hora de trabalhar.

7 Corrija o erro de acentuação.

8 Justifique por meio da regra.

Para as questões 9 e 10,considereasdeniçõesaseguir.

Heroico – Decassílabo com sílabas tônicas nas posições 6 e 10


Sáfico – Decassílabo com sílabas tônicas nas posições 4, 8 e 10
Martelo – Decassílabo com tônicas nas posições 3, 6 e 10
Gaita galega ou moinheira – Decassílabo com tônicas nas posições 4, 7 e 10

Leia agora os seguintes versos:

So / nha / va-em / ser / he / roi / da / e / po / pe / ia


Po / é / ti / ca / no / ver / so / de / cas / sí / la / bo
A / go / ra / tra / go / pre / sos / na / i / de / ia
Os / tem / pos / des / sas / sí / la / bas / do / ri / t / mo

9 O ritmo consiste em uma regularidade na alternância de silabas átonas e tônicas. Descubra a que tipo de decassílabo
associam-se os versos citados.

10 Indique as sílabas tônicas de cada verso.


FRENTE 1

53
Exercícios propostos
1 UFRGS (Adapt.) A grafia dos nomes próprios nem que os fâmulos lhe ouviam muita vez: – “Anda, bem feito,
sempre segue as regras ortográficas da língua por- quem te mandou consentir na viagem de Cesária? Baju-
tuguesa. O nome Livia, de acordo com a pronúncia lador, torpe bajulador! Só para adular ao Dr. Bacamarte.
com que ocorre usualmente, deveria receber acento Pois agora aguenta-te; anda; aguenta-te, alma de lacaio,
gráfico. A regra que determina o uso do acento neste fracalhão, vil, miserável Dizes amém a tudo, não é? Aí
caso é a mesma responsável pelo acento gráfico em: tens o lucro, biltre!”. – E muitos outros nomes feios, que
A episódios. um homem não deve dizer aos outros, quanto mais a si
mesmo Daqui a imaginar o efeito do recado é um nada
b aí.
Tão depressa ele o recebeu como abriu mão das drogas
C reúne
e voou à Casa Verde. Simão Bacamarte recebeu-o com
D lâmpada
a alegria própria de um sábio, uma alegria abotoada de
E nós.
circunspeção até o pescoço
– Estou muito contente, disse ele.
2 IME 2020 A primeira publicação do conto O Alienista, – Notícias do nosso povo?, perguntou o boticário com
de Machado de Assis, ocorreu como folhetim na a voz trêmula
revista carioca A Estação, entre os anos de 1881 e O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu:
1882 Nessa mesma época, aconteceu no Brasil uma – Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiên-
grande reforma educacional, criando, dentre outras, cia científica Digo experiência, porque não me atrevo a
a cadeira de Clínica Psiquiátrica. É nesse contexto assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra
de uma psiquiatria ainda embrionária que Machado coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Tra-
propõe sua crítica ácida, reveladora da escassez de ta-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que
conhecimento científico e da abundância de vaida- vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus es-
des, concomitantemente. A obra deixa ver as relações tudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão;
promíscuas entre o poder médico que se pretendia começo a suspeitar que é um continente
baluarte da ciência e o poder político tal como era Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do bo-
exercido em Itaguaí, então uma vila, distante apenas ticário. Depois explicou compridamente a sua ideia. No
alguns quilômetros da capital Rio de Janeiro. O con- conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de
to se desenvolve em treze breves capítulos, ao longo cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia de racio-
dos quais o alienista vai fazendo suas experimenta cínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na
história e em Itaguaí, mas, como um raro espírito que era,
ções cientificistas até que ele mesmo conclua pela
reconheceu o perigo de citar todos os casos de Itaguaí e
necessidade de seu isolamento, visto que reconhece
refugiou-se na história. Assim, apontou com especialidade
em si mesmo a única pessoa cujas faculdades men-
alguns célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar,
tais encontram-se equilibradas, sendo ele, portanto,
Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala,
aquele que destoa dos demais, devendo, por isso,
Domiciano, Calígula etc., uma enfiada de casos e pessoas,
alienar-se. em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades
Capítulo IV
ridículas E porque o boticário se admirasse de uma tal
promiscuidade, o alienista disse-lhe que era tudo a mesma
UMA TEORIA NOVA
coisa, e até acrescentou sentenciosamente:
Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha bus- A ferocidade, Sr Soares, é o grotesco a sério
cando o Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por – Gracioso, muito gracioso!, exclamou Crispim Soares
todos os lados uma certa ideia arrojada e nova, própria levantando as mãos ao céu.
a alargar as bases da psicologia. Todo o tempo que lhe Quanto à ideia de ampliar o território da loucura,
sobrava dos cuidados da Casa Verde era pouco para andar achou-a o boticário extravagante; mas a modéstia, princi-
na rua, ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre pal adorno de seu espírito, não lhe sofreu confessar outra
trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que coisa além de um nobre entusiasmo; declarou-a sublime
metia medo aos mais heroicos. Um dia de manhã, – eram e verdadeira, e acrescentou que era “caso de matraca”
passadas três semanas, estando Crispim Soares ocupado Esta expressão não tem equivalente no estilo moderno.
em temperar um medicamento, vieram dizer-lhe que o Naquele tempo, Itaguaí, que como as demais vilas, arraiais
alienista o mandava chamar. e povoações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha
– Tratava-se de negócio importante, segundo ele me dois modos de divulgar uma notícia: ou por meio de car-
disse, acrescentou o portador. tazes manuscritos e pregados na porta da Câmara, e da
Crispim empalideceu Que negócio importante podia matriz; ou por meio de matraca Eis em que consistia este
ser, se não alguma notícia da comitiva, e especialmente da segundo uso. Contratava-se um homem, por um ou mais
mulher? Porque este tópico deve ficar claramente definido, dias, para andar as ruas do povoado, com uma matraca
visto insistirem nele os cronistas: Crispim amava a mulher, na mão De quando em quando tocava a matraca, reu-
e, desde trinta anos, nunca estiveram separados um só nia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam, – um
dia. Assim se explicam os monólogos que fazia agora, e remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um

54 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo D “[ ] reconheceu o perigo de citar todos os casos
discurso do ano etc. O sistema tinha inconvenientes para de Itaguaí ”
a paz pública; mas era conservado pela grande energia de E “[...] chegava a entendê-la, que era uma obra ab-
divulgação que possuía Por exemplo, um dos vereado- surda [...]”
res, – aquele justamente que mais se opusera à criação da
Casa Verde, – desfrutava a reputação de perfeito educador
3 As palavras operário, três, saíra são acentuadas,
de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só
gracamente, pelas mesmas regras das palavras da
desses bichos; mas tinha o cuidado de fazer trabalhar a
alternativa:
matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas
A série pás aí
pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito
do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida
b vários mês saia.
à absoluta confiança no sistema. Verdade, verdade, nem C névoa – dás – traíra.
todas as instituições do antigo regime mereciam o despre- D sórdida – nós – saída.
zo do nosso século. E escorria – sim – vaidade.
– Há melhor do que anunciar a minha ideia, é pra-
ticá-la, respondeu o alienista à insinuação do boticário. 4 Cesgranrio (Adapt.) Indique o item no qual os vocá-
E o boticário, não divergindo sensivelmente deste bulos obedecem à mesma regra de acentuação da
modo de ver, disse-lhe que sim, que era melhor começar palavra nódoa.
pela execução. A ânsia, âmbar, imundície.
– Sempre haverá tempo de a dar à matraca, concluiu b míope, ímã, lápis.
ele. Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse: C água, tênue, supérfluo.
– Suponho o espírito humano uma vasta concha, o D ímpar, míngua, lânguida.
meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é E viúvo, argênteo, sórdido.
a razão; por outros termos, demarquemos definitivamen
te os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito
5 UFRGS Considere as seguintes afirmações sobre
equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia
acentuaçãográca.
e só insânia
I. A palavra teórica recebe acento gráfico pela
O Vigário Lopes, a quem ele confiou a nova teoria,
declarou lisamente que não chegava a entendê-la, que era mesma regra que preceitua o uso do acento em
uma obra absurda, e, se não era absurda, era de tal modo lúgubre
colossal que não merecia princípio de execução. II Se fosse retirado o acento das palavras só, é e
– Com a definição atual, que é a de todos os tempos, média, esta alteração provocaria o aparecimento
acrescentou, a loucura e a razão estão perfeitamente deli- de outras palavras da Língua Portuguesa.
mitadas. Sabe-se onde uma acaba e onde a outra começa. III. A palavra herói é acentuada pela mesma regra de
Para que transpor a cerca? “autoritários”.
Sobre o lábio fino e discreto do alienista roçou a vaga Quais estão corretas?
sombra de uma intenção de riso, em que o desdém vinha A Apenas I
casado à comiseração; mas nenhuma palavra saiu de suas b Apenas II.
egrégias entranhas. A ciência contentou-se em estender a C Apenas I e III.
mão à teologia, com tal segurança, que a teologia não D Apenas II e III.
soube enfim se devia crer em si ou na outra. Itaguaí e o E Todas.
universo à beira de uma revolução.
ASSIS, Machado de. O Alienista. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
/ USP. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
6 IFSC 2020
DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1939 Acesso em:12/08/2019
O drama de Juan e das centenas de crianças
“Quanto à ideia de ampliar o território da loucura, venezuelanas que cruzam sozinhas a fronteira
achou-a o boticário extravagante; mas a modéstia, com o Brasil
principal adorno de seu espírito, não lhe sofreu con Nathalia Passarinho BBC News Brasil em Londres
fessar outra coisa além de um nobre entusiasmo, 09 de setembro de 2019
declarou-a sublime e verdadeira, e acrescentou que
[ ]
era ‘caso de matraca’.”
Juan foi encontrado vagando pelas ruas de Pacarai-
Assinale a alternativa na qual o(s) vocábulo(s) acentua ma, após cruzar a fronteira “sozinho e faminto”, segundo
do(s)recebe(m)oacentográcocombasenamesma relatório da equipe que atendeu a criança Um senhor ve-
justicativagramaticalutilizadanapalavraemdestaque: nezuelano o resgatou, deu abrigo e comida por uma noite
A “Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha bus- e levou o menino ao centro de triagem, onde defensores
cando o Rio de Janeiro [...]” públicos da União entrevistam e analisam cada caso de
b “Porque este tópico deve ficar claramente definido, criança e adolescente que chega ao Brasil.
FRENTE 1

visto insistirem nele os cronistas [ ]” Encaminhado depois ao Conselho Tutelar de Pacarai-


C “Disse isto, e calou se, para ruminar o pasmo do ma, o menino foi reconhecido por uma conselheira que
boticário.” confirmou que ele tentava migrar sozinho para o Brasil

55
pela segunda vez, “pedindo ajuda para fugir dos maus Ele apresenta se de duas formas A simples (Ex :
-tratos dos pais”. Chegando a hora da largada, a luz verde acendeu) e a
Na primeira tentativa, foi devolvido à Venezuela e en- composta (Ex.: Tendo chegado ao fim da corrida, o carro
caminhado ao Conselho Tutelar da cidade de Santa Elena, foi recolhido ao boxe)
após os conselheiros venezuelanos garantirem às autorida O gerúndio expressa uma ação que está em curso
des brasileiras que ele seria encaminhado para um abrigo. ou que ocorre simultaneamente ou, ainda, que remete a
Pelo visto, foi devolvido aos pais e à vida na rua. uma ideia de progressão Sua forma nominal é derivada
“Observa-se inúmeras marcas no corpo da criança e do radical do verbo acrescida da vogal temática e da de-
ele afirma que são todas causadas pelas agressões físicas sinência -ndo. Exemplos: comendo; partindo.
cometidas por seus pais”, diz o relatório do comitê de Veja, a seguir, o uso do gerúndio na prática:
triagem a que a BBC News Brasil teve acesso. E a lama desceu pelo morro, destruindo tudo que
Para impedir que o menino fosse entregue novamen encontrava pela frente.
te aos pais, os defensores federais o encaminharam para Rindo, ele se lembrava com saudades dos dias felizes
uma casa de acolhimento de crianças e adolescentes na que tivera.
capital de Roraima, “para que seja cuidado pela legislação Abrindo o laptop, começou a escrever.
brasileira”. “Caminhando sozinho aquela noite pela praia deserta,
Juan é uma das 1.896 crianças e adolescentes que, fiz algumas reflexões sobre a morte” (Erico Veríssimo, Solo
para fugir da violência e da miséria na Venezuela, cruza- de Clarineta, p. 12).
ram a fronteira até o Brasil sozinhos ou acompanhados de Como vimos nos exemplos, o gerúndio pode ser em-
pessoas que não são seus responsáveis legais, entre agosto pregado de diferentes maneiras em nossa língua sem que
de 2018 e junho deste ano. tenhamos praticado nenhuma heresia. Já com o gerundis-
Quase 400 deles chegaram à cidade de Pacaraima mo é outra história Nesse caso, trata-se do uso inadequado
totalmente desacompanhados, segundo dados inéditos do gerúndio. Um vício de linguagem que se alastrou de
obtidos pela BBC News Brasil junto à Defensoria Pública modo tão corriqueiro e insistente que até já virou piada.
da União [ ] Então, se você usa expressões como: “Vou estar
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49566807. pesquisando seu caso” ou “Vou estar completando sua li-
Acesso em: 13 de setembro de 2019. (Texto adaptado) gação”, mude imediatamente sua fala para: “Vou pesquisar
Em relação às palavras sublinhadas no texto, assinale seu caso” e “Vou completar sua ligação” Note que, nos
dois casos, você passa a usar somente duas formas verbais
aalternativaCORRETAquantoàacentuaçãográca:
(“vou” + “pesquisar” ou “vou” + “completar”) no lugar de
I. Duas palavras acentuadas atendem à regra das
três Além disso, a ideia temporal a ser transmitida é a de
palavras monossílabas tônicas.
futuro e não de presente em curso.
II Três palavras acentuadas atendem à regra das
O gerundismo, portanto, é uma mania que peca pelo
palavras paroxítonas
excesso, pela inadequação do verbo, que ocorre ao trans-
III. Três palavras acentuadas atendem à regra das formarmos, desnecessariamente, um verbo conjugado em
palavras oxítonas. um gerúndio.
IV. Duas palavras acentuadas atendem à regra das (Fonte: UOL. Adaptado. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/
palavras proparoxítonas. disciplinas/portugues/gerundismo-evite esse-vicio-de-linguagem.htm. Acesso
em: 20 jan 2019)
V Uma palavra acentuada atende à regra das palavras
com hiato.
A II e III estão corretas. 7 IFMT 2020 Ao analisarmos a acentuação gráfica das
b Todas estão corretas. palavras “prática”, “gramáticas” e “temática”, presen-
C II, IV e V estão corretas. tes no texto, podemos afirmar que:
D Somente a I está correta. A “Prática”, “gramáticas” e “temática” estão corretamen-
E III e V estão corretas. te acentuadas, pois são proparoxítonas e todas as
proparoxítonas devem ser acentuadas graficamente
Texto para as questões 7 e 8. b “Prática”, “gramáticas” e “temática” estão com erro
Gerundismo - evite esse vício de linguagem de acentuação gráfica, pois nenhuma proparoxítona
deve ser acentuada.
Tanto se tem falado a respeito de gerundismo, que já
C “Prática” está incorretamente acentuada, pois tem
há quem tenha prática sobre o uso do gerúndio. Há até
três sílabas.
quem pergunte se o gerúndio não é mais usado ou se é
D “Temática” está incorretamente acentuada, pois é
errado o seu emprego. Então, antes que se comece a tomar
paroxítona.
o certo pelo duvidoso e o errado pelo certo, vamos nos
lembrar de algumas regras gramaticais.
E Das três palavras, apenas “gramática” deve ser
Comecemos pelo significado da palavra “gerúndio” acentuada.
Se procurarmos as definições nas gramáticas em uso,
encontraremos, geralmente, a seguinte explicação: “Ge- 8 IFMT 2020 Levando em conta a norma culta da língua
rúndio é uma das formas nominais do verbo que apresenta portuguesa, assinale a alternativa em que todas as pa-
o processo verbal em curso e que desempenha a função lavras são acentuadas graficamente devido à mesma
de adjetivo ou advérbio”. regra de acentuação gráfica:

56 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


A já há gerúndio caminhar alguns passos em direção à garantia do acesso a
b prática gerúndio é esses serviços como direito social. Nesse sentido destaca-
c gerúndio advérbio história. mos as Conferências das Cidades e a criação da Secretaria
d além – você – gramáticas. de Saneamento e do Conselho Nacional das Cidades, que
E temática – desinência – você. deram à política urbana uma base de participação e con-
trole social.
Houve também, até 2014, uma progressiva ampliação
9 Unicamp 2019 Há dois tipos de palavras: as proparoxí
de recursos para o setor, sobretudo a partir do PAC 1 e PAC
tonas e o resto. As proparoxítonas são o ápice da cadeia
2; a instituição de um marco regulatório (Lei 11.445/2007
alimentar do léxico.
e seu decreto de regulamentação) e de um Plano Nacional
As palavras mais pernósticas são sempre proparoxí-
para o setor, o PLANSAB, construído com amplo debate
tonas. Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com
popular, legitimado pelos Conselhos Nacionais das Cida-
ímpeto – e, despóticas, ainda exigem acento na sílaba
des, de Saúde e de Meio Ambiente, e aprovado por decreto
tônica! Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais
presidencial em novembro de 2013.
crédito. É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o
Esse marco legal e institucional traz aspectos essen-
vândalo Uma coisa é estar na ponta outra, no vértice
ciais para que a gestão dos serviços seja pautada por
Ser artesão não é nada, perto de ser artífice.
uma visão de saneamento como direito de cidadania: a)
Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice.
articulação da política de saneamento com as políticas
(Adaptado de Eduardo Affonso, “Há dois tipos de palavras: as
proparoxítonas e o resto”. Disponível em www.facebook.com/ de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de
eduardo22affonso/.) combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção
Segundo o texto, as proparoxítonas são palavras que ambiental, de promoção da saúde; e b) a transparência das
ações, baseada em sistemas de informações e processos
A garantem sua pronúncia graças à exigência de uma
decisórios participativos institucionalizados.
sílaba tônica.
A Lei 11.445/2007 reforça a necessidade de planeja-
b conferem nobreza ao léxico da língua graças à faci
mento para o saneamento, por meio da obrigatoriedade
lidade de sua pronúncia
de planos municipais de abastecimento de água, coleta e
c revelam mais prestígio em função de seu pouco
tratamento de esgotos, drenagem e manejo de águas plu-
uso e de sua dupla acentuação.
viais, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Esses
d exibem sempre sua prepotência, além de imporem planos são obrigatórios para que possam ser estabelecidos
a obrigatoriedade da acentuação. contratos de delegação da prestação de serviços e para
que possam ser acessados recursos do governo federal
10 EsPCEx 2019 (OGU, FGTS e FAT), com prazo final para sua elaboração
terminando em 2017. A Lei reforça também a participa-
Política pública de saneamento básico: as bases
ção e o controle social, através de diferentes mecanismos
do saneamento como direito de cidadania e os
como: audiências públicas, definição de conselho muni
debates sobre novos modelos de gestão
cipal responsável pelo acompanhamento e fiscalização
Ana Lucia Britto da política de saneamento, sendo que a definição desse
Professora Associada do PROURB FAU-UFRJ
Pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles conselho também é condição para que possam ser aces
sados recursos do governo federal.
A Assembleia Geral da ONU reconheceu em 2010 O marco legal introduz também a obrigatoriedade
que o acesso à água potável e ao esgotamento sanitá- da regulação da prestação dos serviços de saneamento,
rio é indispensável para o pleno gozo do direito à vida visando à garantia do cumprimento das condições e metas
É preciso, para tanto, fazê-lo de modo financeiramente estabelecidas nos contratos, à prevenção e à repressão ao
acessível e com qualidade para todos, sem discriminação. abuso do poder econômico, reconhecendo que os serviços
Também obriga os Estados a eliminarem progressivamente de saneamento são prestados em caráter de monopólio,
as desigualdades na distribuição de água e esgoto entre o que significa que os usuários estão submetidos às ativi-
populações das zonas rurais ou urbanas, ricas ou pobres. dades de um único prestador
No Brasil, dados do Ministério das Cidades indicam FONTE: adaptado de http://www.assemae.org.br/artigos/item/1762
que cerca de 35 milhões de brasileiros não são atendidos saneamento-basico-como direito-de-cidadania
com abastecimento de água potável, mais da metade da
Assinale a alternativa em que todos os vocábulos do
população não tem acesso à coleta de esgoto, e apenas
39% de todo o esgoto gerado são tratados. Aproxima-
enunciado são acentuados pela mesma regra.
damente 70% da população que compõe o déficit de A Uma sólida política de saneamento tem que levar
acesso ao abastecimento de água possuem renda domi em conta os problemas econômicos da população.
ciliar mensal de até ½ salário mínimo por morador, ou b Há um sistema acessível, mas também regulatório.
seja, apresentam baixa capacidade de pagamento, o que c Pressente-se um crônico sentimento de impotên-
coloca em pauta o tema do saneamento financeiramente cia, resíduo da própria história.
acessível. d Os termos de privacidade do sistema construído
FRENTE 1

Desde 2007, quando foi criado o Ministério das Ci- pelos estagiários são inaceitáveis.
dades, identificam-se avanços importantes na busca de E As audiências públicas são realizadas em caráter
diminuir o déficit já crônico em saneamento e pode-se extraordinário.

57
11 IFSC 2019 Ser indefeso, indefinido, que só se vê na minha cidade.
Amo e canto com ternura
Passamos a vida em só 25 lugares todo o errado da minha terra
30
Já teve vontade de explorar novos ares e, quando deu Becos da minha terra,
por si, estava no mesmo boteco de sempre? Esses “horizon discriminados e humildes,
tes limitados” são universais, de acordo com matemáticos lembrando passadas eras.
da Universidade e Londres Não importa se você é um Beco do Cisco.
jovem executivo ou um jogador de futevôlei aposentado 35 Beco do Cotovelo.
– segundo cientistas, qualquer pessoa é capaz de frequen- Beco do Antônio Gomes
tar, no máximo 25 lugares. Entram nessa conta todos os Beco das Taquaras.
locais visitados duas vezes por semana, por pelo menos 10 Beco do Seminário
minutos O ponto de ônibus, portanto, já desconta dos 25 Bequinho da Escola.
totais. Isso para quem é popular: 25 é o recorde alcançado 40 Beco do Ouro Fino.
por aqueles que mantêm uma rede grande de amigos Para Beco da Cachoeira Grande
os introvertidos, os horizontes são ainda mais fechados. Beco da Calabrote.
(Ana Carolina Leonardi Superinteressante, Beco do Mingu.
edição 392, agosto de 2018, p.10.) Beco da Vila Rica...
Quanto às regras de acentuação, assinale a alternativa 45 Conto a estória dos becos,
CORRETA. dos becos da minha terra,
suspeitos... mal afamados
A A palavra “mantêm” recebe acento circunflexo por
onde família de conceito não passava.
estar no plural, demonstrando-se o acento diferencial.
“Lugar de gentinha” – diziam, virando a cara.
b Em “recorde” temos um erro de acentuação gráfi-
50 De gente do pote d’água.
ca, em virtude de a palavra ser uma proparoxítona.
De gente de pé no chão
C As palavras “futevôlei” e “ônibus” se acentuam pela
Becos de mulher perdida.
mesma regra. Becos de mulheres da vida.
D Segundo a nova ortografia, o uso de trema em “fre- Renegadas, confinadas
quentar” é facultativo. 55 na sombra triste do beco.
E O vocábulo “você” deve ser acentuado por ser oxí Quarto de porta e janela
tona terminada em ditongo aberto Prostituta anemiada,
solitária, hética, engalicada,
12 IME 2019 tossindo, escarrando sangue
60 na umidade suja do beco.
BECOS DE GOIÁS
Becos mal assombrados.
Beco da minha terra... Becos de assombração...
Amo tua paisagem triste, ausente e suja Altas horas, mortas horas...
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa. Capitão mor alma penada,
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio 65 terror dos soldados, castigado nas armas.
5 E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia, Capitão-mor, alma penada,
e semeia polmes dourados no teu lixo pobre, num cavalo ferrado,
calçando de ouro a sandália velha, chispando fogo,
jogada no teu monturo. descendo e subindo o beco,
Amo a prantina silenciosa do teu fio de água, 70 comandando o quadrado – feixe de varas...
10 descendo de quintais escusos Arrastando espada, tinindo esporas...
sem pressa, Mulher-dama Mulheres da vida,
e se sumindo depressa na brecha de um velho cano. perdidas,
Amo a avenca delicada que renasce começavam em boas casas, depois,
na frincha de teus muros empenados, 75 baixavam pra o beco.
15 e a plantinha desvalida, de caule mole Queriam alegria. Faziam bailaricos. –
que se defende, viceja e floresce Baile Sifilítico era ele assim chamado.
no agasalho de tua sombra úmida e calada. O delegado-chefe de Polícia – brabeza –
Amo esses burros-de-lenha dava em cima
que passam pelos becos antigos. Burrinhos dos morros, 80 Mandava sem dó, na peia.
20 secos, lanzudos, malzelados, cansados, pisados. No dia seguinte, coitadas,
Arrochados na sua carga, sabidos, procurando a sombra, cabeça raspada a navalha,
no range-range das cangalhas. obrigadas a capinar o Largo do Chafariz,
E aquele menino, lenheiro ele, salvo seja na frente da Cadeia.
Sem infância, sem idade. 85 Becos da minha terra...
25 Franzino, maltrapilho, Becos de assombração.
pequeno para ser homem, Românticos, pecaminosos
forte para ser criança. Têm poesia e têm drama.

58 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


O drama da mulher da vida, antiga, nem mesmo para rir
90 humilhada, malsinada. da cauda que ameaça
Meretriz venérea, deixá-lo ir sozinho.
desprezada, mesentérica, exangue. 45 É todo graça, embora
Cabeça raspada a navalha, as pernas não ajudem
castigada a palmatória, e seu ventre balofo
95 capinando o largo, se arrisque a desabar
chorando Golfando sangue. ao mais leve empurrão.
(ÚLTIMO ATO) 50 Mostra com elegância
Um irmão vicentino comparece sua mínima vida,
Traz uma entrada grátis do São Pedro de Alcântara. e não há cidade
100 Uma passagem de terceira no grande coletivo de São alma que se disponha
Vicente. a recolher em si
Uma estação permanente de repouso – no aprazível 55 desse corpo sensível
São Miguel a fugitiva imagem,
Cai o pano. o passo desastrado
CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 21ª ed. - mas faminto e tocante.
São Paulo: Global Editora, 2006.
Mas faminto de seres
60 e situações patéticas,
O ELEFANTE
de encontros ao luar
Fabrico um elefante no mais profundo oceano,
de meus poucos recursos. sob a raiz das árvores
Um tanto de madeira ou no seio das conchas,
tirado a velhos móveis 65 de luzes que não cegam
5 talvez lhe dê apoio. e brilham através
E o encho de algodão, dos troncos mais espessos.
de paina, de doçura. Esse passo que vai
A cola vai fixar sem esmagar as plantas
suas orelhas pensas. 70 no campo de batalha,
10 A tromba se enovela, à procura de sítios,
é a parte mais feliz segredos, episódios
de sua arquitetura não contados em livro,
Mas há também as presas, de que apenas o vento,
dessa matéria pura 75 as folhas, a formiga
15 que não sei figurar. reconhecem o talhe,
Tão alva essa riqueza mas que os homens ignoram,
a espojar-se nos circos pois só ousam mostrar-se
sem perda ou corrupção. sob a paz das cortinas
E há por fim os olhos, 80 à pálpebra cerrada.
20 onde se deposita E já tarde da noite
a parte do elefante volta meu elefante,
mais fluida e permanente, mas volta fatigado,
alheia a toda fraude. as patas vacilantes
Eis o meu pobre elefante 85 se desmancham no pó.
25 pronto para sair Ele não encontrou
à procura de amigos o de que carecia,
num mundo enfastiado o de que carecemos,
que já não crê em bichos eu e meu elefante,
e duvida das coisas. 90 em que amo disfarçar-me.
30 Ei-lo, massa imponente Exausto de pesquisa,
e frágil, que se abana caiu-lhe o vasto engenho
e move lentamente como simples papel
a pele costurada A cola se dissolve
onde há flores de pano 95 e todo o seu conteúdo
35 e nuvens, alusões de perdão, de carícia,
a um mundo mais poético de pluma, de algodão,
onde o amor reagrupa jorra sobre o tapete,
as formas naturais.
FRENTE 1

qual mito desmontado


Vai o meu elefante 100 Amanhã recomeço.
40 pela rua povoada, ANDRADE, Carlos Drummond de. O Elefante 9ª ed
mas não o querem ver São Paulo: Editora Record, 1983.

59
Assinale a alternativa em que os vocábulos são Temos grandes dívidas com as pesquisas genéticas:
acentuados de acordo com as mesmas regras de nosso DNA ainda há de revelar segredos sobre a linha-
acentuação gráca das palavras abaixo transcritas, gem de cada um. Um dia saberemos mais sobre isso e
respectivamente: qual o verdadeiro valor dessas heranças Por hora, de
sandália (verso 7, texto 1); úmida (verso 17, texto 1); só nada serve tirar conclusões apressadas sobre sinas fa-
(verso 28, texto 1); sensível (verso 55, texto 2); conteú- miliares, fardos hereditários. Prefiro, para olhar nossas
do (verso 95, texto 2). Macondos, a benesse da graça literária. Mais importante
A réstia, sifilítico, vê, grátis, baú do que as heranças é o que conseguimos fazer da nossa
b água, família, há, revólver, frágil vida a partir delas.
Publicado em Vida Simples, Edição 198, agosto de 2018, p 52
C infância, matéria, à, móveis, saúva
 estória, poético, têm, viúva, maiúscula Sobre a oração: Tememos o peso da herança de pais,
E solitária, fáceis, deixá-lo, médio, carícia avós e tios, observando os termos grifados, é correto
armarque
13 IFSul 2019 A se inserirmos acento agudo no primeiro termo,
ocorrerá uma mudança de classe gramatical.
Cada um com sua Macondo
b caso subtraíssemos o acento do segundo termo,
Diana Corso teríamos uma palavra diferente em termos de sig-
Entender melhor nossa família, a casa de onde viemos, nificado, mas igual em relação à classe gramatical
é também mergulhar um pouco mais dentro de nós C a inserção de acento grave, agudo ou circunflexo
O avô plantava vegetais monstruosos, a avó era alie- não muda a semântica de nenhum dos três termos.
nígena, o pai um cientista maluco, a mãe uma feiticeira,  a subtração de acento agudo ou circunflexo não
o tio era um pirata. Essa família bizarra foi inventada por mudaria a semântica de nenhum dos três termos
uma das autoras prediletas da infância das minhas filhas:
a inglesa Babette Cole. A coleção de vários volumes tem 14 IFSul 2018 Em relação às regras de acentuação, em
por títulos Minha Mãe É um Problema, Meu Avô É um qual alternativa as palavras obedecem à mesma regra?
Problema, e assim por diante A Silêncio – paraíso – médico.
As meninas sabiam dar uma aura fantasiosa às famí- b Só – você – pedirá.
lias, digamos, peculiares, como a nossa e provavelmente
C Só até atrás.
a sua. Benditos recursos poéticos da infância. Crianças
 Últimas décadas século.
costumam achar graça das bizarrices dos seus adultos,
é mais ou menos como dar gargalhada quando alguém
solta um pum. Depois viramos sérios, trágicos, conside- 15 IFSul 2018 A única palavra que, ao perder o acento,
rando ingênua a condescendência infantil com gente tão NÃO gera outra palavra existente na língua é
estranha e condenável. Vocacionados para a vitimização, A prática C pedirá
tornamo-nos convictos de isso ter nos prejudicado. b ninguém  até
A maior parte das pessoas considera sua família anor-
mal, fora do padrão. Idealizamos e invejamos as “famílias 16 Ifal 2018
margarina”. Família boa, feliz, seria a que não rende casos
para contar, Tolstoi disse algo do gênero. Tememos o peso Um futuro singular
da herança de pais, avós e tios que tiveram tribulações Ivan Jaf
amorosas, fizeram trapalhadas financeiras, foram fracos
ou covardes. Longe de nós a Babel dos rompimentos, dos Senhor diretor, estou escrevendo esta carta porque
mal-entendidos. Livrai-nos dos familiares perdidos, tam- temo pela minha saúde mental, e se algo acontecer co-
pouco servem os que se encontraram em soluções pouco migo quero que todos saibam o motivo, principalmente o
convencionais. senhor, do qual eu esperava toda a compreensão, já que
A inquietação sobrevive até que — na literatura ou partilha comigo a crença de que só com um profundo res-
nos consultórios — esses causos familiares comecem a ser peito à gramática da língua portuguesa construiremos uma
contados com curiosidade ou graça Costumo brincar com nação desenvolvida O caso, senhor, é que o Grande Pajé
meus pacientes que “cada um tem sua própria Macondo”. está me perseguindo, e tenho certeza de que neste exato
Refiro-me aos personagens fantásticos, moradores da cida momento ele está ali, do outro lado da janela, escondido
de com esse nome, da obra Cem anos de solidão. García entre as folhas da amendoeira e não resistirei a mais
Márquez lançou mão do realismo mágico para criar sua um ataque... Minhas força... forças!... estão se esgotando!
versão adulta e igualmente encantadora dos parentes-pro- Sempre fui um dedicado professor de português, o
blema. É uma galeria de gerações de doidos alegóricos, senhor me conhece bem, tantas vezes me elogiou Traba-
quase todos da família dos Buendía. lho no ensino fundamental de sua escola há mais de vinte
Em Macondo, as estranhezas não configuram uma anos! Desde quando ainda se dizia “1º grau”! Sempre tive
repetição em série: cada personagem lida com os desafios devoção pela língua portuguesa! É uma verdadeira religião
da vida ao seu modo, e eles são muito inventivos. Sei que, para mim! Luto contra as gírias, os estrangeirismos e os er-
com indesejável frequência, há pais e parentes abusadores, ros gramaticais como um cristão contra os hereges! Minha
insensíveis, violentos, não é a esses que me refiro. luta pelo emprego do português correto é uma verdadeira

60 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


cruzada! Uma guerra santa! E agora, quando mais preciso Quanto à acentuação, assinale:
de apoio, quando descubro o verdadeiro inimigo por trás A se apenas III está correta.
da falência a que o nosso idioma pátrio está condenado, b se apenas I está correta.
quando passo a sofrer ameaças diretas do Grande Pajé, o C se todas estão corretas.
senhor me abandona, e, em vez de se aliar a mim numa d se apenas II está correta.
batalha sem trégua pelo resgate de nossa língua, em vez E se todas estão incorretas.
de acreditar em mim, francamente me manda procurar
um psiquiatra!
Mas não entregarei os ponto! Os pontos! Minha mente 19 Ufal (Adapt.) Assinale como verdadeiras as séries em
morrerá lutando! Se o Grande Pajé afinal conseguir seu que todos os encontros vocálicos estão corretamente
intento, e plantar à força a semente da língua Tupi dentro classificados e como falsas aquelas em que isso não
da minha cabeça, através desta carta o povo brasileiro ocorre
saberá que lutei até o fim! J pai céu muito ditongos decrescentes
Tudo começou naquela tarde de sábado, quando fui J sei – muito – herói – hiatos
lavar meu carro e o rapaz me cobrou “dez real”. Depois J quase – equestre – equânime – ditongos crescentes
deixei o carro numa vaga, e me custou “dois real”. O ca- J vem – mãe – põe – ditongos orais decrescentes
melô me ofereceu “três cueca”, minha empregada tinha J Uruguai enxaguei saguão tritongos
pedido “quatro quilo de batata”, o feirante me ofereceu
“seis limão”, outro gritou “os peixe tão fresco!”; depois,
20 FEI Assinale a alternativa em que a palavra apresente
meu porteiro se prontificou a levar “as sacola” até o eleva-
um hiato.
dor e deu o recado de que “meus filho” ainda não tinham
A arrogância.
chegado “das compra”. Desesperado, me dei conta de que
os plurais estavam sumindo! [...] b distinguia
Não chego a ser um tupinólogo, mas naquele sábado C mão.
subitamente lembrei-me de que uma das características da d lazeira.
língua tupi é a ausência de plural! Uma estranha intuição E transportou.
me fez iniciar uma pesquisa na internet, e eis que logo
me deparo com uma declaração do conceituado crítico 21 Unifesp Na língua portuguesa escrita, quando duas
literário Alfredo Bosi: “O tupi vive subterraneamente na letras são empregadas para representar um único fo-
fala de nosso povo É nosso inconsciente selvagem e nema (ou som, na fala), tem-se um “dígrafo”. O dígrafo
primitivo”. Levei as mão... mãos à cabeça! Eu havia en- só está presente em todos os vocábulos de:
contrado a resposta! O tupi estava voltando! A língua tupi, A pai, minha, tua, esse, tragar
depois de mais de dois séculos extirpada de nosso convívio,
b afasta, vinho, dessa, dor, seria
brotava agora das profundezas do inconsciente coletivo e
C queres, vinho, sangue, dessa, filho.
começava a se manifestar na fala do povo! E o primeiro sinal
d esse, amarga, silêncio, escuta, filho.
era a abolição do plural!
E queres, feita, tinto, melhor, bruta.
[...]
http://paginasclandestinas.blogspot.com.br/2011/03/licoes -de-gramatica-
para-quem-gosta-de.htm 22 UFSCar Assinale a série em que todas as palavras es-
Assinale a única alternativa cujas palavras são acen- tão acentuadas corretamente.
tuadas pela mesma razão da palavra gramática. A idéia – urubu – suíno – ênclise
A pajé está português morrerá saberá b bíceps – heroico – ítem – fóssil
b tupinólogo sábado características crítico C tênis fôsseis caíste japonêsa
séculos d fútil hífen ânsia decaído
C gírias pátrio trégua ausência literário E apóia – tapete – órfã – ruína
d só há é trás três
E camelô através até já saúde 23 Fuvest Reescreva, preenchendo as lacunas com por
que, porque, porquê ou por quê
17 FEI Assinalar a alternativa em que todos os hiatos não  é que você disse isso?
precisam ser acentuados.  Não sei bem .
A balaústre saúde viúvo baú  Acho que não. Vou dizer-lhe a razão
b juízes jesuíta ateísmo taínha o disse.
C paúl atraír raínha raíz juíz
d baía contribuír saída juízo 24 Assinale a opção em que todas as palavras se acen-
E faísca baínha caída ataúde tuam pela mesma regra.
A ananás – pajé – só
18 Mackenzie Leia. b fórceps – árvore – péssimo
FRENTE 1

I. Pacaembú – dinamarquêsa – juíz – mêses C toró piauí café


II. pudico – ítem – moinho – vêz d balaústre caí substituíste
III. Anhangabaú – táxi – mês – estáveis E réu – pó – má

61
Texto complementar
A origem do alfabeto latino
A palavra “alfabeto” é formada pelas duas primeiras letras do alfabeto grego: alfa e beta. A origem do alfabeto latino liga-se à antiga escritura
hierática, forma cursiva dos hieróglifos usados pelos sacerdotes egípcios.

Aoineko/Wikipedia

Escrita hierática.

Foi provavelmente com esse povo que os fenícios aprenderam a arte de escrever. O alfabeto fenício não possuía vogais, o que constituía um sério
entrave à compreensão do texto Cientes dessas dificuldades, os gregos introduziram-nas Outra inovação foi o fato de se passar a escrever da
esquerda para a direita Em solo grego, todavia, começaram a surgir as divergências locais no modo de representar os sons (em função da diversi-
dade de povos). Isso fez com que aparecessem muitos alfabetos, entre os quais o jônico e o calcídico.
Entre os romanos, prevaleceu o segundo. Da mesma maneira que os gregos, os romanos fizeram suas adaptações. Esse novo alfabeto foi introduzido nas
regiões conquistadas. Excetuando o j e o v, que eles não conheciam, pode se afirmar que hoje usamos o mesmo alfabeto que os romanos nos deixaram.

Z W H D G B Pausa N
Zayin Waw He Daleth Gimel Beth Aleph Nun

M L K Y T H T Sh
Mem Lamech Kaph Yooh Teeth Heih Taw Shin

R Q S P Pausa S
Resh Qoph Sadhe Peh Ayin Samekh

O alfabeto fenício deu origem a diversos outros.

62 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


Resumindo
I. Posição da sílaba tônica 5 Acentuam-se os ditongos abertos tônicos -éu(s), -éi(s), ói(s), em
A sílaba tônica é a mais forte (pronunciada com mais intensidade) palavras oxítonas:
De acordo com sua posição, temos a seguinte classificação: y réu, véu, céu, do-dói, pas-téis, tro-féu, tro-féis
a) última: oxítona Mas não são acentuados em palavras paroxítonas:
y ca-fé y geleia, paranoico, ideia, plateia,
b) penúltima: paroxítona y ele apoia, eu apoio (verbo apoiar)
y pa-ne-la 6. Acentuam-se o i e o u, quando:
c) antepenúltima: proparoxítona a) forem tônicos;
y lím-pi-do b) fizerem hiato com a vogal anterior;
Observe a sílaba tônica das palavras a seguir c) estiverem sozinhos na sílaba ou com s;
d) não seguidos de nh;
no-bel a-va-ro ru-bri-ca
e) não antecedidos de ditongo decrescente em palavras paroxítonas:
y Ataíde, cafeína, Esaú, ciúme, atraí-los
oxítona paroxítona paroxítona
Mas nas palavras paroxítonas, se vierem depois de um ditongo decres-
cente, não serão acentuados:
ín-te rim y baiuca, bocaiuva, feiura, taoismo
As palavras xiita e juuna não são acentuadas porque fazem hiato com a
proparoxítona própria vogal
7. Verbos terminados em -guar, -quar, -equir – como aguar, averiguar,
II. Mudança de significado na alteração da sílaba tônica desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir – admitem duas pronúncias em
algumas formas do presente do indicativo, do presente do subjuntivo e
A mudança de sílaba tônica pode, em alguns casos, gerar mudança de do imperativo.
sentido.
Há duas possibilidades:
ja ca = fruta ja cá = cesto a) se pronunciadas com a ou i tônicos, essas formas devem ser acen
tuadas.
paroxítona oxítona b) se pronunciadas com u tônico, essas formas deixam de ser acen-
tuadas
Atenção: No Brasil, a pronúncia mais correta é deixar tônicos o a e o i.
cá-qui = cor ca-qui = fruta (Primeiro caso).
8. Palavras terminadas em -eem e -oo não são mais acentuadas.
paroxítona oxítona y creem, deem, voo, doo.
9 Principais acentos diferenciais
III. Mudança de classe gramatical na alteração da sílaba tônica y verbo ter e vir (e derivados):
A alteração da posição da sílaba tônica também pode alterar a classe singular plural
gramatical
ele tem eles têm
y fá-bri-ca = substantivo
ele detém eles detêm
y fa-bri-ca = verbo
ele vem eles vêm
ele intervém eles intervêm
IV. Regras de acentuação
Atenção: Lê, crê, dê, vê (3a pessoa do singular) = leem, creem, deem,
1 Acentuam-se os monossílabos tônicos terminados em: a(s), e(s), o(s) veem (3a pessoa do plural)
y há, pás, é, pés, mês, pó, nós, vós, pôs y por/pôr
2. Acentuam-se as oxítonas terminadas em: -a(s), -e(s), -o(s), -em(s) y preposição (átona)
y gam-bá, te-rás, a-xé, pa-jés, a-vô, a-vós Saiu por aí.
y re-cém, re-féns y verbo (tônico)
3. Acentuam-se as paroxítonas terminadas em: -os, -um(s), -x, -u(s), -r, Pôr os pés pelas mãos.
-i(s), -n, -ão(s), -l, -ã(s), ditongo oral, -ons y pode/pôde
y fór-ceps, fó rum, lá-tex, bô-nus, re-vól-ver y presente
y ra-vi-ó-li, lá-pis, pó-len, ór-gão, a-má-vel Você quer, você pode
y í-mã, fa lên-cia, pró-tons y passado
4. Acentuam-se todas as proparoxítonas Ele pôde sentir o gosto da derrota.
FRENTE 1

y es-pé-ci-me, mu-ní-ci-pe, noc-tí-va-go Atenção: Para (verbo parar), pelo (substantivo), pera (substantivo), polo
y ê xo-do, an-tí-do-to (substantivo).

63
Quer saber mais?

Livros
y ANDRADE, Carlos Drummond de O elefante 9. ed. São Paulo: Record, 1983
y ASSIS, Machado de. O alienista. Com questões comentadas de vestibular. São Paulo: Ciranda Cultural, 2018.
y CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 21. ed. São Paulo: Global Editora, 2006.

Exercícios complementares
1 FGV (Adapt.) Assinale a alternativa verdadeira. 4 Vunesp A questão seguinte toma por base um frag-
A Nas palavras história, enquanto e tranquilo, encon mento do conto “Uma história de mil anos”, do escritor,
tramos ditongos crescentes. editor e polemista Monteiro Lobato (1882-1948).
b É correta a separação silábica de ba-lei a, ex-cur
Uma história de mil anos
são, trans a-ma-zô-ni-ca.
C As palavras pseudônimo e fotografia têm, respecti
HU... HU...
vamente, dígrafo e encontro consonantal.
D As palavras enigma e sublingual são polissílabas. É como nos ínvios da mata soluça a juriti.
E As palavras chapeuzinho e cristãmente são propa Dois HUS – um que sobe, outro que desce.
roxítonas.
O destino do u! Veludo verde negro transmutado
em som – voz das tristezas sombrias. Os aborígenes, ma-
2 UFSCar Marque as proposições corretas e some os
ravilhosos denominadores das coisas, possuíam o senso
valores correspondentes.
impressionista da onomatopéia URUTÁU, URÚ, URUTÚ,
01 As palavras progresso, cachorro, conquista e or-
INAMBÚ – que sons definirão melhor essas criaturinhas
gulho têm dígrafo. Isso significa que o número de solitárias, amigas da penumbra e dos recessos?
letras é maior do que o número de fonemas.
02 Na palavra balaústre temos um hiato e quatro síla- A juriti, pombinha eternamente magoada, é toda US.
bas. Não canta, geme em U geme um gemido aveludado,
04 Em “Era a primeira vez que os filhos saíam de casa; lilás, sonorização dolente da saudade.
eles não estavam acostumados”, há duas palavras O caçador passarinheiro sabe como ela morre sem
trissílabas e duas polissílabas. luta ao mínimo ferimento. Morre em U...
08 As palavras há, até, dê (verbo), pés, picolé, só,
Já o sanhaço é todo AS. Ferido, debate-se, desfere
bebês, forrós levam acento gráfico porque são oxí-
bicadas, pia lancinante.
tonas terminadas em a, e, o, seguidos ou não de s.
Soma: JJ A juriti apaga-se como chama de algodão. Frágil
torrão de vida, extingue se como se extingue a vida do
torrão de açúcar ao simples contacto da água Um U
3 UFSM Assinale verdadeira (V) ou falsa (F) em cada uma
que se funde.
das afirmações relacionadas à análise fonológica e
Monteiro Lobato Negrinha. 9 ed. São Paulo: Brasiliense, 1959. p. 135
gráfica do segmento a seguir.
“Ele é especialmente sensível sobre seu excesso de No conto “Uma história de mil anos”, Monteiro Lobato
peso.” interpreta os valores expressivos dos sons com que
J O fonema /s/ está representado pelas letras (s), (c) representamos o canto dos pássaros, bem como de
e dois dígrafos, ao passo que o fonema /z/ está vocábulos onomatopaicos que a língua portuguesa
representado apenas pela letra (s). herdou do tupi Com base nesse comentário, responda:
J A letra (n) junta-se ao (e) formando um dígrafo para a) para exprimir relações entre som e sentido, os
representar a vogal nasal. escritores muitas vezes se servem da sineste-
J As palavras “sobre” e “seu” apresentam, respecti- sia, ou seja, da mescla de diferentes impressões
vamente, um encontro consonantal e um ditongo sensoriais, como o sintagma “ruído áspero e frio”,
decrescente. em que se misturam sensações auditivas (“ruí-
A sequência correta é: do”) e tácteis (“áspero e frio”). Localize, no quinto
A V; F; F. parágrafo do conto, um sintagma em que ocorre
b F; V; V. procedimento semelhante e identifique as im-
C F; F; F. pressões sensoriais evocadas.
D V; V; V. ) Monteiro Lobato não concordava com as regras
E V; F; V. de acentuação do Sistema Ortográfico vigente,

64 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


instituído em 1943, e não as empregava em seus  A princípio, metia me grandes sustos Achava que
textos. As diversas edições de suas obras têm Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de
mantido a acentuação original do escritor Após qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, aus-
reler o texto apresentado, localize duas palavras tera, um modelo.
cuja acentuação não esteja de acordo com a  A princípio, metia-me grandes sustos. Achava que
ortografia oficial e mencione as regras a que de Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de
veriam obedecer. qualidades solidas e finas, amorável, elegante, aus-
tera, um modêlo.
5 Unirio E agora, pronta de todo ela está ficando, cá que d A principio, metia me grandes sustos Achava que
cada vaqueiro pega o balanço de busto, sem querer e Virgilia era a perfeição mesma, um conjunto de
imitativo, e que os cavalos gingam bovinamente. De- qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, aus-
vagar, malpercebido, vão sugados todos pelo rebanho tera, um modelo.
trovejante – pata a pata, casco a casco, soca soca, fasta e A princípio, metia me grandes sustos. Achava que
vento, rola e trota, cabisbaixos, mexe lama, pela estrada, Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de
chifres no ar. A boiada vai, como um navio. qualidades sólidas e finas, amoravel, elegante, aus-
Guimarães Rosa tera, um modelo.
Retire do texto uma passagem em que se traduza:
a) imagem como reforço para a comunicação 8 Fuvest Assinalar a alternativa em que a acentuação e
b) valorização e acentuação através de aliterações a pontuação estejam corretas.
c) a linguagem como associação do subconsciente  Multidão, cujo amor cobicei, até à morte, era assim
com a realidade externa que eu me vingava, às vezes, de ti, deixava burbu-
rinhar em volta do meu corpo a gente humana sem
6 Unicamp Perguntado em fins de 1997 pelo Jornal das a ouvir como o Prometeu de Esquilo fazia aos seus
letras (Lisboa) se seu nome seria uma boa indica verdugos.
ção para o Prêmio Nobel de Literatura, junto com os  Multidão cujo amor cobicei até à morte, era assim
nomes, sempre lembrados pela imprensa, de José Sa- que eu me vingava as vezes de ti, deixava burburi-
ramago e António Lobo Antunes, o escritor português nhar, em volta do meu corpo, a gente humana sem
José Cardoso Pires deu a seguinte resposta: a ouvir, como o Prometeu de Ésquilo, fazia aos seus
verdugos
A imprensa tem lá as suas razões. Durante anos e anos  Multidão, cujo amor cobicei até à morte; era assim
passei a vida a assinar papéis a pedir um Nobel para um
que eu me vingava as vezes de ti; deixava burburi-
escritor português e isso não serviu de nada De modo que
nhar em volta do meu corpo a gente humana; sem
o facto da Imprensa agora prever isto ou aquilo... Uma coi-
a ouvir como o Prometeu de Esquilo fazia aos seus
sa eu sei: o Prémio Nobel dado a um escritor português de
verdugos.
qualidade beneficiava todos os escritores portugueses. Que
todos gostariam de ter o Prémio Nobel também é verdade, d Multidão, cujo amor cobicei até à morte, era assim
mas se um ganhar ganhamos todos. De qualquer modo o que eu me vingava às vezes de ti; deixava burburi-
critério actual é o dos mais traduzidos e os mais traduzidos nhar em volta do meu corpo a gente humana, sem
são o Saramago e o Lobo Antunes. Eu sou menos. Mas isso a ouvir, como o Prometeu de Ésquilo fazia aos seus
não me preocupa nada. Sinceramente. verdugos.
a) Aponte, na resposta de Cardoso Pires, as caracte- e Multidão, cujo amor cobicei até à morte, era assim
rísticas de acentuação e grafia que a identificam que eu me vingava, às vêzes, de ti, deixava bur-
como um texto em português europeu. burinhar em volta do meu corpo, a gente humana,
b) Aponte, na mesma resposta, as construções que sem a ouvir, como o ‘Prometeu de Ésquilo fazia aos
a caracterizam como um texto em português eu- seus verdugos.
ropeu, e dê os prováveis equivalentes brasileiros
dessas construções. 9 AFA Leia atentamente a frase do fotógrafo peruano,
c) Sabemos que o Nobel de Literatura foi ganho em que passou o réveillon no Rio
1998 por José Saramago. A partir de qual pas-
No Brasil, em ensaio de escola de samba você vê
sagem do texto poderíamos desconfiar que, na
artista, modelo, milionário, bandido, tudo junto, é incrível.
opinião do entrevistado, não necessariamente o
Mário Testino.
vencedor é o melhor?
Assinale a alternativa em que os vocábulos são acen-
7 Fuvest Assinale a alternativa em que o texto está acen tuados, respectivamente, pela mesma razão que os
tuado corretamente. anteriormente destacados.
 A princípio, metia-me grandes sustos. Achava que  Inglês, há, área, fé, lamentável
FRENTE 1

Virgilia era a perfeição mesma, um conjunto de  Sociólogo, também, só, até, inútil.
qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, aus-  Igarapé, trás, Pensilvânia, má, juí.
tera, um modêlo. d Francês, pá, própria, dó, límpido.

65
10 IFSC 2018 A indústria tecnológica se desenvolveu Se omitido o acento gráco, que palavra, quanto à
muito nos últimos anos. Com isso, a quantidade e a classe gramatical, torna-se um substantivo?
qualidade dos produtos eletrônicos supreendem A Pés.
cada dia mais os consumidores. b Número.
Sabendo-se que as palavras em destaque receberam C Saía.
acentos grácos por serem proparoxítonas, em qual D É.
alternativa há somente palavras cujos acentos foram
empregados com base na mesma regra de acentuação? 12 IFSul 2017
Assinale a alternativa CORRETA.
A bêbado, pública, cáqui, trânsito
b mínimo, chapéu, cândida, biquíni
C abadá, tricô, flácido, avô
D máxima, música, alfândega, obstáculo
E tráfego, ímpeto, sábado, fênix

11 IFSul 2017
ACHADO NÃO É ROUBADO As palavras “saudável e petrolífera” são acentuadas
seguindo as mesmas regras que os vocábulos
Fabrício Carpinejar
A numérico e atômicas.
Não ganhava mesada, nem ajuda de custo na infância. b agradável e vulnerável
Eu me virava como dava. Recebia casa, comida e roupa C risível e gráfico.
lavada e não havia como miar, latir e reivindicar mais nada D família e álbum.
aos pais, só agradecer.
As minhas fontes de renda eram praticamente duas:
13 UFG Leia o texto a seguir.
procurar dinheiro nas bolsas vazias da mãe, torcendo para
que deixasse alguma nota na pressa da troca dos acessó- Maracatu acelerado na Veneza brasileira
rios, ou catar moedas nas ruas e nos bueiros.
Troca troca na ponta da corrida eleitoral da Veneza
A modalidade de caça a dinheiro perdido exigia
brasileira. Pela primeira vez o atual prefeito da cidade e
disciplina e profissionalismo. Saía de casa pelas 13h e
candidato à reeleição [...] assume a liderança da disputa.
caminhava por duas horas, com a cabeça apontada ao
IstoÉ. São Paulo, 28 set. 2004. p. 8. Suplemento Eleições.
meio-fio como pedra em estilingue. Varria a poeira com os
pés e cortava o mato com canivete. Fui voluntário remoto O enunciado que dá título ao trecho da reportagem
do Departamento Municipal de Limpeza Urbana. apresentada refere-se aos rumos das eleições muni-
Gastava o meu Kichute em vinte quadras, do bairro cipais de 2004 em uma capital brasileira. Ao utilizar
Petrópolis ao centro. Voltava quando atingia a entrada do a expressão “Maracatu acelerado” para descrever o
viaduto da Conceição e reiniciava a minha arqueologia cenário eleitoral, o jornalista recorreu a imagens que
monetária no outro lado da rua. relacionam:
Levava um saquinho para colher as moedas. Cada A estratégias de reeleição e expressão folclórica.
tarde rendia o equivalente a três reais. Encontrar corren-
b equilíbrio na disputa e identidade regional.
tinhas, colares e broches salvava o dia. Poderia revender
C definição do quadro eleitoral e movimento cultural.
no mercado paralelo da escola. As meninas pagavam em
D torcida popular e manifestação artística.
jujubas, bolo inglês e guaraná.
E alteração nas pesquisas eleitorais e cadência rítmica.
Já o bueiro me socializava. Convidava com frequência
o Liquinho, vulgo Ricardo. Mais forte do que eu, ajudava a
levantar a pesada e lacrada tampa de metal. Eu ficava com 14 UEM Sobre os fonemas vocálicos da língua portugue-
a responsabilidade de descer às profundezas do lodo. Tirava sa, expressos por letras na grafia da norma-padrão
toda a roupa – a mãe não perdoaria o petróleo do esgoto – e culta, assinale a(s) alternativa(s) adequada(s).
pulava de cueca, apalpando às cegas o fundo com as mãos. 01 Em “biotEcnologia”, a letra destacada corresponde
Esquecia a nojeira imaginando as recompensas. Repartia os ao fonema /e/, assim como a letra destacada em
lucros com os colegas que me acompanhavam nas expedi- “genÉticos”
ções ao submundo de Porto Alegre. Lembro que compramos 02 Em “contrário”, “próprio”, “Índia” e “ciência”, as vo-
uma bola de futebol com a arrecadação de duas semanas. gais finais dos vocábulos representam, na escrita,
Espantoso o número de itens perdidos. Assim como os os ditongos crescentes /yo/, nos dois primeiros, e
professores paravam no meu colégio, acreditava na greve /ya/, nos dois últimos.
dos objetos: moedas e anéis rolavam e cédulas voavam
04 Em “dOUtor”, “lavOUra”, “pAUlatinamente” e “AU-
dos bolsos para protestar por melhores condições.
mento”, as letras destacadas nos dois primeiros
Sofria para me manter estável, pois nunca pedia di-
vocábulos correspondem aos fonemas /ow/ e, nas
nheiro a ninguém. Desde cedo, descobri que vadiar é
também trabalhar duro.
duas últimas, aos fonemas /aw/, que, segundo a
Disponível em: < http://carpinejar.blogspot com.br/2016/06/achado-nao e-
regra da gramática da língua, denominam-se di-
roubado.html > Acesso em: 22 jun. 2016. tongos decrescentes.
66 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação
08 Encontram-se fonemas vocálicos nasais em “simples”, “Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo
“medo”, “têm”, “fazendo”, “noturna”, “humanidade” da retrete.” E só então o belo rosto de Isabel se iluminou.
16 Em “cegUeira”, “peqUenos” e “qUestão”, as letras Ruy Castro. Folha de S Paulo

destacadas correspondem ao fonema /u/. a) Em São Paulo, entende-se por “encanador” o que
Soma: JJ no Rio de Janeiro se entende por “bombeiro” e,
em Lisboa, por “canalizador” Isso permitiria afir
15 UFSM Leia os quadrinhos a seguir. mar que, em algum desses lugares, ocorre um
uso equivocado da língua portuguesa? Justifique
sua resposta
© 2021 King Features
Syndicate/Ipress

) Uma reforma que viesse a uniformizar a ortogra-


fia da língua portuguesa em todos os países que
a utilizam evitaria o problema de comunicação
ocorrido entre o jornalista e a secretária. Você
concorda com essa afirmação? Justifique.

18 Unicamp Reportagem da Folha de S.Paulo informa que


Analiseasarmaçõesrelacionadasa “Àsvezes, orei
o presidente do Brasil assinou decreto estabelecendo
concede ao prisioneiro redução da pena por bom
prazos para o país colocar em prática o Novo Acordo
comportamento”.
Ortográfico da Língua Portuguesa, que unifica a orto-
I A fala expressa-se por meio de uma frase, um pe
grafia nos países de língua portuguesa. Na matéria,
ríodo composto e duas orações
o seguinte quadro comparativo mostra alterações na
II O fonema /z/ aparece representado por duas le-
ortografia estabelecidas em diferentes datas:
tras diferentes.
III. O fonema /s/ aparece representado por uma mes Êles estão tranqüilos, porque
Após as reformas de
ma letra. provàvelmente não crêem em
1931 e 1943:
Está(ão) correta(s) apenas: fantasmas
A I. C III. E I e III. Eles estão tranqüilos, porque
Após as alterações
b II. d I e II. provavelmente não crêem em
de 1971:
fantasmas
Após o novo acordo, Eles estão tranquilos, porque
16 PUC-PR (Adapt.) Por ocasião da comemoração do Dia a vigorar a partir de provavelmente não creem em
dos Professores, no mês de outubro de 2003, foi janeiro de 2009: fantasmas.
veiculada a seguinte propaganda, assinada por uma
grande corporação de ensino: Sobre o acordo, a reportagem ainda informa:
Parabéns [Pl. de parabém] S. m. pl. 1. Felicitações, As regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Por-
congratulações. 2. tuguesa, que entram em vigor no Brasil a partir de janeiro
Oxítona terminada em ens, sempre acentuada. Acen- de 2009, vão afetar principalmente o uso dos acentos agu-
tuam-se também as terminadas em a, as, e, es, o, os, e em. do e circunflexo, do trema e do hífen. Cuidado: segundo
Para a homenagem ao Dia do Professor ser completa, elas, você não poderá mais dizer que foi mordido por uma
a gente precisava ensinar alguma coisa. jibóia, e sim por uma jiboia [ ]
a) Observe os itens 1 e 2 do verbete parabéns. Há E. Simões. “Que língua é essa?”. Folha de S.Paulo.
São Paulo, 28 set. 2008. Ilustrada. p. 1. (Adapt.).
diferenças entre eles. Aponte-as.
) Levando em conta o enunciado que está abaixo a) O excerto anterior supõe que alterações ortográfi-
do verbete, a quem se dirige essa propaganda? cas modifiquem o modo de falar uma língua. Mostre
a palavra utilizada que permite essa interpretação.
17 Fuvest Levando-se em consideração o quadro comparativo
das mudanças ortográficas e a suposição expressa
O autoclismo da retrete
no excerto, explique o equívoco dessa suposição.
Rio de Janeiro Em 1973, fui trabalhar numa revista Aindasobreareformaortográca,DiogoMainardi
brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro dia, tive uma escreveu o seguinte:
amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós Eu sou um ardoroso defensor da reforma ortográfica. A
e aos portugueses, em matéria de língua. Houve um proble- perspectiva de ser lido em Bafatá, no interior da Guiné-Bis
ma no banheiro da redação e eu disse à secretária: “Isabel, sau, da mesma maneira que sou lido em Carinhanha, no
por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga interior da Bahia, me enche de entusiasmo. Eu sempre sou-
da privada.” Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro be que a maior barreira para o meu sucesso em Bafatá era
primeiras palavras Pelo visto, eu estava lhe pedindo que o C mudo [como em facto na ortografia de Portugal] [...]
chamasse a Banda do Corpo de Bombeiros para dar um
FRENTE 1

D. Mainardi, “Uma reforma mais radical”. Veja, 8 out. 2008. p. 129.


concerto particular de marchas e dobrados na redação. Por
sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo ) O excerto anterior apresenta uma ironia. Em que
e já escolado nos meandros da língua, traduziu o recado: consiste essa ironia? Justifique.

67
19 Leia a tira a seguir

a) O que a personagem quis dizer no último balão?


b) Por que de certo modo a personagem erra na sua avaliação?

Texto para as questões 20 e 21. Texto para as questões 23 e 24.

Amor de Parceria
Nova ortografia da língua portuguesa
Saibam primeiro
Que fulana é minha amiga

¨
E comigo ela não briga,

^ Com ciúmes de você


Você provoca briga entre rivais
Para depois ler nos jornais
Seu nome é seu clichê
Há muito tempo minha amiga me avisava
Que ela sempre conversava
Com você no seu jardim,
E começou a nossa parceria
Eu fui por ela
E ela foi por mim
20 Interprete a imagem à esquerda e o respectivo balão. Noel Rosa.

21 Interprete a imagem à direita e seu respectivo balão. 23 Procure no texto uma palavra que se enquadra na
mesma regra de “Há” Explique a regra
22 Imagine a seguinte manchete:
discussão para greve
a) Antes da reforma, qual seria a interpretação da frase? 24 Identifique no texto de Noel um exemplo de rima mas-
b) Levando em conta a reforma, qual é significado frase? culina e outro de rima feminina.

68 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 19 Acentuação


FRENTE 1

CAPÍTULO Estudo de determinadas partículas

20
Determinados conectivos e partículas possuem um signicado que escapa à
classicação tradicional; por exemplo, na charge acima, de Bessinha, o conectivo e é
empregado como palavra denotativa de assunto ou situação; retoma-se um assunto
no caso, a chuva por meio desse conectivo. Observe que o e não está coordenando
duas palavras ou duas orações, como costuma ocorrer por ocasião das coordenadas.
Sua função é outra, mas também frequente (principalmente na linguagem oral)
A palavra que Conjunção subordinativa
a. Integrante (nas orações subordinadas substantivas,
Substantivo permutável por isto)
É precedido de artigo e recebe acento circunflexo. Eu quero que você venha comigo. (Eu quero isto)
Há um quê de mistério nesse caso
b. Adverbial consecutiva (nas orações subordinadas ad-
Pronome relativo verbiais consecutivas, normalmente precedida de tal,
tamanho, tanto)
Recupera o antecedente e pode ser permutável por o
Foi tão emocionante que o astronauta ficou sem
qual, a qual, os quais, as quais.
palavras!
Primavera que durou um momento...

Todd Arena/123rf.com
Camilo Pessanha

O relativo pode exercer várias funções sintáticas Para


determiná-las, basta substituir o relativo pelo antecedente
na oração adjetiva, por exemplo:
Os sonhos que tive eram alucinações do passado. 
Tive os sonhos  sonhos = OD  que = OD

Advérbio de intensidade
Intensifica o adjetivo ou o advérbio.
Fernando Gonsales

Fig. 1 Advérbio.

Pronome adjetivo
Acompanha o substantivo
Que prova você fez? (pronome adjetivo interrogativo)
Que guerra idiota, senhores! (pronome adjetivo
exclamativo)
Fig. 2 Conjunção subordinativa que como locução adverbial consecutiva.
Pronome substantivo
c Adverbial concessiva (nas orações subordinadas ad-
Substitui o substantivo.
verbiais concessivas)
Que ocorreu, meu filho? (pronome substantivo interrogativo)
Trabalhava muito, cansado que estivesse (que = ainda
Ouviram não sei o quê (pronome substantivo indefinido)
que)

Interjeição d. Adverbial condicional (nas orações subordinadas ad-


Expressa uma reação emocional: verbiais condicionais)
Você está preso! Que ele estivesse no lugar do apresentador, não con-
Quê? seguiria manter a calma. (que = se)

Conjunção coordenativa e. Adverbial final (nas orações subordinadas adverbiais


finais)
a. Aditiva
Fiz força que ele estivesse em paz. (que = para que)
Balança que balança e não cai. (que = e)
b Adversativa f. Adverbial temporal (nas orações subordinadas ad-
Solte-os, que não o ladrão. (que = mas) verbiais temporais)
Agora que o governo iria aumentar o salário-mínimo?
c Explicativa
(que = quando)
Vem, que estou carente. (que = porque)
d. Alternativa g. Adverbial causal (nas orações subordinadas adver-
Que ganhe, que perca, o importante é competir biais causais)
(que... que = ou... ou) Não irei ao colégio que não há luz. (que = porque)

70 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


Partícula de realce Realce: cá, lá, só, mesmo
Serve como instrumento de ênfase. Pode ser retirada Eu cá me viro!
da frase. Olha só!
Que que você disse? (Que você disse?)
É isso mesmo, João!
Quase que fui reprovado! (Quase fui reprovado!)
Ele sabe lá o que é democracia?
Há também a locução de realce é que (invariável). Veja
o exemplo a seguir. Limitação: só, apenas, somente
As crianças é que vivem o lúdico intensamente. (As

Caco Galhardo
crianças vivem o lúdico intensamente)
Alguns autores registram a flexão do verbo ser quando
os termos dessa locução estão separados.
São as crianças que vivem o lúdico intensamente

Preposição
Permutável pela preposição de:
Tenho que parar com isso! (que = de)
Primeiro que tudo, sou honesto! (que = de)
O primeiro caso não é consenso entre os autores.

Senão/se não
Senão
a. com o sentido de caso contrário:
Não chore, senão todos acordarão!
b. com o sentido de a não ser:
O governo não faz outra coisa, senão discursar.
c com o sentido de exceto:
Nunca namorou firme, senão com o primo
d. com o sentido de mas sim, mas, porém:
Não era ouro nem prata, senão latão.
e. com o sentido de defeito:
Havia um senão naquele homem: sua ambição des
mesurada.

Se não
a. com o sentido de caso não:
Se não providenciarem, como faremos?
b. com o sentido de ou:
Bill Gates é poderoso, se não poderosíssimo.

Palavras denotativas
Situação: afinal, agora, então, mas Fig. 3 A palavra só, no sentido de limitação.
Mas o professor cometeu esse erro?
Afinal, quem é o criminoso? Só você fez a lição?
Então, como foi a prova? Apenas o Brasil possui tão vasta floresta?
Agora, isso não está certo Somente um deputado votou contra
FRENTE 1

71
Inclusão: inclusive, também, até, além Exclusão: exceto, menos, salvo, fora,
disso, ademais, ainda
tirante

Caco Galhardo
Seu corpo era monstruoso, tirante a boca que era pe-
quena
Salvo o presidente, todos estavam envolvidos.
Todos saíram, exceto a irmã.
Todos colaboraram, menos o diretor
Fora os anarquistas, estavam presentes todos os grupos.

Afetividade: felizmente, infelizmente,


ainda bem
Felizmente o pior passou.
Ainda bem que choveu pouco.

Fig 4 Palavra denotativa de inclusão: também.


Designação: eis
Eis o poder que a todos corrompe
O partido também participou do debate.
Roubou o banco e além disso matou dois seguranças
Ademais era obrigatória sua presença
Retificação: aliás, ou melhor, isto é
Tirou nota nove em Química e ainda gabaritou Física Saia amanhã, ou melhor, saia já!!
Até você, Maria? Eram autoritários, aliás, verdadeiros crápulas.

Revisando
Texto para as questões 1 e 2. 2 Qual é a função morfológica da palavra que em “um
nariz que não está ruim”? Qual é sua função coesiva?
© 201 King Features Syndicate/Ipress

1 Explique o humor do ponto de vista linguístico.

Texto para as questões de 3 a 7.


[ ]
E esta é a Semana da Dieta. Depois daquele monte de
bicho que a gente comeu! Engolimos um zoológico: peru,
porco, galinha, tênder. Alguém já viu algum tênder vivo?
Semana Nacional Pra Fazer Força Pra Calça Fechar! Dá
três pulos e no terceiro enfia! Vumpt! Semana do filé de frango!
Pra diabético e sem glúten! E posso fazer uma pergunta bem
oportuna? Falta muito pro Carnaval? Rarará! Ai, que preguiça!
[...]
E adorei esta placa que eu vi em Sauípe: “Temos Al
moso Muqueca e Etc...”. Rarará!

72 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


E aí eu volto da Bahia morrendo de saudades de São Texto para as questões 8 e 9.
Paulo e quase morro afogado! Levando água por cima e por
baixo! Parece que você tá embaixo dum chuveiro e sentado Capítulo LXXI
num bidê! O senão do livro
[...]
José Simão. “Ueba! Falta muito pro Carnaval?”. Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele
Folha de S.Paulo. 5 jan. 2001, Ilustrada. me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expe-
dir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é
3 Que valor semântico possui o e em “E esta é a Sema tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é
na da Dieta”? enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cada-
vérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito
deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o
livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida,
o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são
como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e
param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu,
escorregam e caem...
E caem! Folhas misérrimas do meu cipreste, heis de
4 Na passagem “Levando água por cima e por baixo!”, cair, como quaisquer outras belas e vistosas; e, se eu tivesse
o valor semântico do conectivo e é o mesmo da frase olhos, daria uma lágrima de saudade. Esta é a grande van-
“E aí eu volto da Bahia morrendo de saudades de São tagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também
Paulo”? não deixa olhos para chorar Heis de cair
Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Leya, 2010.

8 Qual é o significado contextual de “O senão do livro”?


Que valor morfológico assume o vocábulo senão?

5 Em que passagem, em função do contexto, o e assu-


me valor adversativo?

9 Como você analisa morfologicamente a sequência se


não em “se não deixa a boca para rir”?

6 Em que passagem o e possui valor de consequência?

10 Leia trecho extraído do livro A retirada da Laguna,


escrito por Visconde de Taunay em 1871, e responda
as questões
Mal decorrera meia hora, ouvimos distintamente, ao
longe, tiros de fuzil [...]. Vimos, afinal, o filho de Lopes sair
só, da mata do rio, correndo para nós [ ]
7 Examine o contexto e dê o significado de aí em “E aí a) A que classe gramatical pertence o vocábulo só
eu volto [...]”. em “Vimos, afinal, o filho de Lopes sair só”? Que
outra palavra o substituiria?
FRENTE 1

73
b) Desloque a palavra só na frase em questão, obtendo mais duas versões diferentes para a frase Indique o valor
semântico de só nas duas ocorrências

Exercícios propostos
1 Em “Você é que me deu o calote”, temos: d O vocábulo só, se posicionado depois de “Mon-
A um pronome relativo. drian”, limitaria o fazer do pintor.
 uma conjunção integrante. E O demonstrativo isso exerce função anafórica, re-
c um que preposição. cupera um termo da própria frase.
d uma locução de realce.
E uma conjunção adverbial consecutiva. 5 “Que bom! O Brasil acordou!”
A palavra que exerce morfologicamente a função:
2 Correu muito, com dor que estivesse. A de substantivo.
O conectivo em destaque estabelece uma ideia de:  de adjetivo.
A causa. d condição. c de advérbio.
 consequência. E finalidade. d de pronome indefinido.
c concessão. E de conjunção coordenativa.

3 Leia o período a seguir 6 Em “Realizei tudo de que tinha vontade”, a palavra


Que fosse Mário, todos saberiam que exerce a função sintática de:
O conectivo que pode ser substituído, sem que haja A adjunto adverbial
alteração de sentido, por:  complemento nominal
A mas c caso E como c objeto indireto.
 para que. d e d aposto.
E objeto direto
4 Leia o texto a seguir, ele utiliza o quadro de Mondrian,
pintor ligado ao abstracionismo geométrico. 7 Em “Acuse-os, que não a mim”, o conectivo expressa
uma ideia de:
SÓ O MONdRIAN FARIA ISTO:
A adição d oposição.
Piet Mondrian

 causa E consequência
c probabilidade

8 Leia o texto a seguir.


LAUTREc É QUE PINTAVA A VIdA
Henr de Toulouse-Lautrec

A NÓS cAE VER ISSO.


Assinale a alternativa correta:
A O vocábulo só pode ser permutado por apenas,
mas haveria alteração semântica.
 Se a frase fosse “O Mondrian faria isto só”, o vocá-
bulo só funcionaria como advérbio.
c O demonstrativo isso está inadequado, o correto
seria isto: “A nós cabe ver isto”.
A VIdA EM UM QUAdRO. VÁ AO MUSEU.

74 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


A locução é que, na frase em que foi empregada, cria o o selo de controle, se não tiver eu não aceito, não compro
efeito de: Não dou força para criar-se esse comércio”, argumenta.
A competência d mentira No fim, o resultado é a felicidade baseada no respeito pela
b oposição. E hipótese natureza, pela arte e pela sua história. “Dinheiro é maravilhoso,
c adição mas chega um período em que ele não é mais tão importante,
porque a felicidade não é o dinheiro que traz. É você realizar
aquilo que gosta de fazer Isso é felicidade”, acredita
9 Leia a frase a seguir
(Adaptado de: GONÇALVES, E. Entalhando a felicidade. Londrina:
Torço que sejas feliz, meu jovem Folha de Londrina, Folha Mais, 26 e 27 de maio de 2018, p. 1).
A palavra que expressa uma ideia de:
A condição. d causa
b consequência E concessão. 11 Uenp 2019 Em “Eu só trabalho com aquelas que têm o
c finalidade selo de controle”, assinale a alternativa que remete ao
sentido da palavra “só”, neste contexto.
A Adição.
10 Assinale a alternativa em que a palavra que é uma
b Isolamento.
conjunção subordinativa temporal.
c Ampliação.
A Chove que chove agora em São Paulo.
d Solidão.
b Saia agora, que você está me atrapalhando!
E Restrição.
c Que fosse ele, agora, o presidente.
d Agora que ia estudar!
E Eu é que falo agora! 12 Uenp 2019 Em relação à partícula “que” em “Eu estou
fazendo uma coisa que amo” e “eu digo que estou no
Texto para as questões 11 e 12 período fetal”, considere as armativas a seguir.
I. O primeiro “que” é um pronome relativo e retoma
Entalhando a felicidade o termo “coisa”.
“Madeira é um elemento que tem que ser respeitado. II. O segundo “que” é uma conjunção subordinativa
Eu nasci numa casa de madeira, me criei numa casa de substantiva objetiva direta.
madeira. Ela era feita com árvores retiradas dali, da re- III. O primeiro “que” inicia uma oração subordinada
gião”, conta José Belaque, 63 O artesão expõe suas peças adverbial causal.
no Calçadão de Londrina, esquina com Hugo Cabral, de IV. O segundo “que” é um pronome relativo e retoma
segunda a sexta Após uma vida dedicada ao trabalho a forma verbal “estou”.
contínuo e sistemático, Belaque parece ter encontrado, Assinale a alternativa correta.
na madeira, a felicidade A Somente as afirmativas I e II são corretas.
As peças são criadas para discursar. Os móveis para b Somente as afirmativas I e IV são corretas.
bonecas obedecem à arte vitoriana, período que estudou c Somente as afirmativas III e IV são corretas.
em um trabalho como guia turístico. Formas, desenhos, d Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
cores, tudo leva ao passado “A minimização, ou seja, a E Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
cozinha do adulto que tinha nas fazendas, agora é feita
para as bonecas. A criança vai aprendendo, por meio do
13 Fatec 2019 Temple Grandin empacou diante da porteira
brinquedo, a história”, afirma.
Alguns parafusos cravados na madeira lhe saltaram aos
História na expressão e na própria madeira “Isso tudo
olhos. “Tem que limar a cabeça desses parafusos, se não o
é um resgate. Foi uma árvore que deu frutos, sombra, con-
gado pode se machucar”, aconselhou à dona da fazenda,
forto e de repente ela se torna um elemento positivo”,
Carmen Perez, que ao lembrar a cena comentou: “Sempre
defende. “Quando eu era criança, não tinha indústria de
passo no curral antes do manejo, observo tudo, dizem que
brinquedos e a gente queria brincar Então, os avós e pais
tenho olho biônico, e ela notou uma coisa que eu não
construíam os brinquedos de uma forma artesanal. Eu quis
tinha visto ”
voltar num tempo em que se construíam os brinquedos,
Grandin tem um parafuso a mais quando se trata do bem-
elementos decorativos e móveis dentro de casa”, afirma.
-estar dos bichos. Professora de ciência animal, ela é autista
Há quatro anos, tomou a decisão de viver da arte após
e dona de uma hipersensibilidade visual e auditiva. Tocada
a constatação de ter realizado bons trabalhos em sua carrei-
pelas angústias do gado desde a juventude, ela compreendia
ra, já satisfeito com o ponto aonde tinha chegado. A oficina
por que a rês recuava na hora da vacinação, por que atacava
funciona no fundo da casa de Belaque. “Eu estou fazendo
um vaqueiro, por que tropeçava, por que mugia Grandin
uma coisa que amo fazer, na hora em que tenho interesse,
traduziu esse entendimento em projetos que propunham
então eu digo que estou no período fetal. Eu almoço quando
mudanças no manejo Hoje, instalações criadas por ela são
tenho fome, levanto quando o corpo pede, trabalho e me
familiares a quase metade dos bovinos nos Estados Unidos.
estendo até de madrugada quando estou empolgado”, sorri.
O Brasil, com seus quase 172 milhões de cabeças de gado,
E vai criando conforme suas crenças e constatações
segundo o Censo Agropecuário de 2017, vem aos poucos
expressas na madeira. Recicladas e não recicladas, afirma
FRENTE 1

fazendo ajustes alinhados com as propostas da americana


usar mais o pínus por questão de respeito e custo As ma
Em julho passado, Grandin, hoje com 71 anos, veio
deiras de primeira linha que possui são controladas e faz
ao Brasil pela sexta vez Na fazenda Orvalho das Flores,
questão de afirmar: “Eu só trabalho com aquelas que têm

75
Em julho passado, Grandin, hoje com 71 anos, veio ao 14 EN 2017
Brasil pela sexta vez. Na fazenda Orvalho das Flores, lo-
calizada em Barra do Garças (MT), ela testemunhou como O dono do livro
a equipe de Perez conduz suas 2 980 cabeças de Nelore, Li outro dia um fato real narrado pelo escritor mo-
raça predominante no país. Os vaqueiros massageiam os çambicano Mia Couto. Ele disse que certa vez chegou em
bezerros, não gritam com os bois, tampouco deixam capas casa no fim do dia, já havia anoitecido, quando um garoto
de chuva, correntes ou chapéus no caminho dos animais. humilde de 16 anos o esperava sentado no muro. O garoto
A engenheira agrônoma Maria Lucia Pereira Lima foi estava com um dos braços para trás, o que perturbou o
aluna de pós-doutorado de Grandin na Universidade do escritor, que imaginou que pudesse ser assaltado.
Estado do Colorado, em Fort Collins, em 2013 Viajara aos Mas logo o menino mostrou o que tinha em mãos:
Estados Unidos para aprender como medir o bem-estar um livro do próprio Mia Couto. Esse livro é seu? pergun-
dos bovinos e se inteirar de inovações que pudessem ser tou o menino. Sim, respondeu o escritor. Vim devolver. O
implantadas em currais brasileiros. Uma delas, por exem- garoto explicou que horas antes estava na rua quando viu
plo, tranquiliza o animal conduzido à vacinação: o gado uma moça com aquele livro nas mãos, cuja capa trazia
em geral se via obrigado a passar espremido por espaços a foto do autor.
afunilados. Grandin projetou um acesso em curva, sem O garoto reconheceu Mia Couto pelas fotos que já
cantos, que dá à rês a ilusão de que voltará ao ponto de havia visto em jornais. Então perguntou para a moça: Esse
partida. Outra: uma lâmpada acesa na entrada do tronco livro é do Mia Couto? Ela respondeu: É. E o garoto mais
de contenção o equipamento que permite o manejo que ligeiro tirou o livro das mãos dela e correu para a casa
individual do boi – a indicar o trajeto reduziu em até 90% do escritor para fazer a boa ação de devolver a obra ao
o uso de choque elétrico durante o processo. verdadeiro dono.
[...] Uma história assim pode acontecer em qualquer país
No auditório da universidade, outros pesquisadores habitado por pessoas que ainda não estejam familiarizadas
se revezavam no palco discutindo aspectos econômicos e com os livros – aqui no Brasil, inclusive. De quem é o
sociais relacionados ao bem-estar animal. O tempo de ma- livro? A resposta não é a mesma de quando se pergunta:
nejo cai pela metade nos estabelecimentos agropecuários “Quem escreveu o livro?”.
que seguem os manuais de Grandin. De ovos transporta- O autor é quem escreve, mas o livro é de quem lê,
dos com cuidado nascem pintinhos sadios. Sem falar na e isso de uma forma muito mais abrangente do que o
melhor qualidade de vida de quem lida com esses bichos. conceito de propriedade privada – comprei, é meu. O
Vaqueiros bem treinados sofrem menos acidentes no tra- livro é de quem lê mesmo quando foi retirado de uma
balho e desenvolvem uma relação mais harmoniosa nos biblioteca, mesmo que seja emprestado, mesmo que tenha
casamentos. “A melhoria do bem-estar animal melhora o sido encontrado num banco de praça.
bem estar humano”, afirmou o zootecnista Mateus Para O livro é de quem tem acesso às suas páginas e através
nhos da Costa, da Universidade Estadual Paulista. delas consegue imaginar os personagens, os cenários, a
Monica Manin. Acesso em: 12.10.2018. Adaptado voz e o jeito com que se movimentam. São do leitor as
sensações provocadas, a tristeza, a euforia, o medo, o
Observe os elementos destacados na passagem:
espanto, tudo o que é transmitido pelo autor, mas que
“Sempre passo no curral antes do manejo, observo reflete em quem lê de uma forma muito pessoal. É do
tudo, dizem que tenho olho biônico, e ela notou uma leitor o prazer. É do leitor a identificação. É do leitor o
coisa que eu não tinha visto”, presente no primeiro aprendizado. É do leitor o livro.
parágrafo. As palavras destacadas exercem Dias atrás gravei um comercial de rádio em prol do
A funções diferentes, pois o primeiro “que” é conjun- Instituto Estadual do Livro em que falo aos leitores exa-
ção integrante e introduz uma oração coordenada, tamente isso: os meus livros são os seus livros. E são, de
enquanto o segundo “que” é pronome relativo e fato. Não existe livro sem leitor. Não existe. É um objeto
introduz uma oração explicativa fantasma que não serve pra nada.
 funções diferentes, pois o primeiro “que” é uma Aquele garoto de Moçambique não vê assim. Para ele,
conjunção subordinativa, enquanto o segundo é o livro é de quem traz o nome estampado na capa, como
um pronome relativo, tendo como antecedente o se isso sinalizasse o direito de posse. Não tem ideia de
termo “coisa”. como se dá o processo todo, possivelmente nunca entrou
 mesma função, pois ambos são conjunções su numa livraria, nem sabe o que é tiragem.
bordinativas, sendo que o primeiro introduz uma Mas, em seu desengano, teve a gentileza de tentar
oração substantiva, enquanto o segundo, uma ora- colocar as coisas em seu devido lugar, mesmo que para
ção adverbial restritiva. isso tenha roubado o livro de uma garota sem perceber.
 mesma função, pois ambos os pronomes “que” Ela era a dona do livro. E deve ter ficado estupefata.
Um fã do Mia Couto afanou seu exemplar. Não levou
retomam vocábulos anteriores, sendo o verbo “di-
o celular, a carteira, só quis o livro. Um danado de um
zem” e o substantivo “coisa” seus antecedentes
amante da literatura, deve ter pensado ela. Assim são as
respectivamente.
histórias escritas também pela vida, interpretadas a seu
E mesma função, pois ambos são conjunções, porém
modo por cada dono.
o primeiro “que” é uma conjunção subordinativa, (Martha Medeiros JORNAL ZERO HORA 06/11/11 /
enquanto o segundo, uma conjunção coordenativa. Revista O Globo, 25 de novembro de 2012.)

76 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


Leia o trecho: modernidade líquida, para tentar expressar o novo em nos
“Ele disse que certa vez chegou em casa no m do sas relações e em nosso modo diverso de contar as coisas
dia, já havia anoitecido, quando um garoto humilde de Será também esta última revolução da linguagem a
16 anos o esperava sentado no muro. O garoto estava que poderá servir para culminar nos novos movimentos de
com um dos braços para trás, o que perturbou o es- liberação do feminino para o político, duas realidades que
critor, que imaginou que pudesse ser assaltado.” (1°§) a linguagem já não consegue mais expressar. Termos como
Marque a opção em que as funções da palavra que masculino e feminino, esquerda e direita, paz e violência se
estão corretamente indicadas, na ordem em que apa- tornaram antiquados porque a realidade vivida a cada dia
recem no trecho neste novo século já é outra, e não sabemos como defini-la.
A Pronome relativo; pronome relativo; conjunção in A revolução da linguagem, seja no tema da liberação
tegrante; conjunção adverbial. da mulher como para o surgimento de uma forma nova
b Conjunção integrante; pronome relativo; pronome de fazer política, será a última conquista da Humanidade,
relativo; conjunção integrante. se não quiser ficar restrita à escravidão de palavras que já
c Conjunção integrante; conjunção adverbial; con- não são capazes de expressar o novo que está germinando
e começou a nascer
junção integrante; pronome relativo.
[...]
d Conjunção adverbial; conjunção integrante; prono-
Adaptado de: ARIAS, Juan. O mundo das mulheres tem que fazer a
me relativo; pronome relativo. revolução da linguagem El país Disponível em: <https://brasil.elpais.com/
E Pronome relativo; conjunção adverbial; pronome brasil/2019/11/01/opinion/1572632713_597970.html>
Acesso em: 06 jan. 2020.
relativo; conjunção integrante
Assinale a alternativa que classica corretamente
15 EsPCEx 2016 a forma grifada em: “ que poderia expressar a mu-
Leia o conjunto de frases a seguir e responda, na se- dança já realizada” (primeiro período, segundo
quência, quais funções são assumidas pela palavra parágrafo).
“que”. A Forma expletiva.
Cinco contos que fossem, era um arranjo menor... b Pronome relativo.
Que bom seria viver aqui! c Conjunção integrante.
Leio nos seus olhos claros um quê de profunda d Conjunção conclusiva
curiosidade. E Conjunção explicativa
A nós que não a eles, compete fazê lo.
Falou de tal modo que nos empolgou. 17 Univap 2017
A conjunção subordinativa consecutiva - interjeição
de admiração - pronome indefinido - conjunção su- Gato que brincas na rua
bordinativa comparativa - conjunção subordinativa Como se fosse na cama,
consecutiva Invejo a sorte que é tua
b conjunção subordinativa concessiva interjeição Porque nem sorte se chama
de admiração substantivo pronome relativo Bom servo das leis fatais
conjunção subordinativa consecutiva Que regem pedras e gentes,
c conjunção subordinativa consecutiva - advérbio de Que tens instintos gerais
intensidade - substantivo - pronome relativo - con- E sentes só o que sentes.
junção subordinativa consecutiva
És feliz porque és assim,
d conjunção subordinativa concessiva - advérbio de
Todo o nada que és é teu
intensidade substantivo conjunção coordenativa
Eu vejo-me e estou sem mim,
conjunção subordinativa consecutiva
Conheço-me e não sou eu.
E conjunção subordinativa comparativa interjeição
Fernando Pessoa, Obra Poética.
de admiração pronome indefinido palavra exple
tiva - conjunção subordinativa consecutiva No poema de Fernando Pessoa, o eu lírico lamenta-se
sobre a sua condição de humano que o obriga a um
16 UFC 2020 [...] Sem palavras não podemos contar nossas angustiante questionamento sobre si mesmo contraria-
ideias e sentimentos, nem nossos sonhos. E hoje, em um mente à condição do gato, que, por não ter consciência
mundo de total transformação em todas as esferas, conti- da sua natureza, vive apenas em função de sensações
nua sendo a linguagem o que expressa essas mudanças. e instintos e não ca sujeito a crises de identidade.
O que ocorre é que foi a realidade da vida que evoluiu Analise o verso “Gato que brincas na rua”. A palavra
antes das palavras para expressá-la. E as palavras foram “que” constante no verso, pode ser classicada como
também ficando velhas para descrever os movimentos A conjunção integrante
subterrâneos da humanidade em movimento b pronome relativo.
FRENTE 1

Às vezes precisamos de décadas para encontrar a pa- c pronome demonstrativo.


lavra que poderia expressar a mudança já realizada. Assim, d partícula expletiva
ultimamente, nasceram vocábulos como pós-verdade, ou E pronome oblíquo átono.

77
18 Em “Eis a calamidade em que nos encontramos”, o ter 21 Leia a charge a seguir
mo eis denota:
A afetividade. d designação.
b inclusão. E realce.

© ALEXEY BOGATYREV DREAMSTIME.COM


c exclusão.

19 Leia o texto a seguir


FELIZMENTE EXISTE MUSEU NO bRASIL,
MONET POdE SER VISTO

Claude Monet
E a pergunta que não quer alar: omo poe,
atualmente, om tanto esenvolvimento e teno-
logia, milhares e pessoas morrerem e fome?

O vocábulo como no texto acima assume o valor se-


PENA QUE NEM TOdO MUNdO mântico de:
TEM O HÁbITO dE IR.
A intensidade. d comparação
O vocábulo que denota afetividade no contexto é: b causa E conformidade
A mundo. d museu c modo
b hábito. E felizmente
c Brasil. 22 UFRJ Qual a diferença sintática entre os termos des-
tacados em: “não serás mais o que és” e “abismo que
20 A palavra que é conjunção coordenativa explicativa em: cavaste a teus pés”?
A Que é isso?
b Quero que saia, já! 23 Fuvest Nos trechos: “... Bebi o café que eu mesmo pre-
c Os sonhos que tive eram pássaros da imaginação parei...” e “... pensando na vida e nas mulheres que
d Viva, que a vida espera para ser sentida amei” a palavra que tem a mesma função sintática?
E Cantou tanto que perdeu a voz e o emprego. Sim ou não? Justifique.

Texto complementar
Um “mas” romanesco
O emprego do mas que vamos considerar agora está Contudo entraram. Cinco ou seis grupos de homens,
vinculado à técnica narrativa. Aqui, o valor argumentativo conversando em voz muito alta e gesticulando, obstinavam-
é colocado a serviço das convenções do romance realista. se no meio dos encontrões; os outros caminhavam em filas,
(Um jornalista, Fauchery, leva um jovem provincial, La girando sobre seus calcanhares que batiam no parquete
Faloise, para visitar um teatro parisiense durante o intervalo.) encerado. À direita e à esquerda, entre colunas de mármo
No alto, no saguão, três lustres de cristal ardiam com re jaspeado, mulheres sentadas em banquetes de veludo
uma luz viva. Os dois primos hesitaram por um instante: a vermelho contemplavam a torrente passar com um ar abor-
porta de vidro, fechada, revelava, de um lado ao outro da recido, como enlanguescidas pelo calor; e, atrás delas, nos
galeria, uma onda de cabeças que duas correntes transpor- espelhos altos, viam se seus coques. No fundo, diante do
tavam num redemoinho contínuo. bufê, um homem barrigudo bebia um copo de xarope.

Parquete: assoalho feito de peças de madeira nobre, de tamanhos, cores e formatos diversos, que formam desenhos geométricos variados
Jaspeado: de coloração vermelha, amarela ou variada.
Enlanguescidas: abatidas, sem forças.

78 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


Mas, para respirar, Fauchery havia ido até o terraço. La um lado, desenvolve uma descrição precisa (satisfaz, portanto,
Faloise, que estudava fotografias de atrizes nos quadros que seu dever enciclopédico), por outro, finge tê-la interrompido
se alternavam com os espelhos, entre as colunas, acabou se prematuramente (como se fossem apenas os interesses do
guindo-o. personagem que importassem). Essa maneira de produzir uma
E. Zola, Nana. descrição completa ao mesmo tempo que se finge interrom
pê-la, que se finge que ela só apareceu no desvio de um olhar
À primeira vista, esse mas é problemático, pois não se
interessado, não deixa de lembrar a “preterição” retórica, que
vê direito como ele se articula com os dois parágrafos. O
consiste em dizer o que se diz não dizer (“eu teria podido lhe
primeiro apresenta se como uma descrição particularmente
falar de. ”, “não menciono. ” etc ) Ao fazer isso, o romance
neutra que, enquanto tal, não parece poder constituir um “ar-
denega o que o legitima: percurso pedagógico de um catálo-
gumento” em favor de uma “conclusão” implícita O mesmo
go, não descansa enquanto não tiver apagado seus vestígios
ocorre com o segundo parágrafo, no qual não se esboça um
O mas desempenha igualmente um papel de operador
movimento argumentativo contrário ao do primeiro.
de transição, destinado a tornar mais fácil a passagem de um
É possível, contudo, explicar a presença desse mas ape-
campo a outro, a apagar uma descontinuidade. Situa-se, de
lando menos para “argumentos” no sentido estrito do que
fato, numa fronteira tripla:
para “atitudes”. O movimento seria parafraseado da seguinte
� a que separa um espaço de outro, o saguão do terraço;
forma: o fato de que se demora um certo tempo detalhando o
saguão do teatro tende a fazer pensar que se vai acompanhar � a que separa duas descrições sucessivas;
a descrição; o mas intervém então para contradizer essa ten- � a que separa dois parágrafos
dência e mostrar que a visita continua, que se vai para outro A primeira concerne à história contada, a segunda, à
lugar A narração glosa desse modo sua própria conduta; o sua narração, e a terceira, ao texto enquanto tal, mas as três
mas vem opor-se à atitude de um leitor que, de certa forma, coincidem em mas. Não é possível dizer que esse conector
se instalasse na descrição do saguão e que seria necessário dissimula a linha de ruptura; antes, muda sua condição
empurrar para a frente. Mas distingue bem duas sequências para as opor (a que
Não é só o leitor que é implicado aqui; os personagens é concedida e a que é dada como mais forte), mas trata se de
também intervêm, embora discretamente. O terceiro parágrafo uma oposição argumentativa e não cronológica ou espacial. A
apresenta uma espécie de “plano de fundo”: “havia ido”, que, narração mascara se, assim, entrincheirando se atrás de uma
de um ponto de vista de aspecto, é algo consumado. Esse algo argumentação implícita de um personagem.
consumado supõe uma referência (o momento em que se Esse deslizamento caminha junto com a substituição de
descobre que Fauchery não está mais ali), que o texto não ex- uma justaposição por um “acavalamento” dos dois campos
plicita Esse olhar que de repente percebe o desaparecimento encostados um no outro; La Faloise e Fauchery não são trans
súbito de Fauchery só pode ser o de La Faloise, que afasta os portados de um campo a outro, mas La Faloise descobre de
olhos o mínimo possível de seu guia Devido ao mas e a esse repente que Fauchery já foi para o terraço:
algo consumado, somos portanto levados espontaneamente visita ao terraço
a reinterpretar o primeiro parágrafo: embora aparentemente B
neutra, a descrição não é relacionada ao narrador, mas ao
visita ao saguão
olhar de La Faloise A precisão dessa descrição se encontra a B’
partir desse momento justificada pela curiosidade do neófito
que sai de onde estava a contragosto (cf “La Faloise. acabou O segmento B B’ designa o prolongamento da visita des
seguindo-o”). A atitude que consiste em querer prolongar a crição que La Faloise tinha o direito de esperar e que a partida
visita ao saguão não é, pois, apenas um jogo entre o narrador de Fauchery tornou impossível O efeito desse acavalamento
e o leitor, mas passa pela subjetividade de um personagem é de certa forma eufemizar a fronteira.
que, após ter visto o que o primeiro parágrafo descreve, de- Desse ponto de vista, a fronteira mais importante que o
mora-se estudando as fotografias. texto literário tem de enfrentar é de fato a de sua emergência,
Aliás, é um procedimento constante em Zola colocar em do surgimento de sua própria enunciação Existem múltiplas
cena personagens que desempenham o papel de delegados do maneiras de eufemizar tal fronteira; a mais simples consiste
leitor Trata-se para o romance naturalista de mostrar o univer- em mostrar uma ação já em curso: mais que sublinhar que
so social, abrir enciclopédias, mas integrando a descrição ao o texto começa fazendo uma ação aparecer, ao apresentá-la
romanesco de uma história O personagem-delegado do leitor em curso sob os olhos do leitor ou do espectador, o autor se
contribui para fazer esse dispositivo funcionar, participando de esforça por fazer esquecer que se trata de um início. Assim, a
dois registros ao mesmo tempo: esse mesmo La Faloise, que primeira réplica de A dupla inconstância, de Marivaux, abre-se
aqui não passa de um olhar curioso, constitui igualmente um com um mas argumentativo, cujo emprego implica a presença
dos personagens da história, chamado em seguida a ser um de enunciados anteriores:
dos amantes de Nana. A utilização do mas pertence à mesma TRIVELIN: Mas, senhora, ouvi-me.
estratégia Arrancando de certa forma o personagem leitor de SILVIA: Estais me aborrecendo
sua contemplação, frustrando-o de detalhes suplementares, Dominique Maingueneau. Pragmática para um discurso literário.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
permite que o texto resolva dois problemas de uma só vez: por
FRENTE 1

79
Resumindo
O estudo da palavra que possibilita rever os valores semânticos das con- 6. Porque
junções coordenativas e subordinativas. Quanto ao estudo das palavras nas respostas e justificativas (= pois)
denotativas de exclusão, inclusão etc., trata-se de matéria importante para
Cante, porque está frio e perigoso
os exames modernos; a semântica dessas partículas tem sido objeto de
investigação por parte dos linguistas. Não se esqueça de que o importante
não é decorar, mas interpretar. Observe a síntese a seguir. 7 Por que
a) nas interrogativas em início de frase
1. Situação: afinal, então, mas Por que você me olha assim?
Afinal, a guerra acabou?
Então, o verdão está na final? b) introduzindo substantivas (interrogativas indiretas)
Mas o governo, cederá? Não sei por que a cobiça existe.

2. Realce: cá, lá, só, mesmo c) introduzindo adjetivas (= pelo qual, pela qual...)
Só eu sei as esquinas por que passei.
Eu cá me viro, Maria!
Veja só!
8. Por quê
É isso mesmo, beija a moça!
a) antes da interrogação
Eu sei lá!
Por quê? Por que você insiste?

3. Limitação: só, apenas, somente


b) antes do ponto
Só ele sabia velejar.
Não sei por quê
Somente o São Paulo é tri.
Apenas duas moscas pousaram na sopa.
9. Porquê
precedido de artigo
4. Inclusão: ainda, ademais, além disso, também, até, inclusive Não sei o porquê.
Cantou e ainda fez malabarismo.
Ademais é insano. 10. Senão (principais casos)
Até o sol se pôs. Saia, senão eu grito! (caso contrário)
Todos cantavam, senão José (exceto)
5. Exclusão: salvo, exceto, menos, fora, tirante
Tirante os olhos perversos, tudo era luz. 11. Se não
Fora o deputado federal, todos votaram contra. Se não contar, será preso. (caso não)

Quer saber mais?

Livros
y DAMASCENO, Darcy (Org) Cecília Meireles: poesia Rio de Janeiro: Agir, 1974
y PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
y QUINTANA, Mário. Antologia Poética. Porto alegre: L&PM, 2003.

80 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


Exercícios complementares
1 Leia o texto a seguir.  exceto.
Dinheireita toma conta da Olimpíada e avisa que o im-  portanto
portante não é competir, mas ter um bom patrocinador. E ou.
a) Qual é a função morfológica da palavra que?
b) Explique o sentido e o processo de composição 10 AFA Leia as frases a seguir.
do termo dinheireita. Ai que saudades que eu tenho da aurora de minha
vida...
2 Corrija as frases a seguir, se necessário Casimiro de Abreu.
a) Percebi um que de desconfiança nos alunos.
Oh! que altos são os segredos da Providência divina.
b) Que! Não haverá aula?!
Vieira.
c) Ele falou não sei o quê
Finjo que o meu olho direito é de vidro...
Rubem Fonseca.
3 Em “Não faça isso, senão eu grito!”, a palavra senão
pode ser substituída por: Não tenho que dar satisfação a ninguém, tenho?...
A exceto. Guimarães Rosa.
 sem que.
Os termos destacados nas frases anteriores devem ser
 caso contrário.
classicados, respectivamente, como:
 caso não.
A pronome, partícula de realce, advérbio, conjunção,
E ou.
preposição.
 advérbio, conjunção, advérbio, preposição, conjunção.
4 Explique o conteúdo semântico da expressão se não
 conjunção, conjunção, preposição, preposição,
em: “Ela é linda, se não maravilhosa”.
preposição.
 pronome, partícula de realce, conjunção, conjun-
5 Leia o período a seguir. ção, preposição.
O garoto não exerce outra atividade se não vender pipas.
Há algum erro no texto anterior? Se houver, corrija-o
11 Fainor 2019
e explique-o.
Retrato
6 “Ademais, ele é burro!”. O termo em destaque denota Eu não tinha este rosto de hoje,
uma ideia de: assim calmo, assim triste, assim magro,
A exclusão. nem estes olhos tão vazios,
 inclusão. nem o lábio amargo
 limitação. Eu não tinha estas mãos sem força,
 realce. tão paradas e frias e mortas;
E afetividade. eu não tinha este coração
que nem se mostra
7 Leia as frases a seguir Eu não dei por esta mudança,
I Ela só comia carne. tão simples, tão certa, tão fácil:
II Ela comia carne só. – Em que espelho ficou perdida a minha face?
III Só ela comia carne (Cecília Meireles: poesia. Por Darcy Damasceno.
Rio de Janeiro: Agir, 1974. p. 19-20)
Dê o signicado da palavra só em cada uma das frases
Há correlação entre a função sintática do que (v.8) e a
8 “Afinal, quem é o assassino?” O termo em destaque do termo transcrito em:
denota: A “este rosto” (v.1)
A situação  “vazios” (v. 3).
 explanação  “fácil” (v. 10).
 retificação  “espelho” (v. 11).
 inclusão. E “a minha face” (v 11)
E exclusão
12 FAG 2016
9 Fuvest Em “Era a flor, e não já da escola, senão de
toda a cidade.”, a palavra em destaque pode ser subs
ACORDA, MENINO!
FRENTE 1

tituída, sem que haja alteração de sentido, por: O que diz o menino que dorme na praia? Talvez fale
A mas sim. dos perigos do mar, da displicência dos pais. Ou de um
 de outro modo. assassinato a ser esclarecido.

81
Mas é só um menino. Não deveria nos dar esta sen escala se tornam virtuais, pois aderem a relacionamentos
sação de naufrágio da humanidade. Há dias, não adianta íntimos, de amizade e de competições virtuais transfor-
acusar governos, etnias, religiões, porque a falta de ar mando o próprio organismo num organismo virtual.
não cessa. A dependência digital provoca compulsão, depressão,
É lágrima que não pinga, não seca nem escorre. É TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), agitação, irritabi-
mais que um cadáver, é um assombro, uma dor insepulta lidade, perda de sentimentos e perturbação A perturbação
de que tentamos nos livrar. está ligada às preocupações com a rede, com o tempo em
E ainda suspeitamos de nós mesmos. que está on-line, com a percepção de sua necessidade de
Em nome dos deuses fazemos coisas que até o diabo permanecer na internet, o distanciamento de amigos e fa-
duvida. Duvida e se defende, dizendo que não chegaria miliares e ainda com o refúgio que a rede lhe proporciona
a tanto, embora comemore o resultado. diante de problemas.
Queríamos não ter visto nem sabido maldito fo Do ponto de vista psicológico, a dependência digital é
tógrafo, maldita web e maldita imagem que, mesmo uma patologia e ocorre em alguns casos, não acometendo
escorraçada da memória, dorme no tapete da sala e à todos os usuários. Quando se transforma em patologia,
noite repousa no nosso travesseiro, naquela pose mesmo deve ser percebida e encaminhada para um profissional
que o mar beijava competente para que esse auxilie o indivíduo na busca
Fica-nos a sensação de que Alá deu de ombros, Jeová do autocontrole
lavou as mãos e, embriagados na bacanal do Olimpo, os Fonte: DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. "Dependência Digital"; Brasil
outros também ignoraram o presente de grego numa praia Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/psicologia/
dependencia-digital.htm>. Acesso em 28 de julho de 2018.
do Mediterrâneo
Enquanto isso, no Hades, dançando e atualizando Assinale a alternativa em que o referente da palavra
Castro Alves com outras infâmias no mar, ri-se Satanás. que, em destaque, está corretamente indicado
http://www.cronicadodia.com.br/2015/09/ A “A dependência digital é a busca incessante pela
acorda-menino-albir-jose-inacio-da-silva.html
utilização da internet que age de forma semelhante
Assinale a alternativa cujo “que” em destaque funcione à dependência química” (que = internet).
como conjunção integrante, ou seja, tem a função de  “A dopamina é um neurotransmissor que antece-
introduzir oração subordinada substantiva. de naturalmente a adrenalina e a noradrenalina
A “É lágrima que não pinga.” que atuam no organismo como estimulantes do
 “É mais que um cadáver.” sistema nervoso central” (que = a adrenalina e a
 “Duvida e se defende, dizendo que não chegaria noradrenalina).
a tanto.”  “Tal prazer está relacionado a fatos e reações
 “... maldita imagem que, mesmo escorraçada da simples como downloads, interatividades, e-mails,
memória, dorme no tapete da sala.” que em contato direto com o organismo originam
E “... naquela pose mesmo que o mar beijava.” descargas elétricas entre os neurônios através da
dopamina” (que = e mails)
13 UFVJM 2017  “Em pesquisa realizada no ano de 1997, pela pes-
quisadora Diane Wieland, dos Estados Unidos, foi
Dependência Digital afirmado que o uso prolongado desta ferramenta
Por Gabriela Cabral facilitadora de buscas e pesquisas promove além
do estado vicioso de dependência, relacionamen-
A dependência digital é a busca incessante pela
tos interpessoais baseados em fatores supérfluos e
utilização da internet que age de forma semelhante à de-
pendência química, pois ocorre como consequência do
sem envolvimentos” (que = o uso).
uso prolongado da internet que, por sua vez, proporciona
prazer físico à pessoa Tal prazer está relacionado a fatos e 14 IFPR 2017
reações simples como downloads, interatividades, e-mails,
Deuses e Demônios
que em contato direto com o organismo originam des
cargas elétricas entre os neurônios através da dopamina. A possessão constituía um fenômeno familiar no mun-
A dopamina é um neurotransmissor que antecede na- do grego. Gente de todas as camadas sociais consultava o
turalmente a adrenalina e a noradrenalina que atuam no oráculo de Apolo, em Delfos, onde a pitonisa, em transe,
organismo como estimulantes do sistema nervoso central oferecia respostas – por vezes enigmáticas e ambíguas – às
A dependência digital estimula a produção da dopamina questões apresentadas O domínio dos corpos pela divin-
e provoca uma grande sensação de prazer resultando na dade era habitual nos rituais sagrados, como o de Dionísio,
busca por tais momentos. (a) que deu origem ao teatro Por sua vez, Platão chegou
Em pesquisa realizada no ano de 1997, pela pesquisa- a afirmar (b) que muitos poetas criavam sob o domínio
dora Diane Wieland, dos Estados Unidos, foi afirmado que das Musas e de outras deidades, sem controle sobre as
o uso prolongado desta ferramenta facilitadora de buscas palavras proferidas.
e pesquisas promove além do estado vicioso de depen- Milênios depois, os principais estudiosos do psi-
dência, relacionamentos interpessoais baseados em fatores quismo empreenderam o exame da possessão. Jung, por
supérfluos e sem envolvimentos Na pesquisa, foi com exemplo, abordou o fenômeno já na sua tese de douto-
provado que pessoas que utilizam a internet em grande ramento, focalizando o caso de uma adolescente (c) que

82 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


dizia “receber” o espírito do avô já falecido. Mais tarde, computadores e muitas outras aplicações que não depen
o criador da psicologia analítica desenvolveria o concei- dam de violar as leis da física e as limitações da matéria”
to de arquétipos – representações inatas e específicas da Para que a superinteligência seja realmente usada
humanidade (d) que são o correspondente psíquico dos para finalidades como as que elenca, é crucial resolver a
instintos –, que se revelaria de enorme valor no estudo das questão do controle. “Uma vez resolvida, dependerá de
mais diversas manifestações culturais O culto a Dionísio, escolhermos ou não direcionar a mira para esses objeti-
por exemplo, foi considerado um arquétipo da fertilidade vos”, diz [ ]
humana O pensador suíço também escreveu sobre o orá- Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/04/1761289
culo de Delfos, relacionando a obscuridade das respostas quando-ira-a-maquina-superar-os humanos.shtml>.
Acesso em: 14 set. 2017 Adaptado.
com as mensagens ambíguas do inconsciente.
O cenário da possessão esteve igualmente presente Nas quatro orações a seguir, encontra-se em destaque
no desenvolvimento de outro conceito junguiano funda- a partícula “que”. Em seu uso, essa partícula desem-
mental: os complexos, “ilhas de fantasia” psíquicas (e) penha funções sintáticas distintas – de um enunciado
que atuam sobre o eu e chegam a dominá-lo. Tornam-se para outro , a depender do contexto e das ocorrên-
nocivos quando ganham autonomia, sem se integrar à es-
cias linguísticas presentes.
trutura do psiquismo; Jung chegou a comparar o controle
Assinale, abaixo, apenas a alternativa em que a par-
do eu pelos complexos autônomos com a noção medieval
tícula em destaque apresenta uma função sintática
de possessão demoníaca
(Mente, Cérebro e Filosofia, nº1, Duetto)
diferente da ocorrida nas demais alternativas dessa
questão.
Entre as orações abaixo, assinaladas de (a) a (d) no A “O professor, que também tem formação em com-
texto, identique a única em que a palavra “que” tem putação e física, [ ]”
função diferente das demais:  “Ele afirma que seu objetivo é lançar as bases para
A que deu origem ao teatro. que a colaboração entre indústria e academia se
 que dizia “receber” o espírito do avô já falecido. efetive [ ]”
 que são o correspondente psíquico dos instintos.  “[...] ‘muitas coisas que hoje parecem ficção científi-
 que muitos poetas criavam sob o domínio das Musas. ca seriam possíveis’”.
 “[ ] o upload de mentes em computadores e mui-
15 Unimontes 2017 tas outras aplicações que não dependam de violar
QUANDO IRÁ A MÁQUINA SUPERAR OS as leis da física [...].”
HUMANOS? Texto para as questões de 16 a 18.
[ ] Atualmente, as máquinas só conseguem fazer

© MARTESIA BEZU DENHOUT DREAMSTIME.COM


aquilo para o que foram programadas. Para que viessem
a se tornar uma ameaça ou tão somente rebeldes, seria
necessário que adquirissem autoconsciência. Na prática,
elas precisariam ser capazes de reescrever seu próprio
código a essência de seu “ser”
Para alguns estudiosos, como o filósofo americano
John Searle, da Universidade da Califórnia, o risco não
existe: se de fato houver tamanha inteligência, ela estará
automaticamente domada e limitada pela própria arquite-
tura computacional Para outros estudiosos, como Bostrom,
é apenas questão de tempo para que as máquinas se livrem
de suas amarras
O professor, que também tem formação em compu-
tação e física, está entusiasmado com o fato de que o
assunto tornou-se alvo de atenção, em especial dos últimos
dois anos, desde que seu livro foi lançado, em 2014.
Na opinião de Bostrom, se as pessoas estiverem de
vidamente alertadas para os riscos, resta um “desafio”:
investir as energias numa solução construtiva para o “pro-
blema do controle”, como diz à Folha. Ele afirma que seu
objetivo é lançar as bases para que a colaboração entre
indústria e academia se efetive e possa guiar as pesquisas
para o futuro, atentando para princípios morais humanos.
Para ele, a superinteligência nos conduziria rapida-
16 Como você analisa, do ponto de vista semântico, a
mente a um estado de maturidade tecnológica no qual sequência “Sóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóó”?
FRENTE 1

“muitas coisas que hoje parecem ficção científica seriam


possíveis”. Por exemplo: “Uma extrema extensão do tempo 17 O termo só, na sua última ocorrência, é considerado
de vida, a colonização do espaço, o upload de mentes em gíria. Ele é compatível com a publicidade?

83
18 Interprete as duas outras ocorrências da palavra só
Texto para as questões 19 e 20.
Oh que saudade que eu tenho da vida boa
Jogando botão
Chutando pedra
Soltando bombinha
Na casa da minha tia.
Oh que saudade que eu tenho de não ser adulto!
R. Onada.

19 Qual a função morfológica e semântica do que em “que saudade”?

20 Qual é o efeito de sentido da palavra que em “que eu tenho”?

21 UFRJ “... comprimem-se um milhão e meio de brasileiros, provenientes de quase todas as unidades da Federação.”
Transforme o adjetivo provenientes em oração adjetiva, utilizando-se de verbo do mesmo radical e do relativo que.

84 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 20 Estudo de determinadas partículas


FRENTE 2

CAPÍTULO Século XX: novas identidades literárias


A “geração de 45” restaura uma poesia mais equilibrada e séria, com uma retomada de

15
formas poéticas tradicionais, sobretudo do soneto. Apesar de os poetas desse momento
terem retornado também à métrica, não a consideraram obrigatória, sendo utilizado ainda o
verso livre, embora mais trabalhado ritmicamente e com certo rigor e zelo artesanal.
Surge uma geração de escritores preocupados principalmente com o domínio da pró-
pria linguagem, visto que o contexto político estava relativamente tranquilo em relação
às gerações anteriores, fazendo com que esses escritores fossem menos exigidos social
e politicamente, podendo, assim, potencializar seus trabalhos nos âmbitos estéticos e lin-
guísticos, explorando com maior anco a forma literária, tanto na prosa quanto na poesia.
Uma nova conjuntura regionalista
Mundialmente, o ano de 1945 marcou o fim da Segunda
Guerra Mundial e, no Brasil, do Estado Novo (1937-1945),
implementado pela presidência de Getúlio Vargas. O Brasil
passou a viver um período democrático e desenvolvimentis-
ta, cujo ápice ocorreu nos anos de governo do presidente
Juscelino Kubitschek.
A literatura brasileira, assim como o cenário sociopolítico,
também passava por transformações: a prosa modernista da
terceira geração, de início, mostra-se conservadora, intimista
e reflexiva Ao mesmo tempo, o regionalismo renova-se a
partir da perspectiva de Guimarães Rosa e de sua recriação
dos costumes e da fala sertaneja, adentrando a psicologia
do jagunço do Brasil central
O termo “regionalismo” é bastante amplo e sofreu
variações no decorrer do tempo. Porém, seu conceito,
ainda que sob diferentes matizes, está presente desde o
projeto romântico de José de Alencar ao retratar nossas
paisagens, tipos e costumes diversos, passando pelo ainda
muito marcado determinismo que se observa em Os ser-
tões, de Euclides da Cunha. Além disso, o regionalismo é
encontrado nas histórias “caipiras” de Monteiro Lobato e na
obra, já modernista, Macunaíma, de Mário de Andrade, a
qual retrata uma viagem fantástica, com toques surrealistas,
por todo o Brasil. Ao se desenvolver, o conceito de regio-
nalismo revelou-se, quase sempre, associado ao espírito
nacionalista e voltado à valorização da nossa cultura
Como já estudamos, o regionalismo ganhou mais força
na década de 1930, garantindo prestígio literário para os es-
critores que valorizavam, ainda que de modos diferentes, a
abordagem temática de problemas ligados às suas regiões.
Em um cenário de profundas mudanças políticas devido
ao fim das oligarquias, ao desenvolvimento da indústria e
à nova fase centralizadora, surgia, no Brasil, o sentimento
geral de unidade da nação baseado no conhecimento de
suas diversidades regionais, com o desejo por uma estética
literária que pudesse aproximar e colocar lado a lado as
diferenças: o Brasil queria reconhecer sua totalidade de
maneira mais integrada e ampliar a consciência quanto às
suas imensas disparidades regionais
A literatura do período marcou-se pelo tom de denúncia
e de conscientização dos problemas e das características
regionais, ainda que acompanhada, principalmente nas obras
de Graciliano Ramos, por uma densa sondagem psicológica.
A partir de 1945, essa conjuntura literária se modificou
novamente, adquirindo uma nova dimensão com Guimarães
Rosa, cuja obra não trazia mais o tom da denúncia, embora
mantivesse certa preocupação social e contato íntimo com
a matéria regional, no seu caso, o sertão mineiro. O foco do
trabalho do escritor era construir uma forma de expressão
que garantisse um mergulho mais fundo na humanidade
comum das diversas experiências de vida do homem bra
sileiro, ainda que a partir da observação de uma região
específica. Houve, assim, uma enorme transformação do
conceito de regionalismo, que, se não levou à impossibili-
dade de usá lo, modificou radicalmente, de modo a originar
uma literatura calcada em princípios mais universalistas.

86 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Guimarães Rosa e a linguagem No texto a seguir, o autor discorre sobre sua cidade
natal, demonstrando sua capacidade narrativa de transfor
de múltiplos significados mar um simples lugar em um universo amplo e de infinitos
significados.
Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás mon-
tanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão
de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné,
milmaravilha, a das Fadas; e o próprio campo, com vas-
queiros cochos de sal ao gado bravo, entre gentis morros
ou sob o demais de estrelas, falava-se antes: “os pastos da
Vista Alegre”. Santo, um “Padre Mestre”, o Padre João de
Santo Antônio, que recorria atarefado a região como missio-
nário voluntário, além de trazer ao raro povo das grotas toda
sorte de assistência e ajuda, esbarrou ali, para realumbrar-se
e conceber o que tenha talvez sido seu único gesto desen
gajado, gratuito Tomando da inspiração da paisagem a loci
opportunitas, declarou-se a erguer ao Sagrado Coração de
Jesus um templo naquele mistério geográfico. Fê-lo e fez-se
o arraial, a que o fundador chamou “O Burgo do Coração”.
Só quase coração – pois onde chuva e sol e o claro do ar e o
enquadro cedo revelam ser o espaço do mundo primeiro que
tudo aberto ao supraordenado: influem, quando menos, uma
noção mágica do universo
[...]
Mais eu murmure e diga, ante macios morros e fortes
gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, buriti, e a sempre-
-viva-dos-gerais que miúdo viça e enfeita: O mundo é mágico.
— Ministro, está aqui CORDISBURGO.
ROSA, João Guimarães. Discurso de posse para a Academia Brasileira de
Letras. Rio de Janeiro, 16 nov. 1967. Disponível em: <www.academia.org.br/
João Guimarães Rosa (1908-1967), nascido em Cor- abl/cgi/cgilua.exe/sys/ start.htm?infoid=685&sid=96>.
disburgo, Minas Gerais, foi escritor, médico e diplomata, Acesso em: 28 fev. 2018.
representando o Brasil em vários lugares do mundo. Des
Guimarães Rosa apresenta um forte viés metafísico em
de pequeno, estudou em Belo Horizonte e, quando tinha
sua obra. A dimensão do inexplicável que a morte pode
apenas 16 anos, ingressou na Faculdade de Medicina da
trazer para a vida está muito presente em seus textos,
Universidade de Minas Gerais. Também morou por alguns
sempre cobertos de mistérios: o estranho, o inexistente
anos na Europa e em outros países da América Latina, onde
que ao mesmo tempo se pode sentir e os ocos do mundo.
seguiu carreira diplomática.
Na literatura do autor, tudo aquilo que escapa da possi
Trabalhar como médico e diplomata lhe proporcionou
bilidade de ser dito pelas palavras ou que, pelo menos,
uma vivência próxima e íntima de um grande número de
resiste a elas força o significado e a sintaxe a romperem
pessoas, o que permitiu que tivesse contato com diferentes
seus limites referenciais e racionais, até mesmo para narrar
saberes e modos de manifestar a linguagem Assim, o au
fatos corriqueiros e cotidianos da vida, em que sempre
tor produziu um conhecimento muito amplo sobre os tipos
pode brilhar algo de inexplicável ao qual faltam palavras
humanos, sempre permeado por dois campos de visão: um
e frases, pelo menos no que diz respeito ao uso conven-
erudito, tradicional e universal; e outro igualmente relevante,
cional delas.
popular, regional e local.
Sabe-se que Guimarães Rosa foi um intelectual, es-
Atenção
tudioso assíduo e leitor voraz de romances da literatura
universal Ele falava oito idiomas e tinha noções de vários Na produção literária de Guimarães Rosa, percebe se claramente
outros; além disso, sua grande erudição e a vivência próxi certa reação espiritualista à visão materialista do mundo que mar-
ma do universo rústico do Brasil foram determinantes para cava o regionalismo dos anos 1930. De vários modos, a começar
a riqueza de sua produção textual. pela linguagem, sua literatura parece buscar a revelação e o forta-
FRENTE 2

Um fato curioso sobre o autor é que ele foi eleito para lecimento da presença do divino na vida humana Por essa razão,
certa perspectiva religiosa e alguns temas da tradição cristã, como
a Academia Brasileira de Letras em 1963, porém adiou sua
salvação, pecado, transcendência e redenção, aparecem trabalhados
cerimônia de posse por quatro anos, pois temia que seu em suas produções literárias.
coração não aguentasse a emoção. No dia 16 de novembro
de 1967, em seu discurso de posse, disse “… a gente morre
é para provar que viveu”, falecendo, três dias depois, em Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
virtude de um infarto. ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas 1958.

87
A obra de Guimarães Rosa combina, de maneira muito Entre as obras de Guimarães Rosa, podemos destacar
peculiar, a abordagem regionalista às conquistas estéticas o volume de contos Sagarana (1946), sua estreia literária, o
da primeira fase do Modernismo Da linguagem escrita ciclo de novelas e romances Corpo de baile (publicado em
tradicional em direção às linguagens inovadoras típicas 1956 e, mais tarde, desmembrado em três livros, que também
do sertão –, Guimarães transpôs a nossa língua para uma reuniam textos diversos: Manuelzão e Miguilim, No urubu-
dimensão nunca antes atingida, distante tanto das con- quaquá, no pinhém e Noites do sertão), a obra-prima do
venções da abordagem realista quanto das idealizações romance moderno brasileiro Grande sertão: veredas (1956)
românticas, tornando-a própria a enredar os leitores em e os livros de contos Primeiras estórias (1962) e Tutaméia
uma experiência mais imersiva e sensorial do que tudo o (1967), além do volume póstumo Estas estórias (1969).
que a literatura brasileira conhecia até então O modo de
escrever do autor era capaz de seduzir, propondo novas Atenção
coordenadas, neologismos, raras associações linguísticas,
É muito importante destacar que, nessa proposta de inovar a lingua-
aliterações, onomatopeias, desligamentos sintáticos e voca- gem e utilizar as palavras com mais liberdade e autonomia, uma das
bulário inédito, de modo a proporcionar à sua linguagem a características mais marcantes da obra de Guimarães Rosa, além
musicalidade da fala sertaneja e inúmeras faixas de ondas da sintaxe pouco convencional, é o uso de neologismos, ou seja, o
semânticas. emprego de palavras novas, derivadas ou criadas a partir de outras
Assim, ganha forma na obra do escritor uma literatura já existentes e que geralmente entram com naturalidade na língua
distinta, rica e transgressora quanto a fórmulas, apta a fa oficial em que se escreve, além da atribuição de sentidos novos a
palavras já existentes na língua.
zer uma síntese extraordinária entre matéria e espírito sem
antecedentes em nossa tradição literária. O regional e o
espiritual se encontram e se interpenetram em seus textos
em um só lugar o sertão , trabalhado ao mesmo tem Sagarana (1946): “Felicidade se acha é
po pelo escritor como paisagem ou conceito geográfico e em horinhas de descuido”
como campo de provas da subjetividade de cada indivíduo. Em Sagarana, primeiro livro em prosa publicado por Gui-
Contrapondo entidades como o bem e o mal, a graça marães Rosa, a paisagem rural e as personagens claramente
e o pecado e o divino e o terreno, Guimarães Rosa se identificadas ao sertão mineiro são exuberantemente narra-
aprofunda em uma misteriosa e experiencial sondagem das e nomeadas por meio de uma linguagem muito criativa,
das entranhas do desconhecido do homem, inerentemente que se apresenta nem inteiramente popular – embora com
um ser fragmentário. Para o autor, essa noção quanto à algumas marcas do falar regional mimetizadas – nem pro-
pluralidade das faces e dos vazios humanos corresponde priamente erudita, mas muito elevada do ponto de vista da
à função das palavras, que também carregam significados criação literária. De acordo com o crítico Antonio Candido,
e formas capazes tanto de reproduzir o mundo em sua “Sagarana transcende a região e constrói um certo sabor
grandeza e impenetrabilidade racional quanto de recriá-lo regional”. Com essa forma de construção, que oferece uma
à luz da experiência subjetiva dos que o habitam. configuração estética complexa ao simples e primitivo, a obra
Dessa maneira, Guimarães Rosa diferencia-se dos se distancia do regionalismo tal como havia sido praticado
demais escritores de sua época, visto que seu “regiona- até então, mas talvez seja a única obra do autor à qual, de
lismo”, que talvez devesse vir sempre grafado entre aspas, um modo ou de outro, ainda possamos estender essa no-
é bastante característico. Enquanto os outros regionalis- menclatura, visto que alguns dos enredos dos contos se
tas delimitavam geograficamente sua área e abordavam assemelham aos “causos” da tradição oral e boa parte de
questões locais com realismo e olhar crítico, o sertão de suas personagens apresentam uma caracterização anedótica
Guimarães, além de não ter limites geográficos especí que as aproxima das fabulações regionalistas
ficos, desenvolve um “regionalismo universal”: pode-se A palavra que dá título ao volume de contos, “saga-
perceber o sertão do mesmo modo que se nota o cosmo. rana”, é um hibridismo composto por “saga”, palavra de
Embora o texto do autor tenha um ponto de partida, sua origem germânica que significa “canto heroico, lenda”, e
imagem sempre se desdobra em sentidos maiores. É o o sufixo “rana”, de origem tupi, que significa “semelhante,
que podemos entender a partir de alguns de seus mais feito à maneira de” Esse nome já revela a força e o teor das
felizes achados expressivos, como: “o sertão é o mundo”, nove histórias que compõem o livro: “O burrinho pedrês”,
“o sertão é dentro da gente” ou “o sertão é quando menos “A volta do marido pródigo”, “Sarapalha”, “Duelo”, “Minha
se espera”, ou seja, universaliza se o sertão à proporção gente”, “São Marcos”, “Corpo fechado”, “Conversa de bois”
que o autor tematiza suas questões, como o amor, a vio- e “A hora e vez de Augusto Matraga”.
lência, a traição e o medo. Nessas histórias, as falas, os saberes populares e as
formas literárias cultas atuam juntos e com a mesma força,
Sagarana não é um livro regional como os outros, porque e a memória e a experiência locais estão condensadas e
não existe região alguma igual à sua, criada livremente pelo se misturam a fabulações típicas da tradição literária culta.
autor com elementos caçados analiticamente e, depois, sinte-
Assim, o rústico convive sem confronto com o sofisticado
tizados na ecologia belíssima de suas histórias.
no mesmo ambiente. Nessa convivência entre imprevistos,
CANDIDO, Antonio. “Sagarana” In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO,
Eduardo (Org.). Ficção completa. 2 ed. Rio de Janeiro: o genial efeito literário: o leitor tende a perder-se no mundo
Nova Aguilar, 2009. p. CXI. v. 1. narrado entre a noção do que é real e do que é ficção.

88 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Tratar não apenas a temática, mas a própria linguagem latim é colocada lado a lado com as expressões coloquiais
com que se narra a história como uma experiência mística das falas das personagens, demonstrando a mistura entre o
para o leitor marca, desde Sagarana, toda a obra roseana, popular e o erudito, traço forte na obra de Guimarães Rosa:
encontrando, a cada livro, novas formulações “Visa sub obscurum noctis pecudesque locutae. Infandum!”
No trecho destacado a seguir, retirado do conto “A é um verso do poeta Virgílio, do Livro I das Geórgicas, e
hora e vez de Augusto Matraga”, o andamento da narrati pode ser traduzido por “Vê que sob a noite obscura os
va mistura a focalização animista, que sonda as vontades bois falam. Infando!”.
e disposições do animal ( jumento), com as superstições da
Que já houve um tempo em que eles conversavam, en-
personagem que o monta.
tre si e com os homens, é certo e indiscutível, pois que bem
E quando o jegue empacava porque, como todo jumento, comprovado nos livros das fadas carochas. Mas, hoje-em-dia,
ele era terrível de queixo-duro, e tanto tinha de orelhas quanto agora, agorinha mesmo, aqui, aí, ali, e em toda parte, poderão
de preconceitos, Nhô Augusto ficava em cima, mui concorde, os bichos falar e serem entendidos, por você, por mim, por
rezando o terço, até que o jerico se decidisse a caminhar outra todo o mundo, por qualquer um filho de Deus?!
vez E também, nas encruzilhadas, deixava que o bendito as no — Falam, sim senhor, falam!... –, afirma o Manuel Tim-
escolhesse o caminho, bulindo com as conchas dos ouvidos
borna, das Porteirinhas, filho do Timborna velho, pegador de
e ornejando. E bastava batesse no campo o pio de uma perdiz
passarinhos, e pai dessa infinidade de Timborninhas barrigu-
magoada, ou viesse do mato a lália lamúria dos tucanos, para
dos, que arrastam calças compridas e simulam todos o mesmo
o jumento mudar de rota, pendendo à esquerda ou se em
tamanho, a mesma idade e o mesmo bom-parecer; Manuel
pescoçando para a direita; e, por via de um gavião casaco-
-de-couro cruzar-lhe à frente, já ele estacava, em concentrado Timborna, que, em vez de caçar serviço para fazer, vive falando
prazo de irresolução. invenções só lá dele mesmo, coisas que as outras pessoas não
Mas, somadas as léguas e deduzidos os desvios, vinham sabem e nem querem escutar.
eles sempre para o sul, na direção das maitacas viajoras. Ago- — Pode que seja, Timborna. Isso não é de hoje... “Visa sub
ra, amiudava-se o aparecimento de pessoas mais ranchos, obscurum noctis pecudesque locutae. Infandum!...”. Mas, e os
mais casas, povoados, fazendas; depois, arraiais, brotando do bois? Os bois também?...
chão E então, de repente, estiveram a muito pouca distância — Ora, ora!... Esses é que são os mais!... Boi fala o tempo
do arraial do Murici. todo. Eu até posso contar um caso acontecido que se deu
Não me importo! Aonde o jegue quiser me levar, nós Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado
vamos, porque estamos indo é com Deus! ... e acrescentado ponto e pouco...
E assim entraram os dois no arraial do Rala-Coco, onde — Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que
havia, no momento, uma agitação assustada no povo. não seja.
ROSA, João Guimarães. “A hora e vez de Augusto Matraga”. In: ROSA, João ROSA, João Guimarães “Conversa de Bois” In: ROSA, João Guimarães;
Guimarães; COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Janeiro: Nova Aguilar, 2009. p. 264-5. v. 1. Nova Aguilar, 2009 p. 211 v. 1

No trecho a seguir, do conto “Conversa de bois”, a mis


tura e a indiferenciação entre o erudito e o popular se dão,
Infando: digno de aversão, abominável.
ironicamente, no plano literal da escrita: a expressão em

FRENTE 2

89
Corpo de baile: o rodar das personagens mesmos gêneros em Corpo de baile, surge um enorme
e surpreendente romance, Grande sertão: veredas, ao
e das formas literárias qual se seguirá um retorno ao conto, agora mais apurado
Dez anos depois da publicação de Sagarana que, a quanto à precisão concisa de seus efeitos literários, em
par da novidade de sua linguagem, ainda manteve a forma Primeiras estórias
convencional de um livro de contos –, surgia o enorme

Poty Lazzarotto
volume que contém o ciclo de novelas Corpo de baile.
Aliás, como em Sagarana, o nome do livro não é o nome
de nenhum dos textos: trata se do conjunto de sete tex
tos de estruturas formais muito livres e diferentes entre si,
possivelmente a razão pela qual o autor os denominou
“Os poemas” no índice que abre o volume. Certamente,
este é o motivo de o próprio Guimarães e os críticos literá-
rios aplicarem a eles o conceito de “novelas” termo que
designa textos literários de maneira indefinida, ora mais
próximos do conto, ora semelhantes a romances, mas sem
que isso diga respeito apenas às suas extensões, e sim à
diversidade dos seus recursos narrativos. Uma das novelas,
inclusive, “Cara-de-bronze”, tem a peculiaridade de apre
sentar, entremeados à narrativa, longos trechos na forma
de um roteiro cinematográfico que traz esquematizados na
página as falas das personagens, as indicações de cenas,
os cenários, os planos e os enquadramentos. Outra novela,
“Dão-lalalão” – título onomatopaico a evocar o badalar de
um sino , ainda que longa, tem a típica estrutura do con
to, no qual uma única situação um sertanejo que rumina
pensamentos enquanto volta para casa a cavalo conduz
a um tenso desfecho.
É na abertura desse livro que está um dos mais famo-
sos textos roseanos, “Campo geral”, que traz a delicada e
emocionante história de um menino, Miguilim, às voltas com
a sua descoberta do mundo e os percalços vividos junto à
sua família, em um ermo dos gerais. Essa novela, no poste-
rior desmembramento do volume, foi posta pelo autor junto
a “Uma estória de amor”, a história do já velho fazendeiro
Manuelzão e de seus questionamentos quanto ao sentido
da vida e à aproximação da morte Ambas compõem o livro
Manuelzão e Miguilim
É interessante o fato de que a personagem que abre o
ciclo, o pequeno Miguilim, volta já homem feito (Miguel) na
última novela do volume Corpo de baile, “Buriti”, a mais lon-
ga das sete e cuja estrutura literária claramente se aproxima
da de um romance Algumas outras personagens do ciclo
também aparecem em diferentes novelas, fortalecendo a
ideia de um corpo de baile, a rodar e dançar pelo sertão.

Guimarães Rosa e a desmedida


do seu fabular: o romance-mundo
Grande sertão: veredas e o olhar
para o pequeno em Primeiras
estórias
Um dos aspectos mais fascinantes da obra de Gui-
marães Rosa é o contínuo reinventar das formas literárias
que ele praticou no suceder de suas publicações. Depois
das formas mais breves do conto e da novela em Saga
rana e da experimentação de novos rumos para esses

90 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Nas veredas do grande sertão O narrador em primeira pessoa é Riobaldo, que, em
uma fala longa e não linear, comenta sobre o mundo do
sertão e conta sua história para um interlocutor sem nome.
Este ouvinte é um homem da cidade que recebe o trata-
mento de doutor; sabemos – pelas palavras de Riobaldo,
que comenta, vez por outra, as atitudes e características
do ouvinte que usa óculos e anota informações em uma
caderneta. Não há como descartar a ideia de que esse
ouvinte figura, no interior da narrativa, o autor, Guimarães
Rosa. Ao mesmo tempo, esta pode perfeitamente ser a
figuração do próprio leitor, já que somos nós, que lemos
o livro, a outra metade não ouvida e posta de fora do
“diálogo” de Riobaldo.
De fato, na obra de Guimarães, o narrador-personagem
parece estar muito próximo do leitor, graças ao recurso de
ocultar a identidade do interlocutor dentro da narrativa e
substituí la pela nossa, virtual, de leitores do livro Por isso
mesmo, é importante, mais do que meramente observar
ROSA, João Guimarães. Ficção completa. 2017. o foco narrativo, considerar a natureza da perspectiva de
No mesmo ano que Corpo de baile (1956) e com gran narração criada por Guimarães Rosa: não se trata de passar
de espanto no meio literário, Guimarães Rosa publica sua uma visão do mundo retratado que parta de cima ou de
obra prima, o avultado romance Grande sertão: veredas, longe para chegar às determinações centrais do romance;
cuja estrutura narrativa em nada se assemelhava às dos em vez disso, o narrador olha para nós de dentro da nar
romances que nossa literatura conhecera até então, mesmo rativa e, por isso, pode narrar com todas as idas e vindas,
em suas mais ousadas experiências, como em Macunaíma, interrupções e retornos, indecisões quanto ao “como” e ao
a “rapsódia” de Mário de Andrade “que” contar, próprias da liberdade de uma fala próxima,
O livro, um dos mais importantes da literatura brasileira, que se dirige a alguém que está ao lado.
destaca-se pela originalidade e pela linguagem, presentes Tal opção narrativa do autor a de criar uma complexa
no relato de Riobaldo, ex jagunço, que relembra suas lutas, personagem sertaneja que fala diretamente para nós – cons-
seus medos e o amor reprimido por Diadorim. Revela-se trói a estranha impressão que o leitor tem ao se deparar com
um lugar sem fronteiras, enorme, onde tudo pode caber, as palavras e a visão de mundo tão profundas e elaboradas
exatamente como o próprio livro. O romance começa com de Riobaldo: sem aquela mediação narrativa típica do re-
um travessão que abre uma fala que se estenderá por mais gionalismo anterior, que nos aproximava do mundo narrado,
de 600 páginas e terminará no símbolo do infinito grafado aqui a fala direta desse mundo já está posta sem rodeios
na página. A geografia, as palavras e as experiências dos para a nossa atenção e possível decifração.
seres humanos se encontram neste grande território, que
[...] Me declare, franco, peço. Ah, lhe agradeço. Se vê que o
também está sujeito a múltiplos desencontros.
senhor sabe muito, em ideia firme, além de ter carta de doutor
A ideia do “grande” sertão remete, em primeiro lugar, à
Lhe agradeço, por tanto Sua companhia me dá altos prazeres.
vastidão, à aridez desértica e ao ambiente seco. As veredas,
Em termos, gostava que morasse aqui, ou perto, era uma
por sua vez, são estreitos e férteis caminhos de rio que
ajuda. Aqui não se tem convívio que instruir. Sertão. Sabe o
atravessam a paisagem e surpreendem pela exuberância
senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais
da vegetação, que inclui a famosa palmeira nativa da região:
forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso...
o buriti. Assim, logo no título da obra, já podemos observar
Eh, que se vai? Jajá? É que não. Hoje, não. Amanhã, não.
dois belos paradoxos interligados: o vasto versus o estreito,
Não consinto. O senhor me desculpe, mas em empenho de
e o seco versus o úmido. As veredas trazem, ainda, certa
minha amizade aceite: o senhor fica Depois, quinta de-ma-
ambiguidade: são tanto locais próprios ao repouso à som-
nhã cedo, o senhor querendo ir, então vai, mesmo me deixa
bra dos buritis – quanto um espaço movediço, de pântanos
sentindo sua falta. Mas, hoje ou amanhã, não. Visita, aqui em
e águas em que podemos afundar se não percebemos
casa, comigo, é por três dias!
onde pisamos.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães;
Os dois-pontos que separam os termos do título do COUTINHO, Eduardo (Org ) Ficção completa 2 ed Rio de Janeiro:
romance formalizam a ambiguidade da relação que se Nova Aguilar, 2009. p. 18. v. 2.
FRENTE 2

estabelece na obra entre as duas paisagens: a do sertão


e, contida nele, mas contradizendo-a, a das veredas. Po- Em Grande sertão: veredas, personagens, narrador,
demos entender, portanto, que as paisagens representadas autor e leitor parecem estar unidos em uma mesma expe-
pelas expressões que compõem o nome do romance estão riência de conhecimento do mundo, de partilha de visão a
misturadas, sem limites definidos, sintetizando uma noção respeito de mundos tanto exteriores quanto interiores, os
importante para toda a obra: a reversibilidade, ou seja, uma quais, muito aos poucos e desordenadamente como na
coisa pode virar outra, voltar a ser aquela, e assim por diante. vida –, vamos descobrindo.

91
[ ] Todo caminho da gente é resvaloso Mas; também, em tempo de paz, que seus homens saíssem fossem, para es-
cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a tropelias, prática da vida Ser ruim, sempre, às vezes é custoso,
gente volta! Deus resvala? Mire e veja. Tenho medo? Não. Estou carece de perversos exercícios de experiência. Mas, com o
dando batalha É preciso negar que o “Que-Diga” existe. Que tempo, todo o mundo envenenava do juízo Eu tinha receio
é que diz o farfal das folhas? Estes gerais enormes, em ventos, de que me achassem de coração mole, soubessem que eu não
danando em raios, e fúria, o armar do trovão, as feias onças era feito para aquela influição, que tinha pena de toda cria de
O sertão tem medo de tudo. Mas eu hoje em dia acho que Jesus. — “E Deus, Diadorim?” – uma hora eu perguntei. Ele
Deus é alegria e coragem – que Ele é bondade adiante, quero me olhou, com silenciozinho todo natural, daí disse, em res-
dizer O senhor escute o buritizal E meu coração vem comigo posta: — “Joca Ramiro deu cinco contos de réis para o padre
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. In: ROSA, João Guimarães; vigário de Espinosa ”
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães;
Aguilar, 2009. p. 203-4. v. 2. COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2009 p 112 v 2
Também por sua peculiar opção narrativa, o romance é
todo pautado por uma dimensão enigmática, lacunar e miste- A obra-prima de Rosa, sem dúvida um dos romances
riosa. O elemento principal desse plano reticente é Diadorim, mais complexos e potentes de nossa literatura, eleva esse
que assume a tarefa de vingar a morte do pai, o grande chefe gênero literário a um patamar raro entre os brasileiros, que
jagunço Joca Ramiro. A personagem representa a coragem dificilmente encontrará par. Livro-mundo que tudo resume
em relação à natureza e aos homens e marca e favorece a e abre, ele se dispõe a nós como a terra vasta do sertão:
entrada de Riobaldo para o mundo lírico da beleza gratuita assustadora e eventualmente difícil de transpor, mas ca-
e da poesia Porém, se por um lado, Diadorim o ensina a ver paz de revelar belezas extremas se o leitor se dispuser a
a beleza do sertão, por outro oculta um segredo e revela adentrar suas veredas.
que tudo está sujeito à inversão das posições, às misturas
e às reversibilidades que podem ocorrer em vários planos. Primeiras estórias: revelações no
Embaraçar a disposição de gêneros representa, tam escorregar do tempo
bém, uma questão importante para o autor, visto a relação
que podemos ter com uma alteridade radical e com o
tratamento que dedicamos ao outro, o qual nunca conhe-
ceremos inteiramente.
As diferenças entre plebe e oligarquia e entre jagunços
e chefes introduzem, ainda, outra dimensão de disparidade:
Riobaldo transita entre as classes e sempre se pergunta
“quem sou eu?”. Assim, a busca do sentido da vida por esse
herói problemático confere à narrativa uma característica
típica do romance de formação.
Na história contada, a lei civil e o poder nacional centra-
lizador se contrapõem aos costumes locais, como a tradição
patriarcal ou o modo arcaico de produção. Isso porque,
para os jagunços, a comunidade dá as diretrizes, ou seja,
o coletivo se resolve No entanto, Riobaldo, embora pas
se a fazer parte do grupo de jagunços, vive com dúvidas
complexas, questiona seus valores, seus princípios e suas
ações: esse é o lado contemplativo do herói, que mostra
sua interioridade contraditória.
O encontro da personagem principal com a jagunça-
gem, por exemplo, é narrado, ao mesmo tempo, como uma
aparição tenebrosa e fascinante. Essas encruzilhadas vivi-
das pelo sertanejo configuram sempre uma aproximação
seguida de um distanciamento para reflexão
A bronzes. O ódio pousa na gente, por umas criaturas.
Já vai que o Hermógenes era ruim, ruim Eu não queria ter
medo dele. Digo ao senhor que aquele povo era jagunços; eu
queria bondade neles? Desminto Eu não era criança Nunca
bobo fui. Entendi o estado de jagunço, mesmo assim sendo
eu marinheiro de primeira viagem. Um dia, agarraram um
homem, que tinha vindo à traição, espreitar a gente por conta
dos bebelos. Assassinaram. Me entristeceu, aquilo, até ao vago
do ar. O senhor vigie esses: comem o crú de cobras. Carecem.
Só por isso, para o pessoal não se abrandar nem esmorecer, até
Sô Candelário, que se prezava de bondoso, mandava mesmo

92 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


O livro Primeiras estórias, publicado em 1962, reúne espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se
contos curtos que desafiam a compreensão do leitor e o familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente.
convidam a rever o mundo com um olhar de descoberta Tudo, aliás, é a ponta de um mistério Inclusive, os fatos Ou
As “estórias” foram denominadas “primeiras” por marca a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um mi-
rem um início: a virgindade do olhar para tudo o que é lagre que não estamos vendo.
próprio aos tempos primordiais. O autor fez questão de ROSA, João Guimarães. “O espelho”. In: ROSA, João Guimarães;
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
chamá-las “estórias”, e não histórias, segundo a norma da Aguilar, 2009 p. 446 v 2
língua portuguesa, para realçar seu caráter atemporal, de
histórias que podem ter acontecido em quaisquer tempos Outra era a vez. De sorte que de novo o Menino viajava
para o lugar onde as muitas mil pessoas faziam a grande ci-
históricos ou passíveis de adquirir o estatuto de fábulas
dade. Vinha, porém, só com o Tio, e era uma íngreme partida.
sem perder sua proximidade com o real imediato e o lo-
Entrara aturdido no avião, a esmo tropeçante, enrolava-o de
cal. O qualificativo “primeiras” também parece remeter à
por dentro um estufo como cansaço; fingia apenas que sorria,
ideia de que os contos se ocupam de acontecimentos
quando lhe falavam Sabia que a Mãe estava doente Por isso
“menores”, os quais podem passar despercebidos ao olhar
o mandavam para fora, decerto por demorados dias, decerto
que só é capaz de registrar a medida épica, grandiosa,
porque era preciso. Por isso tinham querido que trouxesse os
do mundo narrável
brinquedos, a Tia entregando-lhe ainda em mão o preferido,
Muitas personagens dos contos desse livro são crian que era o de dar sorte: um bonequinho macaquinho, de calças
ças, inclusive um “Menino” (nomeado com letra maiúscula) pardas e chapéu vermelho, alta pluma.
que, em dois momentos distintos de sua experiência de ROSA, João Guimarães. “Os cimos” In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO,
vida, pode ser claramente identificado nos contos de aber- Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro:
tura e fechamento do volume (“As margens da alegria” e Nova Aguilar, 2009 p. 514 v 2

“Os cimos”, respectivamente). A presença significativa de Nos trechos dos contos apresentados, as personagens,
crianças nos contos reforça a ideia do olhar curioso para o incluindo o narrador-personagem do conto “O espelho”,
mundo, o olhar ávido por descobertas proposto pela obra, vivem algo extraordinário e surpreendente. Uma mudança
já que, naturalmente, a infância remete à experimentação sempre pode ocorrer e, quando menos se espera, o des-
Assim, permeado pelo ato de brincar, o jogo com palavras tino – algo em que o sertanejo crê absolutamente – pode
adotado recobra a energia primitiva sobre o entendimento provocar alguma transformação
das coisas, de maneira que a palavra renova o idioma e Dessa maneira, no auge das descobertas, Guimarães
revitaliza o próprio mundo representado. Rosa narra momentos de epifania – súbitas revelações –
vividos pelas personagens. Essas experiências, que relatam
Atenção a aparição de estados de graça e de aberturas da sensi
Perceba que a noção de algo inesperado, novo e misterioso que as bilidade para eventos que a transcendem, relacionam-se
narrativas de Primeiras estórias trazem está relacionada ao universo à outra questão sempre presente na obra do autor: o apa-
místico sempre presente nas obras de Guimarães Rosa. recimento e a finitude das percepções e dos sentimentos
do homem. A alegria e a beleza não são duradouras e
eternamente plenas: a luz, após se acender, apaga-se; a
Leia atentamente os trechos reproduzidos a seguir: própria vida também se abre e se fecha Por meio dessas
Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos, relações de transitoriedade, o escritor fala sobre o cará-
não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela ter provisório da vida de modo simples, como quem quer
perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou apenas mostrar que as coisas podem ir e vir, mas que a
desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam vivência plena desses momentos amplia a intensidade do
para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no nosso estar no mundo.
colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse Superando a desilusão que acompanha a dor de certos
mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, aprendizados de vida, os contos de Guimarães destacam a
angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão De vê-la tão beleza do exercício de conhecer e experimentar sensações
perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. — novas. O conto “Soroco, sua mãe, sua filha”, por exemplo,
“Nhinhinha, que é que você está fazendo?” — perguntava-se. E faz suceder à tristeza da personagem Soroco que leva
ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: — “Eu… to-
mãe e filha, acometidas de loucura, a caminho do embarque
u… fa-a-zendo”. Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?
para o hospício – a inesperada beleza e solidariedade do
ROSA, João Guimarães. “A menina de lá”. In: ROSA, João Guimarães;
COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: canto do povo do lugarejo, que, arremedando o “canto
Nova Aguilar, 2009. p. 412. v. 2. sem razão” das duas mulheres, acompanha Soroco, agora
FRENTE 2

Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas sozinho, de volta à casa.
experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de As narrativas focam experiências de continuidade e
raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços descontinuidade que dão forma aos ciclos naturais exerci-
Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, dos sobre todas as coisas. Assim, a partir das experiências
um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os singulares narradas, Guimarães apresenta ao leitor outras
outros ainda ignoram O senhor, por exemplo, que sabe e es possibilidades concretas de vida, que, na verdade, são
tuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade — um universais, ou seja, dizem respeito a qualquer ser humano.

93
Literatura e experiência em sua estreia literária tenha sido com um romance intitulado
Perto do coração selvagem (1943), escrito quando a autora
Clarice Lispector tinha 20 anos
Ainda que o ato de escrever fosse condição fundamen
tal para que Clarice se mantivesse viva, ela não aceitava ser
classificada como uma escritora profissional, uma vez que
a obrigação outorgada pelo rótulo da profissão tolheria o
ato de escrever livremente, sem compromisso, algo de que
tanto precisava, como respirar ou se alimentar.
E nasci para escrever. Minha liberdade é escrever. A pala-
vra é o meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância
várias vocações que me chamavam ardentemente Uma das
vocações era escrever. E não sei por que foi essa que segui.
Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um
longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado
é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós.
LISPECTOR, Clarice. Apud: WALDMAN, Berta. Clarice Lispector. São Paulo:
Escuta, 1993 p 17-8

A obra de Clarice Lispector se desvia da norma de


outros representantes literários do período e se constrói
de maneira inédita e surpreendente, sempre a partir do
cruzamento entre a sua própria experiência do mundo e
o ato de escrever. Sem se preocupar com as formas lite-
rárias convencionais, sua escrita permite que as palavras
Clarice Lispector (1920 1977) nasceu na Ucrânia, porém encontrem seu próprio fluxo e deem forma a uma espécie
veio ao Brasil com dois meses de idade, onde foi alfabeti de subversão do fazer literário.
zada Talvez seja por isso que ela afirmava em entrevistas
que não se sentia estrangeira Passou um longo período Os contos: instantes epifânicos
no Nordeste, daí o seu sotaque nordestino. Casou-se com
Os muitos contos que a autora escreveu representam
um diplomata e, por isso, viveu e morou em muitos locais
o caminho mais indicado para entendermos o mergulho
diferentes. Assim, existe em sua biografia um traço de não
para dentro do ser humano por ela proposto. Sempre di-
pertencimento a instituições sociais sólidas e concretas,
recionadas ao encontro da sua condição mais humana, as
como nacionalidade, profissão e residência, fato que nos
personagens de Clarice se revelam a nós e a elas mes-
ajuda a compreender alguns pontos de vista expressos
mas ao se depararem com elementos inusitados do real,
em sua obra.
não percebidos cotidianamente. Na produção ficcional, de
Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu cunho existencialista, as personagens de Clarice sentem a
pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor. necessidade de subjetivar os objetos, os animais, as pes-
LISPECTOR, Clarice. Apud: WALDMAN, Berta. Clarice Lispector. soas e os fatos que as cercam e as atingem. O desejo
São Paulo: Escuta, 1993 p. 16
de se integrar ao mundo e ao outro se efetiva por meio
As obras de Clarice Lispector trazem à tona aspectos da experimentação do prazer, da dor e das emoções, uti-
do nosso estar no mundo que passam despercebidos na lizando-se, também, da racionalidade, em um constante
vida corriqueira: são pequenos fatos que podem abrir um processo de autoanálise
abismo no curso da vida, modificando-a, se soubermos per- Um dos contos que ficaram conhecidos por essa ideia
cebê-los e sondá-los. Pela palavra, Clarice apresenta um do instante epifânico de alteridade é “Amor”, publicado no
novo universo, em que uma consciência mais ampla acerca livro Laços de família (1960). Nele, o narrador nos apresenta
da existência nos fica subitamente acessível um simples Ana, uma mulher comum, dedicada à família e imersa nos
detalhe pode nos colocar em contato com algo maior, es afazeres domésticos. Em um momento banal e rotineiro
tranho, reconhecido como nosso, mas pouco entendível dentro de um ônibus, Ana avista um cego mascando chicle-
pela racionalidade Revelado, esse algo pode desestabilizar te. A súbita revelação dessa imagem traz à tona um possível
as mais sólidas existências e descortinar outros níveis de avesso em relação à tranquila e inconsciente “normalidade”
consciência para nossa percepção do mundo. de Ana e conduz à reviravolta do conto: a personagem
O caos que pode, de repente, transbordar da observa abala se interiormente e é inundada por questionamentos
ção dos fatos humanos instigou Clarice Lispector por toda acerca de sua identidade e do seu estar no mundo Não
sua vida literária; suas obras procuram, de diferentes ma será mais possível à personagem apagar os efeitos desse
neiras, sondar esse caos, aproximar-se dele e trazê-lo a nós súbito desconcerto, pois seu olhar sobre ela mesma e sobre
por meio do fluxo de consciência. Muitas vezes, sua escrita o mundo estranharam-se irremediavelmente. A alteridade,
abole os enredos e se entrega ao curso livre de pensamen- inicialmente suscitada pela visão do cego, instala-se no
tos mais abstratos. Nesse sentido, é muito expressivo que próprio ser que a percebeu.

94 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Atenção Para Clarice, eventos banais podem virar abismos de
sensações e pensamentos que a desnorteiam e podem, até
Epifania, do ponto de vista filosófico, é uma sensação profunda de mesmo, travar o ato de narrá-los. É a própria literatura, na
realização, um momento súbito de iluminação, de revelação. Nas obra dessa autora, que parece estar sempre sendo posta
obras de Clarice, esse momento acontece a partir dos fatos mais em xeque quanto a seus limites, suas possibilidades e suas
cotidianos. Trata se da marca de uma espécie de evento mágico e
impossibilidades
definidor para as narrativas, podendo ser despertado por alguma
experiência, por uma sensação inusitada ou pelo encontro com algum

“Sobrevivientes” instalación. Medidas variables Marzo de 2009


ser. O termo vem do grego epipháneia, que significa “manifestação”,
“aparição”, formado por epi = sobre e phainein = mostrar, aparecer.

O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá


tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem
parado no ponto
A diferença entre ele e os outros é que ele estava real-
mente parado De pé, suas mãos se mantinham avançadas.
Era um cego.
O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em des-
confiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então
ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava
chicles
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os
irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado. In-
clinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não
nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com
os olhos abertos O movimento da mastigação fazia-o parecer
sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir –
como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse
teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a
olhá-lo, cada vez mais inclinada – o bonde deu uma arrancada Fig. 1 Roberto Fabelo, Sobreviventes, 10a Bienal de Havana, Museu de Belas Artes,
súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô Cuba. Faces humanas em esculturas de baratas gigantes.
despencou-se do colo, ruiu no chão – Ana deu um grito, o con-
dutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava – o Os textos de Clarice Lispector não refletem a intenção
bonde estacou, os passageiros olharam assustados. de explicar os comportamentos humanos, mas o desejo de
LISPECTOR, Clarice “Amor” In: Laços de família nos aproximar de sua inexplicabilidade, para que a expe-
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. riência de alteridade que a literatura pode nos proporcionar
A densa introspecção psicológica armada pelo narrador nos enriqueça. Assim, sua perspectiva literária ultrapassa
procura desvendar o universo mais interior da personagem, questões sociais e psicológicas, procurando desafogar as
e o fluxo da consciência contribui para isso. Sem limites ou pessoas de seus já muito arraigados hábitos perceptivos e
regras, a narrativa quebra de vez a velha ideia de que a de seus pensamentos comuns, mecânicos e automáticos.
sequência canônica (começo, meio e fim) representa uma A escritora busca chamar nossa atenção para o caos da
condição para a verossimilhança da obra literária. Clarice vida, o qual se esconde por trás da aparência de “nor-
amplia os limites das coordenadas de espaço e tempo que malidade”.
costumam estar associadas a qualquer narrativa e conduz o O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a ga-
leitor a uma experiência interior que, partindo do mergulho linha é o disfarce do ovo Para que o ovo atravesse os tempos
no íntimo de cada personagem, pode deflagrar momentos a galinha existe. Mãe é para isso. – O ovo vive foragido por
de quebra de valores estabelecidos pelo hábito ou suscitar estar sempre adiantado demais para a sua época. – O ovo por
questionamentos existenciais. enquanto será sempre revolucionário Ele vive dentro da gali-
No conto “A quinta história”, do livro A legião estran- nha para que não o chamem de branco. O ovo é branco mesmo.
geira (1964), esse movimento de desestabilização íntima Mas não pode ser chamado de branco. Não porque isso faça
atinge a própria possibilidade de contar o acontecido em mal a ele, mas as pessoas que chamam ovo de branco, essas
uma única narrativa: a narradora, às voltas com o problema pessoas morrem para a vida Chamar de branco aquilo que é
doméstico das baratas na cozinha, começa e termina de branco pode destruir a humanidade.
FRENTE 2

narrar a história do seu confronto com os insetos, mas, LISPECTOR, Clarice “O ovo e a galinha” In: A legião estrangeira Rio de
Janeiro: Rocco, 1999.
logo em seguida, recomeça a mesma narrativa, ampliando
suas implicações. Mesmo após a tentativa de escrita de É necessário, portanto, que o leitor dos textos de Cla-
cinco histórias sobre o mesmo fato, resta, para a narrado rice Lispector esteja preparado para um contato visceral e
ra e para os leitores do conto, uma enorme perplexidade direto com a vida mais íntima que pulsa nas coisas e nos
quanto às reações e aos sentimentos surgidos no embate seres do mundo, como se tudo pudesse ser visto sempre
com as baratas. como se o fizéssemos pela primeira vez.

95
Os romances e a transgressão filosófica, literária e linguística também passam a ser ques-
tões sociais, pois misturam planos que convergem para o
das formas narrativas constante desencontro entre a palavra literária e o universo
Se o conto, por sua brevidade e tendência a cons- social que ela almeja retratar.
truir efeitos surpreendentes, foi o veículo literário exemplar Macabéa, personagem tão singela e complexa, apa-
para que Clarice testasse e conquistasse seus leitores, suas rece no texto sempre mediada pelo foco do narrador,
experimentações com a forma do romance não deixam a que procura traduzi la pelas reações aos estímulos ex
desejar em inovação e ousadia literárias. ternos que nela adivinha. No trecho reproduzido a seguir,
Em um de seus mais cultuados romances, A paixão se-
o narrador flagra a percepção de mundo de Macabéa
gundo G.H (1964), o que estamos acostumados a chamar
em confronto com a retórica convencional de seu (quase)
de “enredo” limita se ao fato de a narradora (nomeada por
namorado, Olímpico. A imagem da nordestina que resulta
tais iniciais) encontrar uma barata na porta de um armário,
daí é a de um ser especial e sensível, mas deslocado, in-
em um quarto recém desocupado por uma empregada O
consciente de si e incompreensível para os outros; quase
que seguirá a esse evento, ao longo de todo o romance,
um não ser.
é a tentativa que a narradora empreende para traduzir
em palavras nem sempre “coerentes” segundo a lógica Ele falava coisas grandes mas ela prestava atenção nas
vigente ao fluxo de sensações e pensamentos desen coisas insignificantes como ela própria Assim registrou um
cadeados pelo desestabilizador encontro com a barata. A portão enferrujado, retorcido, rangente e descascado que abria
“paixão” a que o título da obra se refere é a vivência desse o caminho para uma série de casinhas iguais de vila. Vira isso
turbilhão de experiências interiores, tão viscerais como do ônibus. A vila além do número 106 tinha uma plaqueta
abstratas, que o evento viabilizou. O romance dá bem a onde estava escrito o nome das casas. Chamava-se “Nascer
medida da ousadia e da novidade perturbadoras que os do Sol” Bonito o nome que também augurava coisas boas
textos de Lispector trouxeram para a literatura brasileira, [...]
ou seja, a ideia de que um romance pode construir sua Maca, porém, jamais disse frases, em primeiro lugar por
força junto ao leitor não pelo enredo que desenvolve – a ser de parca palavra. E acontece que não tinha consciência
“história” que conta –, mas pela densidade no trato com de si e não reclamava nada, até pensava que era feliz Não se
as palavras, forçando-as a dar corpo a experiências, por tratava de uma idiota mas tinha a felicidade pura dos idiotas.
princípio, pouco narráveis. E também não prestava atenção em si mesma: ela não sabia.
A vocação metafísica e existencial da literatura de Cla LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
rice pressupõe que não faz sentido procurarmos em suas
As principais obras de Clarice Lispector são:
obras tematizações explícitas de questões sociais Porém, o
interessante é que o seu último romance, A hora da estrela y Perto do coração selvagem (1943)
(1977), gira justamente em torno do desejo mas também y Laços de família (1960)
da dificuldade de um narrador, Rodrigo S M , falar da
vida de uma nordestina simples cujo olhar e “sentimento y A paixão segundo G.H. (1964)
de perdição” pegara “no ar, de relance, em uma rua do y A legião estrangeira (1964)
Rio de Janeiro”.
y Felicidade clandestina (1971)
Em vez de naturalizar a possibilidade de um narrador
poder falar de uma personagem tão recolhida em sua y Água viva (1973)
existência miúda e desvalida – e, justamente por isso, tão y A imitação da rosa (1973)
questionadora de nossas misérias sociais –, Clarice opta
y A via crucis do corpo (1974)
por expor fragmentos da história da personagem Macabéa
sempre por meio da tensão e dos questionamentos que y A hora da estrela (1977)
descrever tal personagem traz ao narrador inventado por
ela. Assim, essa opção desloca um tipo de abordagem das A “geração de 45” e a poesia de
questões sociais que se tornou clássico na literatura brasilei-
ra (como em Vidas secas, de Graciliano Ramos), trazendo-o
João Cabral de Melo Neto
para o interior do próprio processo de escrever: por que A geração de 45, como visto anteriormente, apresenta
se escolhe escrever sobre certa personagem? Como fa uma grande diversidade de procedimentos artísticos, tanto
zê-lo? Que tipo de poder passamos a ter sobre alguém na prosa quanto na poesia. Os seus mais renomados escri-
sobre quem decidimos escrever? Que consequências e tores não se articularam em torno de manifestos – embora
questionamentos isso traz para um narrador? Escrever so- também os tenham conhecido , ou seja, não cultivaram
bre alguém desamparado muda o mundo que forjou esse uma postura de grupo ou de gerações literárias como fa-
desamparo? Se não, por que escrevemos? Na obra de ziam os artistas em torno da Semana de 22 na primeira
Clarice, essas questões são tão importantes e carregadas geração modernista ou os autores do novo romance re-
de implicação social quanto a existência objetiva de Maca gionalista na geração de 30. A despeito disso, João Cabral
béa. Dessa maneira, não podemos entender a personagem de Melo Neto manifestou simpatia pelos concretistas em
apenas pelo viés social, que reflete a opressão contra a mais de uma oportunidade, porém deixou claro que não
nordestina. No romance, diversas dimensões – existencial, seguia ninguém.

96 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Assim, como exemplos da “nova objetividade” que habita
sua poesia, podemos citar: os canaviais do Nordeste brasileiro,
descritos poeticamente a partir do que têm em comum com
o mar, que a eles “ensina” suas formas e disposições visuais
(“O canavial e o mar”); o clima seco e árido da região, que
sintetiza suas potencialidades na imagem da “pedra” que
“entranha a alma”, mas que pode nos ensinar “por lições”
a captar para a poesia “sua voz inenfática, impessoal” (“A
educação pela pedra”); e a “imagem da faca que só tivesse
lâmina”, que é capaz de nos ensinar a obter, “de um material
doente” (as palavras desgastadas pelo uso poético senti-
mental), “o que em todas as facas / é a melhor qualidade: /
a agudeza feroz, / certa eletricidade, [...] o gosto do deserto”
(“Uma faca só lâmina”).
Em sua obra, também há elementos da cultura espanhola,
João Cabral de Melo Neto (1920-1999), filho de donos de a qual o autor conheceu de perto, como o canto “a palo seco”
engenho, nasceu no Recife e sempre demonstrou incomum (“cante sem guitarra”, “cante despido”, “cante que se canta sob
interesse pela arte da palavra. Seguiu carreira como diplomata o silêncio a pino”), que pode dar conselho à poesia que se faz
e morou por longos anos na Espanha, país cuja cultura dialo- com e na aridez do Nordeste: “não o de aceitar o seco / por
gou de forma decisiva com sua poesia. Inovador, o autor soube resignadamente, / mas de empregar o seco / porque é mais
promover em seus poemas arranjos complexos a partir de pa- contundente.” (“A palo seco”). Figuras muito características da
lavras simples. Para ele, a poesia de buscar a palavra exata era cultura da Espanha, como os famosos toureiros, são visitadas
um exercício de refinamento. Na sua obra, encontram-se fácil e valorizadas por João Cabral na medida em que ensinam os
melodia e versos despojados, trabalhados rigorosamente, poetas a não “poetizar o poema”, fantástica imagem-síntese
que superam por completo os traços parnasianos e simbo da dimensão crítica e antilírica de sua poesia.
listas que ainda vicejavam nos poetas da geração de 45. Sua
Alguns Toureiros
produção é marcada pela união entre o sofisticado trabalho
Eu vi Manolo Gonzáles Mas eu vi Manuel Rodríguez,
formal da poesia que fala de si mesma e as criações poéticas
e Pepe Luís, de Sevilha: Manolete, o mais deserto,
afeitas à participação social, tendências frequentemente vis-
precisão doce de flor, o toureiro mais agudo,
tas como opostas. Seu famoso poema “Tecendo a manhã” é
graciosa, porém precisa. mais mineral e desperto,
um ótimo exemplo dessa habilidade, que ele via como fruto
do trabalho árduo e racional de lapidação e combinação das Vi também Julio Aparício, o de nervos de madeira,
palavras. Devido a essa característica, João Cabral ficou co- de Madrid, como Parrita: de punhos secos de fibra
nhecido como engenheiro das palavras ciência fácil de flor, o da figura de lenha
Suas obras mais conhecidas, Morte e vida severina espontânea, porém estrita lenha seca de caatinga,
(1956) e A educação pela pedra (1966), atestam o duplo Vi Miguel Báez, Litri, o que melhor calculava
impulso poético do autor dos confins da Andaluzia, o fluido aceiro da vida,
Eu, para escrever, preciso ver muito o que eu estou es- que cultiva uma outra flor: o que com mais precisão
crevendo, compreende, sou incapaz de compor uma coisa angustiosa de explosiva roçava a morte em sua fímbria,
de cabeça e ditar. O poema, para mim, é como se eu pintasse E também Antonio Ordóñez, o que à tragédia deu número,
um quadro. Preciso ver como é que está ficando a forma dele. que cultiva flor antiga: à vertigem, geometria
[...] perfume de renda velha, decimais à emoção
Eu demoro muito a escrever. Tem poemas meus que eu de flor em livro dormida. e ao susto, peso e medida.
levei dez anos para escrever Faço um esboço, trabalho sobre MELO NETO, João Cabral de. “Alguns toureiros”. In: Poesias completas. Rio
ele, depois deixo, depois retomo. de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 258-9. © by herdeiros de João Cabral de
MELO NETO, João Cabral de. “O pedreiro do verso”. Entrevista a José Geraldo Melo Neto.
Couto. Folha de S.Paulo. 22 maio 1994. Disponível em: <www1.folha.uol.
com.br/fsp/1994/5/22/mais!/6.html>. Acesso em: 28 fev. 2018. As principais obras do autor são:
y O cão sem plumas (1950)
y O rio (1954)
João Cabral e a poesia das
y Morte e vida severina (1956)
coisas nuas
FRENTE 2

y Quaderna (1960)
Em forte sintonia com a tradição da poesia lírica moderna, y A educação pela pedra (1966)
que, remontando aos simbolistas franceses, encontrou nas
y Museu de tudo (1975)
obras de Mallarmé e Valéry suas realizações mais ousadas, a
y A escola das facas (1980)
poesia de Cabral buscou eliminar todos os resíduos de sen-
timentalismo e de culto ao pitoresco que marcaram o lirismo y Poesia crítica (1982)
mais convencional e mergulhar na potente nudez das próprias y Agrestes (1985)
coisas e dos objetos do mundo oferecidos à nossa percepção. y Andando em Sevilha (1989)

97
Morte e vida severina e a poesia ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva
participante
Morte e vida severina é um longo poema também co- E não há melhor resposta
nhecido como “Auto de Natal pernambucano”, por destacar, que o espetáculo da vida:
em certo ponto, um nascimento e por estar ambientado em vê la desfiar seu fio,
Pernambuco. É a obra mais popular do autor, ainda que que também se chama vida,
represente apenas uma das facetas de sua produção poé- ver a fábrica que ela mesma,
tica. Em versos ritmados, o poema conta a história de um teimosamente, se fabrica,
retirante chamado Severino, que parte do sertão e chega vê la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
a Recife, revelando aspectos da migração no Brasil. Assim,
mesmo quando é assim pequena
além de denunciar os problemas sociais do Nordeste, os
a explosão, como a ocorrida;
encontros e as descrições da vida dura que a narrativa mesmo quando é uma explosão
poética de Severino vai acumulando no seu desenrolar como a de há pouco, franzina;
propõem densas reflexões sobre a condição humana mesmo quando é a explosão
Em seu âmbito formal, além de resgatar a tradição dos de uma vida severina.
autos medievais, o poema é rico em ritmos e musicalidade, MELO NETO, João Cabral de. “Morte e vida severina”.
o que demonstra o rigor estético do autor Vários trechos In: Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978. p. 115-6. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
da obra foram musicados por Chico Buarque de Holanda
para um importante espetáculo teatral de mesmo nome. Na última parada de sua viagem ao litoral, fugindo da
morte trazida pela seca, Severino assiste ao nascimento de
— Severino, retirante,
um menino, a marcar a imagem da vida que resiste diante
deixe agora que lhe diga:
da constante negação à existência trazida pelas condições
eu não sei bem a resposta
adversas. Ficam claros, dessa maneira, tanto o “salto partici-
da pergunta que fazia,
pante” na direção de uma poesia de cunho social quanto o
se não vale mais saltar
compromisso ético e existencial da poesia de João Cabral
fora da ponte e da vida;
de Melo Neto.
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender, Saiba mais
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,

98 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Tendências da literatura No entanto, no final do mês de março daquele mesmo
ano, Jango foi deposto por um golpe que instaurava a
contemporânea ditadura militar, período de repressão e rigorosa censura –
O mundo estava passando por um período de grande agravada pelas publicações dos atos institucionais , o
agitação. Em 1954, Getúlio Vargas, que concorria a novas que culminou no exílio de diversos intelectuais da época.
eleições presidenciais, comete suicídio; eleito por voto di- Porém, na década de 1980, houve a anistia dos exilados
reto em 1956, o mineiro Juscelino Kubitschek inicia uma e o movimento “Diretas já”, quando o Brasil voltou a ca-
transformação pela qual todos esperavam: com o célebre
minhar em direção à democracia, resultando no fim da
slogan “cinquenta anos em cinco”, o desenvolvimento e a
ditadura (1985), em uma nova Constituição Federal (1988)
abertura de mercado foram protagonistas de um processo
e nas eleições democráticas para presidente (1989)
de internacionalização que perdura até hoje.
Todo esse cenário de transformações sociais e políticas
A globalização e a urbanização foram sentidas intima-
mente por toda a população, pois, enquanto a Europa ainda refletiu-se, a seu modo, na modernização do país e, conse-
vivia a reconstrução ao longo dos anos do pós-guerra, o quentemente, na produção artística do período.
Brasil se esforçava em busca do crescimento econômico.
De fato, generalizou-se a crença na nossa modernização, Concretismo: atualização da
o que provocou uma mudança nos desejos de vida das
pessoas: grandes transformações, novas esperanças e uma
sensibilidade artística em face do
euforia progressista. progresso material
Um dos melhores exemplos desse momento de ânsia As primeiras manifestações da poesia concreta ou
pela expansão modernizadora do Brasil é a construção e do Concretismo surgem no Brasil a partir da metade da
inauguração de Brasília em 1960, uma vez que, ao transferir
década de 1950 em consonância com o surto progressista
a capital do país para o interior, construiu-se, também, um
de industrialização do país. Além disso, aparecem como
símbolo: um projeto urbanístico integralmente planejado pos-
uma maneira muito consciente de atualizar e divulgar entre
sibilitou o nascimento de uma cidade ordenada e, sobretudo,
nós certas concepções sobre a arte e experimentações
moderna, apesar da imensa dificuldade para efetivar essas
obras no meio do mais isolado cerrado do Planalto central. artísticas que já vinham se desenvolvendo na Europa des-
Posteriormente, Jânio Quadros é eleito e, alguns meses de algumas décadas. Tais experimentações procuravam,
depois, renuncia à presidência. Assim, assume o poder o en- ainda que tardiamente, levar às últimas consequências as
tão vice -presidente João Goulart, o Jango, cuja proximidade propostas das vanguardas do início do século XX, espe-
com o Partido Comunista Brasileiro e o Partido Socialista Bra- cialmente o Futurismo e o Dadaísmo. Portanto, é preciso
sileiro, em época extraordinariamente conservadora, coloca entender o Concretismo na sua dupla face: a de produ
o país em estado de alerta. Jango se manteria no poder até ção e divulgação de novas formas de fazer poesia; e a
1964, anunciando as reformas agrária, urbana, educacional, de reflexão teórica propositiva sobre os rumos gerais da
bancária e fiscal. arte moderna

Fig. 2 Os Guerreiros, mais conhecida como Os candan-


gos, é uma escultura feita em bronze, no ano de 1959,
pelo artista Bruno Giorgi e está localizada na Praça dos
Três Poderes, em Brasília. Ela homenageia os operários
responsáveis pela construção da capital. FRENTE 2

Bruno Giorgi/© Pixattitude | Dreamstime.com

99
Assim, o Concretismo se apresentou programatica [...] o poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes
mente inclusive a partir da divulgação de manifestos e lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e
de obras teóricas – como uma estética que negava tanto vivificar a sua facticidade.
a ideia de poesia como expressão da subjetividade quan CAMPOS, Augusto de “poesia concreta (manifesto)” In: CAMPOS,
Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia
to a forma frásica e versificada comumente associada a concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo:
qualquer poema. Ele privilegiava o caráter técnico do ato Ateliê Editorial, 2006. p. 71.

de fazer e ler poesia, associando o poema a um objeto


visual composto de palavras soltas e libertadas da sintaxe, O grupo concretista e sua concepção
ainda que passíveis de serem articuladas entre si tanto de poema
pela sonoridade e forma visual quanto pelas possíveis Idealizada e concebida pelos irmãos Haroldo de
relações de significado que o leitor pudesse perceber Campos (1929-2003) e Augusto de Campos (1931-) e por
entre elas. O poema concreto tinha uma maior relação Décio Pignatari (1927-2012), a corrente concretista repre-
com as artes visuais do que com a ideia de poesia como sentou uma ruptura com o que se conhecia como poesia
discurso expressivo. até aquele momento. O verso foi abolido e, no lugar dele,
Assim, no poema concretista, o que notamos de ime- aproveitavam-se o espaço na página e a disposição das
diato são palavras colocadas como peças de um jogo de palavras para compor os indícios da possível significação do
armar – sempre aberto – no espaço branco da página, ou conjunto, o que permitia, assim, múltiplas e sempre abertas
palavras fragmentadas visando fazer ecoar novas sonori- leituras Além disso, havia a exploração do significante, ou
dades quando lidas Se, em um primeiro momento, esses seja, toda a parte visual e sonora das palavras, bem como sua
poemas, que também podem se apresentar como imagens disposição na página, também contribuíam para a construção
formadas com palavras, traços e letras, parecem estranhos do sentido. A ideia não era retirar da palavra a sua carga de
ou sem sentido, em uma segunda leitura podem revelar, a conteúdo, mas sim utilizar essa carga em consonância com
começar pela participação ativa de quem os lê, aspectos a sua parte física, como material de trabalho, que nunca era
que evidenciam novas maneiras de compreender o mundo entregue ao leitor como algo pronto.
a partir dessas palavras É importante ressaltar que o poema concreto não foi
A poesia concreta foi produto de uma evolução crítica feito para traduzir um sentido fora dele, mas sim para ser a
de formas, tomada por um conhecimento do espaço gráfico articulação livre e aberta entre forma e conteúdo, ou seja,
como estrutura; daí a importância da ideia de ideograma, funcionando como um objeto gerador de múltiplos sentidos e
recursos tipográficos como elementos substantivos dessa oferecido à leitura tanto ativa quanto contemplativa do leitor
composição, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial Dessa forma, abolia se o modo como tradicionalmente
e/ou visual, até seu estilo específico. É um conjunto de se associava, em poesia, conteúdo e forma: a partir do
movimentos concomitantes. material (os elementos linguísticos e o espaço branco da
Em 1958, surge no Brasil um primeiro manifesto con página) e da forma como o artista o manipularia em busca
cretista: Plano-piloto para poesia concreta, assinado por do efeito artístico desejado, gerava-se um objeto (o poema)
Augusto de Campos, seu irmão Haroldo de Campos e potente de significados, que se completariam apenas a
por Décio Pignatari, que estabelece os preceitos da poesia partir do trabalho do leitor.
concreta. A relação entre esses três autores era mais antiga; Com isso, ficava clara a rejeição ao lirismo, pois os
em 1952 já haviam dado início ao movimento internacional autores concretistas já não estavam mais interessados na
da Poesia Concreta no Brasil, com o lançamento da revista relação entre a obra e a individualidade que a produziu ou
literária Noigandres, nome também desse grupo de poetas. entre o poema e alguma realidade determinada (individual
ou social) à qual ele se referia: a “temática” do poema era
Atenção a sua própria forma Por ser proposto como uma realidade
em si, que não se referia diretamente a nada fora dele, o
O Concretismo atualizou para a nossa poesia ideias e experiências poema resultava do trabalho racional do artista, e não de
estéticas que surgiram na Europa desde as primeiras décadas do qualquer tipo de “inspiração”.
século XX. Assim, é importante conhecer as vanguardas europeias Assim, ao privilegiar o experimento, a poesia concreta
que inspiraram esse movimento e influenciaram a formação de
inverte a ideia platônica de uma beleza artística já pronta:
suas concepções iniciais. Para esse entendimento, as obras
do poeta francês Mallarmé e do poeta russo Maiakovski são fontes
a arte passa a ser compreendida como um processo em
importantes que o criador e o leitor interagem. Associa-se valor estético
a uma arte intencionalmente “inacabada”, em que, muitas
vezes, temos a impressão de que o rascunho ou o fruto de
[ ] a atitude crítica do Concretismo o leva a absorver as uma improvisação livre com as palavras foram emoldurados
preocupações das demais correntes artísticas, buscando su Esse caráter experimental provocou uma relevante e
perá-las pela empostação coerente, objetiva, dos problemas. permanente discussão em torno do significado da arte Não
Todas as manifestações visuais o interessam. fazia mais sentido entendê-la como um objeto inalcançável,
PIGNATARI, Décio “Arte concreta: objeto e objetivo”. In: CAMPOS, engrandecido e absolutamente duradouro, por ter encon-
Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia
concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: trado um artista genial que a forjou e uma sociedade que
Ateliê Editorial, 2006. p. 64. a reconheceu como patrimônio a ser valorizado.

100 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Neoconcretismo de palavra objeto dos concretistas, tomava se a palavra não
como materialidade imediata, mas como uma espécie de
O Neoconcretismo surgiu como reação ao movimento
energia ou de organismo vivo, uma matéria transformável
concretista. Um grupo de artistas encabeçados pelo poe-
e passível de ser moldada pelo leitor, ou seja, pelo seu ato
ta Ferreira Gullar, dissidente do Concretismo, articulou se
de lidar com ela, pela sua ação prática (práxis) sobre ela.
propondo uma arte que tirasse o leitor e o espectador da
Na poesia-práxis, também se retomava o verso, valoriza-
sua passividade a fim de que passassem a interagir com a
do, porém, na medida das relações tanto sintáticas quanto
obra de arte. Assim, a composição da obra era fruto de um
semânticas que ele poderia conter e gerar. O verso não
processo de criação do artista, mas ela só se completava
admitia apenas a possibilidade de sua leitura discursiva,
na relação com o seu interlocutor Desse grupo, destaca
mas oferecia-se como campo de trabalho prático no qual
ram-se, além de Gullar, os artistas plásticos Lygia Clark e
o leitor modelaria possíveis significados. O movimento da
Hélio Oiticica.
Lygia Clark trouxe a público a série Bichos, esculturas poesia-práxis ficou conhecido como instauração Práxis e
articuláveis com dobradiças que convocavam o expectador foi liderado pelo poeta Mário Chamie (1927-2011).
a fazer parte do processo de construção artística modifican
do espontaneamente as formas finais das esculturas. Já os A crítica ao Concretismo
famosos Parangolés de Oiticica convidavam o espectador A geração dos anos 1960 se caracterizou pelo en-
a entrar na obra e empreender performances inusitadas e gajamento político, buscando a literatura como forma de
transformadoras comprometimento e conscientização quanto à luta política
Como neoconcretista, Ferreira Gullar concebia a poesia direta que, conforme se julgava na época, tonara-se neces-
como um projeto que só se cumpria quando lida por um sária diante dos excessos repressivos da ditadura militar.
leitor ativo, capaz de explorar a gama de sentidos con- Assim, era natural que parte dessa geração articulasse
tida nas palavras Gullar também enveredou pelas artes críticas ao Concretismo, acusando o de falta de enraiza-
plásticas, produzindo obras tridimensionais e passíveis de mento social e histórico na proposição de seus poemas,
transformação pelo espectador, mas, como poeta, a pala- os quais eram mais voltados à experimentação com a lin-
vra sobressaía, provocativa, contundente e reveladora, em guagem do que à possibilidade de expressar ideias de
poemas-objetos concebidos pelo artista. natureza discursiva. Portanto, o incômodo da geração en-
gajada de 1960 com o Concretismo residia na diferença de
Poema-processo e poesia-práxis visões quanto ao papel da arte que ambos apresentavam.
Como uma radicalização do Concretismo, surgiu o Para o Concretismo, a importância, inclusive política, da
poema processo, voltado totalmente para a concretude literatura centrava se apenas na possibilidade de amplia-
da linguagem, isto é, valorizando o signo visual em detri ção, via poesia, da capacidade criadora de significados do
mento da palavra, não mais considerada essencial. A ideia leitor, e nunca na veiculação de ideias e visões de mundo
do poeta como uma espécie de artista plástico tornava-se já formatadas, visando à adesão do leitor a elas
ainda mais clara do que no Concretismo. Para essa poesia,
interessava somente criar novos processos de promover Atenção
significado a partir da visualidade, sem restrições ou re Independentemente da crítica, é importante reconhecer o valor que
gras. Assim, o arranjo espacial dos elementos adquiria mais a poesia concreta tem para a vida cultural brasileira. Com ela, apu-
importância do que as próprias palavras, transformando a rou-se a consciência perceptiva do leitor em relação à disposição
estrutura em uma espécie de organismo. O movimento foi das palavras na página e, desse modo, sua capacidade de formar, a
liderado pelo poeta Wlademir Dias Pino (1927 2018), apeli cada leitura, diferentes sequências e encontros de palavras. Daí os
dado “o construtor de livros”. significados que esses encontros geram, podendo se manter sempre
em uma lista aberta. Além disso, o Concretismo representou o ponto
Já a poesia-práxis foi proposta como uma forma de
de partida para importantes reflexões sobre a natureza e os propó-
oposição ao modo de pensar concretista, pois considerava sitos das diversas formas de arte, como música, pintura, escultura,
a palavra uma célula do discurso, valorizando-a dentro de arquitetura e cinema.
um contexto extralinguístico. Ao contrário da concepção
FRENTE 2

101
Revisando
As referências à literatura de Guimarães Rosa perpassam vários campos artísticos Como escritor, ele representou um
marco na nossa história cultural, pois inventou palavras e estórias que descrevem mais do que o nosso jeito, o nosso
povo e as nossas paisagens. Suas obras ultrapassam questões regionais e nacionais, chegando ao universo da arte,
do espírito e do admirável Guimarães conta mais do que aquilo que vemos: suas letras, vivas, caminham livremente
pelo reino dos signos e, assim, colocam o leitor em um contato íntimo e súbito com a grandeza do mundo.

Leia o fragmento do romance Grande sertão: veredas para responder às questões de 1 a 3.


Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com
casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montões
oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas almargem de vargens de bom render, as vazantes;
culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há O gerais corre em volta Esses gerais
são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está
em toda a parte.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa.
2 ed Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009 p. 7 v. 2

1 É possível afirmar que o trecho do romance apresentado se aproxima da oralidade?

2 A afirmação “O sertão está em toda parte” confere a esse cenário um caráter universal?

3 Pela leitura do trecho, podemos depreender características do estilo de Guimarães Rosa?

102 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Leia os trechos a seguir, de Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, para responder à questão 4
[...] O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo? — Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a forma
brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas onde está o que quero dizer, onde está o que devo dizer? Inspirai-me,
eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à espera da essência; é isso? [...] Nada posso dizer ainda dentro da forma. Tudo
o que possuo está muito fundo dentro de mim
LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 69.

— Dize que levas somente


coisas de não:
fome, sede, privação.
MELO NETO, João Cabral de “Morte e vida severina” In: Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
© by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.

4 Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto são considerados autores de grande maturidade literária por terem
seus estilos muito bem definidos. A partir dos trechos apresentados, comente sobre o estilo que se pode depreender
de cada um desses autores.

5 EsPCEx 2016 Leia os versos a seguir e responda.


Catar feijão
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e o oco, palha eco,

Alguidar: recipiente de barro, metal ou material plástico, usado para tarefas domésticas.

Em “Catar feijão”, João Cabral de Melo Neto revela


A o princípio de que a poesia é fruto de inspiração poética, pois resulta de um trabalho emocional.
b influência do Dadaísmo ao escolher palavras, ao acaso, que nada significam para a construção da poesia.
c preocupação com a construção de uma poesia racional contrária ao sentimentalismo choroso.
 valorização do eu lírico, ao extravasar o estado de alma e o sentimento poético.
E valorização do pormenor mediante jogos de palavras, sobrecarregando a poesia de figura e de linguagem
rebuscada

O fragmento do texto a seguir pertence a Alfredo Bosi e aborda a literatura contemporânea, cujos pontos fortes são
o seu poder de renovação e a multiplicidade de estilos decorrentes das transformações da modernidade. Leia o ex-
certo a seguir atentamente para responder às questões de 6 a 8.
Renovar a linguagem está no cerne das preocupações e dos projetos de todos. Mas subsistem divergências sensíveis sobre
o modo de entender as fronteiras entre poesia e não poesia, sobre o tipo de mediação que se deve propor entre o ato estético
e os demais atos humanos (éticos, políticos, religiosos, vitais), ou ainda sobre as relações que se podem estabelecer entre o
poema e o objeto de consumo, a imagem da propaganda, o slogan político, a canção popular e outras manifestações de uma
cultura plural veiculada cada vez mais intensamente pelos meios de comunicação de massa Nessa atmosfera saturada de
FRENTE 2

consciência crítica e polêmica, assumem papel de extremo relevo conceitos de origem filosófica (alienação, práxis, superação,
dialética), que cruzam armas com noções de cibernética e da Teoria da Informação (entropia, redundância, emissor, receptor,
código, mensagem). Ao mesmo tempo, o discurso sobre a arte se afasta do vocabulário existencial (angústia, autenticidade,
opção, imaginário...) corrente nos anos do imediato pós-guerra. [...]
Este é o universo mental onde estamos inseridos; e não parece de todo insensato, se descermos às razões da aridez que
nos cerca, esperar das poéticas da dureza e da agressividade algo mais que a fátua complacência na dureza e na agressividade:
a denúncia do que aí está e a procura de uma comunicação mais livre e inteligente com o semelhante
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 41. ed. São Paulo: Cultrix, 1994. p. 439.

103
6 Em que medida as transformações histórico-sociais podem influenciar a produção literária?

7 O poema é fruto da técnica ou da inspiração do poeta?

8 Modernidade e poesia podem se complementar?

Exercícios propostos
1 PUC-Rio 2015 Mais em paz, comigo mais, Diadorim foi b) Guimarães Rosa é, sem dúvida nenhuma, um dos
me desinfluindo Ao que eu ainda não tinha prazo para mais importantes escritores da Literatura brasilei-
entender o uso, que eu desconfiava de minha boca e da ra. Considerado a sua obra-prima, Grande sertão:
água e do copo, e que não sei em que mundo-de-lua eu veredas, romance publicado em 1956, representa
entrava minhas ideias. O Hermógenes tinha seus defei- uma profunda inovação em termos de narrativa,
tos, mas puxava por Joca Ramiro, fiel – punia e terçava. sendo até hoje referência para a nossa literatura.
Que, eu mais uns dias esperasse, e ia ver o ganho do sol A partir da leitura do texto, destaque e comente
nascer. Que eu não entendia de amizades, no sistema de dois aspectos que reiteram o que foi afirmado
jagunços Amigo era o braço, e o aço!
anteriormente.
Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah, não; amigo,
para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço
a outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando 2 IFPE 2020 O Modernismo brasileiro costuma ser dividi-
ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos de- do em três fases: a Geração de 22, a de 30 e a de 45
mais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a Essas Gerações têm como um de seus representan-
gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O tes, respectivamente,
de que um tira prazer de estar próximo Só isto, quase; e A Mário de Andrade, Aluísio de Azevedo e Euclides
os todos sacrifícios Ou amigo é que a gente seja, mas da Cunha
sem precisar de saber o por quê é que é Amigo meu era  Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e
Diadorim; era o Fafafa, o Alaripe, Sesfrêdo. Ele não quis Vinícius de Moraes.
me escutar. Voltei da raiva.  José de Alencar, Machado de Assis e João Cabral
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: de Melo Neto.
José Olympio, 1979 p. 138 9
d Oswald de Andrade, Cecília Meireles e Guimarães
a) Determine os distintos conceitos de “amigo” que Rosa
podem ser identificados no texto. E Vinícius de Moraes, Ariano Suassuna e Olavo Bilac.

104 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


3 Acafe 2020 Relacione as colunas, considerando as 4 PUC-Campinas 2015 Comparando-se os universos ficcio-
especificidades e os diferentes aspectos apontados nais de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, verifica-se
relativamente às obras e aos respectivos autores. que ambos
A convergem, já que valorizam do mesmo modo as
1 Guimarães Rosa fundiu neste romance elementos
análises políticas do mundo sertanejo.
do experimentalismo linguístico da primeira fase do
b convergem, pois adotaram soluções estilísticas
modernismo e a temática regionalista da segunda
bastante próximas.
fase do movimento, para criar uma obra única e
inovadora.  divergem, assim como são divergentes uma visão
2 Romance de Graciliano Ramos, publicado em 1938, realista e uma visão mítica.
retrata a vida miserável de uma família de retirantes d divergem, já que optaram exclusivamente por uma
sertanejos obrigada a se deslocar de tempos em narração ou em primeira ou em terceira pessoa.
tempos para áreas menos castigadas pela seca. E convergem, pois partilham de um mesmo otimismo
3. A relação entre Martim e a protagonista significa a fundamental quanto à cultura brasileira.
união entre o branco colonizador e o índio, entre
a cultura europeia, civilizada, e os valores indíge 5 PUC-Campinas 2017 Entre o suicídio de Getúlio Vargas
nas, apresentados como naturalmente bons. É (1954) e os acontecimentos de 1964, nossa literatura
uma espécie de mito de fundação da identidade foi marcada por estes importantes acontecimentos
brasileira. literários:
4. Retratando o movimento de tropas, Euclides da I expansão da poética de João Cabral de Melo Neto
Cunha constantemente se prende à individualida e manifestações de uma poesia de vanguarda.
de das ações e mostra casos isolados marcantes II publicação do romance Grande sertão: veredas e
que demonstram bem o absurdo massacre dos das novelas de Corpo de baile, obras-primas de
“monarquistas” de Canudos, liderado pelo “fami- Guimarães Rosa.
gerado e bárbaro” Antônio Conselheiro.
III. ressurgimento da ficção regionalista, representa-
5 Um homem vai a uma loja de antiguidade e se de
da pelas primeiras obras de Jorge Amado e José
para com um quadro com uma imagem de mãos
Lins do Rego.
decepadas. A loja “ tinha o cheiro de uma arca
de sacristia com seus panos embolorados e livros Atende ao enunciado o que está em
comidos de traça”. A I, II e III.
b I e II, apenas.
J Os Sertões
 II e III, apenas.
J “A caçada”, de Lygia Fagundes Telles
d I e III, apenas.
J Grande Sertão: Veredas
E II, apenas.
J Iracema, romance de José de Alencar
J Vidas Secas
6 FICSAE 2018 Mas Houve um pequeno engano, um
A sequência correta, de cima para baixo, é: contratempo de última hora, que veio pôr dois bons su
A 2-4-3-1-2  3-1-5-2-4 jeitos, pacatíssimos e pacíficos, num jogo dos demônios,
b 4 5 1 3 2 d 5 2 4 3 1 numa comprida complicação.

O trecho acima faz parte do conto “Duelo”, uma das


Texto para a questão 4.
narrativas de Sagarana, de João Guimarães Rosa.
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se Essa narrativa, como um todo, apresenta
passaram Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas A duas histórias de vingança que se entrelaçam, ou
de fazer balancê, de se remexerem dos lugares A lembran seja, um marido buscando o amante da esposa e
ça da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns um homem buscando o assassino do irmão.
com outros acho que nem se misturam [...] Contar seguido,
b uma trama protagonizada por uma mulher de olhos
alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância.
bonitos, sempre grandes, de cabra tonta, que se
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente
envolve com um pistoleiro que acaba sendo morto
do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie
por ela.
de velhice. Talvez, então, a melhor coisa seria contar a
infância não como um filme em que a vida acontece no  as peripécias vividas por um capiau que se torna
FRENTE 2

tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo o agente de um crime contra seu compadre e ami-
essa conexão que lhe dá sentido, meio e fim, mas como go, Cassiano Gomes, por desavenças de traição
um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, amorosa.
cada um contendo o sentido inteiro. Talvez esse seja o jeito d cenas de adultério praticadas por dona Silivânia, no
de escrever sobre a alma em cuja memória se encontram mais doce, dado e descuidoso dos idílios fraudu-
as coisas eternas, que permanecem... lentos, com o amante Turíbio Todo, o que provoca
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas tragédia entre seus pretendentes.

105
Texto para a questão 7 A sucessora de Ricardo Lewandowski concluiu o dis-
curso citando um terceiro escritor mineiro: Paulo Mendes
De Caetano a Guimarães Rosa, veja as referências Campos. “O Judiciário brasileiro sabe dos seus compro-
de Cármen Lúcia em seu discurso de posse missos e de suas responsabilidades. Em tempo de dores
Por Luma Poletti | 13/09/2016 10:00 multiplicadas, há que se multiplicarem também as espe-
ranças, à maneira da lição de Paulo Mendes Campos”,
Ao longo de seu discurso de posse, a ministra Cármen disse Cármen Lúcia, em referência ao “Poema didático”,
Lúcia, que assumiu a presidência do Supremo Tribunal Fe- de Paulo Mendes Campos.
deral nesta segunda-feira (12), citou trechos de canções de Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/ de-caetano-
Caetano Veloso, Titãs, além de versos de Cecília Meirelles, a-guimaraes rosa-vejaas-referencias-de-carmen-lucia-em seu-discurso-de-
Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e posse/>. Acesso em: 26 set. 2016. (Adapt.).
fez menção a Riobaldo, personagem de Grande sertão:
veredas, clássico de Guimarães Rosa e uma das mais im- 7 PUC SP 2017 “Riobaldo afirmava que ‘natureza da gente
portantes obras primas da literatura brasileira A escolha não cabe em nenhuma certeza’. Mas parece-me que a
das referências musicais da ministra dá pistas sobre sua natureza da gente não se aguenta em tantas incertezas.
visão acerca do atual momento sociopolítico. Citando o Especialmente quando o incerto é a Justiça que se pede e
cantor e compositor Caetano Veloso, presente na sessão que se espera do Estado.”
que interpretou em voz e violão o hino nacional –, Cármen
Lúcia concordou que “alguma coisa está fora da ordem”. Nesse trecho do terceiro parágrafo da parte Versos,
“Caetanos e não caetanos deste Brasil tão plural con- Luma Poletti emprega as aspas simples dentro das as-
cluem em uníssono: alguma coisa está fora de ordem, fora da pas duplas para
nova ordem mundial”, disse a ministra. “O que nos cumpre, A identificar com as simples o texto de Guimarães
a nós servidores públicos em especial, é questionar e achar Rosa e as duplas a fala de Riobaldo.
resposta: de qual ordem está tudo fora...”, acrescentou.  evidenciar com as simples o discurso de Cármen
O cantor já se posicionou contra o governo do pre-
Lúcia e com as duplas o pensamento de Riobaldo.
sidente Michel Temer, nos bastidores da cerimônia de
 assinalar com as simples o dizer de Riobaldo e com
abertura das Olimpíadas de 2016.
A nova presidente do STF também citou a música “Co- as duplas o discurso da ministra.
mida”, da banda Titãs “Cumpre-nos dedicar-nos de forma d indicar com as simples a natureza da gente e com
intransigente e integral a dar cobro ao que nos é determina as duplas o discurso de Cármen Lúcia.
do pela Constituição da República e que de nós é esperado
pelo cidadão brasileiro, o qual quer saúde, educação, tra- 8 UFRGS 2016 Leia o trecho do romance Grande sertão:
balho, sossego para andar em paz por ruas, estradas do país veredas, de João Guimarães Rosa, a seguir
e trilhas livres para poder sonhar além do mais. Que, como
na fala do poeta da música popular brasileira, ninguém quer Essas coisas todas se passaram tempos depois. Talhei
só comida, quer também diversão e arte”. de avanço, em minha história O senhor tolere minhas más
Um dos compositores da canção citada é Arnaldo An- devassas no contar É ignorância Eu não converso com
tunes, que também se posicionou contra o impeachment ninguém de fora, quase Não sei contar direito. Aprendi
de Dilma Rousseff nas redes sociais. um pouco foi com o compadre meu Quelemém; mas ele
quer saber tudo diverso: quer não é o caso inteirado em
Versos si, mas a sobre-coisa, a outra-coisa. Agora, neste dia nos-
Cármen Lúcia também citou versos da escritora Ce so, com o senhor mesmo – me escutando com devoção
cília Meireles, ao dizer que “liberdade é um sonho que o assim – é que aos poucos vou indo aprendendo a contar
mundo inteiro alimenta” – da obra Romanceiro da incon- corrigido. E para o dito volto. Como eu estava, com o
fidência, lançada em 1953. senhor, no meio dos hermógenes.
“Se, no verso de Cecília Meireles, a liberdade é um Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes
sonho, que o mundo inteiro alimenta, parece-me ser a Jus- armações sobre o trecho.
tiça um sentimento, que a humanidade inteira acalenta”,
discursou a ministra. J Riobaldo, narrador da história, tem consciência de
Mais adiante em seu discurso, Cármen Lúcia fez men- que sua narrativa obedece ao fluxo da memória, e
ção a uma personagem do livro Grande sertão: veredas, não à cronologia dos fatos.
do escritor mineiro (tal como a ministra) Guimarães Rosa. J A ignorância de Riobaldo é expressa pelos erros
“Riobaldo afirmava que ‘natureza da gente não cabe em gramaticais e pela inabilidade em contar sua histó-
nenhuma certeza’. Mas parece-me que a natureza da gente ria, que carece de ordenação.
não se aguenta em tantas incertezas. Especialmente quan- J “A sobre-coisa, a outra-coisa”, que o compadre Que-
do o incerto é a Justiça que se pede e que se espera do lemém quer, é a interpretação da própria vivência,
Estado”, disse a nova presidente do STF.
e não o simples relato dos acontecimentos.
Em seguida, outro escritor mineiro foi lembrado por
Cármen Lúcia “Em tempos cujo nome é tumulto escrito
J O ouvinte exerce um papel importante, pois obriga
em pedra, como diria Drummond, os desafios são maiores. Riobaldo a organizar a narrativa e a dar significado
Ser difícil não significa ser impossível. De resto, não acho ao narrado
que para o ser humano exista, na vida, o impossível”, disse A F V V F d F F V F
a ministra, em referência ao poema “Nosso tempo”, do  V V F V E F V F V
escritor mineiro.  V F V V

106 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


9 UPE/SSA 2016 Graciliano Ramos, Clarice Lispector e 10 Enem PPL 2019 O mato do Mutúm é um enorme mundo
Guimarães Rosa produziram nos mesmos gêneros preto, que nasce dos buracões e sobe a serra O guará lobo
textuais narrativos; são romancistas e contistas, cujas trota a vago no campo. As pessôas mais velhas são inimigas
produções são referenciadas nacional e internacio- dos meninos. Soltam e estumam cachorros, para ir matar
nalmente os bichinhos assustados — o tatú que se agarra no chão
dando guinchos suplicantes, os macacos que fazem artes,
Sobre isso, analise as armativas a seguir: o coelho que mesmo até quando dorme todo-tempo sonha
I. Graciliano Ramos, em seu romance Vidas secas, que está sendo perseguido. O tatú levanta as mãozinhas
retoma um dos problemas vivenciados pelo ho cruzadas, ele não sabe e os cachorros estão rasgando
mem nordestino, que, apesar de remontar ao início o sangue dele, e ele pega a sororocar. O tamanduá. Ta-
do século passado, haja vista a alusão a ele reali- manduá passeia no cerrado, na beira do capoeirão. Ele
zada no título do romance de Rachel de Queiroz, conhece as árvores, abraça as árvores Nenhum nem pode
O quinze, ainda persiste na atualidade. Do mesmo rezar, triste é o gemido deles campeando socôrro. Todo cho-
modo, Patativa de Assaré tratou da seca em seus ro suplicando por socôrro é feito para Nossa Senhora, como
poemas populares, e a televisão não se cansa de quem diz a salve-rainha Tem uma Nossa Senhora velhinha
transmitir as consequências desse fenômeno Os homens, pé-ante-pé, indo a peitavento, cercaram o ca-
sal de tamanduás, encantoados contra o barranco, o casal
II. Clarice Lispector, em A Hora da estrela, parece
de tamanduás estavam dormindo. Os homens empurraram
dar sequência à temática de Vidas secas, quando
com a vara de ferrão, com pancada bruta, o tamanduá que
trata da trajetória de Macabéa, imigrante nordes
se acordava. Deu som surdo, no corpo do bicho, quando
tina no Rio de Janeiro. Por sua vez, Fabiano e sua
bateram, o tamanduá caiu pra lá, como um colchão velho.
família, no último capítulo de Vidas secas, deixam ROSA, G. Noites do sertão Corpo de baile. Rio de Janeiro:
a fazenda. O romance termina em aberto; den- Nova Fronteira, 2016
tre outras possibilidades, sugere o início de uma
Na obra de Guimarães Rosa, destaca-se o aspecto
nova vida na cidade, onde os meninos poderiam
afetivo no contorno da paisagem dos sertões minei-
até ir à escola.
ros. Nesse fragmento, o narrador empresta à cena
III. Há pontos comuns entre a produção dos três
uma expressividade apoiada na
autores, pois os textos por eles criados demons-
A plasticidade de cores e sons dos elementos nativos.
tram, dentre outros aspectos, preocupação com  dinâmica do ataque e da fuga na luta pela sobre-
a linguagem, a interioridade e a condição huma- vivência.
na, além de as narrativas se desenrolarem no  religiosidade na contemplação do sertanejo e de
campo, tendo a cidade apenas como plano de seus costumes.
fundo. Essas afirmações se confirmam nos ro- d correspondência entre práticas e tradições e a hos-
mances Vidas secas e A Hora da estrela e no tilidade do campo.
conto “A menina de lá”, integrante da coletânea E humanização da presa em contraste com o des-
Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa dém e a ferocidade do homem.
IV. Em A Hora da estrela, há dois discursos narra-
tivos que se intercruzam, assim como ocorre 11 Fuvest 2020 E grita a piranha cor de palha, irritadíssima:
em Vidas secas e Famigerado, pois o narra- – Tenho dentes de navalha, e com um pulo de ida-e-
dor onisciente e intruso analisa cada uma das -volta resolvo a questão!
personagens dos três romances, revelando mi – Exagero... – diz a arraia – eu durmo na areia, de ferrão
nuciosamente suas interioridades. Isso interfere a prumo, e sempre há um descuidoso que vem se espetar.
na continuidade da narrativa que sofre rupturas – Pois, amigas, – murmura o gimnoto*, mole, car-
constantes, as quais resultam dos comentários regando a bateria – nem quero pensar no assunto: se eu
do narrador intruso. soltar três pensamentos elétricos, bate-poço, poço em
V. Os contos dos três autores, Clarice Lispector, Gra- volta, até vocês duas boiarão mortas...
ciliano Ramos e Guimarães Rosa são psicológicos, *peixe elétrico.
tal como “Amor”, pertencente à coletânea Laços de
família, de Clarice Lispector; “O relógio do hospi- Esse texto, extraído de Sagarana, de Guimarães Rosa,
tal”, de Graciliano Ramos, integrante de Insônia e O A antecipa o destino funesto do ex militar Cassiano
espelho, de Primeiras estórias, de Guimarães Rosa. Gomes e do marido traído Turíbio Todo, em “Due-
Acresce-se, ainda, que todos eles, com exceção lo”, ao qual serve como epígrafe.
FRENTE 2

de “Amor”, são narrados em primeira pessoa, im  assemelha-se ao caráter existencial da disputa


primindo-lhes um tom emotivo e confessional. entre Brilhante, Dansador e Rodapião na novela
“Conversa de Bois”.
Está correto, apenas, o que se arma em  reúne as três figurações do protagonista da novela “A
A I, II e III. d I, II, III e IV. hora e vez de Augusto Matraga”, assim denominados:
 I, III e IV. E I, II e V. Augusto Estêves, Nhô Augusto e Augusto Matraga.
 II, IV e V

107
d representa o misticismo e a atmosfera de feitiça A questão 13 refere-se ao conto “A terceira margem do
ria que envolve o preto velho João Mangalô e sua rio”, do livro Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa
desavença com o narrador personagem José, em
“São Marcos” 13 Uerj 2018 Guimarães Rosa afirmou, em uma entrevista,
E constitui uma das cantigas de “O burrinho Pedrês”, que somente renovando a língua é que se pode re-
em que a sagacidade da boiada se sobressai à novar o mundo. Visando a essa renovação, recorria a
ignorância do burrinho. neologismos e inversões pouco usuais de termos, ex-
plorando novos sentidos em seus textos Um exemplo
12 Enem 2018 dessas inversões encontra-se em:
A Nossa mãe era quem regia,
 Nossa mãe muito não se demonstrava.
 Nossa mãe terminou indo também, de uma vez,
d Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura;

14 UEM 2015 Assinale o que for correto.


01 O livro Manuelzão e Miguilim, composto por duas
novelas, “Campo geral” e “Uma história de amor”,
relata a história de personagens que pertencem às
duas pontas da vida: infância e velhice Na primeira,
é narrada a trajetória de Miguilim, em sua travessia
do mundo infantil para a adolescência; na segunda,
as aventuras de Manuelzão, um homem idoso que
busca sentido para sua vida.
02 “Campo geral” apresenta voz narrativa em tercei-
ra pessoa, mas os fatos são relatados a partir do
ponto de vista de Miguilim, um menino sensível que
procura compreender as pessoas com as quais
convive: o pai, a mãe, irmãos e a avó. Embora tenha
um bom relacionamento com todos, é com Dito,
irmão mais novo, com quem ele convive melhor.
04 Guimarães Rosa, escritor pré-modernista, produ-
ziu, no início do século XX, obra voltada à busca
da perfeição formal, cuja linguagem valoriza o re-
buscamento e os arcaísmos da língua portuguesa,
como se lê no trecho de sua obra mais importante,
Os sertões: “Sabia-se de uma coisa única: os jagun-
ços não poderiam resistir por muitas horas Alguns
soldados se haviam abeirado do último reduto e
colhido de um lance a situação dos adversários”.
08 “Uma história de amor” é uma narrativa em pri-
meira pessoa, marcada por uma sucessão de dias
e noites, pela alternância das estações do ano,
elementos fundamentais para caracterizar sua am-
bientação rural. O tempo também se responsabiliza
ROSA, R. Grande sertão: veredas: adaptação da obra
de João Guimarães Rosa. São Paulo: Globo, 2014 (adaptado) pelo amadurecimento do personagem Manuelzão,
que, durante a longa jornada empreendida com o
A imagem integra uma adaptação em quadrinhos da deslocamento da boiada, procura resistir à velhice
obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Na e refletir sobre a morte.
representação gráca, a inter relação de diferentes 16 “Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo
linguagens caracteriza-se por era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente,
A romper com a linearidade das ações da narrativa as coisas, as árvores, as casas das pessoas. Via os
literária grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas
 ilustrar de modo fidedigno passagens representa menores, as formiguinhas passeando no chão de
tivas da história uma distância”. O trecho, que relata o gesto simbó-
 articular a tensão do romance à desproporcionali lico de compreensão da vida, é a etapa final do rito
dade das formas. de passagem do personagem – da infância à ado-
d potencializar a dramaticidade do episódio com re- lescência ao longo da narrativa, e corresponde, no
cursos das artes visuais. mundo narrado, ao momento em que Miguilim coloca
E desconstruir a diagramação do texto literário pelo os óculos e vê tudo ao seu redor de forma mais nítida.
desequilíbrio da composição. Soma: JJ

108 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


15 UPE 2015 Considerando as peculiaridades estéticas de o equilíbrio, sempre a escorar dos lados a bambeza do
Guimarães Rosa e Clarice Lispector, analise as afirma- corpo. Mãos moles, sem firmeza, que deixam cair tudo
tivas que se referem aos contos de Primeiras Histórias quanto ele queira pegar Baba, baba, cospe, cospe, vai
e Laços de Família e assinale a alternativa ORRETA. fincando o queixo no peito; e trouxe cá para fora a cai-
A Em Primeiras Histórias, coletânea de 21 contos lon- xinha de remédio, a cornicha de pó e mais o cobertor.
gos, todos com narradores oniscientes, à exceção O trecho apresentado integra o conto “Sarapalha” e
de Pirlimpsiquice, há um relato realizado por uma faz parte da obra Sagarana de João Guimarães Rosa.
personagem, que narra acontecimentos vividos Dessa narrativa como um todo, é errao afirmar que
por um grupo do qual participa. A apresenta duas narrativas, uma em tempo presente
 Em Laços de Família, constituído de treze contos, e outra, em tempo passado, a qual assume dimen-
Clarice Lispector se distancia por completo de são mítica na cabeça delirante de Primo Ribeiro.
suas características anteriores, pois desenvolve  enfoca a solidão, o abandono e a decadência de
a mesma temática: da mulher casada que não se duas personagens acometidas de maleita e que
submete ao marido. passam os dias em diálogo sobre suas condições
 Em A Terceira Margem do Rio e A menina de lá, físicas e sentimentais.
Guimarães Rosa cria dois acontecimentos que se  gera um conflito entre dois primos, quando um de-
explicam pela lógica cotidiana Nos dois contos, os les revela ter gostado muito de Luísa, mulher do
elementos do cotidiano e a vida simples do homem outro, que o abandonara por um boiadeiro.
do campo são temas comuns, que fazem parte do d usa predominantemente discurso indireto livre, que
dia a dia da maioria das personagens roseanas faz aflorar o pensamento íntimo da personagem e
d No conto A Galinha, Clarice Lispector personifica a despreza o diálogo objetivo e direto por sua inca-
ave que revela sentimentos maternais, que são se- pacidade de interlocução.
melhantes aos de uma velha mãe O comportamento
da ave convence o pai e a filha de que deve deixá-la
18 FICSAE 2017 De repente, na altura, a manhã gargalhou:
viver, como se pode observar no discurso direto do um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo
dono da casa: “ Se você mandar matar esta galinha, vidros, estralejando de rir E outro. Mais outro E ainda
nunca mais comerei galinha na minha vida!” outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes,
E Em Primeiras Histórias e Laços de Família, os gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina
autores não parecem se preocupar com a mensa- de um coro. (...) O sol ia subindo, por cima do voo verde
gem, pois neles a linguagem é despojada e não das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma
apresentam nenhuma inovação linguística. Além rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram bonitas. Todo
disso, não há, especialmente em Laços de Família, anjo do céu devia de ser mulher.
momentos de epifania, inovando os aspectos esté-
O trecho apresentado integra a obra Sagarana, de
ticos dos dois autores.
Guimarães Rosa Indique, nas alternativas a seguir, o
16 PUC-SP 2017 A obra Sagarana, de João Guimarães nome do conto que contém o referido trecho.
Rosa, foi publicada em 1946. Dela é correto afirmar que A “A hora e vez de Augusto Matraga”, que narra a
A se intitula Sagarana porque reúne novelas que se de- violência como instrumento de redenção, mate-
senvolvem à maneira de gestas guerreiras e lendas e rializada na morte de Joãozinho Bem Bem e do
apresentam um tema comum que abarca a vida sim- jagunço protagonista.
ples dos sertanejos da região baiana do São Francisco.  “Corpo fechado”, história de valentões e de esper-
 compõe-se de nove novelas, entre as quais se so tos, de violência e de mágica, protagonizado por
bressai “Corpo fechado”, história de valentões e Manuel Fulô.
espertos, de violência e de mágica, protagonizada  “São Marcos”, que relata a desavença entre o nar-
por Manuel Fulô. rador e um feiticeiro que o deixa cego por força de
 estrutura-se em doze narrativas, de sentido moral uma bruxaria.
e embasadas na tradição mineira, entre as quais se d “Minha gente”, em que se relata a situação vivida
destacam “Questões de família”, história meio au por um moço da cidade que vai passar uma tem-
tobiográfica, e “Uma história de amor”, expressivo porada no campo e vive amores desencontrados.
drama passional.
d apresenta narrativas apenas de teor místico religio- 19 UPF 2016 Em relação à obra Primeiras estórias, de Gui-
so como a que se engendra em “A hora e vez de marães Rosa, apenas é incorreto afirmar que:
FRENTE 2

Augusto Matraga”, cujo estilo destoa do conjunto A reúne contos de vários tipos, entre eles o psicológi-
das outras que compõem o livro. co, o anedótico, o fantástico e o satírico.
 confere destaque à voz do narrador culto, que
17 PUC-SP 2017 O sol cresce, amadurece. Mas eles estão permanece distanciado das personagens e preo-
esperando é a febre, mais o tremor. Primo Ribeiro parece cupado em desvendar a lógica subjacente à ação
um defunto sarro de amarelo na cara chupada, olhos das crianças, loucos e seres rústicos que povoam
sujos, desbrilhados, e as mãos pendulando, compondo os contos.

109
 demonstra a preocupação do autor em recriar a lingua- Escrevendo o roteiro
gem, através de deslocamentos sintáticos e do uso de
Escrever um roteiro é um fenômeno espantoso, quase
arcaísmos e neologismos, entre outros recursos.
misterioso. Num dia você está com as coisas sob controle,
d não se trata, apesar do título, do livro de estreia do
no dia seguinte sob o controle delas, perdido em confusão
autor, mas apenas de seu primeiro livro composto
e incerteza. Num dia tudo funciona, no outro não; nin-
unicamente por narrativas curtas.
E ultrapassa, frequentemente, as fronteiras entre a guém sabe como ou por quê. É o processo criativo; que
narrativa e a poesia lírica, através do destaque dado desafia análises; é mágica e maravilha.
aos aspectos sonoros e melódicos da linguagem. Tudo o que foi dito ou registrado sobre a experiência
de escrever desde o início dos tempos resume-se a uma
20 Unicamp 2019 “Um cego me levou ao pior de mim mes- coisa — escrever é sua experiência particular, pessoal.
ma, pensou espantada Sentia se banida porque nenhum De ninguém mais.
pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais Muita gente contribui para a feitura de um filme, mas
fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora o roteirista é a única pessoa que se senta e encara a folha
verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas de papel em branco.
mais profundas? Mas era uma piedade de leão.” Escrever é trabalho duro, uma tarefa cotidiana, de sen-
(Clarice Lispector, “Amor”, em Laços de família. 20a ed. Rio de Janeiro: tar-se diariamente diante de seu bloco de notas, máquina
Francisco Alves, 1990, p 39.)
de escrever ou computador, colocando palavras no papel
Ao caracterizar a personagem Ana, a expressão “pie- Você tem que investir tempo.
dade de leão” reúne valores opostos, remetendo Antes de começar a escrever, você tem que achar
simultaneamente à compaixão e à ferocidade. É cor- tempo para escrever.
reto armar que, no conto “Amor”, essa formulação Quantas horas por dia você precisa dedicar-se a
A revela um embate de natureza social, já que a po- escrever?
breza do cego causa náuseas na personagem Depende de você Eu trabalho cerca de quatro ho-
 expressa o dilema cristão da alma pecadora diante ras por dia, cinco dias por semana. John Millius escreve
de sua incapacidade de fazer o bem uma hora por dia, sete dias por semana, entre 5 e 6 da
 indica um conflito psicológico, uma vez que a per tarde. Stirling Silliphant, que escreveu The towering in-
sonagem não se sente capaz de amar
ferno (Inferno na torre), às vezes escreve 12 horas por
d alude a um contraste moral e existencial que pro
dia. Paul Schrader trabalha com a história na cabeça por
voca na personagem um sentimento de angústia.
meses, contando-a para as pessoas até que ele a conheça
Leia os textos para responder às questões de 21 a 23. completamente; então ele “pula na máquina” e a escreve
Tome por base uma crônica de Clarice Lispector (1920- em cerca de duas semanas. Depois ele gastará semanas
1977) e uma passagem do Manual do roteiro, do professor polindo e consertando a história
de técnica do roteiro, consultor e conferencista Syd Field Você precisa de duas a três horas por dia para escrever
um roteiro
Escrever
Olhe para a sua agenda diária. Examine o seu tempo.
Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não Se você trabalha em horário integral, ou cuidando da casa
me lembro por que exatamente eu o disse, e com since- e da família, seu tempo é limitado. Você terá que achar
ridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição o melhor horário para escrever Você é o tipo de pessoa
que salva.
que trabalha melhor pela manhã? Ou só vai acordar e ficar
Não estou me referindo muito a escrever para jornal
alerta no final da tarde? Tarde da noite pode ser um bom
Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transfor-
mar num conto ou num romance. É uma maldição porque horário. Descubra.
FIELD, Syd. Manual do roteiro, 1995.
obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase im-
possível se livrar, pois nada o substitui E é uma salvação
Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente 21 Unesp 2013 Clarice Lispector coloca inicialmente o
inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende processo da criação literária como uma “maldição”.
a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, Em seguida, ressalva que é também uma “salvação”.
é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o
último fim o sentimento que permaneceria apenas vago Com base no texto da crônica, explique como a au-
e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que tora resolve essa diferença de conceitos sobre a
não foi abençoada criação literária.
Que pena que só sei escrever quando espontanea-
mente a “coisa” vem Fico assim à mercê do tempo E, 22 Unesp 2013 “Que pena que só sei escrever quando es-
entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar pontaneamente a ‘coisa’ vem.”
anos
Lembro-me agora com saudade da dor de escrever Explique, com base no primeiro parágrafo do texto
livros. “Escrevendo o roteiro”, se Syd Field concorda com
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo, 1999. essa armação de Clarice Lispector.

110 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


23 Unesp 2013 Mas escrever aquilo que eventualmente Texto 4
pode se transformar num conto ou num romance. O gosto de uma rainha, ou mesmo de uma “estrela”,
Ao empregar na frase apresentada o advérbio “even- não é mais atualmente suficiente para o estabelecimento
tualmente”, o que revela Clarice Lispector sobre a de um estilo, ou venda de um produto. As companhias de
publicidade sabem que é preciso sondar os corações femi-
criação de um conto ou romance?
ninos. São pesquisas deste gênero que permitem constatar
o estado permanente de inquietação da consciência femi-
24 UFPE 2012 Antes de escrever A hora da estrela, nina e medir até que ponto, no capítulo das compras, a
Clarice Lispector trabalhou na imprensa carioca, mulher – essa grande compradora – se deixa influenciar
mantendo “colunas femininas” em jornais de grande na aquisição de um artigo.
circulação. Observe a imagem, leia os textos e julgue LISPECTOR, Clarice. Correio feminino.

as questões. 0-0 O texto jornalístico de Clarice citado indica a sua


Texto 1 preocupação em esclarecer as leitoras de sua épo-
ca sobre o papel da mulher moderna no mundo
consumista.
1-1 Coerente com o glamour das propagandas, o refri-
gerante em questão é retratado na obra de Clarice
como uma bebida saudável e deliciosa, muito apre-
ciada por Macabéa.
2 2 No Texto 3, Clarice sugere, ironicamente, que a
sua narrativa foi “financiada” pela Coca Cola, para
parecer uma obra em sintonia com o seu tempo.
3-3 Para Clarice, a identidade da mulher moderna está
cada vez mais associada ao seu poder de compra e
ao seu acesso aos bens de consumo industrializados.
4-4 O título do romance A hora da estrela refere-se à
virada na história da pobre Macabéa, que se torna,
ao final, uma famosa estrela de cinema

25 Unesp 2017 Leia o excerto do romance A hora da es-


trela de Clarice Lispector (1925-1977).
Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns
difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não
tem nenhuma técnica, nem estilo, ela é ao deus-dará.
Eu que também não mancharia por nada deste mundo
com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a
da datilógrafa [Macabéa]. Durante o dia eu faço, como
todos, gestos despercebidos por mim mesmo Pois um
dos gestos mais despercebidos é esta história de que não
tenho culpa e que sai como sair A datilógrafa vivia numa
Propaganda de bebida gaseificada nos Estados Unidos, na década de 1950.
espécie de atordoado nimbo, entre céu e inferno.
Texto 2 Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava
não ter direito, ela era um acaso. Um feto jogado na lata
Sou datilógrafa, virgem e gosto de Coca-Cola. de lixo embrulhado em um jornal. Há milhares como ela?
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Sim, e que são apenas um acaso. Pensando bem: quem
não é um acaso na vida? Quanto a mim, só me livro de
Texto 3
ser apenas um acaso porque escrevo, o que é um ato que
Também esqueci de dizer que o registro que em bre- é um fato É quando entro em contato com forças interio-
ve vai ter que começar [...] é escrito sob o patrocínio do res minhas, encontro através de mim o vosso Deus. Para
refrigerante mais popular do mundo e que nem por isso que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes
me paga nada, refrigerante esse espalhado por todos os também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a
países Apesar de ter gosto do cheiro de esmalte de unhas, uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim.
FRENTE 2

Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.


de sabão Aristolino e plástico mastigado. Tudo isso não
A hora da estrela, 1998.
impede que todos o amem com servilidade e subserviên-
cia. Também porque – e vou dizer agora uma coisa difícil Para o narrador, o emprego de “difíceis termos téc-
que só eu entendo – porque essa bebida que tem coca nicos” seria adequado para narrar a história de
é hoje. Ela é um meio da pessoa atualizar-se e pisar na Macabéa? Justique sua resposta. Transcreva a frase
hora presente. que melhor explicita a inconsciência da personagem
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Macabéa. Justique sua resposta.

111
Para responder às questões 26 e 27, considere o que 
está reproduzido a seguir, A, ,  e d da obra Clarice
fotobiograa
A O desejo de criar uma Fotobiografia de Clarice
Lispector, como a que aqui se propõe, é projeto antigo.
Uma primeira organização de imagens que reuni para-
lelamente à leitura de seus textos, enquanto preparava
cursos para estudantes universitários (eram imagens
xerografadas, coletadas a partir de reproduções encon-
tradas em jornais e revistas, e, depois, em arquivos de
tais periódicos) e enquanto conhecia o acervo fotográ-
fico de Clarice, ganhou registro no livro Clarice, uma
vida que se conta. A mostra visual constitui o caderno
de imagens que integra o livro, elaborado como tese de
livre-docência defendida na Universidade de São Paulo
em 1993 e publicado em 1995.
Nele, procurava registrar momentos mais signifi-
Dois amigos de Clarice: Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, em
cativos da vida e da produção literária e jornalística agosto de 1950. Paulo Mendes Campos entrevista Clarice Lispector no
de Clarice, no sentido de construir uma “biografia da apartamento da escritora, no Rio de Janeiro, à rua Marques de Abrantes,
escritora”, mediante leitura de textos da própria autora n. 126, ap. 1004. A matéria sai publicada sem assinatura no suplemento
do Diario Carioca em 1950 com o título de “ltinerário de Romancista”.
e de outros a seu respeito, que resultou num produto
alerta à construção de uma imagem de Clarice, no seu Agora só tenho feito colaborações para jornais e
sentido mais amplo. revistas. Não tenho ideia de nenhum romance.
Por isso mantenho neste livro, que ora se publica, LISPECTOR, Clarice. Entrevista a Paulo Mendes Campos, 1950. p. 282.
com matéria ampliada, o mesmo critério de organização
dos capítulos adotados no livro anterior, com distribui- d
ção da matéria em sequência cronológica e em função
dos espaços habitados ou percorridos pela escritora.
GOTLIB, Nádia Battella Clarice Fotobiografia 3 ed Atual São
Paulo: Edusp, 2014. p. II. (Adapt.).


Texto manuscrito de Clarice que, com alteração,
integra o volume A hora da estrela. (p. 447)

26 PUC-Campinas 2016 Uma observação cuidadosa dos


textos transcritos mostra que, sobre a obra introduzida
em A, é correto
A dizer que deve apresentar grande número de ima-
gens fotográficas com a finalidade de ilustrarem o
texto verbal, este constituindo a parte essencial
das memórias de Clarice Lispector.
 esperar que acolha, além de trechos da obra de
Clarice Lispector, artigos críticos sobre sua escrita,
pois somente estes textos, em sua especificidade,
podem ser entendidos como “textos de outros a
respeito da escritora”.
A família Gurgel Valente no navio Camuaria Quando o navio ancorou
em Recife, Clarice, com o marido e o filho, visitou seus parentes, à
 defini-la como uma montagem cuidadosa do acervo
rua do Príncipe, n. 220: reviu os tios Salomão e Mina Lispector, e os fotográfico organizado por Clarice, conjunto este que
primos. Deu uma volta pela cidade. Depois, continuaram a viagem e
chegaram ao Rio de Janeiro em 20 de junho de 1949.
revela, portanto, a imagem que a autora tem de si
mesma, como uma autobiografia feita por imagens.
Enquanto o navio estava atracado no porto, foram d entendê-la como resultado de uma seleção e arti-
almoçar na casa do meu pai. Fomos buscá-los. Eu era culação de partes heterogêneas já existentes que
recém casada O Maurício, meu marido, tinha uma ca configuram um retrato de Clarice, sob o foco do
minhoneta, com um banco só, comprido. Ele tinha sítio biógrafo, mas aberto à percepção de vestígios de
e usava a caminhoneta Tivemos de entrar, todos, nesse
emoções pelo olhar do leitor sobre as imagens.
banco: o Maurício, guiando; eu, do lado; Clarice, com
E afirmar que condensa os momentos mais significa-
a criança; e o diplomata. A única coisa que Clarice quis
tivos da vida e da produção literária e jornalística da
ver foi a avenida Conde da Boa Vista, onde moraram. E
escritora, em uma narrativa que assegura o correto
ficou decepcionada, porque achou a avenida estreita.
E já haviam alargado a avenida...
entendimento da vida de Clarice, por ser realiza-
CHOZE, Vera Lispector Depoimento à autora Recife:
da prioritariamente por fotografias, que impedem a
15 jul. 1992. p. 279. transfiguração do real.

112 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


27 PUC-Campinas 2016 Leia com atenção as afirmações a 30 Uece 2015
seguir.
O milagre das folhas
I. Por  e , entende-se que uma biografia inclui in
Não, nunca me acontecem milagres Ouço falar, e às
formações sobre lugares e datas relevantes para a
vezes isso me basta como esperança Mas também me re-
história do biografado, bem como sobre pessoas
volta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já
envolvidas em suas relações familiares e afetivas.
cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me
II. Em d, o manuscrito exemplifica o trabalho literário
que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação
de Clarice Lispector, alterando uma construção
se quebraria”. Meus objetos se quebram banalmente e pelas
para constar de futura nova edição da obra A
mãos das empregadas.
Hora da estrela 1Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que
III  e  comprovam que, nesta específica biografia, sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não
o material fotográfico está distribuído em sequên daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, poli-
cia cronológica. dos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de
É correto o que se arma em adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente
A I e III, apenas explicado que isso até nome tem: cidetismo (sic), capaci-
 I e II, apenas. dade de projetar no alucinatório as imagens inconscientes.
2Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coinci-
 II e III, apenas.
d I, II e III. dências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se
E I, apenas. cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo
ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e
segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.
28 ITA 2015 O título do livro A hora da estrela, de Clarice Lis-
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas.
pector, diz respeito ao seguinte momento do romance:
Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exa-
A O despertar amoroso de Macabéa no namoro com
tamente nos cabelos A incidência da linha de milhões
Olímpico
de folhas transformadas em uma única, e de milhões de
 A descoberta de Macabéa de que Olímpico a traía
pessoas a incidência de reduzi las a mim Isso me acontece
com Glória.
tantas vezes que passei a me considerar modestamente
 A obtenção por Macabéa de um bom emprego
a escolhida das folhas Com gestos furtivos tiro a folha
como datilógrafa.
dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto
d A previsão do grande futuro de Macabéa, feita pela
diamante.
cartomante. 3Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os
E A morte de Macabéa, atropelada por um carro de luxo.
objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não
me interessa fetiche morto como lembrança. E também
29 Unicamp 2017 Leia o seguinte trecho do conto “Amor”, porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
de Clarice Lispector 4Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus

Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem de uma grande delicadeza.
cego mascava chicles LISPECTOR, Clarice. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos (Organização e
introdução) As cem melhores crônicas brasileiras Rio de Janeiro: Objetiva,
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os 2007 p 186 7
irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado.
Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o Nos estudos sobre a obra de Clarice Lispector, fala-se
que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem so- da epifania (ou revelação) que se dá com a personagem.
frimento, com os olhos abertos O movimento de mastigação Em determinado momento do texto, a personagem pas-
fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e dei- sa a entender algo que, para ela, estava escondido ou
xar de sorrir – como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. obscuro.
E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio.
LISPECTOR, Clarice Laços de família Rio de Janeiro: Rocco, Assinale a opção cujo trecho transcrito indica esse
2009. p. 21 2. momento na crônica.
a) Em textos de Clarice Lispector, é comum que um A “Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que
acontecimento banal se transforme em um mo- sou daqueles que rolam pedras durante séculos...”
mento perturbador na vida das personagens. (Ref. 1)
Considerando o contexto do conto “Amor”, indique  “Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus
FRENTE 2

que tipo de inquietações o acontecimento narrado de uma grande delicadeza.” (Ref. 4)


anteriormente acarreta na vida da personagem  “Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem
b) A frase “olhava o cego profundamente, como se uma na outra e se cruzam...” (Ref. 2)
olha o que não nos vê” sugere uma maneira pouco d “Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre
comum de olhar para as coisas. Explique o sentido os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a
que tem esse olhar profundo, a partir dali, na carac- fora: não me interessa fetiche morto como lem-
terização da personagem Ana. brança.” (Ref. 3)

113
31 UFT 2014 Leia o poema “Ovos da páscoa”, de Adélia Não esqueci de nada , recomeçou a mãe, quando
Prado, e o fragmento do conto “O ovo e a galinha”, de uma freada súbita do carro lançou-as uma contra a outra e
Clarice Lispector. fez despencarem as malas. — Ah! ah! – exclamou a mãe
como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando
Ovos da páscoa a cabeça em surpresa, de repente envelhecida e pobre.
O ovo não cabe em si, túrgido de promessa, E Catarina?
a natureza morta palpitante. Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e
Branco tão frágil guarda um sol ocluso, também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos
o que vai viver, espera piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a
PRADO, Adélia “Bagagem” In: Poesia reunida São Paulo: bolsa, procurando o mais rapidamente possível remediar
Siciliano, 1991. p. 28. a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria
O ovo e a galinha inútil esconder: Catarina fora lançada contra Severina,
numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do
O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se. tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca
O ovo desnuda a cozinha Faz da mesa um plano incli se haviam realmente abraçado ou beijado. Do pai, sim.
nado. O ovo expõe – quem se aprofunda num ovo, quem Catarina sempre fora mais amiga Quando a mãe enchia-
vê mais do que a superfície do ovo, está querendo outra -lhes os pratos obrigando-os a comer demais, os dois se
coisa: está com fome. O ovo é a alma da galinha. A galinha olhavam piscando em cumplicidade e a mãe nem notava.
desajeitada O ovo certo. A galinha assustada O ovo certo Mas depois do choque no táxi e depois de se ajeitarem,
[...]. O ovo nunca lutou. Ele é um dom. – O ovo é invisível não tinham o que falar – por que não chegavam logo à
a olho nu De ovo a ovo chega-se a Deus, que é invisível a Estação?
olho nu. [...]. Ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por LISPECTOR, Clarice “Os laços de família” Rio de Janeiro: Rocco, 1998
isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse
os tempos a galinha existe. O texto reproduz um trecho do conto “Os laços de
LISPECTOR, Clarice. “O ovo e a galinha” In: Felicidade clandestina família”, de Clarice Lispector, retratando um momento
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 63 4. peculiar que se repete na obra da autora A peculiari-
Considerando-se o poema e o fragmento do conto dade da passagem se justica porque
apresentados, marque a alternativa correta A ocorre um posicionamento feminista, representado
A Tanto no poema de Adélia Prado quanto no conto no trecho anterior pela comparação entre a mãe e
de Clarice Lispector, o ovo se mostra como algo sem o pai de Catarina.
valor, revelado em sua realidade prática de alimento.  o número de personagens é reduzido, permitin-
 No poema de Adélia Prado, o ovo da páscoa é me- do que as características psicológicas de Catarina
táfora do nascimento de Cristo, enquanto no conto e Severina, por exemplo, sejam minuciosamente
de Clarice Lispector é símbolo da insignificância descritas.
das galinhas.  há reflexão metalinguística, o que, no conto “Laços
 No poema de Adélia Prado e no conto de Clarice de família”, é representado pela repetição insis-
Lispector, o ovo não é mero objeto, pois, revestido tente do autoquestionamento de Severina: “Não
de um caráter poético, é caminho para reflexões esqueci de nada?”
sobre o mistério da existência. d ocorre a epifania, momento de revelação, Catarina
d Adélia Prado e Clarice Lispector revelam os mes- se redescobre e redescobre a mãe quando o táxi
mos aspectos que fazem do ovo uma realidade freia e elas se chocam.
estranha e banal: a casca frágil, a cor, a condição E a narrativa se dá em primeira pessoa, o que per-
de alimento. mite amplo espaço para o fluxo de consciência, de
E Apesar de recorrente, a imagem do ovo não é cen- Catarina
tral nos textos apresentados, pois o que se destaca
no poema de Adélia Prado é a reflexão sobre a 33 FMP 2017 Em suas obras, Clarice Lispector abor-
morte e, no conto de Clarice Lispector, a reflexão da com frequência o lado psicológico do indivíduo,
sobre a utilidade da galinha. analisando os dramas existenciais, as angústias das
personagens, os questionamentos que se fazem, em
32 IFPE 2017 resumo, sua intimidade. O fato interessa menos, pois
mais importante é a repercussão que esse fato causa
Os laços de família
no indivíduo. Para explorar esses aspectos, usa o flu-
A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi xo de consciência (mescla de raciocínio lógico com
que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as impressões pessoais momentâneas), o que se traduz
duas malas tentando convencer-se de que ambas esta- por uma não linearidade da narrativa.
vam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um
ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria O trecho em que essas características podem ser ob-
e frieza assistia. servadas com maior clareza é:
Não esqueci de nada? perguntava pela terceira A “Inclino-me sobre a carne, perdido. Quando finalmen-
vez a mãe. te consigo encará-la do fundo do meu rosto pálido,

114 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


vejo que ele também se inclinou com os cotovelos o alimento, por que a mãe exagera nos cuidados
apoiados sobre a mesa, a cabeça entre as mãos. E ao filho. Foi, aliás, nesse período que, com algum
exatamente ele não suportava mais. As sobrancelhas sacrifício, dei um pequeno broche de ouro àquela
grossas estavam juntas. A comida devia ter parado que hoje é minha mulher. Só muito tempo depois eu
pouco abaixo da garganta sob a dureza da emoção, ia compreender que estar também é dar” LISPEC
pois quando ele pôde continuar fez um gesto terrível TOR, Clarice. “Uma amizade sincera” In: A legião
de esforço para engolir e passou o guardanapo pela estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p 87
testa”. LISPECTOR, Clarice. “O jantar”. In: Laços de fa-
mília. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 78. 34 EBMSP 2017 Era uma galinha de domingo. Ainda viva
 “Então, como se todos tivessem tido a prova final porque não passava de nove horas da manhã. Foi, pois,
de que não adiantava se esforçarem, com um le uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo,
vantar de ombros de quem estivesse junto de uma inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a mu
surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comen rada do terraço.
do os primeiros sanduíches de presunto mais como Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua
prova de animação que por apetite, brincando de fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa.
que todos estavam morrendo de fome O ponche Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das
telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência.
foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou
Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos
propriamente, a gordura quente dos croquetes dava
e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação
um cheiro de piquenique; e, de costas para a ani-
a galinha pôs um ovo Só a menina estava perto e assistiu a
versariante, que não podia comer frituras, eles riam
tudo estarrecida. Mal, porém, conseguiu desvencilhar-se
inquietos” LISPECTOR, Clarice “Feliz aniversário” In: do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 57 — Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs
 “Ela não era bonita. Às vezes, como que o espíri um ovo! Ela quer o nosso bem!
to a abandonava e então revelava-se o que, por Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha
uma vigilância sobre-humana – imaginava Otávio –, passou a morar com a família. Uma vez ou outra, sempre
jamais se descobria. No rosto que então surgia, os mais raramente, lembrava de novo a galinha que se re-
traços limitados e pobres não tinham beleza pró cortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar.
pria. Nada restava do antigo mistério senão a cor Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da
da pele, creme, sombria, fugitiva. Se os instantes de cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não canta-
abandono prolongavam-se e se sucediam, então ria, mas ficaria muito mais contente Embora nem nesses
ele via assustado a feiura, e mais que a feiura, uma instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na
espécie de vileza e brutalidade, alguma coisa cega fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho
e inapelável dominar o corpo de Joana como uma era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada
decomposição”. LISPECTOR, Clarice. Perto do cora- no começo dos séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passa-
ção selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 94.
ram-se anos.
d “A vida se vingava de mim, e a vingança consistia
LISPECTOR, Clarice. “Uma galinha”. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco,
apenas em voltar, nada mais. Todo caso de loucura 1998. p. 30. Disponível em: <www.releituras.com/clispector_galinha.asp>.
é que alguma coisa voltou. Os possessos, eles não Acesso em: 20 set. 2016. (Adapt.).

são possuídos pelo que vem, mas pelo que volta. No fragmento adaptado do conto “A galinha”, de Cla-
Às vezes a vida volta. Se em mim tudo se quebrava rice Lispector, o elemento gurativo “ovo” torna-se
à passagem da força, não é porque a função des marco importante na narrativa, pois
ta era a de quebrar: ela só precisava enfim passar, A traz para aquele grupo familiar o valor dessa ave
pois já se tornara caudalosa demais para poder se doméstica, uma vez que ela viva poderia continuar
conter ou contornar – ao passar ela cobria tudo. E dando alimento para todos.
depois, como após um dilúvio, sobrenadavam um  é um momento de epifania para a menina, que perce-
armário, uma pessoa, uma janela solta, três male be o quanto o animal poderia transformar a realidade
tas. E isso me parecia o inferno, essa destruição de sua vida, atribuindo-lhe outro significado.
de camadas e camadas arqueológicas humanas”.  se caracteriza como a simbologia de uma nova
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de existência, contribuindo para tornar o viver de sua
Janeiro: Rocco, 2014. p. 70. espécie ainda mais insignificante.
E “Nessa época encontrávamo-nos de noite em d se constitui como um elemento fundamental para
FRENTE 2

casa, exaustos e animados: contávamos as faça a mudança da percepção da galinha pela família,
nhas do dia, planejávamos os ataques seguintes. passando aquela a ter, por algum tempo, uma nova
Não aprofundávamos muito o que estava suce- condição existencial.
dendo, bastava que tudo isso tivesse o cunho da E se transforma no acontecimento revelador para a
amizade. Pensei compreender por que os noivos própria ovípara, que nota a sua incapacidade de
se presenteiam, por que o marido faz questão de reagir, mediante a crença de que nasceu para ali-
dar conforto à esposa, e esta prepara-lhe afanada mentar o ser humano.

115
Texto para a questão 35. Mas ele foi mais forte que ela Nem uma só vez olhou
para trás.
Tentação LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro:
Editora do Autor, 1964. p. 67-9.
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a cla-
ridade das duas horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam de calor − a cabeça 35 PUC-Rio 2017
da menina flamejava Sentada nos degraus de sua casa, a) Um dos procedimentos críticos necessários à
ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando análise da obra literária é o entendimento da re-
inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse lação entre o narrador, as personagens e o leitor
seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de no desenvolvimento da trama. Determine o foco
momento a momento, abalando o queixo que se apoiava narrativo utilizado por Clarice Lispector no conto
conformado na mão Que fazer de uma menina ruiva com “Tentação”, caracterizando-o.
soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desa- b) Em todo o conto, percebe-se a presença de sig-
lento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra nos visuais e cromáticos que reforçam o sentido
de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária Que do título. Comente a afirmação, destacando dois
importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer
termos do conto “Tentação” que confirmam a sua
insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava
argumentação.
sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O
que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça
partida Segurava-a com um amor conjugal já habituado, 36 Enem 2016
apertando-a contra os joelhos. A partida de trem
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste
mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comuni- Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou
cação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando o táxi e pegou sua pequena valise Dona Maria Rita de
uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha
basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era e encaminharam se para os trilhos A velha bem-vestida e
um basset ruivo. com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora
seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro. devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se
A menina abriu os olhos pasmada Suavemente avi a um certo ponto e o que foi não importa Começa uma
sado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu
Ambos se olhavam. o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste
donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo houvesse um centro, ela se colocara do lado Quando
para ter aquele cachorro Ele fremia suavemente, sem latir a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um
Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tem- pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e
po se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. sentara-se de costas para o caminho.
Ele nem sequer tremeu Também ela passou por cima do Angela Pralini percebeu lhe o movimento e perguntou:
soluço e continuou a fitá-lo. — A senhora deseja trocar de lugar comigo?
Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos. Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas parecia
que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. ter-se perturbado Passou a mão sobre o camafeu filigrana
Sabe-se também que sem falar eles se pediam Pediam se do de ouro, espetado no peito, passou a mão pelo broche.
com urgência, com encabulamento, surpreendidos. Seca Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, — É por causa de mim que a senhorita deseja trocar
ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de lugar?
de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro:
tantos esgotos secos lá estava uma menina, como se fora Nova Fronteira, 1980. (fragmento).
carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entre- A descoberta de experiências emocionais com base
gues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso
no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector.
sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que
No fragmento, o narrador enfatiza o(a)
se pediam.
A comportamento vaidoso de mulheres de condição
Mas ambos eram comprometidos
social privilegiada.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocên-
cia que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele,  anulação das diferenças sociais no espaço público
com sua natureza aprisionada A dona esperava impacien- de uma estação.
te sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se  incompatibilidade psicológica entre mulheres de
da menina e saiu sonâmbulo Ela ficou espantada, com gerações diferentes.
o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai d constrangimento da aproximação formal de pes-
nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos soas desconhecidas.
pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e E sentimento de solidão alimentado pelo processo
os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina. de envelhecimento.

116 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


37 UFU 2016 Com o intuito de compreender as razões relógio vejo mãos, não palavras, sonho alta noite a
do comportamento humano, a narradora do conto mulher tenho a mulher e o peixe.
“Felicidade clandestina”, de livro homônimo de Clari- d Os sonhos cobrem-se de pó. Um último esforço
ce Lispector, atém-se a um fato de sua infância, em de concentração morre no meu peito de homem
que uma menina, filha do dono de uma livraria, per enforcado Tenho no meu quarto manequins cor
cebendo o gosto da narradora pelos livros e pela cundas onde me reproduzo e me contemplo em
leitura, promete lhe emprestar o livro As reinações de silêncio.
Narizinho, de Monteiro Lobato. Entretanto, em uma E O mar soprava sinos os sinos secavam as flores
atitude de crueldade, sempre adia o empréstimo. Para as flores eram cabeças de santos. Minha memória
a narradora personagem, o comportamento da meni cheia de palavras meus pensamentos procurando
na advém fantasmas meus pesadelos atrasados de muitas
A da vingança fracassada, que se originou da desa- noites.
gregação familiar da menina e do rompimento com
Leia um trecho do ensaio de Modesto Carone para
o namorado.
responder às questões 40 e 41.
 da inveja, que a corroía em função da contraposi
ção de sua feiura à beleza das outras meninas. É fato sabido que a trajetória de João Cabral começa
 do transtorno de conduta, que depois levou a me- num surrealismo despojado da escrita automática, passa
nina à demonstração de sentimento de remorso. pelo ardor da construção e da lucidez, discute a pureza e
d do distúrbio de dupla personalidade, que instaurava a decantação da poesia antilírica e, descartando a descon-
na menina a dúvida quanto ao empréstimo do livro fiança (então em moda) quanto à possibilidade de dizer
o mundo e os seus conflitos, assume, de Morte e vida
severina em diante, o lado sujo da miséria do Nordeste.
38 Ufes 2015 Leia o fragmento de texto a seguir e respon
(Modesto Carone “Severinos e comendadores” In: Roberto Schwarz (org).
da às duas proposições que se lhe seguem. Os pobres na literatura brasileira, 1983.)

Pareceu-lhe então, meditativa, que não havia homem


ou mulher 1que por acaso não se tivesse olhado ao espelho 40 Famerp 2018 Conforme o comentário de Modesto Ca-
e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fração de rone, João Cabral
segundo a pessoa se via como um objeto a ser olhado, 2o A afastou-se da poesia antilírica, por considerá-la im-
que poderiam chamar de narcisismo, mas já influenciada pura e decantada.
por Ulisses, ela chamaria de: gosto de ser. Encontrar na  praticou o que a crítica literária chama, hoje, de
figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é ver- “poesia suja”.
dade que eu não imaginei: eu existo.  explorou, ao longo da fase inicial de sua poesia, a
LISPECTOR, Clarice Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres
Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19. escrita automática.
d duvidou da poesia engajada, notadamente depois
a) Aponte uma das características marcantes da de Morte e vida severina
narrativa de Clarice Lispector, sugerida no ato de E ignorou a desconfiança que foi moda em relação à
olhar-se no espelho. poesia de crítica social.
b) Identifique os elementos do texto que são reto
mados pelos seguintes termos:
41 Famerp 2018 Segundo Modesto Carone, o trecho que
I “que” (ref 1); melhor ilustra a última fase da poesia de João Cabral é:
II. “o” (ref. 2). A O mar, que só preza a pedra,
que faz de coral suas árvores,
39 Unifesp 2019 A verve social da poesia de João Cabral luta por curar os ossos
de Melo Neto mostra-se mais evidente nos versos: da doença de possuir carne,
A A cana cortada é uma foice Cortada num ângulo  Sobre o lado ímpar da memória
agudo, ganha o gume afiado da foice que a cor o anjo da guarda esqueceu
ta em foice, um dar-se mútuo. Menino, o gume de perguntas que não se respondem.
uma cana cortou-me ao quase de cegar-me, e uma  Com peixes e cavalos sonâmbulos
cicatriz, que não guardo, soube dentro de mim pintas a obscura metafísica
guardar se do limbo
 Formas primitivas fecham os olhos escafandros d Ó face sonhada
FRENTE 2

ocultam luzes frias; invisíveis na superfície pálpe de um silêncio de lua,


bras não batem. Friorentos corremos ao sol gelado na noite da lâmpada
de teu país de mina onde guardas o alimento a quí- pressinto a tua.
mica o enxofre da noite E As nuvens são cabelos
 No espaço jornal a sombra come a laranja, a laranja crescendo como rios;
se atira no rio, não é um rio, é o mar que trans são os gestos brancos
borda de meu olho. No espaço jornal nascendo do da cantora muda;

117
42 UPE 2015 É uma vida cercada pela morte, que, se não lhes
rouba os dias pela doença, rouba pela violência.
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
III “A gente não nascida” é uma referência às crian-
QUEM É E A QUE VAI
ças não nascidas, por causa da doença da mãe,
– O meu nome é Severino, cujas vidas são similares à de Severino, pois es-
como não tenho outro de pia. sas mulheres também são vítimas da fome, da
Como há muitos Severinos, seca, do desemprego e da violência humana.
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Está cORRETO o que se arma, apenas, em
Severino de Maria; A I e II.
como há muitos Severinos b I e III.
com mães chamadas Maria, c II e III.
fiquei sendo o da Maria d I.
do finado Zacarias E II.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia, 43 UFPE 2014
por causa de um coronel
Texto 1
que se chamou Zacarias
— Essa cova em que estás,
e que foi o mais antigo
Com palmos medida,
senhor desta sesmaria
É a conta menor
Como então dizer quem falo
Que tiraste em vida.
ora a Vossas Senhorias?
— É de bom tamanho,
Vejamos: é o Severino
Nem largo nem fundo,
da Maria do Zacarias,
É a parte que te cabe
lá da serra da Costela,
Deste latifúndio
limites da Paraíba — Não é cova grande,
(...) É cova medida,
[continuação...] é a terra que querias
Somos muitos Severinos ver dividida
iguais em tudo na vida: — É uma cova grande
na mesma cabeça grande para teu pouco defunto,
que a custo é que se equilibra, mas estarás mais ancho
no mesmo ventre crescido que estavas no mundo
sobre as mesmas pernas finas — É uma cova grande
e iguais também porque o sangue, para teu defunto parco,
que usamos tem pouca tinta porém mais que no mundo
E se somos Severinos te sentirás largo.
iguais em tudo na vida, — É uma cova grande
morremos de morte igual, para tua carne pouca,
mesma morte severina: mas à terra dada
que é a morte de que se morre não se abre a boca. [...]
de velhice antes dos trinta, MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina.
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia Texto 2
(de fraqueza e de doença Somem canivetes
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade, Fica proibido o canivete
e até gente não nascida) em aula, no recreio, em qualquer parte
João Cabral de Melo Neto
pois em um país civilizado
entre estudantes civilizadíssimos,
Analise as armativas a seguir: a nata do Brasil,
I. No início do trecho, Severino se apresenta e, para o canivete é mesmo indesculpável.
se diferenciar dos demais Severinos existentes
na ‘freguesia’, revela informações acerca dos pais Recolham-se, pois, os canivetes
e da região onde vive. Mas o lavrador tem dificul- sob a guarda do irmão da Portaria.
dades em sua apresentação, pois Severinos no
Fica permitido o canivete
norte são “iguais em tudo na vida”
nos passeios à chácara
II. À medida que apresenta, Severino faz revelações
para cortar cipó
sobre ele e os demais sujeitos que estão em condi- descascar laranja
ções de sobrevida tão ou mais precárias que a sua. e outros fins de rural necessidade.

118 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Restituam se, pois, os canivetes da personagem, na fala inicial do texto, nos mostra um
a seus proprietários Severino que, quanto mais se define, menos se individua-
com obrigação de serem recolhidos liza, pois seus traços biográficos são sempre partilhados
na volta do passeio, e tenho dito. por outros homens.
SECCHIN, A. C João Cabral: a poesia do menos.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
Só que na volta do passeio
verificou-se com surpresa: Com base no trecho de “Morte e vida severina” (Texto I)
no matinho ralo da chácara e na análise crítica (Texto II), observa-se que a relação
todos os canivetes tinham sumido. entre o texto poético e o contexto social a que ele faz
ANDRADE, Carlos Drummond de
referência aponta para um problema social expresso
A partir da análise da temática dos dois poemas ante- literariamente pela pergunta “Como então dizer quem
riores, avalie as proposições a seguir e assinale quais fala / ora a Vossas Senhorias?”. A resposta à pergunta
são verdadeiras (V) ou falsas (F): expressa no poema é dada por meio da:
0-0 João Cabral inspira-se nos padrões da poesia clás- A descrição minuciosa dos traços biográficos do nar
sica Drummond, ao contrário, reflete as pretensões rador personagem.
estéticas da vanguarda modernista  construção da figura do retirante nordestino como
1 1 No poema de João Cabral, o suposto interlocutor um homem resignado com a sua situação.
é evocado explicitamente: as desinências verbais  representação, na figura do narrador personagem, de
são indícios disso. Em Drummond, prevalece um outros Severinos que compartilham sua condição.
discurso normativo: daí o predomínio do uso do d apresentação do narrador personagem como uma
imperativo. projeção do próprio poeta, em sua crise existencial.
2-2 O poema de João Cabral é uma peça literária em- E descrição de Severino, que, apesar de humilde, or-
blemática da luta que tem sido travada em relação gulha-se de ser descendente do coronel Zacarias.
às desigualdades sociais advindas da má distribui-
ção na posse da terra. 45 UFRGS 2017 (Adapt.) Leia a seguir o diálogo entre Se-
3-3 No verso: “é uma cova grande para tua carne pou- verino e Mestre Carpina, retirado de Morte e vida
ca”, a antítese reformula um conhecido provérbio severina, de João Cabral de Melo Neto
popular.
— Seu José, mestre carpina,
4-4 Em “Somem canivetes”, Drummond, com fina ironia,
que lhe pergunte permita:
admite que o uso do canivete é “indesculpável”, há muito no lamaçal
pois se trata de um país “civilizado” e de estudan apodrece a sua vida?
tes “civilizadíssimos”, “a nata do Brasil” e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?
44 Enem 2011 — Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
Texto I
mas tanto lá como aqui
O meu nome é Severino,
jamais me fiaram nada:
não tenho outro de pia.
a vida de cada dia
Como há muitos Severinos,
cada dia hei de comprá la
que é santo de romaria,
— Seu José, mestre carpina,
deram então de me chamar
e que interesse, me diga,
Severino de Maria;
há nessa vida a retalho
como há muitos Severinos
que é cada dia adquirida?
com mães chamadas Maria,
espera poder um dia
fiquei sendo o da Maria
comprá-la em grandes partidas?
do finado Zacarias,
— Severino, retirante,
mas isso ainda diz pouco:
não sei bem o que lhe diga:
há muitos na freguesia,
não é que espere comprar
por causa de um coronel
em grosso tais partidas,
que se chamou Zacarias
mas o que compro a retalho
e que foi o mais antigo
é, de qualquer forma, vida.
senhor desta sesmaria.
Seu José, mestre carpina,
Como então dizer quem fala
FRENTE 2

que diferença faria


ora a Vossas Senhorias?
se em vez de continuar
MELO NETO, João Cabral de Obra completa
Rio de Janeiro: Aguilar, 1994. tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
Texto II
fora da ponte e da vida?
João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfe-
re-a, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe, Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes
também segue no caminho do Recife. A autoapresentação armações.

119
J Severino, retirante chegado ao Recife, questiona a Os versos de João Cabral de Melo Neto revelam um
vida miserável de Mestre Carpina eu poético
J Mestre Carpina defende a necessidade de viver A angustiado, diante da constatação de que a poesia
mesmo que em condição precária não é necessária nem útil para qualquer leitor, até
J Mestre Carpina nega-se a ouvir os infundados ques mesmo para ele, na condição de artista
tionamentos de Severino.  pessimista, refletindo sobre o seu verdadeiro desejo
J Severino, em sua última interrogação, aponta uma de comunicar algo que ele mesmo considera inútil
hesitação entre viver e morrer para um leitor ávido por informações importantes
A sequência correta de preenchimento, de cima para  paradoxal, ao abordar, metalinguisticamente, sua
baixo, é incapacidade de comunicar algo, considerado inú-
A V-V-F-V  V-F-V-V E F-V-V-F til, embora acabe expressando suas convicções
 V-F-F-F d F-V-F-V sobre o discurso poético, que é difícil para um leitor
que não existe ou que não é receptivo à sua arte.
46 UPF 2017 Sobre a chamada Geração de 45, que al d centrado no código linguístico, na medida em que
guns críticos denominam de pós modernista, apenas analisa a sua própria produção artística e a sua
é incorreto afirmar que: incapacidade de se fazer entender diante de um
A Apresenta um primeiro balanço de sua produção interlocutor presente e sensível a novas formas de
por meio da publicação, em 1951, da antologia Pa- expressão.
norama da nova poesia brasileira, organizada por E incapaz de confessar seus sentimentos e de tradu
Fernando Ferreira de Loanda zir em palavras concretas e significativas o desdém
 Encontra em João Cabral de Melo Neto o seu que sente em relação à dificuldade que o leitor en-
expoente maior, em que pese o fato de o poeta per contra para interpretar seu ofício
nambucano situar se no grupo mais por circunstância
cronológica do que por afinidades programáticas. 48 Imed 2016 Analise o texto a seguir:
 Regride plenamente a concepções e procedimentos
poéticos parnasiano-simbolistas, desconsiderando
toda a poesia existencial europeia de entreguerras,
de filiação surrealista, que poderia insuflar algum so-
pro de modernidade à produção do grupo.
d Reúne, basicamente, poetas amadurecidos duran
te a II Guerra Mundial, como Hélio Pelegrino, Ledo
Ivo, Geir Campos, Fernando Ferreira de Loanda e
José Paulo Paes, entre vários outros.
E Rejeita o verso livre e o coloquialismo dos mo-
dernistas de 22, operando um retorno ao verso O texto acima, de ,é
metrificado e à dicção nobre em seus poemas um dos exemplos mais famosos da .
Assinale a alternativa que preenche, correta e respec-
47 EBMSP 2016 tivamente, as lacunas do trecho acima
A Ferreira Gullar poesia concreta
O artista inconfessável  Décio Pignatari – poesia concreta
Fazer o que seja é inútil.  Ronaldo Azevedo – poesia surrealista
Não fazer nada é inútil. d Ferreira Gullar poesia surrealista
Mas entre fazer e não fazer E Décio Pignatari – poesia surrealista
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer
49 UFJF 2012 Leia o poema concreto a seguir, de Décio
Mas fazer o inútil sabendo Pignatari, para responder à questão.
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e difícil
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém
MELO NETO, João Cabral de. “O artista inconfessável”. SECCHIN, Antônio
Carlos (Org). João Cabral de Melo Neto (seleções). São Paulo: Global Editora.
Disponível em: <http://culturanavegante blogspot com.br/ 2010/11/o-artista- PIGNATARI, Décio. “Contribuição a um alfabeto duplo”. In: Poesia, Pois é,
inconfessavel-joao-cabral-de.html>. Acesso em: 8 fev. 2018. Poesia./ Poetc. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 184.

120 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Uma das questões centrais para Décio Pignatari é a Os poemas de Augusto de Campos e de Manuel Ban-
“armação plena da vida por meio da armação da deira tematizam
razão, do sensível e do sexual, numa síntese feliz” A a miséria, que, muitas vezes, tem como contrapon-
(SIMON, Iumna Maria; DANTAS, Vinícius Literatura comentada: poesia to a riqueza de muitos.
concreta. São Paulo: Abril Educação, 1982. p. 18).
 a questão da fome e da violência que se verifica
Levando em consideração esse comentário, elabore nos grandes centros urbanos
uma proposta de leitura para o poema anterior.  o descaso social com relação aos menores aban-
donados e às crianças de rua.
50 PUC-Minas 2014 d o desemprego, que ocorre sempre quando a de-
manda é maior do que a oferta.

Textos para a questão 52.


Texto 1
Meu pai
meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem

quando lhe levei


CAMPOS, Augusto de. “Pós-tudo”. 1984. Disponível em: <www2.uol.com.br/
augustodecampos/poemas.htm>. Acesso em: 19 ago. 2013. os óculos novos
comprados na Ótica
O poema de Augusto de Campos pertence à poesia Fluminense ele
concreta. Constitui uma característica desse movimento: examinou o estojo com
A a busca por novas formas de expressão do sen- o nome da loja dobrou
timento a nota de compra guardou-a
 a negação dos valores estéticos do Modernismo. no bolso e falou:
 a valorização dos elementos gráficos do poema. quero ver
d o envolvimento com os problemas políticos do país. agora qual é o
sacana que vai dizer
51 UEG 2012 Leia os poemas que seguem: que eu nunca estive
no Rio de Janeiro
(Ferreira Gullar)

Texto 2
O mapa
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
CAMPOS, Augusto de. In: Poesia concreta. São Paulo: Abril Educação, 1982. A anatomia de um corpo...

O bicho (E nem que fosse o meu corpo!)


Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio Sinto uma dor infinita
Catando comida entre os detritos. Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava: Há tanta esquina esquisita,
Engolia com voracidade Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
FRENTE 2

O bicho não era um cão, Nas ruas que não andei


Não era um gato, (E há uma rua encantada
Não era um rato. Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
O bicho, meu Deus, era um homem. Poeira ou folha levada
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: No vento da madrugada,
Nova Fronteira, 1993. p. 201 2. Serei um pouco do nada

121
Invisível, delicioso Estão ORRETAS:
Que faz com que o teu ar A I, II e IV, apenas.
Pareça mais um olhar,  I, II, III e IV.
Suave mistério amoroso,  II e III, apenas
Cidade de meu andar d II, III e IV, apenas.
(Deste já tão longo andar!) E III e IV, apenas.

E talvez de meu repouso...


53 ITA 2011 Considere o poema a seguir, de Ronaldo
(Mário Quintana)
Azeredo:
Texto 3
Impressionista
Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
(Adélia Prado)

Texto 4

Esse texto
I. explora a organização visual das palavras sobre
a página.
II põe ênfase apenas na forma, e não no conteúdo
da mensagem.
(Décio Pignatari)
III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal
das linhas.
IV não apresenta preocupação social
52 UPE 2017 Considerando os Textos 1, 2, 3 e 4 bem como
os autores e seus respectivos contextos históricos e Estão corretas
literários, analise as proposições a seguir. A I e II.
 I, II e III.
I. O Texto 1 apresenta um eu lírico ligado ao cotidiano,
 I e III
pois Ferreira Gullar, poeta também neoconcretista,
d II e IV.
tem como um de seus temas a realidade social.
E todas.
II. No Texto 2, encontra-se um eu lírico que temati-
za o cotidiano, situações corriqueiras, com uma
percepção aguda das coisas simples da vida; no 54 UPE 2018 Paulo Leminski, Décio Pignatari e os irmãos
entanto, há um certo pessimismo em relação à Campos, Haroldo e Augusto, conseguiram desenvol-
cidade que o faz evadir-se, criando, em sonho, ver poemas visuais, que associam o lirismo a um tom
plurissignificativo e, às vezes, crítico leve. Observe os
outra cidade.
poemas a seguir:
III Adélia Prado é dona de uma linguagem simples, e
preocupada com uma temática feminina, ligada à fa- Poema 1
mília e à religiosidade No Texto 3, percebe-se um
eu lírico que se mostra incompatível com o clima da
imagem da casa desejada, a ponto de não se sentir
bem com a cor alaranjada de suas paredes
IV. Pignatari possui uma linguagem que valoriza os
esquemas e diagramas, fazendo de seus versos
um projeto de designer. No poema, há um texto
duplo, uma fusão de imagens, cujos significados
se revelam por essa duplicidade, como um espe-
lho que projeta uma imagem invertida. Décio Pignatari

122 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Poema 2 Textos para as questões de 55 a 57

Texto 1

Disponível em: <www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/


ferreira_gullar2_formigueiiro.html>. Acesso em: 30 abr. 2012.

Texto 2
Nasce o poema
Não vou discutir se o que escrevo, como poeta, é bom
ou ruim. Uma coisa, porém, é verdade: parto sempre de algo,
para mim inesperado, a que chamo de espanto. E é isso que
me dá prazer, me faz criar o poema.
E, por isso mesmo, também, copiar não tem graça Um
dos poemas mais inesperados que escrevi foi O formigueiro,
no comecinho do movimento da poesia concreta.
É que, após os últimos poemas de A luta corporal (1953),
entrei num impasse, porque, inadvertidamente, implodira mi-
nha linguagem poética Não podia voltar atrás nem seguir
em frente.
Foi quando, instigado por três jovens poetas paulistas,
tentei reconstruir o poema Havíamos optado por trocar o
discurso pela sintaxe visual.
Já em alguns poemas de A luta corporal, havia explorado a
materialidade da palavra escrita, percebendo o branco da pági-
na como parte da linguagem, como o seu contrário, o silêncio.
Por isso, diferentemente dos paulistas que exploravam
o grafismo dos vocábulos, desintegrando-os em letras –, eu
desejava expor o “cerne claro” da palavra, materializado no
branco da página.
Daí por que, nesse poema, busquei um modo de grafar as
palavras, não mais como uma sucessão de letras, e sim como
Analise as armativas a seguir e coloque V nas verda construção aberta, deixando à mostra seu núcleo de silêncio.
deiras e F nas falsas Mas não podia grafá-las pondo as letras numa ordem
arbitrária. Por isso, tive de descobrir um meio de superar o
J No poema 1, a linguagem visual e a verbal criam um arbitrário, de criar uma determinação necessária.
todo inseparável, uma vez que as próprias palavras Ocorre, porém, que essas eram questões latentes em mim,
formam o símbolo de infinito, sendo possível realizar mas era necessário surgir a motivação poética para pô-las em
a leitura em, pelo menos, duas direções prática.
J Há duas possibilidades de leitura no poema 1, o que E isso surgiu das próprias letras, que, de repente, me pa-
caracteriza a plurissignificação da poesia concreta. receram formigas, o que me levou a uma lembrança mágica,
de minha infância, em nossa casa, em São Luís do Maranhão.
J Trata-se de dois poemas concretos em que, no
A casa tinha um amplo quintal, em que surgiu, certa manhã,
primeiro, predomina a linguagem verbal e, no se- um formigueiro: eram formigas ruivas que brotavam de dentro
gundo, a linguagem visual. da terra
J No poema 2, o título repete o primeiro verso, razão Eu ouvira dizer que “onde tem formiga tem dinheiro en-
pela qual se deduz tratar-se de prática exclusiva- terrado” e convenci minhas irmãs a cavarem comigo o chão
mente do Concretismo. do quintal de onde brotavam as formigas. E cavamos a tarde
J Há certa ironia no tema do poema 2, quando o eu inteira à procura do tesouro que não aparecia, até que caiu
uma tempestade e pôs fim à nossa busca Foi essa lembrança
lírico admite, no último dístico, que, só aos setenta,
que abriu o caminho para o poema, mas não sabia como
FRENTE 2

vai chegar à consciência plena. realizá-lo. Basicamente, eu tinha as letras, que me lembravam
Assinale a alternativa que indica a sequência ORRETA. formigas, mas isso era apenas o pretexto-tema para explorar a
linguagem em sua ambiguidade de som e silêncio, matéria e
A V F F F F
significado Que fazer então?
 V V V V F Como encontrei a solução, não me lembro, mas sei que
 F F F V V não surgiu pronta, e sim como possibilidades a explorar.
d V–F–V–F–F Tinha a palavra formiga, que era o elemento cerne. Expe-
E V–V–F–F–V rimentei desintegrá-la numa explosão que dispersou as letras

123
até o limite da página e depois a reconstruí numa nova ordem: acentuar a expressão vocabular. O livro-poema é que me le-
já não era a palavra formiga, e sim um signo inventado. Foi vou a fazer os poemas espaciais, manuseáveis, e finalmente
então que pensei em grafar as palavras numa ordem outra e o poema-enterrado, de que o leitor participa, corporalmente,
que nos permitisse lê-las. entrando no poema.
Em seguida, surgiu a ideia mais importante para a inven GULLAR, Ferreira. Folha de S.Paulo, São Paulo, 29 jan. 2012.
ção do poema: constituir um núcleo, formado por uma série p. E10. Ilustrada.
de frases dispostas de tal modo que as letras de certas palavras
servissem para formar outras. Nasceu o núcleo do poema, a
55 UFG 2012 A que movimento literário o poeta se refere
metáfora gráfica de um formigueiro. Ele surgiu da conjugação
das seguintes frases: “A formiga trabalha na treva a terra cega ao dizer “Havíamos optado por trocar o discurso pela
traça o mapa do ouro maldita urbe” sintaxe visual”? Explique como o autor caracteriza
Construído esse núcleo, o poema nasceu dele, palavra esse movimento.
por palavra, sendo que cada palavra ocupava uma página
inteira e suas letras obedeciam à posição que ocupavam no
56 UFG 2012 Segundo Ferreira Gullar, o processo de criação
núcleo Desse modo, a forma das palavras nada tinha da escrita
comum. Não era arbitrária porque determinada pela posição de suas palavras não foi arbitrário. Explique como surgiu
que cada letra ocupava no núcleo. a motivação poética para a criação de O formigueiro.
O formigueiro foi, na verdade, o primeiro livro-poema
que inventei, muito embora, ao fazê lo, não tivesse consciên 57 UFG 2012 A disposição gráfica do Texto 1 remete à ar-
cia disso.
quitetura de um formigueiro, e, como tal, esse texto foi
Chamaria de livro-poema um tipo de criação poética em
que a integração do poema no livro é de tal ordem que se elaborado a partir de um núcleo. Segundo a descrição
torna impossível dissociá los Nos livros-poemas posteriores, feita por Ferreira Gullar no Texto 2, qual é a base des-
essa integração é maior, porque as páginas são cortadas para se núcleo e como ele se constitui?

Texto complementar
Em relação à natureza do romance Grande sertão: veredas, o sertão pode ser dividido em três planos, conforme explicação da crítica literária
Walnice Nogueira Galvão, descritos a seguir:

Geográfico

Diferentemente do sertão nordestino, mais conhecido pelo público em geral, o sertão mineiro é caracterizado pelos campos gerais, que têm
espaços férteis para pastagens e rios. As veredas são calmos caminhos de água, cercados por buritis e outras plantas. No romance de Guimarães
Rosa, há uma mistura entre a topografia real e a imaginária.
E seguimos o corgo que tira da Lagoa Suçuarana, e que recebe o do Jenipapo e a Vereda do Vitorino, e que verte no
Rio Pandeiros esse tem cachoeiras que cantam, e é d’água tão tinto, que papagaio voa por cima e gritam, sem acordo:
É verde! É azul! É verde! É verde! E longe pedra velha remeleja, vi Santas águas, de vizinhas E era bonito, no correr
do baixo campo, as flores do capitão da sala todas vermelhas e alaranjadas, rebrilhando estremecidas, de reflexo.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2009. p. 37-8. v. 2.

Mítico

Os jagunços são tratados como cavaleiros andantes, ao estilo das aventuras romanescas ou das novelas de cavalaria, e, muitas vezes comparados
com heróis, recebem funções de salvação.
Duma banda, então, o Fafafa recruzou, seus cavaleiros: que estavam muito juntos, embolados, do modo por que
um bando de cavaleiros ou cavalos dá ar de ser muito maior do que no real é. Todos cavalos ruços ou baios – cor clara
também aumenta muito a visão do tamanho deles.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2009. p. 63. v. 2.

Metafísico

Os homens do sertão são avaliados o tempo todo por Deus ou pelo diabo. Trata-se da arena de embate entre forças puras do bem e do mal.
Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve
Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vaivém, e a vida é burra É o aberto perigo das grandes e pequenas
horas, não se podendo facilitar é todos contra os acasos Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois
no fim dá certo Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor E a vida do
homem está presa encantoada erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ROSA, João Guimarães; COUTINHO, Eduardo (Org.). Ficção completa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. p. 40-1. v. 2.

124 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Resumindo
Neste capítulo, você viu... y Processo de alteridade e identidade a partir da diferença entre o eu
e o outro.
Guimarães Rosa e a reinvenção do regionalismo
y Questão social presente de maneira intrínseca à questão existencial
Aspectos gerais trabalhados pelo autor y As posições sociais se projetam em questões psicológicas e existenciais.
y Plano metafísico. João Cabral de Melo Neto
y Embate entre as forças do bem e do mal.
y Mistério da morte e os enigmas da vida y Pertencimento à geração de 1945.
y Reconhecimento por seu rigor estético.
y Perenidade da vida e de todas as coisas.
y Poemas construídos de forma inédita a partir de padrões formais.
y Regionalismo e universalidade.
y Objetividade como traço principal.
A linguagem roseana y Recusa de sentimentalismos.
y Neologismos, arcaísmos, latinismos, estrangeirismos e indianismos y Poesia como objeto de trabalho construído, planejado e objetivado.
y Estruturas sintáticas livres. y Preocupação com a realidade social, especialmente a do Nordeste
y Preferência às orações coordenadas, sem qualquer relação de dependência. brasileiro.
y Convivência entre o popular e o erudito. Poesia concreta
y Estilo próprio, inédito e único.
y Jogo com as palavras y Abolição do verso.
Relação com o leitor y Disposição das palavras na página a contribuir para a significação
y Visual e sonoro juntos na construção do sentido.
y Desafio à compreensão do leitor. y Rejeição do lirismo
y Convite ao olhar primitivo de descoberta. y Possibilidade de múltiplas leituras.
y Expectativa do acaso: uma mudança sempre pode ocorrer y Poema sem ser fruto de mera inspiração.
y Reflexão sobre o caráter fragmentário do homem
Neoconcretismo
Conteúdo regional, nacional e universal
y Leitor com importância fundamental na construção do poema, que se
y Mistura entre a descrição histórico-geográfica real com a fantasia e cumpre na leitura.
a imaginação. y Interlocutores retirados da passividade contemplativa e convocados
y Saberes populares e cultos com a mesma força de atuação a interagir com as obras.
y Transcendência e epifania: momentos de luz y Destaque no movimento ao poeta Ferreira Gullar e aos artistas plásticos
y Perspectiva do autor: proximidade absoluta com a matéria narrada. Lygia Clark e Hélio Oiticica.
y Condensação entre realidade e ficção.
Poesia-práxis
Clarice Lispector y Poesia transformada pela manipulação do leitor.
y Literatura intensa e profunda a partir de temas aparentemente cor- y Retomada do verso.
riqueiros y Valorização do sentido das palavras e suas relações em nível sintático,
y Intenção de mostrar o que estava prestes a transbordar do terreno semântico e pragmático.
oculto. Poesia-processo
y Mundo caótico e tenso mesmo nos fatos mais simples do cotidiano.
y Temas que tocam nos sentimentos e instintos humanos, como desejos, y Concretude da linguagem.
paixões etc. y Valorização do visual em detrimento do verbal

Quer saber mais?


<https://tvcultura.com.br/videos/34735_literatura-fundamental-
Livros 42-grande-sertao-veredas-willi-bolle.html>. Acesso em: 8 fev. 2018.
y MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães Rosa São Paulo: y Entrevista com Clarice Lispector para a TV Cultura
Edusp, 2001. Clarice pediu que a entrevista, apresentada no ano de 1977 pelo
Uma vasta pesquisa reúne, em forma de dicionário, o palavrear de jornalista Júlio Lerner, para a TV Cultura, fosse divulgada após a sua
Guimarães Rosa. É uma forma de conhecer um pouco mais sobre a morte, e assim se fez O programa foi ao ar dez meses depois de
inventividade da linguagem desse grande autor. seu falecimento Disponível em: <http://p.p4ed com/TCFIM>. Acesso
FRENTE 2

em: 8 fev. 2018.


Reportagens
Filmes
y Professor Willi Bolle e Ederson Granetto sobre Grande sertão: veredas
Professor Willi Bolle, livre-docente da Faculdade de Filosofia e Ciên- y A hora e vez de Augusto Matraga. Direção: Roberto Santos, 1966.
cias Humanas da USP, conversa com Ederson Granetto a respeito da O longa-metragem é uma adaptação do conto homônimo de Gui-
obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa Disponível em: marães Rosa

125
y A hora da estrela. Direção: Suzana Amaral, 1985. preservando o texto original e, assim, dando vida às personagens
O filme baseia-se no último livro lançado por Clarice Lispector em vida, do auto de Natal pernambucano. Lançado em 2010. Disponível em:
em 1977. Oito anos depois, sua história é levada ao cinema e se consa- <https://youtu be/clKnAG2Ygyw> Acesso em: 8 fev 2018.
gra ao ser premiada nos importantes festivais de Berlim e de Brasília
Disponível em: <http://p.p4ed.com/TCFIQ>. Acesso em: 8 fev. 2018.
Site
y Morte e vida Severina Produção: TV Escola/OZI/FUNDAJ Fundação
Joaquim Nabuco, 2009. y Site oficial do poeta Augusto de Campos
A adaptação para os quadrinhos da obra-prima de João Cabral Na página, é possível conhecer a vida e obra do escritor, além de
de Melo Neto, pelo cartunista Miguel Falcão, é retratada em 3D, interagir com seus poemas. Disponível em: <http://www.augustode
campos.com.br/home.htm>. Acesso em: 8 fev. 2018.

Exercícios complementares
1 Enem 2014 O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: c combatem-se a maior parte do tempo, saindo vi-
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois torioso o sentimento cristão que a tudo consegue
desinquieta O que ela quer da gente é coragem harmonizar
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: d alternam-se um tanto arbitrariamente, constituindo
Nova Fronteira, 1986.
isso a única fragilidade do romance.
No romance Grande sertão: veredas, o protagonista E dão ao conjunto um aspecto nebuloso, entre farsa
Riobaldo narra sua trajetória de jagunço A leitura do e tragédia, que se oferece ao leitor como enigma
trecho permite identicar que o desabafo de Riobaldo insolúvel.
se aproxima de um(a)
A diário, por trazer lembranças pessoais. 3 Ufal 2013 Grande sertão: veredas, do escritor minei-
b fábula, por apresentar uma lição de moral. ro João Guimarães Rosa, é considerado um romance
c notícia, por informar sobre um acontecimento que renova a narrativa brasileira, em especial, a nar
d aforismo, por expor uma máxima em poucas palavras. rativa de caráter regionalista que tinha como espaço
E crônica, por tratar de fatos do cotidiano. de suas ações o sertão. Leia atentamente o trecho
transcrito. Dadas, em seguida, as afirmações acerca
desse romance.
2 PUC-Campinas 2013 Na ficção de Guimarães Rosa, cuja
primeira virtude é chamar o leitor para uma espécie de O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do
gramática de uma nova língua, o cenário privilegiado é mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais,
o de um amplo sertão brasileiro, entendido ainda como ainda não foram terminadas mas que elas vão sempre
espaço simbólico E o autor teve olhos também para o mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que
nascimento de Brasília, num conto de Primeiras estó- a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova
rias. Entre o tempo arcaico e o tempo do futuro, entre “a Fronteira, 1986. p 15
roça e o elevador”, para lembrar uma imagem de Carlos
Drummond de Andrade, Rosa escolheu a ambos: lingua- I. Em Grande sertão: veredas, a narrativa se pauta
gem de novíssima arquitetura, temas que remontam ao na transformação, tudo está em contínua mudan-
regionalismo primitivo, povoado de coronéis e jagunços. ça, as personagens, a paisagem, as relações
Valerim, Aristides. Inédito. pessoais e profissionais
II. Grande sertão: veredas é marcado, principalmen-
As disputas violentas entre bandos de jagunços for te, pela linguagem bastante inovadora, no que
necem ao romance Grande sertão: veredas uma linha concerne à sintaxe e à seleção vocabular, com
narrativa básica, pontuada pela presença intensa de muitos arcaísmos e neologismos.
um amor culposo, de sofridas indagações acerca III. O romance de Guimarães Rosa tem como princi-
do que é o bem e o que é o mal. Por conta disso, pal tema a seca, que assola o sertão, provocando
nesse romance de Guimarães Rosa as tonalidades da mudanças na paisagem e muitos sofrimentos para
épica, da lírica e da reexão metafísica ou moral as personagens centrais, os camponeses Riobal-
A excluem-se reciprocamente, razão pela qual o ro- do e Diadorim
mance apresenta-se dividido em três partes. IV Este é o único romance da obra de Guimarães
b integram-se de modo admirável, costuradas Rosa, autor que escreveu principalmente contos,
pela linguagem nova e surpreendente criada reunidos, entre outros, nos livros Primeiras estó-
pelo artista. rias e Tutameia: terceiras estórias.

126 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Verica-se que estão corretas tem muita história: tudo teria começado com a haste verti-
A I e III, apenas cal ao sol, que projetava sua sombra num plano horizontal
 I, II, III e IV demarcado. 6A ampulheta e a clepsidra são as simpáticas
 I, II e IV, apenas bisavós das atuais engenhocas eletrônicas, e até hoje in
d III e IV, apenas. trigam e divertem crianças de todas as idades.
7Mas a evolução dos maquinismos humanos 8que
E II, III e IV, apenas.
dividem e medem as horas não suprimiu nem diminuiu
a preocupação dos homens com o Tempo, 9essa entida-
4 Enem 2014 Pecados, vagância de pecados. Mas, a gen-
de implacável, sempre a lembrar a condição da nossa
te estava com Deus? Jagunço podia? Jagunço criatura
mortalidade. Na mitologia grega, o deus Chronos era o
paga para crimes, impondo o sofrer no quieto arruado
senhor do tempo que se podia medir, por isso chamado
dos outros, matando e roupilhando Que podia? Esmo
“cronológico”, 10a fluir incessantemente. No entanto, 11a
disso, disso, queri, por pura toleima; que sensata respos-
memória e a imaginação humanas criam tempos outros:
ta podia me assentar o Jõe, broreiro peludo do Riachão
uma autobiografia recupera o passado, a ficção científica
do Jequitinhonha? Que podia? A gente, nós, assim jagun-
pretende vislumbrar o futuro. No Brasil, muito da força de
ços, se estava em permissão de fé para esperar de Deus
um 12José Lins do Rego, de um Manuel Bandeira ou de um
perdão de proteção? Perguntei, quente.
Pedro Nava vem do memorialismo artisticamente trabalha-
— “Uai? Nós vive... — foi o respondido que ele me deu. do. A própria história nacional 13sofre os efeitos de uma
ROSA, G Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, intervenção no passado: escritores românticos, logo depois
2001 (fragmento). da Independência, sentiram necessidade de emprestar ao
Guimarães Rosa destaca se pela inovação da lingua país um passado glorioso, e recorreram às idealizações do
gem com marcas dos falares populares e regionais Indianismo.
Constrói seu vocabulário a partir de arcaísmos e da No cinema, uma das homenagens mais bonitas ao
intervenção nos campos sintático semânticos. Em tempo passado é a do filme Amarcord (“eu me recor-
do”, em dialeto italiano), do cineasta Federico Fellini.
Grande sertão: veredas, seu livro mais marcante, faz o
São lembranças pessoais de uma época dura, quando o
enredo girar em torno de Riobaldo, que tece a história
fascismo crescia e dominava a Itália. Já um tempo futuro
de sua vida e sua interlocução com o mundo-sertão.
terrivelmente sombrio é projetado no filme Blade Runner,
No fragmento em referência, o narrador faz uso da lin-
o caçador de androides, do diretor Ridley Scott, no cenário
guagem para revelar
futurista de uma metrópole caótica.
A inquietação por desconhecer se os jagunços po- Se o relógio da História marca tempos sinistros, o
dem ou não ser protegidos por Deus. tempo construído pela arte abre-se para a poesia: o tempo
 uma insatisfação profunda com relação à sua con- do sonho e da fantasia arrebatou multidões no filme O
dição de jagunço e homem pecador. mágico de Oz estrelado por Judy Garland e eternizado
 confiança na resposta de seu amigo Jõe, que pare- pelo tema da canção “Além do arco-íris”. Aliás, a arte da
cia ser homem estudado e entendido. música é, sempre, uma habitação especial do tempo: as
d muitas dúvidas sobre a vida após a morte, a vida notas combinam-se, ritmam e produzem melodias, aden-
espiritual e sobre a fé que pode ter o jagunço. sando as horas com seu envolvimento.
E arrependimento pelos pecados cometidos na vida São diferentes as qualidades do tempo e as cir-
errante de jagunço e medo da perdição eterna cunstâncias de seus respectivos relógios: há o “relógio
biológico”, que regula o ritmo do nosso corpo; há o “re-
Leia atentamente o texto a seguir para responder à lógio de ponto”, que controla a presença do trabalhador
questão 5. numa empresa; e há a necessidade de “acertar os relógios”,
para combinar uma ação em grupo; há o desafio de “correr
O tempo e suas medidas contra o relógio”, obrigando-nos à pressa; e há quem “seja
1O homem vive dentro do tempo, o tempo que como um relógio”, quando extremamente pontual.
14Por vezes barateamos o sentido do tempo, 15tor-
ele preenche, mede, avalia, ama e teme. Para marcar a
passagem e as medidas do tempo, inventou o relógio. nando-o uma espécie de vazio a preencher: é quando
A palavra vem do latim horologium, e 2se refere a um fazemos algo para “passar o tempo”, e apelamos para um
quadrante do céu que os antigos aprenderam a observar jogo, uma brincadeira, um “passatempo” como as palavras
para se orientarem no tempo e no espaço. 3Os artefatos cruzadas. Em compensação, nas horas de grande expecta-
construídos para medir a passagem do tempo sofreram tiva, queixamo-nos de que “o tempo não passa” “Tempo
ao longo dos séculos uma grande evolução No início é dinheiro” é o lema dos capitalistas e investidores e dos
4o Sol era a referência natural para a separação entre operadores da Bolsa; e é uma obsessão para os atletas
FRENTE 2

o dia e a noite, mas depois os relógios solares foram olímpicos em busca de recordes.
seguidos de outros que vieram a utilizar o escoamento Nos relógios primitivos, nos cronômetros sofisticados,
de líquidos, de areia, ou a queima de fluidos, até chegar nos sinos das velhas igrejas, no pulsar do coração e da
aos dispositivos mecânicos que originaram as pêndulas. pressão das artérias, a expressão do tempo se confunde
5Com a eletrônica, surgiram os relógios de quartzo e de com a evidência mesma do que é vivo. No tic-tac da
césio, aposentando os chamados “relógios de corda” O pêndula de um relógio de sala, na casa da avó, os neti-
mostrador digital que está no seu pulso ou no seu celular nhos ouvem inconscientemente o tempo passar. O Big Ben

127
londrino marcou horas terríveis sob o bombardeio nazista que procuravam representar o mundo real, sobretudo em
Na passagem de um ano para outro, contamos os últimos seus lances mais dramáticos, como os das batalhas.
dez segundos cantando e festejando, na esperança de um A arte cristã primitiva e medieval teve altos momentos,
novo tempo, de um ano melhor desde os consagrados à figuração religiosa nas paredes dos
ALCÂNTARA, Péricles, inédito. templos, como as imagens da Virgem e do Menino, até
as ilustrações de exemplares do Evangelho, as chamadas
“iluminuras” artesanais. Na altura do século XII, o estilo
5 PUC-Campinas 2016 Por vezes, a literatura pode se gótico se impôs, tanto na arquitetura como na pintura.
pautar por diferentes tempos: há o tempo da história Nesta, o fascínio dos artistas estava em criar efeitos de
narrada, de sua sequência cronológica, e há o tempo perspectiva e a ilusão de espaços que parecem reais. Mas
da linguagem que processa essa história A linguagem é na Renascença, sobretudo na italiana, que a pintura
experimental do irlandês James Joyce reinterpreta, atinge certa emancipação artística, graças a obras de gê-
em pleno século XX, a história mítica de Ulisses. No nios como Leonardo, Michelangelo, Rafael. É o império
Brasil, há uma ocorrência similar, se pensamos em da “perspectiva”, considerada por muitos artistas como
Grande sertão: veredas, romance no qual Guimarães mais importante do que a própria luz. Para além das re-
Rosa articula magistralmente dois planos temporais: presentações de caráter religioso, as paisagens rurais e
A a história do passado colonial e o registro das ve- retratos de pessoas, sobretudo das diferentes aristocracias,
lhas crônicas medievais. apresentam-se num auge de realismo.
 o ritmo cantante da lírica e a urgente denúncia Em passos assim instrutivos, o livro da irmã Wendy
política. vai nos conduzindo por um roteiro histórico da arte da
pintura e dos sucessivos feitos humanos. Desde um jogo
 o universo arcaico do sertão e a expressão linguís
de boliche numa estalagem até figuras femininas em ativi
tica ousada e inventiva.
dades domésticas, de um ateliê de ourives até um campo
d a corrosão nostálgica da memória e a busca de
de batalha, 1tudo vai se oferecendo a novas técnicas, como
uma nova mitologia.
a da “câmara escura”, explorada pelo holandês Vermeer,
E o desapego às crenças do passado e a obsessão pela qual se obtinha melhor controle da luminosidade
pelo experimentalismo estético adequada e do ângulo de visão Entram em cena as no-
vas criações da tecnologia humana: os navios a vapor, os
Leia atentamente o texto a seguir para responder à trens, as máquinas e as indústrias podem estar no centro
questão 6. das telas, falando do progresso. Nem faltam, obviamente,
História da pintura, história do mundo os motivos violentos da história: a Revolução Francesa, a
sanguinária invasão napoleônica da Espanha (num qua
O homem nunca se contentou em apenas ocupar dro inesquecível de Goya), escaramuças entre árabes. Em
os espaços do mundo; sentiu logo a necessidade de re- contraste, paisagens bucólicas e jardins harmoniosos des-
presentá los, reproduzi los em imagens, formas, cores, filam ainda pelo desejo de realismo e fidedignidade na
desenhá-los e pintá-los na parede de uma caverna, nos representação da natureza.
muros, numa peça de pano, de papel, numa tela de mo- 2Mas sobrevém uma crise do 3realismo, da 4submissão

nitor Acompanhar a história da pintura é acompanhar um da pintura às formas dadas do mundo natural. Artistas
pouco a história da humanidade. É, ainda, descortinar o como Manet, Degas, Monet e Renoir aplicam-se a um
espaço íntimo, o espaço da imaginação, onde podemos novo modo de ver, pelo qual a imagem externa se sub-
criar as formas que mais nos interessam, nem sempre dis- mete à visão íntima do artista, que a tudo projeta agora
poníveis no mundo natural. Um guia notável para aprender de modo sugestivo, numa luz mais ou menos difusa, apa-
a ler o mundo por meio das formas com que os artistas o nhando uma realidade moldada mais pela impressão da
conceberam é o livro História da Pintura, de uma arguta imaginação criativa do que pelas formas nítidas naturais.
irmã religiosa, da ordem de Notre Dame, chamada Wendy No Impressionismo, 5uma catedral pode ser pouco mais
Beckett. Ensina-nos a ver em profundidade tudo o que os que 6uma grande massa luminosa, 7cujas formas arquite-
pintores criaram, e a reconhecer personagens, objetos, tônicas mais se 8adivinham do que se traçam Associada
fatos e ideias do período que testemunharam à Belle Époque, a arte do final do século XIX e início do
A autora começa pela Pré-História, pela caverna sub- XX guardará ainda certa inocência da vida provinciana,
terrânea de Altamira, em cujas paredes, entre 15 000 e no campo, ou na vida mundana dos cafés, na cidade
12 000 a.C , toscos pincéis de caniços ou cerdas e pó de Desfazendo-se quase inteiramente dos traços dos
ocre e carvão deixaram imagens de bisões e outros ani- impressionistas, artistas como Van Gogh e Cézanne, explo-
mais. E dá um salto para o antigo Egito, para artistas que rando novas liberdades, fazem a arte ganhar novas técnicas
já obedeciam à chamada “regra de proporção”, pela qual e aproximar-se da abstração. A dimensão psicológica do
se garantia que as figuras retratadas − como caçadores de artista transparece em seus quadros: o quarto modestíssimo
aves e mulheres lamentosas no funeral de um faraó − se de Van Gogh sugere um cotidiano angustiado, seus campos
enquadrassem numa perfeita escala de medidas. Já na Gré- de trigo parecem um dourado a saltar da tela. A Primeira
cia, a pintura de vasos costuma ter uma função narrativa: Grande Guerra eliminará compreensões mais inocentes
em alguns notam-se cenas da Ilíada e da Odisseia. A maior do mundo, e o século XX em marcha acentuará as cores
preocupação dos artistas helenísticos era a fidelidade com dramáticas, convulsionadas, as formas quase irreconhecíveis

128 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


de uma realidade fraturada O cubismo, o expressionismo Qual(is) está(ão) correta(s)?
e o abstracionismo (Picasso, Kandinsky e outros) interferem A Apenas II
radicalmente na visão “natural” do mundo.  Apenas I e II.
9Por outro lado, 10menos libertário, 11doutrinas totali-
 Apenas I e III.
taristas, como a stalinista e a nazifascista, pretenderão que d Apenas II e III.
os artistas se submetam às suas ideologias Já Mondrian E I, II e III
fará escola com a geometria das formas, Salvador Dalí
expandirá o surrealismo dos sonhos, e muitas tendências
8 Unicamp 2016 [...] E, páginas adiante, o padre se portou
contemporâneas passam a sofrer certa orientação do mer-
ainda mais excelentemente, porque era mesmo uma bra
cado da arte, agora especulada como mercadoria
va criatura. Tanto assim, que, na despedida, insistiu:
Em suma, a história da pintura nos 12ensina a entender
– Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida
o que podemos ver do mundo e de nós mesmos. As peças
é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa
de um museu parecem estar ali 13paralisadas, 14mas basta
muito a passar, mas sempre passa E você ainda pode ter
um pouco da nossa atenção a cada uma delas para que
muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora
a vida ali contida se manifeste. Com a arte da pintura
e a sua vez: você há de ter a sua.
aprenderam as artes e técnicas visuais do nosso tempo: a
ROSA, João Guimarães. “A hora e vez de Augusto Matraga”. Sagarana.
fotografia, o cinema, a televisão devem muito ao que Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 380.
o homem aprendeu pela força do olhar Novos recursos
ampliam ou restringem nosso campo de visão: atualmen- [...] Então, Augusto Matraga fechou um pouco os
te muitos andam de cabeça baixa, apontando os olhos olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de san-
para a pequena tela de um celular. Ironicamente, alguém gue, e de seu rosto subia um sério contentamento
pode baixar nessa telinha “A criação do homem”, que Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse,
Michelangelo produziu para eternizar a beleza do forro agora sussurrando, sumido:
da Capela Sistina. – Põe a bênção na minha filha..., seja lá onde for que
BATISTA, Domenico, inédito
ela esteja E, Dionóra Fala com a Dionóra que está
tudo em ordem!
Depois morreu.
6 PUC-Campinas 2016 A linguagem e o universo de Gui Idem, p. 413.
marães Rosa na obra-prima que é o romance Grande a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os
sertão: veredas estão em parte caracterizados no se- ditos do padre apresentados no primeiro. Con-
guinte segmento do texto: tudo, “a hora e a vez” do protagonista não são
A apanhando uma realidade moldada mais pela asseguradas, segundo a narrativa, pela reza e
impressão da imaginação criativa do que pelas pelo trabalho. O que lhe garantiu ter “a sua hora
formas nítidas naturais. e a sua vez”?
 o fascínio dos artistas [do estilo gótico] estava em b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se
criar efeitos de perspectiva e a ilusão de espaços aos encontros que ele tem com outra personagem,
que parecem reais. Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos da narra-
 as paisagens rurais e retratos de pessoas, sobre- tiva. Em cada um desses momentos, Nhô Augusto
tudo das diferentes aristocracias, apresentam-se precisa realizar uma escolha. Indique quais são
num auge de realismo. essas escolhas que importam para o processo de
d paisagens bucólicas e jardins harmoniosos desfi- transformação da personagem protagonista
lam ainda pelo desejo de realismo e fidedignidade
na representação da natureza.
9 FICSAE 2017
E acentuará as cores dramáticas, convulsionadas,
as formas quase irreconhecíveis de uma realidade As ancas balançam, e as vagas de
fraturada. dorsos, das vacas e touros, batendo
com as caudas, mugindo no meio,
na massa embolada, com atritos de
7 UFRGS 2014 Considere as seguintes afirmações sobre
couros, estralos de guampas, estrondos
Contos gauchescos, de Simões Lopes Neto, e Gran-
e baques, e o berro queixoso do gado
de sertão: veredas, de João Guimarães Rosa
junqueira, de chifres imensos, com
I. Ambos dedicam-se principalmente à narrativa ru muita tristeza, saudade dos campos,
ral, embora alguns dos Contos gauchescos sejam querência dos pastos de lá do sertão...
FRENTE 2

ambientados na cidade. “Um boi preto, um boi pintado,


II Os narradores de ambos são homens que, a certa Cada um tem sua cor
altura da vida, contam suas memórias a um inter- Cada coração um jeito
locutor externo ao mundo em que vivem. De mostrar o seu amor.”
III Em ambos os livros, está registrada a fala regional Boi bem bravo, bate baixo, bota baba,
rural das personagens, em contraste com a lin boi berrando...
guagem culta dos narradores. Dança doido, dá de duro, dá de dentro,

129
dá direito Vai, Mas parou Em tanto que se esquisitou, parecia que ia
Vem, volta, vem na vara, vai não volta, perder o de si, parar de ser Assim num excesso de espírito,
vai varando fora de sentido E foi o que não se podia prevenir: quem
“Todo passarinh’ do mato ia fazer siso naquilo? Num rompido ele começou a can-
Tem seu pio diferente. tar, alterando, forte, mas sozinho para si-e era a cantiga,
Cantiga de amor doído mesma de desatino, que as duas tanto tinham cantado
Não carece ter rompante...” Cantava continuando
ROSA, João Guimarães. “Sorôco, sua mãe, sua filha”. Primeiras estórias.
O trecho integra o conto “O burrinho pedrês”, da obra 4. ed. Rio de Janeiro: José Olyimpio. s.d. p. 16-8.
Sagarana, escrita por João Guimarães Rosa Dele é
correto armar que Guimarães Rosa, escritor inserido na chamada Ge-
A descreve o movimento agitado dos bois por meio ração de 1945 Modernismo brasileiro , apresenta
de uma linguagem construída apenas pelo empre- uma obra de cunho universalista.
go abusivo de frases nominais e de gerúndios. O texto comprova isso porque
 apresenta um jogo entre a forma poética e a pro A se trata de uma prosa poética.
saica e, em ambos os gêneros, é possível constatar  revela o pitoresco de uma cidade interiorana
a presença de um ritmo marcado pelo uso de  é escrito numa linguagem rica em neologismos.
redondilhas. d enfoca um tema de caráter intimista e ligado à con-
 há presença significativa de figuras sonoras, como dição humana.
as aliterações, que emprestam ao texto ritmo duro E evidencia um problema de ordem social que atinge
e pesado, impedindo a musicalidade e o lirismo os mais pobres.
próprios da arte popular
d há uma mistura de textos narrativos e textos poé- 11 UEM 2017 Assinale o que for correto sobre Manuelzão
ticos que quebra a sequência do conto e oferece e Miguilim, de Guimarães Rosa.
ao leitor um texto de duvidosa qualidade estética. 01 Nas duas narrativas que compõem o volume Ma-
nuelzão e Miguilim, encontramos uma linguagem
10 Uneb 2014 [ ] Vinham vindo, com o trazer de comitiva literária inovadora, com a utilização de neologismos
Aí, paravam A filha a moça tinha pegado a can e com a recuperação (e a revitalização) de vocá-
tar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, bulos já pertencentes à língua portuguesa, em um
nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum. procedimento que é uma das marcas registradas
A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os
de Guimarães Rosa.
espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspec-
02 Em Manuelzão e Miguilim há utilização de ele-
to de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas
mentos naturais (tais como a fauna e a flora) que,
cores, uma carapuça em cima dos espantados cabelos, e
embora tragam consigo muito da cor local do espa-
enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras
ço das narrativas, abrem-se para uma interpretação
e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco.
A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia universalizante capaz de ultrapassar as fronteiras
com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, brasileiras em termos de significado e de capaci-
elas se assemelhavam dade de representação.
Soroco estava dando o braço a elas, uma de cada 04 Dito, irmão mais velho do protagonista de “Uma
lado. Em mentira, parecia entrada em igreja, num casório história de amor”, representa o homem em estado
Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, de natureza, praticamente selvagem, sendo um
a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por dos marcos do neoindianismo que é atribuído a
causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos, Guimarães Rosa em sua fase que antecede seus
e por conta de Soroco – para não parecer pouco caso. Ele grandes romances urbanos.
hoje estava calçado de botinas, e de paletó, com chapéu 08 Em uma relação repleta de reviravoltas, Tio Terêz
grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E estava inicialmente desperta a antipatia da personagem
reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus Miguilim, situação esta que se transforma em de-
respeitos, de dó. Ele respondia: — “Deus vos pague essa finitivo apenas ao fim da narrativa, quando, ao
despesa ” presentear o menino com um par de óculos, abre
O que os outros diziam: que Soroco tinha tido muita para ele as perspectivas da educação e da cultura.
paciência Sendo que não ia sentir falta dessas transtorna 16 Manuelzão, de presença marcante também no en-
das pobrezinhas, era até um alívio [ ] redo de “Campo geral”, contrasta com os demais
Tomara aquilo acabasse. O trem chegando, a máquina
personagens ao se caracterizar como o intelectual
manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou,
por excelência, sendo a representação do filósofo
e passou, se foi, o de sempre. [...]
humanista, inclusive distinguindo-se pelo fato de
Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desaconte-
possuir educação formal avançada
cido, e virou, pra ir-s’embora. Estava voltando para casa,
como se estivesse indo para longe, fora de conta. Soma: JJ

130 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Leia o fragmento do texto para responder às questões II Apegado ao lema “P’ra o céu eu vou, nem que
12 e 13 seja a porrete!”, Nhô Augusto tem, ao lado de
Joãozinho Bem-Bem e seu bando, a oportunidade
O texto a seguir foi extraído do conto “A hora e vez de
de ver seu lema concretizado.
Augusto Matraga”
III Os comentários de Nhô Augusto bem como sua
Já Nhô Augusto, incansável, sem querer esperdiçar familiaridade com “uma das papo-amarelo” carac-
detalhe, apalpava os braços do Epifânio, mulato enorme, terizam-no como um homem “bom de briga” aos
de musculatura embatumada, de bicipitalidade maciça. olhos de Joãozinho Bem-Bem
E se voltava para o Juruminho, caboclo franzino, vivo no IV Por um dado momento, a presença de Joãozinho
menor movimento, ágil até no manejo do garfo, que em Bem-Bem e seu bando reacende, em Nhô Augus-
sua mão ia e vinha como agulha de coser: to, o antigo lado jagunço, duramente combatido
— Você, compadre, está-se vendo que deve de ser um através da penitência
corisco de chegador!...
E o Juruminho, gostando Assinale a alternativa correta.
— Chego até em porco-espinho e em tatarana-rata, A Somente as afirmativas I e II são corretas.
e em homem de vinte braços, com vinte foices para sa-  Somente as afirmativas I e IV são corretas.
rilhar!... Deito em ponta de chifre, durmo em ponta de  Somente as afirmativas III e IV são corretas.
faca, e amanheço em riba do meu colchão!... Está aí nosso d Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
chefe, que diga E mais isto aqui E Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
E mostrou a palma da mão direita, lanhada de cicatri-
zes, de pegar punhais pelo pico, para desarmar gente em 13 UEL 2013 Um dos aspectos distintivos de João Guima-
agressão. rães Rosa é seu trabalho laborioso com a linguagem
Nhô Augusto se levantara, excitado: A esse respeito e com base no texto, considere as
— Opa! Oi-ai!... A gente botar você, mais você, de armativas a seguir
longe, com as clavinas... E você outro, aí, mais este compa-
dre de cara séria, p’ra voltearem E este companheirinho I. O termo bicipitalidade é um exemplo de neo-
chegador, para chegar na frente, e não dizer até-logo!... E logismo. Colocado ao lado do adjetivo maciça,
depois chover sem chuva, com o pau escrevendo e lendo, expressa a ideia da grande força muscular de
e arma-de-fogo debulhando, e homem mudo gritando, e Epifânio.
os do-lado-de-lá correndo e pedindo perdão!... II. O trecho “com o pau escrevendo e lendo” cons-
Mas, aí, Nhô Augusto calou, com o peito cheio; to titui um exemplo de recriação de um dito popular
mou um ar de acanhamento; suspirou e perguntou: cujo sentido original é: o não cumprimento do
— Mais galinha, um pedaço, amigo? combinado ocasionará punição.
— ‘Tou feito. III. A expressão “Ferrugem em bom ferro!” caracteri-
— E você, seu barra? za-se como uma construção poética que exprime,
Agradecido. ‘Tou encalcado ‘Tou cheio até à através dos termos ferrugem e ferro, a falta de
tampa! destreza do protagonista com a arma de fogo.
Enquanto isso, seu Joãozinho Bem-Bem, de cabeça IV. As expressões “chover sem chuva” e “homem
entornada, não tirava os olhos de cima de Nhô Augusto. mudo gritando” configuram-se como exemplos de
E Nhô Augusto, depois de servir a cachaça, bebeu inadequação vocabular, e seu uso revela o baixo ní-
também, dois goles, e pediu uma das papo amarelo, para
vel cultural do protagonista.
ver:
— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que Assinale a alternativa correta.
cursa longe... A Somente as afirmativas I e II são corretas.
— Pode gastar as óito. Experimenta naquele pássaro  Somente as afirmativas I e IV são corretas.
ali, na pitangueira  Somente as afirmativas III e IV são corretas.
— Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto d Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
o galho. Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo E Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
que eu não puxo dedo em gatilho...
Fez fogo. 14 UFSM 2015 Em A hora e vez de Augusto Matraga
Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas
(1946), de Guimarães Rosa, o personagem título, após
acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro!
longa penitência, tem uma espécie de revelação:
ROSA, João Guimarães. Sagarana. 71. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2001. p. 394 5. Nhô Augusto sentia saudades de mulheres E a força
FRENTE 2

da vida nele latejava, em ondas largas, numa tensão con-


fortante, que era um regresso e um ressurgimento Assim,
12 UEL 2013 A partir da leitura do texto, considere as afir
sim, que era bom fazer penitência, com a tentação estimu-
mativas a seguir: lando, com o rasto no terreno conquistado, com o perigo
I. A passagem registra o momento que antecede a e tudo. Nem pensou mais em morte, nem em ir para o céu
entrada de Nhô Augusto no bando de Joãozinho [ ] Bastava lhe rezar e aguentar firme, com o diabo ali
Bem-Bem, a convite do próprio chefe jagunço. perto, subjugado e apanhado de rijo, que era um prazer.

131
A partir do fragmento, assinale a alternativa que ex nasce, ou seja, só chega a ter consciência de si
pressa a visão de Matraga relativa às provações mesma, na hora da sua morte
A A tentação é incorporada pelas mulheres que, se- III. Da leitura da obra infere-se que o fato de a autora
gundo a perspectiva da personagem, são a origem ter criado um personagem-narrador foi para que
de todos os tormentos. ele relatasse a história com sentimentalismo, des-
 As dificuldades parecem positivas na concepção crevesse Macabéa com ternura e desse a ela um
de Nhô Augusto, pois valorizam ainda mais a sua final feliz
capacidade de resistência IV Toda a narrativa é entrecortada pela metalinguagem:
 A visão da personagem demonstra a sua admira é o narrador, Rodrigo S. M., tecendo ponderações
ção pelo Mal, elemento que se sobrepõe ao Bem em relação à posição e ao papel que o escritor ocu-
d As tentações, de acordo com o pensamento de pa na sociedade e, principalmente, sobre o ato de
Matraga, devem ser evitadas a todo custo, já que escrever.
aproximam o homem da danação V Infere-se da leitura da obra que os apelos do
E Segundo o pensamento de Matraga, deve-se, mundo midiático afastavam os pensamentos de
eventualmente, ceder à tentação para lembrar que Macabéa sobre a sua triste condição de sobrevi-
somos apenas humanos. vente no mundo. Era por meio da Rádio Relógio
que ela contava as horas, os minutos, os segun-
15 UFRGS 2015 Considere os segmentos a seguir, retira- dos, sem música para nutrir seus impossíveis
dos de Água viva, de Clarice Lispector. sonhos
Sei que depois de me leres é difícil reproduzir de Assinale a alternativa correta.
ouvido a minha música, não é possível cantá-la sem tê-la A Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras.
decorado. E corno decorar uma coisa que não tem história?  Somente as afirmativas I, III e V são verdadeiras.
[...]  Somente as afirmativas II e III são verdadeiras.
Isto tudo que estou escrevendo é tão quente como um d Somente as afirmativas I, II, IV e V são verdadeiras.
ovo quente que a gente passa depressa de uma mão para E Somente as afirmativas I, IV e V são verdadeiras.
a outra e de novo da outra para a primeira a fim de não
se queimar – já pintei um ovo. E agora como ria pintura
A questão 17 refere-se ao romance A hora da estrela,
só digo: ovo e basta.
de Clarice Lispector.
Leia as seguintes armações sobre os segmentos e
a autora. 17 UFRGS 2017 Assinale a alternativa correta sobre a obra.
I Clarice Lispector é a grande representante da A Um dos aspectos mais marcantes de A hora da es-
narrativa intimista brasileira, com sua prosa que trela é o caráter metaficcional da narrativa.
explora a subjetividade, a partir do eu que absor  Rodrigo S. M sente-se à vontade para narrar a his-
ve os temas do mundo. tória de Macabéa.
II. O enredo, na narrativa, está a serviço das reflexões  Macabéa tem laços fortes de amizade e compa-
e dos sentimentos, motivo pelo qual é possível nheirismo com todos que a cercam.
chamá la de prosa poética. d Macabéa é a típica moradora da zona sul do Rio
III. A narradora tem consciência da limitação da pala de Janeiro, com seu jeito indolente e descontraído
vra para representar a complexidade da vida e do E Macabéa transforma-se em uma cantora promisso-
mundo, por isso se contenta com a palavra míni ra, que se apresenta na Rádio Minuto.
ma/a palavra básica.
Qual(is) está(ão) correta(s)? 18 UFSC 2014 Nascera inteiramente raquítica, herança do
sertão – os maus antecedentes de que falei. Com dois
A Apenas I
anos de idade lhe haviam morrido os pais de febres
 Apenas II
ruins no sertão de Alagoas, lá onde o diabo perdera as
 Apenas I e II
botas. Muito depois fora para Maceió com a tia beata,
d Apenas I e III
única parenta sua no mundo Uma outra vez se lem
E I, II e III
brava de coisa esquecida. Por exemplo a tia lhe dando
cascudos no alto da cabeça porque o cocoruto de uma
16 Udesc 2014 Analise as proposições em relação à obra cabeça devia ser, imaginava a tia, um ponto vital Dava-
A hora da estrela, Clarice Lispector. -lhe sempre com os nós dos dedos na cabeça de ossos
I. O tempo na obra é o psicológico, pois há uma fracos por falta de cálcio. Batia mas não era somente
análise mais aprofundada das personagens que porque ao bater gozava de grande prazer sensual a tia
revela, por meio da narrativa interior, o fluxo da que não se casara por nojo – é que também considerava
consciência. de dever seu evitar que a menina viesse um dia a ser
II. A leitura da obra leva o leitor a inferir que, ao ser uma dessas moças que em Maceió ficavam nas ruas de
atropelada, Macabéa descobre a sua essência, cigarro aceso esperando homem. Embora a menina não
desvelando a situação paradoxal de que ela só tivesse dado mostras de no futuro vir a ser vagabunda

132 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


de rua Pois até mesmo o fato de vir a ser uma mulher A partir da leitura dos seguintes trechos de textos, res-
não parecia pertencer à sua vocação. A 1mulherice só ponda à questão 19
lhe nasceria tarde porque até no capim vagabundo há
[...]
desejo de sol As pancadas ela esquecia pois esperan-
Era uma moça de dezesseis a dezessete anos, delga
do se um pouco a dor termina por passar Mas o que
da sem magreza, estatura um pouco acima de mediana,
doía mais era ser privada da sobremesa de todos os dias:
talhe elegante e atitudes modestas. A face, de um mo-
goiabada com queijo, a única paixão de sua vida. Pois
reno-pêssego, tinha a mesma imperceptível penugem
não era que esse castigo se tornara o predileto da tia
da fruta de que tirava a cor; naquela ocasião tingiam-na
sabida? A menina não perguntava por que era sempre
uns 3longes cor-de-rosa, a princípio mais rubros, natural
castigada mas nem tudo se precisa saber e não saber efeito do abalo. As linhas puras e severas do rosto parecia
fazia parte importante de sua vida que as traçara a arte religiosa. Se os cabelos, castanhos
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 28.
como os olhos, em vez de dispostos em duas grossas
Com base no texto, na leitura do romance A hora da tranças lhe caíssem espalhadamente sobre os ombros, e
2se os próprios olhos alçassem as pupilas ao céu, 1dis-
estrela, lançado em 1977, e no contexto de sua publi
cação, assinale a(s) proposição(ões) correta(s). séreis um daqueles anjos adolescentes que traziam a
Israel as mensagens do Senhor. Não exigiria a arte maior
01 Macabéa, personagem central de A hora da estre- correção e harmonia de feições, e a sociedade bem podia
la, mantém ao longo da vida uma crença cega na contentar-se com a polidez de maneiras e a gravidade
igreja, traço incutido pela tia beata que a obrigara do aspecto. Uma só coisa pareceu menos aprazível ao
a decorar e a repetir os padre-nossos e as ave-ma- irmão: eram os olhos, ou antes o olhar, cuja expressão de
rias desde menina curiosidade sonsa e suspeitosa reserva foi o único senão
02 No romance A hora da estrela, a autora tentou que lhe achou, e não era pequeno
ocultar-se por trás do pseudônimo de Rodrigo [...]
S M , um narrador onisciente intruso que bus Disponível em: <www.cultura com.br/obras/helena.pdf> p.18-9.
Acesso em: 8 fev. 2018. (Adapt.).
ca o tempo todo problematizar o processo de
criação. [...]
04 O vocábulo “mulherice” (ref 1) é um neologismo de O seu viver é ralo [...] ela era incompetente. Incompe-
rivado do substantivo “mulher”. Diferentemente da tente para a vida [ ] com sua cara de tola, rosto que pedia
condição física atribuída automaticamente às pes- tapa [...] Olhou-se maquinalmente ao espelho que encima-
soas do sexo feminino, o narrador dá a entender va a pia imunda e rachada, cheia de cabelos, o que tanto
que a “mulherice” seria constituída pela persona- combinava com sua vida Pareceu lhe que o espelho baço
gem ao longo do tempo, física e psicologicamente e escurecido não refletia imagem alguma. Sumira por acaso
a sua existência física? Logo depois passou a ilusão e en-
08 A datilógrafa Macabéa adorava goiabada com
xergou a cara toda deformada pelo espelho ordinário, o
queijo, divertia-se recortando anúncios de jornais
nariz tornado enorme como o de um palhaço de nariz de
velhos, bebia o mesmo refrigerante que todos
papelão Olhou se e levemente pensou: tão jovem e com
bebem, passeava aos finais de semana no cais e ferrugem. [...] dois olhos enormes, redondos, saltados e
dividia seu quarto com outras cinco meninas, todas interrogativos – tinha olhar de quem tem uma asa ferida
de nome Maria Essa associação de Macabéa a – distúrbio talvez da tireoide [...] Ela nascera com maus
banalidades, gostos, comportamentos e pessoas antecedentes [...] Nascera inteiramente raquítica, herança
comuns ajuda a compor a imagem de uma mulher do sertão os maus antecedentes [ ] A mulherice nas
sem traços próprios, cópia sem viço de tantas ou ceria tarde porque até no capim vagabundo há desejo de
tras sertanejas indigentes. sol [...] estava há quase um ano resfriada. Às vezes antes
16 O romance de Clarice Lispector distancia-se, pelo de dormir sentia fome e ficava meio alucinada pensando
tempo e pela temática, da geração de 1930; ainda em cocha de vaca. O remédio então era mastigar papel
carrega parte da crítica social característica da- bem 4mastigadinho e engolir
quele momento, mas a imagem da menina cuja LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco,
1998 p 23 32
herança do sertão é o raquitismo de retirante fica
em segundo plano, ganhando maior relevo a pro-
blemática da modernização das cidades de Maceió 19 IFSC 2014 Sobre os fragmentos de Helena e de A
e do Rio de Janeiro, locais onde Macabéa tenta hora da estrela, assinale a soma da(s) proposi-
ganhar a vida. ção(ões) correta(s)
FRENTE 2

32 O título da obra revela forte ironia, tendo em vista 01 Os fragmentos são de obras representantes,
que é algo que nunca se concretiza: a hora da respectivamente, do Modernismo e do Realismo
estrela, quando finalmente Macabéa brilharia tal brasileiro.
qual suas artistas de cinema preferidas, não ocorre, 02 A descrição da personagem de Clarice Lispector é
devido ao acidente fatal sofrido pela protagonista. tipicamente modernista e a de Machado de Assis
Soma: JJ é inteiramente romântica.

133
04 Deduz-se dos fragmentos “com sua cara tola, rosto alegria que se dá é tão grande que se tem que a re-
que pedia tapa” (do texto de Clarice Lispector) e partir antes que se transforme em drama. Implora-se
“o olhar, cuja expressão de curiosidade sonsa também que venha, implora-se com a humildade da
e suspeitosa” (do texto de Machado), que ambas alegria-sem-motivo¹.
as personagens eram astutas e se faziam passar Em troca oferece-se também uma casa com
por ingênuas. todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos.
08 “Disséreis”, na referência 1 do texto de Machado, Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da
é o verbo “dizer”, conjugado na 2a pessoa do plu- sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede
ral do pretérito mais-que-perfeito do indicativo. desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros.
O narrador se refere à voz de um anjo; se fosse Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até
um ser humano comum, o referido verbo seria mesmo divina para dar.
“disseram” LISPECTOR, Clarice. Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/frase>.
Acesso em: 30 maio 2012.
16 Na referência 2 do texto de Machado, o narrador
compara a beleza de Helena à de um anjo quan
do afirma “[...] se os próprios olhos alcançassem 21 EPCar 2013 Releia atentamente a frase a seguir:
as pupilas ao céu, disséreis um daqueles anjos Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga de-
adolescentes que traziam a Israel as mensagens pois que passa o horror do domingo que fere.
do Senhor”.
32 Na referência 3 do texto de Machado, a concordân- De acordo com o texto, essa frase aponta para a/os
cia de “longes cor-de-rosa” embora esteja correta, A solidão que o anunciante sente.
admitiria também “longes cores-de-rosa”.  intransigência de quem coloca o anúncio no jornal.
 deveres e os direitos de quem atender ao anúncio.
Soma: JJ d violência nas cidades nos finais de semana.

20 EsPCEx 2013 Leia o trecho a seguir: 22 EPCar 2013 A leitura global do texto permite inferir que
Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, A a busca de um homem ou uma mulher é puramen-
então? Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engol- te de caráter solidário, pois deseja-se compartilhar
fará para sempre em ondas. A palavra e a forma serão a um bom sentimento.
tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez  é necessário encontrar o que se procura rapida-
O fragmento, extraído da obra de Clarice Lispector, mente, uma vez que sair à noite, aos domingos,
apresenta pode ser perigoso.
A uma reflexão sobre o processo de criação literária.  a expressão “... implora-se com a humildade da
 uma postura racional, antissentimental, triste e re- alegria-sem-motivo” (ref. 1) revela sentimentos
corrente na literatura dessa fase da pessoa que precisa da ajuda de um homem
 traços visíveis da sensibilidade, característica pre- ou de uma mulher
sente na 2a fase modernista. d perpassa pelo texto um único tom: imperativo, ale-
d a visão da autora, sempre preocupada com o valor gre e feliz.
da mulher na sociedade.
E exemplos de neologismo, característica comum na 23 Enem 2017
3a fase modernista. Declaração de amor
Leia o texto a seguir para responder às questões 21 Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa
e 22. Ela não é fácil. Não é maleável. [...] A língua por-
tuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.
Sendo este um jornal por excelência, e por
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das
excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um
pessoas a primeira capa de superficialismo.
anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais
mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque
complicado Às vezes se assusta com o imprevisível de
esta está tão contente que não pode ficar sozinha uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar
com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes a
extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se galope Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao
com a própria alegria. É urgente, pois a alegria dessa máximo em minhas mãos. E este desejo todos os que es-
pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece crevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram
que só se as viu depois que tombaram; precisa-se para nos dar para sempre uma herança de língua já feita
urgente antes da noite cair porque a noite é muito Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do
folga depois que passa o horror do domingo que fere. encantamento de lidar com uma língua que não foi apro-
Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a fundada. O que recebi de herança não me chega.

134 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Se eu fosse muda e também não pudesse escrever, 25 UFU 2016 Na obra Felicidade clandestina, de Clarice
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu Lispector, há contos em que crianças são protagonis-
diria: inglês, que é preciso e belo. Mas, como não nasci tas, ora diante de situações densas, ora leves, com
muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro suas alegrias e tristezas na relação com o outro. Nes-
para mim que eu queria mesmo era escrever em portu- sa tessitura, o fio condutor do conto
guês Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só A “Miopia progressiva” indica a manipulação das coi-
para que a minha abordagem do português fosse virgem sas e das pessoas por parte do protagonista para
e límpida. garantir a sua entrada no mundo adulto.
LISPECTOR, C A descoberta do mundo  “Restos de Carnaval” destaca o desejo da per-
Rio de Janeiro: Rocco, 1999. (Adapt.).
sonagem menina de divertir-se como centro das
O trecho em que Clarice Lispector declara seu amor atenções na festa de momo.
pela língua portuguesa, acentuando seu caráter patri  “Tentação” evidencia a importância do olhar entre
monial e sua capacidade de renovação, é: os protagonistas para representar a comunicação
A “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para entre eles.
quem escreve”. d “Come, meu filho” prioriza o discurso autoritário da
 “Um Camões e outros iguais não bastaram para nos mãe para contrapor se ao fluxo de consciência
do filho.
dar para sempre uma herança de língua já feita”.
 “Todos nós que escrevemos estamos fazendo do
túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê 26 UFU 2016 Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos
ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de
vida”.
grandes jardins Eu e uma amiguinha brincávamos mui
d “Mas não falei do encantamento de lidar com uma
to de decidir a quem pertenciam os palacetes. “Aquele
língua que não foi aprofundada” branco é meu.” “Não, eu já disse que os brancos são
E “Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só meus.” “Mas esse não é totalmente branco, tem janelas
para que a minha abordagem do português fosse verdes.” Parávamos às vezes longo tempo, a cara impren-
virgem e límpida” sada nas grades, olhando.
[...] Numa das brincadeiras de “essa casa é minha”,
24 UPF 2017 No desfecho de A hora da estrela, de Clarice paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo.
Lispector, a personagem Macabéa sofre um atropela- No fundo via-se o imenso pomar E, à frente, em canteiros
mento e morre. Em relação a esse desfecho, apenas bem ajardinados, estavam plantadas as flores.
LISPECTOR, Clarice “Cem anos de perdão” Felicidade clandestina.
é incorreto afirmar que: Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 60.
A Após a cena do atropelamento, ao longo de várias
A narrativa de cção joga com sentidos duplos e -
páginas, revela-se não apenas a indecisão do nar
gurados e explora as variadas possibilidades da
rador, Rodrigo S M., quanto ao destino que dará à
linguagem. Na obra de Clarice Lispector, para atingir
sua protagonista, como também sua relutância em
uma maior expressividade na construção do texto,
anunciar a morte de Macabéa ao leitor.
destaca se ainda a epifania
 Ao final de sua agonia, Macabéa profere uma
última e enigmática frase, “— Quanto ao futuro”, Considerando-se o conceito de epifania na obra des-
justamente um dos doze títulos alternativos que fi sa autora, pode-se ler o conto “Cem anos de perdão”
guram no início do romance, junto ao título A hora como
da estrela. A antítese do prazer da criança que desvela, por meio
 Por amarga ironia, Macabéa, que nunca desperta do ato de roubar, as possibilidades da transgressão
ra atenção maior das outras pessoas ao longo de das rígidas normas impostas pela sociedade, mas
que sofre de forma antecipada devido à possibili-
toda a sua vida, encontra a sua “hora de estrela” no
dade da punição.
momento de morrer, ao se ver cercada por vários
 metáfora da passagem da infância para a adoles-
desconhecidos que espiam seu corpo caído no
cência, uma vez que a descoberta dos grandes
meio da rua.
jardins com suas rosas e pitangas acena, figura-
d Após o atropelamento, Macabéa se entrega, re-
tivamente, para a descoberta do erotismo e da
signada, à morte, pois em momento algum dera sexualidade.
crédito às fantasiosas promessas de felicidade  alegoria da dor da criança pobre que, ao andar
FRENTE 2

futura que madama Carlota, a cartomante, lhe aca- pelas ruas ricas do espaço urbano, percebe a desi-
bara de fazer gualdade social de Recife, o que autoriza e legitima
E A narrativa de Lispector estabelece um diálogo o ato de roubar
intertextual com o conto “A cartomante”, de Macha- d metonímia do mal que se manifesta, de forma ino-
do de Assis, no qual também há uma personagem fensiva, nas crianças, por meio do roubo de rosas e
que, logo após visitar uma cartomante e receber de pitangas, mas que na vida adulta se manifestará
dela vaticínios auspiciosos, encontra a morte. em atos e atitudes que prejudicarão a sociedade.

135
27 PUC-PR 2015 No conto “Felicidade clandestina”, de o elefante e as outras espécies visitadas também
Clarice Lispector, a protagonista termina a narrativa não demonstram insatisfação com suas existências
com a seguinte frase: Frente ao búfalo, porém, a identificação torna-se
possível e o instinto de morte apodera se dela:
Não era mais uma menina com um livro: era uma
“Presa como se sua mão se tivesse grudado para
mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. “Felicidade clandestina”. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa,
enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das
Com base nessa frase, assinale a alternativa correta. grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo
A A autora expressa que a menina cresceu e não se humano baquear macio a mulher viu o céu inteiro
interessou mais pelo livro porque tem um amante. e um búfalo” (p.135).
 Clarice Lispector expressa que a menina já não se 16 As personagens de Clarice Lispector, na obra em
interessa mais pelo livro, e que a felicidade clandes foco, mostram-se em constante processo de au-
tina se realizou no momento em que o conseguiu toanálise e reconstrução do próprio “eu”, aspecto
 Clarice Lispector expressa a relação entre a infân que impossibilita o reconhecimento do ambiente
cia e a vida adulta da protagonista. histórico-social brasileiro na estrutura das narrati-
d Clarice Lispector expressa a troca do livro por um vas. A concentração das preocupações da autora
amante. nas emoções interiores das personagens impede
E A autora define com uma metáfora o que é feli- o afloramento, nos contos, de questões como o
cidade clandestina, já que uma mulher ao ter um papel da mulher, o racismo, o preconceito, a vio-
amante vive situações de perigo, mas que lhe pro- lência social, entre outras Trata-se, portanto, de
porcionam felicidade uma literatura alienada e alienante
Soma: JJ
28 UEM 2015 Assinale o que for correto em relação aos
contos de Laços de família, de Clarice Lispector:
29 UPF 2015 Nos contos de Laços de família, de Clari-
01 Os contos têm em comum, além dos sentimentos ce Lispector, o foco narrativo ajusta-se
de ódio e desesperança que desfazem relações perfeitamente à representação dos conflitos internos
familiares, provocando conflitos interiores nas per das personagens, quase sempre desencadeados por
sonagens, uma voz narradora em primeira pessoa,
o que comprova o caráter autobiográfico da obra,
Assinale a alternativa que preenche corretamente as
a aproximação dos fatos relatados à vida pessoal
lacunas da armação anterior.
da escritora.
A do narrador-protagonista / casos de infidelidade
02 O conto “Uma galinha”, embora seja indicado a
conjugal.
leitores adultos, traz elementos que o caracterizam
 da onisciência seletiva / pequenos incidentes do
como conto de fadas: inicia-se com a expressão
cotidiano.
própria dessa modalidade narrativa “Era uma
 do “eu” como testemunha / disputas fratricidas pela
galinha de domingo” ; é marcado pela presença
herança paterna.
do maravilhoso, pois, ao botar um ovo, a galinha é
d do narrador-protagonista / pequenos incidentes do
poupada de ser morta; e apresenta um final feliz –
cotidiano.
“A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, me-
E do “eu” como testemunha / casos de infidelidade
nos ela, o sabiam”.
conjugal.
04 Em “Amor”, a personagem Ana, mulher tranquila e
realizada em seu cotidiano familiar, depara-se com
um cego mascando chicletes em uma parada de
30 UPF 2014 Leia as seguintes afirmações sobre a obra
Laços de família de Clarice Lispector
ônibus. Trata-se do momento máximo de tensão
narrativa, o clímax, uma vez que essa visão provoca I. O ponto de partida do conto “Amor” é a presen-
a ruptura entre a personagem e a sua realidade ça de uma personagem que não quer, de modo
estável (“Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara algum, escapar da sua mediocridade confortável.
tanto para que esta não explodisse. [...]. E um cego, II No conto “A galinha”, o animal está prestes a ser
mascando goma, despedaçava tudo isso?” [p. 27]). devorado em um almoço de domingo, quando,
Esse momento, ainda que seja o clímax da nar- de súbito, retoma o seu gosto selvagem de luta
rativa, não é o seu desfecho, pois, ao retornar à e foge
casa, Ana reencontra a estabilidade nos braços III O narrador, no conto “Feliz aniversário”, relata a
do marido imensa e sincera alegria dos parentes da velha
08 O conto “O búfalo” narra uma situação de amor aniversariante durante a comemoração dos seus
e ódio. No zoológico, a personagem busca uma 89 anos.
identificação com os animais, que não se realiza: IV. No conto “A imitação da rosa”, a personagem
diante do leão, sente-se impotente, uma vez que procura com toda minúcia tornar à posição de es-
ele demonstra felicidade; a girafa, o hipopótamo, posa exemplar.

136 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


Está correto apenas o que se arma em: 32 Unicamp 2017 No conto “Amor”, de Clarice Lispector,
A I e II. após ver um cego mascando chicletes, a personagem
 I e III. passa por uma situação que, segundo o narrador, ela
 II e III própria chama de “crise”:
d II, III e IV. O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era
E I, II e IV. o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo
espantada O calor se tornara mais abafado, tudo tinha
31 UPE 2015 Machado de Assis, Guimarães Rosa e Cla ganho uma força e vozes mais altas.
rice Lispector são romancistas e contistas, cujas LISPECTOR, Clarice Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009 p 23

narrativas apresentam observações profundas do Essa crise, que transforma a relação da personagem
comportamento humano Sobre esse tema, coloque V com o mundo e com a família,
nas afirmativas verdadeiras e F nas falsas. A nasce do colapso da vontade de viver da perso-
nagem, em razão do doloroso prazer com que
J Em Dom Casmurro, conto da primeira fase da obra
passou a ver as coisas
machadiana, há uma análise minuciosa do compor-
 revela o conflito vivido pela personagem entre o
tamento da mulher pertencente à classe burguesa,
tipo de vida que havia escolhido e as coisas que
pois Capitu se apresenta como personagem am-
passou a desejar.
bígua e interesseira, que não mede esforços para
 constitui, para a personagem, uma alteração no
dilapidar o patrimônio do marido, tal como acontece modo de vida que antes a fazia sofrer e do qual
no capítulo Libras esterlinas. agora havia se libertado.
J Laços de família é uma coletânea de Clarice Lis d remete à excitação da personagem por ter con-
pector, composta por 13 contos que, na maioria, seguido harmonizar sua antiga vida com os novos
possuem como protagonistas personagens femi- desejos e sensações.
ninas, tomando se como exemplo Ana, no conto
Amor, e Dona Anita, em Feliz aniversário. Nas duas Leia o poema para responder às questões de 33 a 35.
narrativas, elas são idosas e lamentam só terem
O nada que é
descoberto a si mesmas em idade avançada.
J Primeiras histórias, de Guimarães Rosa e Laços Um canavial tem a extensão
de família, de Clarice Lispector demonstram a ante a qual todo metro é vão.
preocupação de seus autores com a linguagem,
Tem o escancarado do mar
característica peculiar à produção literária tanto do
que existe para desafiar
escritor mineiro quanto da autora brasileira, assim
considerada, apesar de ter nascido na Ucrânia que números e seus afins
J Dom Casmurro, de Machado de Assis, Famigera- possam prendê-lo nos seus sins
do, de Guimarães Rosa, e Uma galinha, de Clarice
Lispector são três narrativas que têm por narra Ante um canavial a medida
dores-personagens Dom Casmurro, a galinha e métrica é de todo esquecida,
Famigerado. Por essa razão, os três relatos são
protagonizados por figuras ambíguas, resultantes porque embora todo povoado
do comprometimento dos personagens-narradores. povoa-o o pleno anonimato
J Em Dom Casmurro, são narrados acontecimen
que dá esse efeito singular:
tos que se passam no Rio de Janeiro; o mesmo
de um nada prenhe como o mar.
fato ocorre no conto Amor, cuja personagem Ana
MELO NETO, João Cabral. Museu de tudo e depois. 1988.
é identificada por um substantivo que, ao sofrer
inversão, mantém-se inalterado, pois nada se lhe
modifica. Já em A menina de lá, o espaço é um 33 Unifesp 2014 Ao comparar o canavial ao mar, a imagem
lugar que “ficava para trás da Serra do Mim, quase construída pelo eu lírico formaliza-se em
no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado A um eufemismo entre a ideia de metro e a de me-
o Temor-de-Deus”. dida.
 um paradoxo entre a ideia de nada e a de imensi-
FRENTE 2

Assinale a alternativa que contém a sequência dão


ORRETA.  uma assimetria entre a ideia de nada e a de ano-
A F F F F F nimato
 F-F-V-F-V d uma descontinuidade entre a ideia de mar e a de
 V V V F F canavial.
d F-F-V-V-V E uma contradição entre a ideia de extensão e a de
E V-F-V-F-V canavial.

137
34 Unifesp 2014 Nos versos iniciais do poema – Um cana- 02 o verbo “jazer” no poema remete ao significado de
vial tem a extensão / ante a qual todo metro é vão. –, “estar sepultado” Tal sentido é negado pelo poeta
“metro” é concebido como ao afirmar que “Nesta terra ninguém jaz” (ref. 1),
A forma de se medir corretamente um canavial. pois a terra não envolve o corpo, tal qual mortalha,
 meio de se medir a extensão de um canavial com como o mar não envolve o rio; ambos misturam-se,
precisão. integram-se, passam a fazer parte um do outro.
 tradução subjetiva da extensão de um canavial. 04 as formas verbais “vem” (ref 2a) e “vêm” (ref 3a)
d meio de se dizer mais de um canavial do que só são variantes da 3a pessoa do plural do presente
sua extensão. do indicativo do verbo “ver”.
E forma ineficaz de se medir a extensão de um canavial. 08 o tema principal do poema “Cemitério pernambu-
cano”, a reforma agrária, contrasta com o de Morte
35 Unifesp 2014 O poema está organizado em versos de e vida severina: auto de Natal pernambucano, cujo
A oito sílabas poéticas que traduzem a visão de uma foco é denunciar a falta de cemitérios e de mater
poesia de expressão emocional contida. nidades públicas para acolher as vidas ceifadas
 sete sílabas poéticas que traduzem a visão de uma pela morte e as que chegavam unicamente pelas
poesia de equilíbrio entre razão e sentimentalismo. mãos das parteiras sertanejas.
 dez sílabas poéticas que traduzem a visão de uma 16 ao longo do poema, percebe-se o uso de con-
poesia descaracterizada pela falta de emoção. junções e locuções conjuntivas É o que ocorre
d doze sílabas poéticas que traduzem a visão de nas referências 4, 5, 6 e 7, em que elas denotam,
uma poesia que prima pela razão, mas sem abrir respectivamente, explicação, adição, conclusão e
mão da emoção. consequência.
E cinco sílabas poéticas que traduzem a visão de 32 em Paisagens com figuras, coletânea na qual o
uma poesia de expressão sentimental exagerada. poema “Cemitério pernambucano” foi publicado
pela primeira vez, há poemas que aludem à seca,
36 UFSC 2015 à pobreza e ao vazio, permitindo que o poeta esta-
Cemitério pernambucano beleça paralelos com a Espanha, local onde João
Cabral de Melo Neto atuou como diplomata.
(Nossa Senhora da Luz)
1Nesta terra ninguém jaz, Soma: JJ
4pois também não jaz um rio,

noutro rio, 5nem o mar 37 UFJF/Pism 2015


é cemitério de rios
O futebol brasileiro evocado da Europa
Nenhum dos mortos daqui
2vem vestido de caixão. A bola não é inimiga
6Portanto, eles não se enterram, como o touro, numa corrida;
são derramados no chão. e embora seja um utensílio
caseiro e que não se usa sem risco,
3Vêm em redes de varandas não é o utensílio impessoal,
abertas ao sol e à chuva. sempre manso, de gesto usual:
Trazem suas próprias moscas. é um utensílio semivivo,
O chão lhes vai como luva. de reação própria como bicho,
Mortos ao ar-livre, que eram, e que, como bicho, é mister
hoje à terra livre estão (mais que bicho, como mulher)
São tão da terra 7que a terra usar com malícia e atenção
nem sente sua intrusão dando aos pés astúcia de mão.
MELO NETO, João Cabral de. Melhores poemas. Seleção de Antonio Carlos MELO NETO, João Cabral de Obra completa Rio de Janeiro:
Secchin. São Paulo: Global, 2010. p. 108. Nova Aguilar, 1992. p. 407.

Com base na variedade-padrão escrita da língua por- O poema de João Cabral de Melo Neto estabelece
tuguesa, na leitura do texto, lançado inicialmente em uma comparação que se fundamenta:
Paisagens com guras (1955), nos demais poemas de A na personificação da bola para aproximá-la da ima-
João Cabral de Melo Neto presentes em Melhores gem de um ser vivo.
poemas e no contexto de sua publicação, é correto  na relação entre o uso do touro em esportes na
armar que: Europa e a bola como utensílio doméstico.
01 embora tenha sido escrito em meados do século XX,  na representação da figura feminina, que é iguala-
o poema “Cemitério pernambucano”, de João da a um objeto ou um bicho.
Cabral de Melo Neto, é um soneto e, como tal, traz d na diferença entre o estilo do futebol europeu e o
consigo algumas características que remontam ao do brasileiro.
Classicismo, como a presença de versos livres e E na ideia de que o futebol é um esporte sedutor
brancos. através da referência à malícia e à mulher.

138 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


38 ITA 2015 O poema a seguir, de João Cabral de Melo adjetiva, pois qualifica o substantivo “morte” de
Neto, integra o livro A escola das facas. modo criativo e inusitado.
A voz do canavial Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.
A F-F-F-V-V
Voz sem saliva da cigarra,  V-V-V-F-V
do papel seco que se amassa,  V V F F V
de quando se dobra o jornal:
d V F V F V
assim canta o canavial,
E V-V-V-F-F
ao vento que por suas folhas,
de navalha a navalha, soa,
vento que o dia e a noite toda 40 UFRGS 2020 Leia o fragmento da canção Funeral de um
o folheia, e nele se esfola. lavrador, feita por Chico Buarque de Holanda, em 1968,
a partir da obra Morte e vida Severina (Auto de Natal
Sobre o poema, é incorreto armar que a descrição pernambucano), de João Cabral de Melo Neto.
A compara o som das folhas do canavial com o da
cigarra É uma cova grande pra tua carne pouca
 põe em relevo a rusticidade da plantação de cana Mas a terra dada, não se abre a boca
-de-açúcar. É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
 destaca o som do vento que passa pela plantação.
É a terra que querias ver dividida
d associa o som do canavial com o amassar das fo
Estarás mais ancho que estavas no mundo
lhas de papel
Mas a terra dada, não se abre a boca
E faz do vento a navalha que corta o canavial.
Considere as armações abaixo, sobre o fragmento.
I. O tema da reforma agrária, recuperado por Chico
39 UPE 2015 Em relação a Morte e vida severina, de João
Buarque de Holanda, também está presente no
Cabral de Melo Neto, coloque V para as afirmativas
Auto de João Cabral de Melo Neto
verdadeiras e F para as falsas
II. A magreza do lavrador faz a cova parecer um
J Trata-se do relato da história de um retirante que, latifúndio.
tomando como modelo Vidas secas, deixa seu III. A morte, para o lavrador pobre, parece ser mais
torrão natal e vai para a metrópole em busca de vantajosa do que a miséria em vida
melhor qualidade de vida. Assim, Severino, prota-
Quais estão corretas?
gonista do Auto de Natal pernambucano, chega
A Apenas I
a Recife e consegue ascender socialmente, pois é
 Apenas II.
contratado para trabalhar em uma fábrica atingindo
 Apenas III.
seus objetivos.
d Apenas II e III.
J Integra o texto cabralino uma cena intitulada “Fu-
E I, II e III
neral do lavrador”, composta por redondilhas, a
qual foi musicada por Chico Buarque de Holanda,
na década de 1970, momento de plena ditadura. 41 UFRGS 2014 (Adapt.) Leia o poema a seguir, de João
Contudo, o texto não sofreu nenhuma censura do Cabral de Melo Neto.
sistema constituído, por não apresentar ideologia, O sertanejo falando
na época, considerada subversiva.
J Morte e vida severina segue a estrutura de um A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
auto. Como romance que é, em treze capítulos, a
(palavras confeito, pílula), na glace
personagem central desloca-se da Serra da Coste-
de uma entonação lisa, de adocicada
la, situada no interior de Alagoas, vem margeando
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o Rio Capibaribe, chega ao Recife, onde se encon
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
tra com Mestre Carpina
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
J O texto de João Cabral é composto por versos
incapaz de não se expressar em pedra
metrificados, redondilhas, em uma perfeita harmo-
nia entre a personagem e a linguagem, peculiar 2
à literatura popular desde os autos do teatrólogo Daí por que o sertanejo fala pouco:
FRENTE 2

português Gil Vicente até a atualidade. as palavras de pedra ulceram a boca


J Nos versos: “E se somos Severinos / iguais em e no idioma pedra se fala doloroso;
tudo na vida, / morremos de morte igual, / mesma o natural desse idioma fala à força.
morte severina: / que é a morte de que se morre Daí também por que ele fala devagar:
/ de velhice antes dos trinta”, encontramos o uso tem de pegar as palavras com cuidado,
de aliterações que trazem musicalidade ao texto. confeitá-las na língua, rebuçá-las;
Além disso, a palavra severina exerce uma função pois toma tempo todo esse trabalho.

139
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes Trabalhando com recursos formais inspirados no Con-
armações sobre o poema cretismo, o poema atinge uma expressividade que se
caracteriza pela
J O eu lírico do poema é o próprio sertanejo que
A interrupção da fluência verbal, para testar os limites
reflete sobre sua forma de falar
da lógica racional.
J A ideia dos quatro primeiros versos da primeira es
 reestruturação formal da palavra, para provocar o
trofe é retomada nos quatro últimos da segunda;
estranhamento no leitor.
neles, é descrita a melodia aparentemente doce
 dispersão das unidades verbais, para questionar o
da fala do sertanejo.
sentido das lembranças
J Os quatro últimos versos da primeira estrofe estão
d fragmentação da palavra, para representar o estrei-
relacionados aos quatro primeiros da segunda; ne-
tamento das lembranças.
les, é descrita a essência rude do falar sertanejo.
E renovação das formas tradicionais, para propor
J O sertanejo falando opõe-se aos demais poemas
uma nova vanguarda poética.
de A educação pela pedra; nele, João Cabral de
Melo Neto apresenta um rigor formal, uma preo-
cupação com a estrutura do poema, ausente no 44 Unifesp Leia os textos e analise as afirmações.
restante do livro Texto 1
A sequência correta de preenchimento, de cima para
baixo, é
A V V V F  V F V V E F V V F
 F V F V d F F F V

42 PUC-Campinas 2017 Nos anos de 50 e 60 do sécu-


lo passado, surgiu e consolidou-se uma vanguarda Disponível em: <www.custodio.net>. (Adapt.).
poética, o Concretismo, que assumiu modelos de
composição inspirados, por exemplo, Texto 2
A nos recursos de uma poética clássica pela qual se ra terra ter
valorizavam as narrativas de cunho mítico rat erra ter
 no aproveitamento gráfico do espaço e na lingua rate rra ter
gem visual dos signos, renunciando a uma sintaxe rater ra ter
tradicional. raterr a ter
 na rearticulação mais ousada de versos modernos raterra terr
araterra ter
em formas tradicionais, como a do soneto.
raraterra te
d nas múltiplas formas do poema em prosa, garan-
rraraterra t
tindo assim a incorporação de originais narrativas.
erraraterra
E em formas musicais consagradas, como a da so-
terraraterra
nata, com destaque para a técnica do contraponto. Pignatari, Décio.

43 Enem 2015 I. A graça do texto 1 decorre da ambiguidade que as-


sume o termo “concreta” na situação apresentada.
da sua memória II. O texto 2 é exemplo de poesia concreta, rela-
mil cionada ao experimentalismo poético, no qual o
e poema rompe com o verso tradicional e transfor
mui ma-se em objeto visual
tos III. Para a interpretação do texto 2, pode-se prescin-
out dir dos signos verbais.
ros Está correto o que se arma em
ros A I, apenas. d I e III, apenas.
tos  III, apenas. E I, II e III.
sol
 I e II, apenas
tos
pou
coa 45 UPF 2015 Na década de 1950, surge, no Brasil, o movimento
pou da poesia concreta, liderado pelos irmãos Augusto e
coa Haroldo de Campos e por Décio Pignatari. Algumas ca-
pag racterísticas marcantes da poesia concreta são:
amo A a valorização da palavra solta, que se fragmenta e
meu se recompõe na página, e o uso do espaço gráfico
ANTUNES, A. 2 ou + corpos no mesmo espaço. São Paulo: Perspectiva, 1998. como elemento estrutural do poema

140 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


 a retomada das formas fixas, como o soneto e o
epigrama, e a valorização dos temas universais.
 o emprego da linguagem coloquial e o desenvolvi-
mento de temas do cotidiano.
d o uso estilizado de formas da literatura oral, como o
cordel nordestino, e a pregação político partidária
E o recurso à musicalidade do verso e a afirmação do
corpo e do desejo.

46 Enem 2014
hugo PONTES
Poços de Caldas-MG, Brasil
PONTES, Hugo. Disponível em: <www.germinaliteratura.com.br>.
Acesso em: 24 mar. 2015.

47 UEG 2015 Considerando o experimentalismo surgido


com as vanguardas do século XX, constata se que os
poemas de Campos e Pontes são respectivamente
A poema árcade e poesia futurista
 poesia concreta e poema processo.
 poema abstrato e poesia surreal.
CLARK, L. Bicho de bolso. Placas de metal, 1966. d poesia parnasiana e poema barroco.
O objeto escultórico produzido por Lygia Clark, repre-
sentante do Neoconcretismo, exemplica o início de 48 UFJF/Pism 2015
uma vertente importante na arte contemporânea, que Pulsar
amplia as funções da arte. Tendo como referência a
obra Bicho de bolso, identica-se essa vertente pelo(a)
A participação efetiva do espectador na obra, o que
determina a proximidade entre arte e vida.
 percepção do uso de objetos cotidianos para a con-
fecção da obra de arte, aproximando arte e realidade
 reconhecimento do uso de técnicas artesanais na arte,
o que determina a consolidação de valores culturais.
d reflexão sobre a captação artística de imagens com
meios ópticos, revelando o desenvolvimento de
uma linguagem própria
E entendimento sobre o uso de métodos de produ-
ção em série para a confecção da obra de arte, o Campos, Augusto Viva vaia – poesia 1949-1979 São Paulo:
Duas cidades, 1979. p. 175.
que atualiza as linguagens artísticas.
Explique como se articula a substituição de letras por
Observe os dois poemas a seguir para responder à outros sinais grácos na construção do poema con-
questão 47. creto “Pulsar”, de Augusto de Campos.

49 UEM Leia as informações a seguir sobre tendências con-


temporâneas da literatura e assinale o que for correto.
O que, no campo literário, de modo geral, a crítica
tem chamado de tendências contemporâneas aponta para
as obras e os movimentos surgidos a partir de meados da
década de 1950 e que refletem, nas décadas de 1960 e
1970, um momento histórico caracterizado inicialmente
FRENTE 2

pelo autoritarismo e pela censura, seguido de um progressi-


vo processo de democratização. Trata-se de uma produção
literária bastante vasta e diversificada. Na poesia, dois as-
pectos são considerados: um marcado pela permanência,
em que autores consagrados continuam produzindo com
CAMPOS, Haroldo de. Cristal, em fome de forma. In: AGUILAR, Gonçalo.
Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São certa ênfase na temática social; outro, pela ruptura, em que
Paulo: Unesp, 2005. p. 195. ganha corpo a luta contra esquemas analítico-discursivos

141
da sintaxe tradicional Na prosa, uma das características 08 Em função de sua preocupação com a organização
mais marcantes é a pluralidade de estilos, consequência do texto, com a precisão e a concisão da lingua-
de diferentes tratamentos conferidos à linguagem gem, João Cabral de Melo Neto é considerado
01 O Concretismo, no âmbito da poesia, impulsiona precursor da poesia concreta e visual Sua obra
do pelos avanços tecnológicos da época e pelos poética abarca desde os poemas surrealistas de
meios de comunicação de massa, abandona o
“A pedra do sono”, passando pelos poemas me-
discurso poético tradicional em prol dos recursos
talinguísticos de “Psicologia da composição”, até
gráficos das palavras Decorrem daí a abolição do
a ênfase social de “Morte e vida severina”, poema
verso tradicional, o aproveitamento do espaço em
que relata a trajetória de Severino, retirante nor-
branco, a exploração da palavra como “coisa”, a
destino que ruma para o Recife.
ausência de lirismo, a rejeição do tema (o poema
não significa, ele é), a possibilidade de leituras múl 16 Os textos em prosa contemporâneos – contrarian-
tiplas Essa estética teve em Haroldo de Campos, do a tendência da poesia do mesmo período, que
Augusto de Campos e Décio Pignatari seus prin intensifica e diversifica procedimentos técnicos da
cipais poetas. terceira geração do Modernismo – retomam um
02 No âmbito da ficção, a temática política, para es modo tradicional de narrar A fragmentação que
capar à censura aos meios de comunicação de dava o tom da ficção de Clarice Lispector e de João
massa, valeu se de subterfúgios De um lado, o Guimarães Rosa cede lugar a narrativas construí-
romance reportagem, por meio de uma linguagem das segundo os moldes tradicionais, com começo,
jornalística e baseado em fatos reais, denuncia e meio e fim, normalmente narradas a partir de
protesta contra a violência social e política De um ponto de vista onisciente, imbuído da missão
outro lado, o realismo mágico denuncia o mesmo de trazer ordem ao caos da realidade extraliterária.
estado de coisas por meio de situações conside- Soma: JJ
radas irreais, absurdas e/ou insólitas
04 A prosa memorialista ou autobiográfica, gênero
bastante difundido durante o período simbolista, é
retomada na segunda metade do século XX pela
pena de grandes escritores, como Dalton Trevisan
e Rubem Fonseca Por meio de uma linguagem
introspectiva, o escritor faz emergir seu universo
pessoal como reação velada às intempéries da
vida anônima e massificada nos grandes centros
urbanos

142 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 15 Século XX: novas identidades literárias


ANDREW/
OCK.COM
FRENTE 2

CAPÍTULO Literatura contemporânea


A terceira geração modernista no Brasil surge após o término do Estado Novo de Getúlio

16
Vargas, em 1945, e se desenvolve até meados da década de 1950, quando as denominadas
tendências literárias contemporâneas começam a aparecer, como o Concretismo, a poesia-
-práxis e a poesia “marginal”. A partir de então, surgem experimentações com a palavra em
si e a poesia visual, que permitem leituras diversas, fora do verso, ousando com as livres as-
sociações semântico-fonéticas. Além disso, toda a experimentação é feita em épocas muito
duras para o país: a ditadura militar, um regime de exceção que cassou liberdades e garan-
tias individuais, resultando em tempos difíceis para os artistas em geral.
A arte engajada dos anos 1960 O CPC organizou e realizou produções culturais impor
tantes para o período, como a coleção Violão de rua, que
O processo de modernização e desenvolvimento da
reunia poemas orientados pelo engajamento político que
nação brasileira a partir dos anos 1950 foi acompanhado
por uma série de propostas de renovação e atualização do configuravam a ideia de uma poesia participante da realida-
legado dos modernistas no campo da cultura. A literatura de social Formas de arte popular como a poesia de cordel
brasileira procurou dar forma às tensões ideológicas com as e o teatro de rua passaram a ser praticadas e valorizadas
quais convivia naquele período, oriundas do sempre contra- na medida em que se adequavam a uma concepção de
ditório e ambíguo processo histórico do desenvolvimento arte que priorizava a mensagem e a comunicação imediata
do país. Tais tensões atingiram seu ápice com a instauração de conteúdos acessíveis e assimiláveis pelo “povo”, noção
da ditadura a partir de um golpe militar em 1964. Assim, muito problemática, já que tendia a uma uniformização bas-
era inevitável que alguns artistas daquele período buscas- tante diferente do observável na realidade
sem a aproximação entre questões políticas e estéticas, Embora o CPC tenha atuado durante um curto período,
fazendo aparecer em suas obras questionamentos acerca ele representa um bom ponto de partida para muitas refle-
da realidade social e promovendo, de modo mais acirrado xões e impasses que afetaram nossa cultura na segunda
e explícito do que até então, certa politização da cultura. metade do século XX: as diferenças entre as classes sociais
Muitos intelectuais, especialmente os mais próximos aos e a diversidade das suas formas de expressão artística e
círculos estudantis e universitários, passaram a buscar uma dos interesses culturais a elas ligados; a possibilidade ou
expressão artística que pudesse contribuir para o processo não de a arte se integrar a práticas revolucionárias; a via-
de conscientização do povo a respeito de nossas mazelas bilidade ou inviabilidade de produzir material artístico de
sociais. Além disso, eles começaram a participar ativamente qualidade que fosse, ao mesmo tempo, mobilizador em
das passeatas, das reivindicações e dos movimentos de termos políticos, acessível às largas camadas da população
massa, que se tornaram constantes no período.
e fizesse jus às complexidades de pensamento próprias à
Nessa perspectiva, surgiu, em 1961, o Centro Popular
interpretação da realidade; além da discussão quanto às di-
de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes.
versas e não necessariamente direcionáveis possibilidades
Seus integrantes deveriam atuar simultaneamente como
de engajamento político das nossas artes populares mais
artistas, membros do povo e revolucionários, o que nem
tradicionais, como o cordel ou a canção popular
sempre se verificou, principalmente no tocante à dese-
jada elaboração artística. Entre esses integrantes, estão A produção cultural dos anos 1960 se viu predominan-
artistas que posteriormente se tornaram importantes para temente orientada pelo pensamento de esquerda, ainda
a cultura brasileira, como os cineastas Eduardo Coutinho, que as ideias socialistas e comunistas tenham sofrido
Cacá Diegues e Leon Hirszman, o poeta Ferreira Gullar e mudanças e reformulações significativas, especialmente
os dramaturgos Gianfrancesco Guarnieri, João das Neves a partir do final dos anos 1950, a partir das dúvidas sobre
e Oduvaldo Vianna Filho. os rumos da Revolução Russa após o desmascaramento
de Stalin e das constantes denúncias no Ocidente de suas
Saiba mais práticas repressivas e ditatoriais No Brasil, depois do golpe
militar de 1964, as diferentes organizações de esquerda os-
O Centro Popular de Cultura (CPC) era uma organização de artistas cilaram entre a clandestinidade e a luta armada e a adesão
que defendia o engajamento da arte nas questões nacionais. As parcial a novas concepções ideológicas, mais orientadas e
potencialidades pedagógicas artísticas eram usadas para a formação
adaptáveis às propostas de desenvolvimento econômico
e a mobilização política da sociedade, apresentando um modelo de
arte popular revolucionária. próprias, ainda que não inteiramente obrigatórias, a um país
capitalista emergente.
© Robert Adrian Hillman Dreamstime.com

144 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


A militância política de esquerda buscou se inserir nos Ainda que o autor tenha publicado os seus “Poemas
movimentos populares, tornando se fácil entender sua concretos/neoconcretos” (1958), ele rompeu com os concre-
crescente importância junto aos trabalhadores rurais e ao tistas, já que propôs o Neoconcretismo; logo depois, em 1961,
operariado urbano. Os artistas, atentos a tal mobilização integrou-se ao CPC da UNE, do qual se tornou presidente.
social, viram-se cada vez mais confrontados em relação às A conversão do poeta ao marxismo reforçou a substitui-
suas ideologias. Com isso, as questões estéticas implicadas ção dos experimentos formais pela poesia de intervenção
nas formas poéticas passaram a ser questionadas e vistas social, buscando representar as camadas oprimidas da po-
como alienantes, por exemplo, nas críticas ao Concretismo. pulação e produzir alterações na sua consciência política,
Com o fortalecimento do regime ditatorial a partir do utilizando-se de formas literárias como a poesia de cordel,
Ato Institucional no 5, em 1968, a censura instaurada bus- de fácil reconhecimento e compreensão por essas camadas
cou inviabilizar as manifestações artísticas que tentavam sociais. A sua iniciativa foi considerada de escasso valor
transmitir ideias revolucionárias às classes populares, e a literário pelos críticos, que, com razão, apontavam nesses
clandestinidade e/ou a busca de novas formas de divulga poemas a visão caricatural dos representantes do “povo”
ção passaram a vigorar também para a arte. (como os trabalhadores rurais), além do não enriquecimento
da forma literária do cordel, já que foi tratada como mero
Ferreira Gullar e a poesia suporte para um esquema ideológico preconcebido
Na sequência de sua obra, Gullar atingiu aos poucos
participante uma síntese entre o esforço didático-propagandístico dos
primeiros poemas engajados e a sua inserção mais madura
na linhagem da poesia participante vinda do Modernismo.
Desse processo gradativo de descobertas, tentativas e
achados poéticos, resultou a enorme força literária de sua
obra-prima, o Poema sujo, publicado em 1976
Em seu poema “Madrugada”, do livro Dentro da noite
veloz, de 1975, temos a medida do acerto do caminho do
poeta, já que encontra as questões sociais mais gerais a
partir do mergulho na intimidade do eu lírico. No texto, há
um processo de descobrir e experimentar em si mesmo a
mais profunda consciência política, mais importante que a
possível enunciação do desejo de interferir nos rumos do
país, considerada posterior e problemática do ponto de vis-
ta da linguagem literária. O poema é exatamente o inverso
dos que Gullar produzia na época do CPC, marcados pelo
forte artificialismo do engajamento direto e da denúncia
O poeta maranhense Ferreira Gullar (1930-2016), além explícita dos nossos problemas sociais.
de ser um dos grandes nomes da poesia brasileira con-
temporânea, é um ótimo exemplo para entendermos a Uma obra-prima: o “Poema sujo”
incidência das tensões ideológicas do período sobre a Ferreira Gullar estava exilado na Argentina em 1975,
poesia Para o crítico Alfredo Bosi, a poesia de Gullar res uma época de forte repressão política. Sentia-se persegui-
pondeu, passo a passo, às crises e aos desafios da luta do e com medo de ser descoberto em virtude da iminente
cultural e política do país dos anos 1950 em diante. colaboração do governo argentino com a ditadura mili
Gullar foi um dos fundadores do Grupo Opinião e pas- tar brasileira. O desespero e a tensão latentes no poeta
sou a praticar uma poesia cada vez mais engajada; filiado geraram o que é considerada a sua obra mais ousada, o
ao Partido Comunista, em 1971, em virtude do contexto da poema intitulado “Poema sujo”, escrito em poucos meses
ditadura militar, partiu para o exílio. Consagrou-se como de atividade febril, trazido inicialmente ao Brasil em uma
um dos maiores poetas do país e foi eleito imortal pela gravação em fita por Vinicius de Moraes e publicado no ano
Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2014. seguinte, não sem antes que cópias dele se multiplicassem
Seu primeiro livro de poemas, A luta corporal (1954), e circulassem entre grupos que se formavam para lê-lo.
marcado tanto pela “luta” com a linguagem quanto pela Um dos mais importantes poemas da moderna literatura
consciência da impossibilidade de atingir a plenitude poéti brasileira, alia, com brilho, a alta voltagem do lirismo social
ca nesse nível, foi considerado uma das obras que abriram herdado do Drummond de A rosa do povo (1945) ao mais
FRENTE 2

caminho para o movimento da poesia concreta, do qual o interiorizado compromisso político.


poeta participou inicialmente. A obra revelava uma grande “Poema sujo” é a definição de um eu lírico saudoso que
inquietação quanto à forma dos poemas, crivando-os de está longe geograficamente de seu país, mas que, ao mes-
experimentações: alguns rompiam sistematicamente com mo tempo, consegue ser próximo, pois sua imaginação ao
a sintaxe e com a sua organização em versos, enquanto escrever o aproxima de suas memórias e o traz para a luz
outros (como “Roçzeiral”) chegavam a sofrer interferência Assim, no dizer do crítico João Luiz Lafetá, o caminho
na estrutura fonética das palavras. que buscava expressar a necessidade da revolução é

145
contornado: “fala-se dela o tempo todo, mas de um modo A poesia marginal
absolutamente implícito, sua presença é como a de um
tabu, suspenso entre os versos” Era exatamente a sensa e a “geração mimeógrafo”
ção de todos que viviam tanto no Brasil quanto fora dele, A poesia marginal pode ser vista como um dos des-
sob a censura e a onipresente repressão da ditadura militar dobramentos do movimento tropicalista. Surgida ao longo
da década de 1970, recebeu esse nome por representar
O Tropicalismo uma ruptura com o tipo de arte sancionada por uma elite
intelectual, propondo opções novas e diferentes em relação
O efervescente ambiente cultural de resistência à ditadu-
à grandiloquência do cânone literário estabelecido.
ra propiciou o encontro de artistas que estavam dispostos a
Paulo Leminski, Torquato Neto, Cacaso, Charles, José
evidenciar alguns aspectos sobre o Brasil omitidos ou mesmo
Agrippino de Paula, Waly Salomão, Francisco Alvim, Ana Cris-
reprimidos pelo sistema político e pelas elites detentoras do
tina Cesar e Chacal são alguns dos autores que integraram
poder. Por isso, certa produção cultural da época, menos
a chamada “geração mimeógrafo”, nome que aludia à busca
afeita ao engajamento direto quanto à “conscientização” do
de recursos fáceis e baratos de reproduzir e divulgar poesia
“povo”, passou a buscar, antes, o ato anárquico de trazer à
à margem do viciado mercado editorial. Essa procura incluía
luz as contradições do desenvolvimentismo brasileiro, pro
a distribuição gratuita ou a venda direta das publicações
pagandeado pelo governo, e desmascarar determinadas
aos interessados e o barateamento dos custos a partir do
realidades sociais e culturais encobertas pelas falsas aparên-
aproveitamento de todos os formatos e tipos de papel e de
cias expressas na visão oficial do país. Dessa forma, efeitos
modalidades de publicação caseira. Além disso, valorizava
corrosivos ligados ao choque advindo de diferentes imagens
até mesmo os muros das cidades como suporte para a picha-
de Brasil justapostas ao humor e à ironia eram preferidos em
ção de textos poéticos. Até a simples leitura oral de poemas
relação às “palavras de ordem” e à assertividade didática e
em locais públicos foi reconhecida na medida em que dava
militante da arte engajada.
destaque à performatividade lúdica e teatral dos poetas:
O Tropicalismo, ou Tropicália, surgiu no final da década
denominados happenings, tais eventos cênicos públicos
de 1960 como um movimento cultural de ruptura e inovação.
e improvisados mesclavam literatura, artes visuais e teatro.
As letras, o comportamento e até mesmo o modo de se vestir
Ainda que alguns poetas dessa geração tenham publi-
de seus integrantes refletiam as aspirações dos jovens, que
cado suas obras posteriormente no formato de livros, não
buscavam novos modelos para expressar a modernidade. As
havia originalmente nenhuma preocupação quanto à pe-
conquistas dos modernistas de 1922 foram revisitadas com
renidade da poesia que a publicação mais formal garantia.
novas abordagens, influenciadas pela cultura pop tanto
A ideia era transmitir o recado poético naquele momento
nacional quanto estrangeira e pela contracultura.
presente nas mais variadas circunstâncias.
A maior repercussão do movimento tropicalista se deu
Também é importante mencionar a aliança com a música
na música popular brasileira, tendo como representantes
popular. Naquela fase, começou-se a recuperar a noção –
mais conhecidos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato
antiga na história das formas populares da literatura e hoje
Neto, Os Mutantes e Tom Zé.
largamente aceita – de que as letras de música pouco ou
O movimento foi, como era de se esperar, rejeitado pela
nada se diferenciam dos poemas publicados em livro quanto
parcela da classe média que aderira ao engajamento artísti-
à sua natureza e ao seu valor. Uma das mais importantes
co mais direto: o uso da guitarra elétrica pelos tropicalistas,
canções tropicalistas, “Geleia geral”, por exemplo, resultou da
por exemplo, foi considerado uma ofensa aos elementos tra-
parceria entre o poeta Torquato Neto e o músico Gilberto Gil.
dicionais, como o violão da MPB, e os compositores foram
A ideia de denominar tais poetas como pertencentes à
acusados de “alienação”. Apesar disso, o fortíssimo teor da
“geração mimeógrafo” cabe perfeitamente no contexto dessa
crítica tropicalista acabou por fortalecer o caráter de resistên-
poesia, já que, ao contrário da forçada tendência didatizante
cia que esses artistas queriam alcançar. O espírito tropicalista
que tem como preferência dividir arbitrariamente escritores
animou e anima até hoje grande diversidade de manifestações
em “gerações”, o objetivo desse grupo era justamente relatar
culturais importantes da música ao cinema e ao teatro.
poeticamente a experiência da sua geração, bem como seu
posicionamento crítico e conflituoso em relação às anteriores.
A produção desses poetas era marcada pela forte irreve-
rência, pelo humor, pela coloquialidade e por um intencional
não acabamento das formas poéticas, o qual previa, inclusive,
a possibilidade de não dar título aos poemas ou de fazê-los
acompanhar de desenhos, como se os aproximassem a um
caderno de rascunhos. Além disso, seu trabalho era marcado
pela exploração de elementos recuperados do primeiro Mo-
dernismo – como o “poema-piada” – e pelo apelo à síntese
e à visualidade da poesia, ainda que longe do rigor das com-
posições concretistas. Ainda, era importante a preocupação
com a expressão poética mais espontânea e circunstanciada,
feita a partir de fatos triviais, de sentimentos comuns e de si-
Fig. 1 Caetano Veloso e Gilberto Gil, representantes da Tropicália. tuações diretamente observáveis no cotidiano da vida social.

146 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Atenção e interiorizam o conflito, evadindo-se para a memória da in-
fância ou para a nem todas as vezes objetiva possibilidade
Deve-se lembrar que uma das premissas mais libertárias da poesia de autoanálise, privilegiando sempre o mergulho intenso
marginal é justamente a ideia de que sua expressividade certeira e na interioridade e nos devaneios. De acordo com essa pre-
direta visa dispensar os aparatos críticos e as “explicações” inter-
missa, tais obras intensificam a atmosfera e o “clima” dos
pretativas. É a força do impacto do poema sobre o leitor que deve
suceder à leitura.
relatos mais do que propriamente o desenrolar de uma
trama. Grandes escritores, como Otávio de Faria, Cornélio
Pena, Cyro dos Anjos, Osman Lins e Lúcio Cardoso – com
Os diversos caminhos da o romance Crônica da casa assassinada como obra prima
da tendência – compõem essa linhagem, e não há dúvida
invenção literária no século XX de que a escritora paulista Lygia Fagundes Telles (1923-) é
Estudar a literatura brasileira do século XX ou inteirar-se sua representante maior até os dias de hoje.
a respeito dos escritores e das obras que a engrandeceram Lygia estreou na literatura em 1954 com o romance
esteticamente ou que trouxeram inovações significativas, Ciranda de pedra, tornando-se muito conhecida por seus
destacando-se do panorama mais geral, implica abando- contos impactantes, perturbadores e não raro tendentes
nar a visão intelectualista e se abrir às novas tendências ao fantástico e ao “realismo maravilhoso”, como é o caso
que vão se afirmando. Da inventividade desses caminhos de “A caçada” (do livro Antes do baile verde, publicado em
literários, destacam-se a ficcionista Lygia Fagundes Telles, 1970), em que um homem obcecado pela contemplação de
a poetisa Adélia Prado e o inclassificável escritor mato-gros- uma velha tapeçaria exposta em um antiquário acaba por
sense Manoel de Barros, os quais nos dão belas amostras nela penetrar e viver dolorosamente a cena de caça que
desse novo caminhar literário. ali se representa.
O romance As meninas (1973) é a obra que consagrou
A ficção introspectiva a escritora, já que dele emerge o retrato de um momento
de Lygia Fagundes Telles crucial da vida da classe média urbana sob a ditadura
militar, em meio às investigações intimistas de Lorena,
Fábio Guinalz/Fotoarena

Ana Clara e Lia (ou Lião), três estudantes de um inter-


nato dirigido por freiras. No intrincado relato de Lygia,
um narrador onisciente abre espaço alternadamente para
a perspectiva em primeira pessoa das personagens: a
tensão da repressão política aliada ao fantasma das guer-
rilhas, o engajamento possível nas questões nacionais, o
mergulho nas drogas e a liberalização dos costumes são
apreendidos no cotidiano das meninas, finamente captado
pela escrita da autora.

Ana Clara fazendo amor. Lião fazendo comício. Mãezi-


nha fazendo análise. As freirinhas fazendo doce, sinto daqui
o cheiro quente de doce de abóbora Faço filosofia Ser ou
estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir
com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima.
Se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que
Fig 2 A escritora Lygia Fagundes Telles, durante Pauliceia Literária, em 2013 eu não esteja
Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), São Paulo. [ ]
TELLES, Lygia Fagundes. As meninas. 8. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.
A partir dos anos 1940, podemos observar na prosa
de ficção brasileira uma linhagem de escritores que cul No trecho reproduzido, o foco está em Lorena, cujo
tivaram em romances e livros de contos a abordagem pensamento vaga em torno de questionamentos exis-
densamente psicológica de personagens e questões tenciais, instigado pelo sutil confronto com as diferentes
humanas que, remontando ao chamado “realismo psico opções de vida das amigas. É interessante notar como este
lógico” de um Machado de Assis, incorporaram conquistas fragmento não busca ordenar a tentativa de racionalização
estéticas por exemplo, o fluxo de consciência dos de Lorena, mas sim expor sua insegurança.
grandes romancistas europeus do século XX, como Proust Lygia também experimentou formas literárias mais
FRENTE 2

e Virginia Woolf abertas, como o notável A disciplina do amor (1980), cujo


O crítico Alfredo Bosi nomeia essas obras de “ro subtítulo, “Fragmentos”, já revelava o formato híbrido entre
mances de tensão interiorizada”, nos quais o herói ou as o diário íntimo, o livro de memórias, a reflexão ensaística
personagens principais não encontram forças para afrontar sobre a literatura, a reunião de pequenas ficções soltas e
diretamente o mundo social que os oprime de algum modo os minicontos.

147
A bagagem lírica (“vai carregar bandeira”, a qual pode ser também relacio-
nada ao tom “menor” de outro poeta modernista, Manuel
modernista de Adélia Prado Bandeira)
A extensa obra subsequente de Adélia, que inclui livros
de poesia e de uma prosa solta, à maneira de um “diário
disperso”, como a caracterizou o crítico Manuel da Costa
Pinto, confirma seus procedimentos e temas, marcados por
detalhes e gestos do cotidiano mais simples, característicos
de mulher casada e apegada à miúda rotina familiar e aos
ritos da igreja católica e da comunidade; ilumina-se em
seus poemas a presença mística da beleza e graça divinas
pelo olhar que Adélia registra em tudo. Temas hoje trata-
dos de maneira genérica como “questões sociais”, como
a condição da mulher em uma sociedade machista, são
abordados pela poetisa a partir do seu recolhimento íntimo,
que não denuncia a resignação cristã como “reacionária”,
mas a vê como ponto de vista privilegiado para descobrir
possíveis brechas de vida plena e nelas investir a força de
seus desejos, inclusive, e surpreendentemente, os íntimos,
como os sexuais.
Em 1974, a escritora mineira da provinciana Divinópolis
cidade centro e chave de sua obra poética Adélia Prado
(1935-) estreava na literatura com a obra Bagagem O livro A poesia do chão e as palavras
trazia, como primeiro poema, “Com licença poética”, uma
inventiva e intensa paródia feminina do famosíssimo “Poe-
em transe de Manoel de Barros
ma de sete faces” de Carlos Drummond de Andrade (aliás,
poema de abertura de seu primeiro livro). O próprio poeta
reverenciou, em um artigo de jornal, o talento incomum
da escritora que vinha a público de modo tão desabrido.

Quando nasci um anjo esbelto,


desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura. Apesar de ter começado a escrever ainda na déca-
Minha tristeza não tem pedigree, da de 1930, o poeta mato-grossense Manoel de Barros
já a minha vontade de alegria, (1916-2014) só se tornou conhecido a partir dos anos 1980,
sua raiz vai ao meu mil avô quando sua obra começou a ser publicada por grandes
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. editoras da região Sudeste.
Mulher é desdobrável. Eu sou. Sua poesia causou impacto nos meios literários, es-
PRADO, Adélia. “Com licença poética”. Bagagem. pecialmente pelo estranhamento das suas construções
Rio de Janeiro: Record, 2003 © by Adélia Prado.
sintáticas, pelos frequentes neologismos e trocadilhos e
A ousadia da referência ao escritor consagrado logo por suas imagens insólitas Em sua escrita, a natureza se
revela sua eficácia poética: o poema faz notáveis contra- anuncia de uma maneira peculiar: trata se de um espaço
pontos, quase passo a passo, a imagens do original: troca o íntimo de observação, uma realidade desconhecida Ma-
“anjo torto” do poeta por “um anjo esbelto” e o caracteriza noel parece respirar no mesmo ritmo da fauna e da flora
como “desses que tocam trombeta”, destacando a lumi do Pantanal.
nosidade do som em vez da forte marca visual do anjo de Os poemas do autor se apresentam algumas vezes
Drummond, descrito como “desses que vivem na sombra”. como uma sucessão de paradoxais aforismos, ou seja, pe-
O eu lírico feminino recusa a sina de ser “gauche na quenas sentenças, que, à maneira de ditados, constroem
vida”, pois o “seu” anjo vaticina-lhe propósitos libertários definições poético-filosóficas, como “Minhocas arejam a

148 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


terra; poetas, a linguagem” (da obra Livro de pré coisas), seu pseudônimo, Stanislaw Ponte Preta), Millôr Fernandes
“Poesia é voar fora da asa” e “Em casa de caramujo até o e Lourenço Diaféria, os quais, entretanto, nunca superaram
sol encarde” (de “Uma didática da invenção”, da obra O o brilho do capixaba Rubem Braga (1913 1990)
livro das ignorãças). Imagens relativas a animais podem Rubem Braga dedicou se profissionalmente ao jor
ser animadas pela combinação sonora das palavras, como nalismo, e suas crônicas foram publicadas em livro pela
em “Baratas glabras se fedem nas dobras.”, e pela inversão primeira vez em 1936, no volume O conde e o passarinho.
sintática, por exemplo, em “No lodo, apura o estilo, o sapo.” A ele, seguiram-se inúmeras outras coletâneas nas quatro
(ambas da obra Livro de pré-coisas). décadas posteriores, cujas constantes reedições atestam
A recepção fascinada e o interesse crescente que a sua popularidade como escritor.
poesia de Manoel de Barros desperta em um largo número O trecho de “As meninas”, reproduzido a seguir, exem-
de leitores surpreendem a quem considera “difícil” toda plifica bem o caráter da crônica de Rubem Braga como
poesia que foge de enquadramentos. “meditação lírica de um Eu que falasse sozinho, recordando
contemplativamente momentos vividos com grande intensi-
A crônica e as tendências dade”, como a caracterizou o crítico Davi Arrigucci Jr.

neorrealistas no conto brasileiro [...]


contemporâneo Por que ressuscita dentro de mim essa imagem, essa ma-
nhã? Foi um momento apenas. Havia muita luz, e um vento.
Ao lado do impulso a uma literatura de sondagem Eu estava de pé na praia Podia ser um momento feliz, e em
interior, ou marcada por inovações linguísticas, a segunda si mesmo talvez fosse; e aquele singelo quadro de beleza me
metade do século XX também assistiu ao florescimen- fez bem; mas uma fina, indefinível angústia me vem misturada
to de uma ficção de expressão mais realista, que tendia com essa lembrança.
à observação da simples poesia do cotidiano, como no [...]
caso da crônica, ou que mergulhava no caos dos relacio- BRAGA, Rubem. “As meninas”. Rubem Braga: 200 crônicas escolhidas.
namentos dilacerados e na violência da vida urbana dos 33 ed Rio de Janeiro: Record, 2010. p 438

grandes centros, como nas ficções de Rubem Fonseca e Como se percebe no texto, o cronista é um artista
Dalton Trevisan. atento às menores coisas do cotidiano, que se oferecem
Ambas as tendências refletem o caos da vida moder fugazmente aos sentidos, e sabe extrair delas a beleza
na em sociedade, ora forjando a resistência lírica, a qual simples e a essencial inutilidade contemplativa que elas
preserva instantes e brechas de vida mais leve, como inspiram para alguém ávido por fugir à sanha consumista
na crônica de Rubem Braga, ora fazendo registros secos de “acontecimentos” que as notícias de jornal alimentam.
e brutais, como nos desconcertantes contos curtos do Os iluminados instantâneos, ou os “quase nada” da crônica,
paranaense Dalton Trevisan, autor que parece cutucar a podem resgatar nossa embrutecida sensibilidade moderna.
ferida do capitalismo selvagem e das suas sempre reno-
vadas opressões, interiorizadas até mesmo na vida afetiva
e conjugal.
A opressão e a violência da vida
urbana nos contos de Rubem Fonseca
A crônica como gênero Na contramão do lirismo da crônica, os contos e ro-
mances de Rubem Fonseca parecem valorizar justamente
literário e seu mestre Rubem Braga o estado de choque que os seus retratos hiper-realistas
O sentido mais genérico da palavra “crônica”, ou seja, do caos e da violência da vida urbana causam ao leitor.
a ideia de registro do tempo tanto na forma de sua fixação Assim, potencializar a brutalidade do relato surge como um
em instantes privilegiados quanto no ato de captar sua su possível recurso catalizador do nosso olhar crítico para os
cessão vertiginosa, inspirou um gênero moderno de escrita males da vida social segregadora e esvaziada de valores
tributário do jornalismo, mas que encontrou autores entre humanos das grandes cidades.
nós que o elevaram à arte literária. O trecho inicial de “Feliz Ano Novo”, um dos contos
Quase todos os grandes ficcionistas e poetas brasilei- mais famosos do autor, coloca-nos em choque – pelo re-
ros a partir do Realismo, como Machado de Assis e Carlos corte bruto, ainda que muito trabalhado literariamente, da
Drummond de Andrade, escreveram crônicas em jornal. fala popular dentro do momento em que um grupo se
Na maior parte das vezes, esses textos eram um tanto di- prepara para um assalto
ferenciados em relação ao tom mais elaborado de suas Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo
incursões pela poesia, pelo conto ou pelo romance: traziam
FRENTE 2

adoidado roupas ricas para as madames vestirem no réveillon.


algo mais próximo do relato direto de fatos ou do comentá Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber
rio jornalístico sobre acontecimentos de repercussão social, tinham vendido todo o estoque.
ainda que vazados em estilo quase literário Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça,
No Modernismo expandido (dos anos 1950 em diante), galinha morta e farofa dos macumbeiros.
no entanto, alguns escritores se especializaram, de certa [...]
forma, no gênero, refinando seus procedimentos literários. Onde você afanou a TV, Pereba perguntou
Foi o caso de grandes cronistas, como Sérgio Porto (ou sob Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em

149
cima dela Ô Pereba! Você pensa que eu sou algum babaquara no entanto, não deixavam de estabelecer pontos efetivos
para ter coisa estarrada no meu cafofo? de retorno e relação com a mais prosaica das realidades.
[ ] O efeito é, ao mesmo tempo, revelador de aspectos pouco
FONSECA, Rubem. “Feliz ano novo”. MORICONI, Ítalo (Org.).
Os cem melhores contos brasileiros do século.
observados da vida social e perturbador aos sentidos, como
Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 p 334 é possível notar no trecho inicial do conto “O ex-mágico da
Taberna Minhota”.
Pela leitura do fragmento, podemos imaginar o impacto
que o livro – de mesmo título do conto – acarretou em 1975,
[...]
auge da ditadura militar. Após a venda de 30 mil exempla-
Hoje sou funcionário público e este não é o meu descon-
res, a obra foi proibida pela censura por “atentado contra
solo maior.
a moral e os bons costumes”; nunca antes na literatura
Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimen-
brasileira a linguagem e o modo de vida dos excluídos da
to. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente
sociedade pelo sistema econômico e político tinham apa-
enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a
recido tão cruamente, tão depurados dos dispensáveis e
meninice acostumou-se às vicissitudes, através de um processo
falsos disfarces linguísticos da “boa literatura”.
lento e gradativo de dissabores.
[...]
O conto contemporâneo RUBIÃO, Murilo. “O ex-mágico da taberna minhota”. Obra completa.
Ainda que sua origem possa ser rastreada nas várias São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 21.
formas de narrativa doméstica (como a fábula, a anedota, o
Observe que a caracterização desencantada que o
caso ou os diversos tipos de “historinhas” populares todas
narrador faz de si mesmo se alia a um simples registro
“formas simples”, como as denominou o teórico André Jolles),
de eventos inexplicáveis para compor uma perturbadora
o conto tornou-se o gênero literário mais adequado às carac-
terísticas, às exigências e aos hábitos sociais da era moderna. alegoria da vida esvaziada de sentido que pode suceder a
A sua leitura rápida, o tom concentrado da narrativa – qualquer um. O “mágico enfastiado do ofício” não consegue
com todos os elementos articulados visando ao mais forte evitar a sucessão incontrolável de eventos e metamorfoses
impacto final – e a necessidade de depuração de uma espantosas que emanam de seus dedos e o conduzem a
escrita literária que se adequasse à economia de meios uma dolorosa crise existencial.
que marcava o conto foram as características que tornaram Também na obra do romancista e contista goiano José
esse gênero literário tão apropriado às experimentações J. Veiga (1915-1999), tipos humanos, animais e elementos
que identificam a literatura moderna. Na expressivíssima insólitos surgem sem explicação e abalam o cotidiano de
analogia forjada pelo contista argentino Julio Cortázar, en- pequenas cidades interioranas. É o caso de uma máquina
quanto o romance vence ou conquista o leitor por pontos, enorme, estranha e aparentemente sem função identificável
o conto o faz por nocaute. O escritor computa tal força trazida e largada na pracinha da cidade, no conto “A máqui-
do gênero à sua “esfericidade”, ou seja, ao seu caráter na extraviada”, do livro de mesmo nome O conto parece
concentrado e “redondo”, no qual, antes que percebamos alegorizar a inquietante e descabida intrusão de aparatos
mais conscientemente a sucessão dos elementos narrativos “modernos” em vidas que não pediram por eles
responsáveis pelo nosso envolvimento na leitura, o conto O conto urbano intimista e de sondagem psicológica,
já nos “arrastou” até um surpreendente final. a propósito da obra de Lygia Fagundes Telles, foi outra
Na literatura brasileira do século XX, o conto constitui-se vertente importante da literatura do século XX. Entre os
a forma ficcional mais moldável à diversidade de propostas que o praticaram, estão Autran Dourado, Luiz Vilela, João
literárias inovadoras que caracteriza os rumos do nosso mo- Gilberto Noll, Edla van Steen, Antônio Torres, Caio Fer-
dernismo literário. Não por acaso, verificou-se, nas décadas nando Abreu e Sérgio Sant’Anna.
de 1960 e 1970, um verdadeiro boom – ou explosão – do
Entre os contistas que refletem a violência e o caos
conto no país, o que atesta sua crescente popularidade.
da vida urbana – como os já mencionados anteriormen-
Na impossibilidade de percorrermos detidamente todas
te, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan , há alguns que
as tendências, as possibilidades narrativas e os autores que
buscaram incorporar a esse gênero a perspectiva de vida
marcaram e marcam o conto brasileiro contemporâneo,
de representantes de classes sociais que até então não
indicaremos sucintamente a seguir alguns pontos cardeais
e incontornáveis destaques entre os nossos contistas mais frequentavam a literatura: são as marginalizadas persona-
importantes. gens que se destacam nos contos comoventes de João
Um dos destaques obrigatórios é a incursão pelo cha- Antônio ou os operários das belas narrativas de Domin-
mado “realismo maravilhoso” ou “realismo mágico” que um gos Pellegrini
notável contista mineiro, Murilo Rubião (1916-1991), praticou Por meio do conto, é possível investigar o modo como
em inúmeros livros de contos, os quais atingiram notorieda- a literatura brasileira buscou novos caminhos artísticos e
de pelo desvio muito criativo que propunham em relação representações da vida social. Como afirma o crítico Alfredo
ao predomínio do realismo psicológico ou existencial, mais Bosi, “Em face da História, rio sem fim que vai arrastando tudo
comum em nossa literatura ao longo do século XX. Eram e todos no seu curso, o contista é um pescador de momentos
narrativas em que elementos fantásticos se inseriam sutil- singulares cheios de significação [ ] O contista explora no
mente em um quadro progressivo de estranhamentos que, discurso ficcional uma hora intensa e aguda da percepção”.

150 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


O teatro brasileiro do século XX Abelardo II, de O rei da vela, resume bem essa intenção
demolidora:
O rei da vela e a renovação modernista
do teatro brasileiro A burguesia só produziu um teatro de classe A apresen-
tação da classe. Hoje evoluímos. Chegamos à espinafração.
A renovação de ideias e práticas artísticas que agitou
Oswald de Andrade. O rei da vela. São Paulo:
a literatura e as artes brasileiras a partir da Semana de Arte Companhia das Letras, 2017.
Moderna de 1922 negligenciou o teatro, e sobre ele teve
repercussão quase nula. O fato é que O rei da vela guardou seu potencial ex-
No entanto, ali mesmo no âmbito da Semana de 1922, plosivo até 1967, mais de trinta anos depois de ter sido
como um dos seus principais mentores, estava o escritor escrita, quando finalmente pôde ser encenada, sem medo
Oswald de Andrade, cujas três peças, O homem e o cavalo do fracasso comercial, pelo grupo do Teatro Oficina, dirigido
(publicada em 1934), A morta e O rei da vela (ambas publi- por José Celso Martinez Corrêa, em uma montagem que
cadas em 1937), mesmo que não tenham sido encenadas marcou época pelo tom anárquico e libertário. A encena-
na época, representam exemplos perfeitos de uma literatura ção influenciou todo o teatro brasileiro posterior a ela, e
dramática concebida segundo os princípios revolucionários seu impacto se fez notar também nas artes visuais e na
do Modernismo: sintoniza-se com experiências vanguardis- música (no movimento tropicalista) e no cinema (no âmbito
tas que já frequentavam o teatro europeu desde o fim do do chamado Cinema Novo). O texto de Oswald tornou-se,
século XIX (como o anárquico texto “Ubu Rei”, do francês assim, o caso mais notável da longevidade do poder de
Alfred Jarry, de 1896); apresenta uma visão desmistifica- fogo modernista na renovação das nossas artes.
dora do país, colocando em cena uma feroz caricatura da A peça promove uma caricatura, em uma série de peque-
burguesia nacional, dos seus hábitos e seus discursos; privi- nas cenas, a vida familiar e as práticas comerciais e financeiras
legia o gesto crítico e demolidor de todos os valores e nega abusivas de Abelardo I – um fabricante de velas – típico re-
metalinguisticamente em sua totalidade o tradicionalismo presentante da burguesia industrial brasileira, inescrupulosa
cênico de base romântica ou realista, elegendo a descom- quanto aos meios de enriquecimento, exploradora das clas-
postura como finalidade última. Uma fala da personagem ses menos favorecidas e subserviente ao capital estrangeiro.

Coletivo Garapa/Projeto Produção Cultura no Brasil/


Teatro Oficina
Fig. 3 José Celso Martinez, mais conhecido como Zé Celso, é diretor do Teatro Oficina, responsável por encenar pela primeira vez a peça O rei da vela, de Oswald de Andrade.

O trecho reproduzido a seguir, um diálogo entre Abe Nelson Rodrigues e a criação


lardo I e sua esposa Heloísa, inicia-se a propósito de uma
reprodução do célebre retrato da Mona Lisa (ou Gioconda),
do moderno teatro brasileiro
de Leonardo da Vinci, que Abelardo tem em seu escritório e Como vimos, uma vez que a renovação modernista ficou
dá bem a medida da virulenta crítica social implicada na peça suspensa para o teatro nacional por tantas décadas, coube
ao nosso maior dramaturgo, Nelson Rodrigues (1912-1980), a
[...] primazia de ter criado o teatro brasileiro moderno, ao estrear,
Abelardo I A Gioconda Um naco de beleza O pri em 1943, a peça Vestido de noiva. O texto teatral centrava-se
meiro sorriso burguês... no conflito afetivo entre duas irmãs, mas o entrecho dramáti-
Heloísa Você é realista E por isso enriqueceu magi co era apresentado ao público em três níveis de encenação,
camente. Enquanto os meus pais, lavradores de cem anos, ora simultâneos, ora alternados, nem sempre claramente
empobreceram em dois diferenciados: alucinação, memória e realidade. Nunca entre
[...] nós, até então, o teatro havia apresentado tal parâmetro de
Abelardo I Por que não? O pânico do café. Com dinhei complexidade cênica, claramente posto a serviço do apro-
FRENTE 2

ro inglês comprei café na porta das fazendas desesperadas. fundamento psicológico das personagens.
De posse de segredos governamentais, joguei duro e certo O também jornalista e romancista Nelson Rodrigues disse-
no café-papel! Amontoei ruínas de um lado e ouro do outro!
cou em suas peças os conflitos, as neuroses e as obsessões
Mas, há o trabalho construtivo, a indústria Calculei ante a
das classes média e média baixa urbana brasileira – especial-
regressão parcial que a crise provocou.... Descobri e incentivei
mente a dos subúrbios cariocas –, fazendo um teatro que se
a regressão, à volta a vela sob o signo do capital americano.
[...]
destacava pela força trágica das histórias familiares, sempre
ANDRADE, Oswald de. O rei da vela. São Paulo:
materializadas por meio de uma linguagem coloquial, viva
Globo, 1991 p 53 4 e plena de expressividade, tanto cômica quanto dramática
151
Suas peças mais famosas, como Álbum de família encenava um estupro na cela de uma prisão Sua obra-pri-
(1945), A falecida (1953), Os sete gatinhos (1958) e O beijo ma é Dois perdidos numa noite suja (1966), na qual, em
no asfalto (1960), trazem à tona o ressentido fundo psico- uma linguagem extremamente concisa e fiel aos modos de
lógico que se esconde por trás das intrigas familiares, mas fala populares incluindo as gírias e os palavrões que só
que podem explodir a qualquer momento, em confrontos alguém que conheceu de perto o submundo dos grandes
ao mesmo tempo trágicos e cômicos centros urbanos poderia reproduzir sem artificialismo ,
Suas personagens são desenhadas com o traço ca encenava uma briga entre dois moradores de rua por um
ricatural e as fortes cores do expressionismo (uma das par de sapatos O teatro brasileiro não conhecia até então
vanguardas do início do século), mas, graças ao talento do uma obra que pudesse unir tão depurado realismo cênico
escritor, igualmente plenas de humanidade e capazes de a ressonâncias literárias tão universais
provocar uma identificação imediata. Apesar disso, talvez por Nesse contexto de um teatro de marcada intervenção
seu poder incomum de sintetizar elementos contraditórios social, é importante citar os dramaturgos Gianfrancesco Guar-
entre o lírico e o grotesco da alma humana e da sociedade, nieri e Augusto Boal, que se filiaram ao Teatro de Arena,
suas peças também causaram escândalo e rejeição em um fundado em 1953 em São Paulo e de destacado papel na
panorama teatral ainda bastante conservador e marcado, criação de novas temáticas e modelos de encenação teatral,
como talvez seja até hoje, por peças de fácil digestão e bem como na resistência à ditadura militar Guarnieri estreou
com apelo comercial. Nelson e seu teatro intencionalmente no Arena, em 1958, Eles não usam black-tie, que tematizava o
desagradável foram e serão sempre desestabilizadores das meio operário e as terríveis consequências humanas da pre
convenções sociais e dramáticas. datória industrialização nas grandes cidades brasileiras Outro
dramaturgo que se notabilizou por levar ao palco os dramas
Atenção das classes menos favorecidas foi Dias Gomes, como fez em
sua peça de estreia, O pagador de promessas.
O teatro revolucionário de Nelson Rodrigues obedece à seguinte Nesse pequeno panorama sobre a literatura dra-
divisão, feita pelo crítico teatral Sábato Magaldi: peças psicoló- mática, cabe também uma referência à obra teatral do
gicas (Vestido de noiva, A mulher sem pecado, Viúva, porém honesta); escritor e pensador da cultura paraibano Ariano Suassuna
peças míticas (Anjo negro, Álbum de família, Senhora dos afogados
(1927 2014). Em Pernambuco, Ariano fundou o Movimen
e Doroteia); e tragédias cariocas (A serpente, O beijo no asfalto, A
falecida, Perdoa-me por me traíres, Tragédias cariocas I e II) to Armorial, o qual procurava investigar e renovar a força
das raízes medievais ibéricas da cultura popular brasileira
Nessa perspectiva, Ariano escreveu, entre outras peças,
em 1965, uma obra-prima do teatro brasileiro, O auto da
Os novos parâmetros do teatro Compadecida, auto sacro de inspiração medieval embe-
bido na cultura popular nordestina, que consagrou uma
nacional a partir dos anos 1950 e 1960 carismática dupla de personagens cômicas, Chicó e João
Dada a largada para a renovação do teatro nacional com Grilo, e suas peripécias em busca de justiça social e de
a obra potente de Nelson Rodrigues, é importante mencionar combate ao preconceito racial e à mundanidade da igreja,
alguns dramaturgos individualizados ou inseridos em uma sempre a serviço dos poderosos
cena teatral específica que forjaram novos rumos para as
artes cênicas a partir da segunda metade do século XX A literatura africana de língua
Ainda nos anos 1950, avultou a figura do dramaturgo
paulista Jorge Andrade (1922 1984), com seu teatro de forte
portuguesa
empenho social e apurada caracterização psicológica. Filho O continente africano foi duramente afetado ao lon-
de fazendeiros tradicionais, tematizou em peças como O go do processo expansionista europeu e, por extensão,
telescópio (1954), A moratória (1955) e Os ossos do barão português quando, visando ao caminho das índias, Por-
(1963) a decadência social da aristocracia rural que fundava tugal aportou as suas caravelas na África e estabeleceu
seu poder nas plantações de café. Em Pedreira das almas contato com variadas culturas. No entanto, por séculos, a
(1958), Andrade recuou no tempo histórico e situou a ação visão eurocêntrica deturpou os traços que conferiam aos
cênica nas Minas Gerais do século XIX para tematizar o povos africanos as complexidades das suas organizações
processo de criação dos latifúndios a partir do esgotamento sociais, culturais, políticas, econômicas e religiosas, redu-
da exploração de ouro e dos metais preciosos. Findado o zindo-os a estereótipos simplistas.
ciclo dos patrões, o dramaturgo voltou os olhos para os O aparecimento das literaturas africanas foi um grande
oprimidos, tematizando teatralmente, em Vereda da salva- mecanismo de luta de libertação, um longo processo his-
ção (1964), um episódio verídico de explosão de fanatismo tórico e de conscientização que se iniciou nos anos 1940
religioso em uma comunidade rural de Minas Gerais opri- e 1950 vinculado ao desenvolvimento cultural nas ex-colô-
mida pela fome e pelo desespero. nias e ao surgimento de um jornalismo mais ativo, que se
O olhar para os deserdados da sociedade ganhou desconectava do cenário geral.
um parâmetro definitivo na notável obra dramatúrgica do Do estabelecimento das colônias portuguesas – Guiné-
santista Plínio Marcos (1935-1999). Homem simples que -Bissau, Moçambique, Angola, Cabo Verde e São Tomé e
chegou ao teatro por meio do circo, Plínio estreou como Príncipe –, engendrou-se, a exemplo do que aconteceu
autor teatral em 1959, com Barrela, violentíssima peça que no Brasil, uma literatura potente, expressa tanto em verso

152 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


quanto em prosa e feita por autores de origem portuguesa travada entre o menino Muidinga e seu companheiro de via-
que se radicaram por lá ou por africanos de ascendências gem e fuga, o velho Tuahir; e a outra foi narrada em flashback,
distintas (portuguesa ou africana) que alçaram voos literários apresentada ao leitor a partir da leitura das páginas de um
a partir da língua lusitana. longo diário que veio parar nas mãos do menino Muidinga.
O saldo proveniente da conquista sobre as atualmente Esses “cadernos de Kindzu” haviam sido recolhidos de uma
ex colônias de Portugal é, para as letras, impressionante. mala que se encontrava junto ao corpo morto de seu autor
Na poesia, destacam-se poetas como os moçambicanos [ ]
Rui Augusto (1958-), Nelson Saúte (1967-) e José Craveirinha O velho se chama Tuahir. É magro, parece ter perdido toda
(1922 2003), os angolanos Arlindo do Carmo Pires Barbeitos a substância O jovem se chama Muidinga Caminha à frente
(1940-) e Agostinho Neto (1922-1979), o cabo-verdiano Ovídio desde que saíra do campo de refugiados. Se nota nele um leve
Martins (1928-1999), o guineense Hélder Proença (1956- coxear, uma perna demorando mais que o passo. Vestígio da
2009), a são-tomense Conceição Lima (1961-), entre tantos. doença que, ainda há pouco, o arrastara quase até à morte.
Já a prosa criada em língua portuguesa por escritores Quem o recolhera fora o velho Tuahir, quando todos outros o
africanos tem tido maior alcance, inclusive no Brasil, projetando haviam abandonado. O menino estava já sem estado, os ranhos
escritores como o angolano Pepetela (1941-) e os moçambi- lhe saíam não do nariz mas de toda a cabeça O velho teve
canos Luís Bernardo Honwana (1942 ) e Mia Couto (1955-). que lhe ensinar todos os inícios: andar, falar, pensar. Muidin-
ga se meninou outra vez Esta segunda infância, porém, fora
A prosa poética de Mia Couto apressada pelos ditados da sobrevivência.
[ ]
O escritor moçambicano Mia Couto obteve o reco COUTO, Mia. “A estrada morta”. Terra sonâmbula. São Paulo:
nhecimento da crítica e do público, ambos atraídos pela Companhia de Bolso, 2015. p. 9.
originalidade das suas narrativas recheadas de enredos
Já nesse romance de estreia, é possível observar a
pungentes que remexem em feridas do seu país. Estes engenhosidade com que Mia Couto articula a língua por-
tratam das imposições colonialistas, assim como da rigidez tuguesa: tirando proveito da tradição oral, inventando
de valores que orientam uma sociedade machista do pon palavras e construindo aforismos.
to de vista dos direitos humanos, com certas intolerâncias
e perversidades. Sobressai daí uma prosa, por vezes do- Misturando um e outro, os mestiços
lorosa, na qual proliferam imagens inusitadas produzidas
O povo brasileiro se caracteriza pela grande diversi
poeticamente, inflamadas por um léxico vibrante em que se
dade cultural e étnica Nossa cultura é resultante de uma
alterna o uso de palavras nativas ou inventadas, à maneira
complexa conjugação de elementos provenientes da Eu-
dos neologismos do brasileiro Guimarães Rosa.
ropa, da África e da população indígena nativa.
De toda essa pluralidade, é natural que se defina a popu-
Terra sonâmbula: uma obra-prima lação como mestiça, pois tal mistura compõe o povo brasileiro
Primeiro romance de Mia Couto, Terra sonâmbula trouxe Embora a mestiçagem não seja, obviamente, uma característi-
como pano de fundo histórico para o enredo uma guerra civil ca exclusiva do nosso povo, visto que qualquer população no
terrível e sangrenta que durou quase duas décadas. Duas nar- mundo é mestiça, no Brasil essa é uma característica profunda-
rativas foram apresentadas: a primeira compreendia a relação mente ligada à formação do povo brasileiro e de sua cultura.

<http://www.dreamstime.com/stock-illustration-brazil-map-
© Abdurahman Dreamstime.com Disponíve em

traditional-symbols-culture-nature-image44738811>

Saiba mais

ranças r
do noss
FRENTE 2

153
Podemos dizer, então, que houve uma miscigenação noção se apoiava na falsa dualidade do europeu como
entre os costumes e valores dos europeus principalmen homem civilizado versus o não europeu como “selvagem”.
te dos portugueses e os dos ameríndios e africanos na
constituição sociocultural do país, resultando no que hoje O elemento africano na cultura brasileira
conhecemos como cultura brasileira A partir do início do século XX, formou-se uma incipien-
Essa multiculturalidade pode ser percebida em nos te indústria cultural no Brasil Nesse contexto, surgiu, entre
so folclore e em vários outros pontos, por exemplo, na muitos outros aspectos culturais, um novo gênero musical
culinária, em festas e costumes populares, na literatura, no país o samba , que teve a capacidade de misturar
na variedade de fisionomias, nos diferentes ritmos e até realidades até então muito distantes, como as danças de
mesmo na variedade da língua Assim, múltiplas culturas salão dos senhores de escravos e os elementos festivos
compõem uma só: a cultura brasileira de tradição africana
Esse sincretismo que caracteriza o samba combina
Atenção
muito bem com o caráter mestiço da população brasileira,
O povo e a cultura brasileira, além de serem compostos da mistura e o sucesso do novo gênero florescente consagrou se em
entre as culturas indígenas, africanas e portuguesas, foram – e con- nossa vida cultural
tinuam a ser – influenciados pelo contato com os demais imigrantes Assim, elementos de outras tradições e culturas, acres-
que vieram para o país, como os alemães, franceses, holandeses, cidos de características do país, deram origem à nossa
japoneses, italianos, entre outros que se estabeleceram por aqui cultura, cuja configuração no seu conjunto folclórico ganhou
novos contornos na música, na culinária e nas mais diversas
A cultura brasileira e as contradições expressões artísticas, como se nota no samba, na feijoada,
na capoeira, entre outros
Uma grande parte da riqueza da cultura brasileira se
deve à presença de elementos africanos no contexto das Atenção
produções e expressões artísticas. A nossa diversidade é
histórica, explica-se por muitos fatos políticos e está longe Desde o período da escravidão no Brasil Colônia até hoje, os negros
de ter sido um processo natural e tranquilo como sugerem sofrem muito preconceito – uma das heranças do nosso passa-
algumas imagens oficiais. do colonial. Diante disso, a literatura do período do Romantismo
preocupou se em proporcionar a eles um lugar de destaque e de
Assim, ao mesmo tempo que são fundamentais para a
valorização A chamada terceira geração romântica e os seus autores
composição de nossa sociedade e cultura, contraditoria
de importância, como o aclamado Castro Alves – o Poeta dos escra-
mente os negros são alvo constante de discriminação, ou vos –, abordaram os problemas da escravidão sob uma perspectiva
seja, há um grande contrassenso social. Uma de suas obras representativas de grande repercussão foi
Tal disparidade pode ser explicada pela história da so- Os escravos (1883), da qual se destacou o poema “Navio negreiro”
ciedade brasileira, a qual vive sob heranças de um passado
colonial e escravocrata Em outras palavras, a estrutura social
do Brasil tem bases fincadas na era da colonização, cujos O negro na literatura brasileira
traços foram determinantes para desenhar a realidade que Nos primeiros momentos da literatura brasileira, a figura
molda nosso país até os dias atuais; a economia baseada na do negro foi muito pouco mencionada; afinal, ele era escra-
exportação de gêneros agrícolas e a concentração fundiária vizado, e a ideologia disparatada do colonialismo indicava
constituem exemplos de problemas que o Brasil enfrenta até que o escravizado não deveria ser retratado como um ser
hoje e que são originários da formação colonial humano legítimo
Os negros foram escravizados e trazidos para o Brasil sob Assim, o negro foi conquistando espaço aos poucos
condições desumanas. Os escravizados eram vistos como Posteriormente, ele foi representado por importantes escri-
mercadorias, sendo considerados propriedades de outros tores, como Castro Alves, Luiz Gama, Lima Barreto e Jorge
homens que detinham o poder, marginalizados e deixados Amado, que não buscavam necessariamente dar visibilidade
inteiramente à parte das decisões, com sua voz silenciada às culturas tradicionais africanas, mas sim ao negro brasileiro
No entanto, assim como os indígenas, os negros têm Ainda assim, embora os negros tenham ganhado mais
culturas muito diversas da cultura europeia e detêm ele destaque na literatura, nem sempre os textos eram de-
mentos importantes, essenciais para a formação do quadro senvolvidos sob a perspectiva deles, sendo comum que
brasileiro; porém, foram calados, ignorados ou meramente o discurso estivesse relacionado ao ponto de vista dos
eliminados. Assim, a cultura eurocêntrica se posicionou aci senhores Isso se deve, entre outros aspectos, ao fato de
ma das outras e apagou as em algum grau, engendrando a abolição da escravidão no Brasil não ter resultado em
a ideia de que não existia entre aqueles povos diferentes profundas transformações sociais, limitando-se a interesses
dos europeus material cultural digno de valorização. Essa políticos e econômicos.

154 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Revisando
1 UEL 2015 Leia o poema a seguir: Agosto 1964
desencontrários Ferreira Gullar

Mandei a palavra rimar, Entre lojas de flores e de sapatos, bares,


ela não me obedeceu. mercados, butiques,
Falou em mar, em céu, em rosa, viajo
em grego, em silêncio, em prosa num ônibus Estrada de Ferro – Leblon.
Parecia fora de si, Volto do trabalho, a noite em meio,
a sílaba silenciosa. fatigado de mentiras
Mandei a frase sonhar, O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
e ela se foi num labirinto. relógio de lilases, concretismo,
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso. neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
Dar ordens a um exército, que a vida
para conquistar um império extinto. eu a compro à vista aos donos do mundo.
LEMINSKI, P Toda poesia São Paulo: Companhia das Letras, 2013 p. 190 Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
No que diz respeito aos procedimentos formais veri Digo adeus à ilusão
ficados (rimas, sonoridade e jogos de palavras) e aos mas não ao mundo. Mas não à vida,
sentidos construídos, relacione os dois primeiros versos meu reduto e meu reino.
ao restante do poema. Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira
In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores
poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. p. 117 e 267.

Com base na leitura dos poemas “Emergência”, de Mário


Quintana, e “Agosto 1964”, de Ferreira Gullar, expli
que a concepção de poesia de cada sujeito poético e
destaque, pelo menos, dois recursos linguísticos que
constituem imagens poéticas de cada texto. Justifique
sua escolha.

2 UFBA 2011
Emergência
Mário Quintana
FRENTE 2

Quem faz um poema abre uma janela.


Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
— para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

155
3 Enem A à expansão de novas tecnologias de informação,
entre as quais, a internet, o que facilitou imensa-
O açúcar
mente a sua divulgação mundo afora
O branco açúcar que adoçará meu café B ao advento da indústria cultural em associação com
nesta manhã de Ipanema um conjunto de reivindicações estéticas e políticas
não foi produzido por mim durante os anos 1960.
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre C à parceria com a Jovem Guarda, também conside-
rada um movimento nacionalista e de crítica política
Vejo-o puro ao regime militar brasileiro
e afável ao paladar D ao crescimento do movimento estudantil nos anos
como beijo de moça, água 1970, do qual os tropicalistas foram aliados na críti-
na pele, flor ca ao tradicionalismo dos costumes da sociedade
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
brasileira.
não foi feito por mim
E à identificação estética com a Bossa Nova, pois am-
bos os movimentos tinham raízes na incorporação
Este açúcar veio
de ritmos norte-americanos, como o blues
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
[dono da mercearia.
Este açúcar veio 5 UEPG
de uma usina de açúcar em Pernambuco E com vocês a modernidade
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina. Meu verso é profundamente romântico.
Choram cavaquinhos luares se desenterram e vai
Este açúcar era cana por aí a longa sombra de rumores e ciganos.
e veio dos canaviais extensos Ai que saudade que tenho dos meus negros verdes anos!
que não nascem por acaso CACASO
no regaço do vale.
Meus oito anos
[...]
Em usinas escuras, Oh! Que saudades que tenho
homens de vida amarga Da aurora da minha vida,
e dura Da minha infância querida
produziram este açúcar Que os anos não trazem mais!
branco e puro ABREU, Casimiro de
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
GULLAR, Ferreira Toda poesia Rio de Janeiro: Em relação aos poemas de Cacaso e Casimiro de
Civilização Brasileira, 1980. p. 227 8. Abreu, assinale o que for correto.
01 O poema de Cacaso retoma o romantismo mais
A antítese que congura uma imagem da divisão social
especialmente desenvolvido por Casimiro de Abreu;
do trabalho na sociedade brasileira é expressa poetica
a paródia denota um tom meio cruel ao referenciar
mente na oposição entre a doçura do branco açúcar e:
os “negros verdes anos”, ou seja, os anos 70.
A o trabalho do dono da mercearia de onde veio o
02 Os dois poemas pertencem à estética romântica,
açúcar.
cuja característica principal é a busca pela perfeição
B o beijo de moça, a água na pele e a flor que se
formal
dissolve na boca.
04 Os poetas pertencem, respectivamente, aos mo-
C o trabalho do dono do engenho em Pernambuco,
vimentos literários modernista e simbolista
onde se produz o açúcar.
08 A evasão no tempo marca os poemas; em Caca-
D a beleza dos extensos canaviais que nascem no
so como forma de crítica e em Casimiro de Abreu
regaço do vale.
corresponde à nostalgia do passado
E o trabalho dos homens de vida amarga em usinas
escuras Soma: 

4 Enem 2a aplicação Eu não tenho hoje em dia muito or- 6 Enem 2015 Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro No
gulho do Tropicalismo. Foi sem dúvida um modo de princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum,
arrombar a festa, mas arrombar a festa no Brasil é fácil. eram maravilhosas Os homens, mais maravilhosos ainda,
O Brasil é uma pequena sociedade colonial, muito mes- ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família,
quinha, muito fraca. dizia a bela voz de contralto da minha avó Na nossa fa-
VELOSO, Caetano. In: HOLLANDA, H. B.; GONÇALVES, M. A. Cultura e mília, frisava, lançando em redor olhares complacentes,
participação nos anos 60 São Paulo: Brasiliense, 1995 (Adapt ) lamentando os que não faziam parte do nosso clã [ ]
O movimento tropicalista, consagrador de diversos Quando Margarida resolveu contar os podres todos que
que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa [ ]
músicos brasileiros, está relacionado historicamente
156 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos Mas B “A única nobreza do plebeu está em não querer
Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com esconder a sua condição”.
a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava C “Só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas ru-
de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Con- gas de minha testa”.
suelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de D “O território onde eu mando é no país do tempo
homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou que foi”
o sanatório O dote era tão bom que o convento abriu-lhe E “Não é de muito, eu juro, que acontece essa triste-
as portas com loucura e tudo. “E tem mais uma coisa ain
za; mas também não era a vez primeira”
da, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um
agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agre- Para responder à questão 8, leia o trecho do conto
gada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava “Linda, uma história horrível”, de Caio Fernando Abreu.
desmoralizar meus heróis?
(...) – Então quer dizer que o senhor veio me visitar?
TELLES, L F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999
Muito bem.
Representante da cção contemporânea, a prosa Ele fechou o isqueiro na palma da mão. Quente da
de Lygia Fagundes Telles congura e desconstrói mão manchada dela
modelos sociais. – Vim, mãe. Deu saudade.
No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina Riso rouco:
– Saudade? Sabe que a Elzinha não aparece aqui faz
um(a):
mais de mês? Eu podia morrer aqui dentro. Sozinha. Deus
A convivência frágil ligando pessoas financeiramente
me livre. Ela nem ia ficar sabendo, só se fosse pelo jornal.
dependentes
Se desse no jornal. Quem se importa com um caco velho?
B tensa hierarquia familiar equilibrada graças à pre Ele acendeu um cigarro Tossiu forte na primeira tragada:
sença da matriarca. – Também moro só, mãe. Se morresse, ninguém ia
C pacto de atitudes e valores mantidos à custa de ficar sabendo E não ia dar no jornal ( )
ocultações e hipocrisias. – Deixa eu te ver melhor – pediu (ela).
D tradicional conflito de gerações protagonizado Ajeitou os óculos Ele baixou os olhos No silêncio,
pela narradora e seus tios ficou ouvindo o tic-tac do relógio da sala. Uma barata
E velada discriminação racial refletida na procura de miúda riscou o branco dos azulejos atrás dela.
casamentos com europeus. – Tu estás mais magro – ela observou. Parecia preocupada.
– Muito mais magro.
– É o cabelo – ele disse Passou a mão pela cabeça
7 Enem 2012
quase raspada. – E a barba, três dias.
O senhor Perdeu cabelo, meu filho ( )
Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos
Carta a uma jovem que, estando em uma roda em olhos dela Ela também olhava direto nos olhos dele Verde
que dava aos presentes o tratamento de você, se dirigiu desmaiado por trás das lentes dos óculos, subitamente
ao autor chamando-o “o senhor”: muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão. Qua-
Senhora: se falou. Mas ela piscou primeiro. (...)
Aquele a quem chamastes senhor aqui está, de peito – Mas vai tudo bem? (...) Saúde? Diz que tem umas
magoado e cara triste, para vos dizer que senhor ele não doenças novas aí, vi na tevê Umas pestes
é, de nada, nem de ninguém – Graças a Deus – ele cortou. (...)
Bem o sabeis, por certo, que a única nobreza do plebeu Vou dormir que amanhã cedo tem feira Tem lençol
está em não querer esconder sua condição, e esta nobreza limpo no armário do banheiro.
tenho eu Assim, se entre tantos senhores ricos e nobres Então fez uma coisa que não faria, antigamente
a quem chamáveis você escolhestes a mim para tratar de Segurou-o pelas duas orelhas para beijá-lo não na testa,
senhor, é bem de ver que só poderíeis ter encontrado essa mas nas duas faces. Quase demorada. Aquele cheiro –
senhoria nas rugas de minha testa e na prata de meus ca- cigarro, cebola, cachorro, sabonete, cansaço, velhice.
belos. Senhor de muitos anos, eis aí; o território onde eu Mais qualquer coisa úmida que parecia piedade, fadiga
mando é no país do tempo que foi. Essa palavra “senhor”, no de ver Ou amor Uma espécie de amor ( )
meio de uma frase, ergueu entre nós um muro frio e triste. (Ele) Começou a desabotoar a camisa manchada de
Vi o muro e calei: não é de muito, eu juro, que me suor e uísque Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu
acontece essa tristeza; mas também não era a vez primeira. a luz do abajur, para que a sala ficasse mais clara quando,
BRAGA, R. A borboleta amarela. Rio de Janeiro: Record, 1991. sem camisa, começou a acariciar as manchas púrpuras
(...) espalhadas embaixo dos pelos do peito. Na ponta
FRENTE 2

A escolha do tratamento que se queira atribuir a


dos dedos, tocou o pescoço. Do lado direito, inclinando
alguém geralmente considera as situações especí- a cabeça, como se apalpasse uma semente no escuro.
cas de uso social A violação desse princípio causou Depois foi dobrando os joelhos até o chão. Deus, pensou,
um mal-estar no autor da carta. O trecho que descre- antes de estender a outra mão para tocar no pelo da cadela
ve essa violação é: quase cega, cheio de manchas rosadas. Iguais às do tapete
A “Essa palavra, ‘senhor’, no meio de uma frase er gasto da escada, iguais às da pele do seu peito, embaixo
gueu entre nós um muro frio e triste”. dos pelos. Crespos, escuros, macios (...).

157
8 PUC-RS 2013 Todas as afirmativas estão corretamente Podemos, tio? Não há problema?
associadas ao excerto e seu contexto, exceto: – Problema é deixar este escuro entrar na cabeça da
A Embora a distância que mantêm um do outro, os gente. Não podemos dançar nem rir. Então vamos para
dois personagens conseguem finalmente compar- dentro desses cadernos Lá podemos cantar, divertir
tilhar todos os seus segredos. COUTO, Mia. Terra sonâmbula. Rio de Janeiro:
Record, 1993 p 10 e 152
b Perda de peso, queda de cabelos, manchas rosa
das, caroço no pescoço são indícios de que o filho a) No primeiro excerto, descreve-se a relação da per
está doente. sonagem com o espaço narrativo. Considerando
 As comparações com a cadela quase cega e com o o conjunto do romance, caracterize a identidade
tapete gasto reforçam o estado de fragilidade do filho. narrativa de Muidinga em relação a esse espaço e
d A precariedade do espaço narrativo, acentuada explique por que o território era “despido de brilho”.
por elementos sensoriais (cheiros, cores, sons), é
igualmente metáfora da relação entre mãe e filho
E O autor do excerto também escreveu O ovo apu-
nhalado e Morangos mofados, entre outras obras.

9 UFRN 2013 Leia os fragmentos extraídos, respectiva-


mente, de Capitães da Areia e de O santo e a porca.
Texto 1
Tá com outra, não é? Mas meu Senhor do Bonfim
há de fazer com que os dois fique entrevado. Senhor
do Bonfim é meu santo
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009 p. 43

Texto 2
Ah, isso é o que eu não digo. Queria saber, hein? Está
bem, saia. Afinal de contas, já o revistei todo. Fora daqui!
E que Santo Antônio lhe cegue os olhos e lhe dê paralisia
nos dois braços e nas duas pernas duma vez.
SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca 22 ed Rio de Janeiro:
José Olympio, 2010. p. 106.

Os fragmentos trazem cenas que apresentam ) No segundo excerto, o diálogo das duas perso-
A um tom anticlerical em virtude de as entidades nagens principais do romance aborda a questão
sagradas serem representadas como seres de ca- da leitura e sua função para a situação existencial
ráter vingativo. dos protagonistas Explique o que seriam os “es-
b um tom cômico em decorrência da forma como as critos” e “cadernos” mencionados e por que neles
entidades sagradas são tratadas os protagonistas poderiam “cantar e divertir”.
 uma situação irônica, visto que o mal que as perso-
nagens desejam aos outros também as acometerá.
d uma situação humorística, uma vez que as persona-
gens sabiam que seus desejos não seriam atendidos.

10 Unicamp 2018 Leia a seguir dois excertos de Terra


Sonâmbula, de Mia Couto.
Muidinga não ganha convencimento. Olha a planície,
tudo parece desmaiado. Naquele território, tão despido de
brilho, ter razão é algo que já não dá vontade.

[...]
– Sabe, miúdo, o que vamos fazer? Você me vai ler
mais desses escritos.
Mas ler agora, com esse escuro?
– Acendes o fogo lá fora.
– Mas, com a chuva, a lenha toda se molhou
– Então vamos acender o fogo dentro do machimbombo.
Juntamos coisa de arder lá mesmo.

158 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Exercícios propostos
1 UFJF/Pism 2020 Leia o poema abaixo para responder Homem comum, igual
à questão: a você,
[...]
Meu povo, meu poema Mas somos muitos milhões de homens
comuns
Meu povo e meu poema crescem juntos e podemos formar uma muralha
como cresce no fruto com nossos corpos de sonhos e margaridas.
a árvore nova FERREIRA GULLAR Dentro da noite veloz. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2013 (fragmento).
No povo meu poema vai nascendo
No poema, ocorre uma aproximação entre a realida-
como no canavial
nasce verde o açúcar
de social e o fazer poético, frequente no Modernismo.
Nessa aproximação, o eu lírico atribui à poesia um ca-
No povo meu poema está maduro ráter de
como o sol A agregação construtiva e poder de intervenção na
na garganta do futuro ordem instituída.
b força emotiva e capacidade de preservação da me-
Meu povo em meu poema mória social.
se reflete c denúncia retórica e habilidade para sedimentar so-
como a espiga se funde em terra fértil nhos e utopias.
d ampliação do universo cultural e intervenção nos
Ao povo seu poema aqui devolvo valores humanos.
menos como quem canta E identificado com o discurso masculino e questiona-
do que planta mento dos temas líricos.
(GULLAR, Ferreira Toda Poesia José Olympio: Rio de Janeiro, 2000 )
Textos para a questão 3.
Marque a alternativa INcORRETA a respeito do poe-
Texto I
ma acima:
A Trata-se de um texto que pode ser rotulado como “Menino do Rio”
poema participante ou poesia engajada (Caetano Veloso, Cinema Transcendental, 1979.)
b O texto apresenta forte adesão à temática de inte
Menino do Rio
resse da coletividade, o que afasta o eu poético do
Calor que provoca arrepio
individualismo sentimental.
Dragão tatuado no braço
c A ideia núcleo do poema é a da transformação.
Calção corpo aberto no espaço
A esse núcleo estão associadas as metáforas do Coração, de eterno flerte
poema. Adoro ver-te
d Plantar equivale no poema à tarefa de abrir mão do (...)
presente em benefício do futuro. O Havaí, seja aqui
E O eu poético parece inclinado a unir os requintes Tudo o que sonhares
do formalismo de vanguarda à linguagem dos can- Todos os lugares
tadores populares. As ondas dos mares
Pois quando eu te vejo
2 Enem PPL 2017 Eu desejo o teu desejo

Sou um homem comum Texto II


brasileiro, maior, casado, reservista, “Haiti”
e não vejo na vida, amigo
(Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália 2, 1993.)
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor. ( )
Poeta fui de rápido destino E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Mas a poesia é rara e não comove diante da chacina
nem move o pau de arara. 111 presos indefesos, mas presos são quase todos
FRENTE 2

Quero, por isso, falar com você pretos


de homem para homem, Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de
apoiar-me em você tão pobres
oferecer-lhe meu braço E pobres são como podres e todos sabem como se
que o tempo é pouco tratam os pretos
e o latifúndio está aí matando ( )
[...] Pense no Haiti, reze pelo Haiti

159
O Haiti é aqui 5 Enem 2015
O Haiti não é aqui
(Disponível em http://www.caetanoveloso.com.br/ Aquarela
Acessado em 12/10/2019.)
O corpo no cavalete
y Havaí é uma ilha do Pacífico, um Estado norte-a é um pássaro que agoniza
mericano conhecido pelo turismo e por suas praias exausto do próprio grito.
paradisíacas que atraem surfistas do mundo inteiro. As vísceras vasculhadas
y Haiti é uma ilha do Caribe, atualmente sob inter principiam a contagem
venção da ONU; é o país mais pobre das Américas, regressiva
com mais de 60% da população subnutrida. No assoalho o sangue
se decompõe em matizes
3 Unicamp 2020 que a brisa beija e balança:
o verde – de nossas matas
a) O verso “O Havaí, seja aqui” (texto I), de Caetano
o amarelo – de nosso ouro
Veloso, e o verso “O Haiti é aqui” (texto II), de Cae- o azul – de nosso céu
tano e Gilberto Gil, refletem diferentes posições o branco o negro o negro
em relação aos lugares a que se referem. Expli- CACASO. In: HOLLANDA, H. B (Org.). 26 poetas hoje.
que como o uso do verbo “ser” define cada uma Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007
dessas posições.
Situado na vigência do Regime Militar que governou o
b) Explicite as duas visões dos compositores ao dize-
Brasil na década de 1970, o poema de Cacaso edica
rem: “O Haiti é aqui” / “O Haiti não é aqui” (texto II).
uma forma de resistência e protesto a esse período,
metaforizando
4 Enem 2017 A as artes plásticas, deturpadas pela repressão e
censura.
Contranarciso B a natureza brasileira, agonizante como um pássaro
em mim enjaulado.
eu vejo o outro C o nacionalismo romântico, silenciado pela perplexi-
e outro dade com a Ditadura
e outro D o emblema nacional, transfigurado pelas marcas do
enfim dezenas medo e da violência.
trens passando E as riquezas da terra, espoliadas durante o apare-
vagões cheios de gente lhamento do poder armado.
centenas
6 Enem 2012
o outro
que há em mim
Logia e mitologia
é você
você Meu coração
e você de mil e novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
assim como sabe que há morcegos de pesadas olheiras
eu estou em você que há cabras malignas que há
eu estou nele cardumes de hienas infiltradas
em nós no vão da unha na alma
e só quando um porco belicoso de radar
estamos em nós e que sangra e ri
estamos em paz e que sangra e ri
mesmo que estejamos a sós a vida anoitece provisória
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Cia. das Letras, 2013. centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chuí.
A busca pela identidade constitui uma faceta da
CACASO. Lero-lero Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002
tradição literária, redimensionada pelo olhar contem
porâneo No poema, essa nova dimensão revela a O título do poema explora a expressividade de termos
A ausência de traços identitários que representam o conito do momento histórico vivi-
B angústia com a solidão em público do pelo poeta na década de 1970. Nesse contexto, é
C valorização da descoberta do “eu” autêntico. correto armar que
D percepção da empatia como fator de autoconhe- A o poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas
cimento. com significado impreciso.
E impossibilidade de vivenciar experiências de per- B “morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as ví-
tencimento. timas do regime militar vigente.

160 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


C o “porco”, animal difícil de domesticar, representa Gertrude: estas são ideias bem comuns
os movimentos de resistência. Apresenta a jazz-band.
D o poeta caracteriza o momento de opressão atra Não, toca blues com ela.
vés de alegorias de forte poder de impacto. Esta é a minha vida.
E “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes Atravessa a ponte.
que garantem a paz social experimentada ( )
(Ana Cristina Cesar, A teus pés São Paulo: Companhia das Letras,
2016, p. 9.)
7 UFSC 2016
8 Unicamp 2019 Esse trecho do poema de abertura de
Fotonovela A teus pés, de Ana Cristina Cesar,
Quando você quis eu não quis A expressa nostalgia do passado, visto que mobiliza
Qdo eu quis você ñ quis referências à cultura pop dos anos 1970.
Pensando mal quase q fui B requisita a participação do leitor, já que as referên-
Feliz cias biográficas são fragmentárias.
CACASO. “Fotonovela”. In: WEINTRAUB, Fábio (Org.). Poesia marginal. C exclui a dimensão biográfica, pois se refere a per
São Paulo: Ática, 2006. p. 27. Para gostar de ler; 39.
sonagens imaginários e de ficção.
Conforme o poema anterior de Cacaso, é correto ar D tematiza a descrença na poesia, uma vez que a
mar que: poeta se contradiz continuamente.
01 o título do poema refere-se a narrativas seriadas,
no estilo folhetim, ilustradas por fotografias e que 9 PUC-PR 2015 Sobre o livro Muitas vozes, lançado em
apresentam tramas equiparadas às de telenovelas 1999 por Ferreira Gullar, é verdadeiro afirmar:
02 ainda que o autor pertença à “geração mimeógra
A Muitas vozes assinala o ponto alto na tomada de
fo”, as abreviaturas empregadas no poema são
posição de Ferreira Gullar no sentido de uma poe-
similares ao “internetês” de hoje, um tipo de lin-
sia engajada, comprometida com a luta contra a
guagem condensada empregada no meio virtual.
opressão e a injustiça.
04 o emprego da expressão “pensando mal” em vez
B É neste livro que se reúnem os poemas neocon-
da expressão usual “pensando bem” enfatiza a cretos de Gullar, consolidando a cisão do poeta
plenitude da felicidade atingida pelo eu lírico. maranhense em relação ao concretismo elaborado
08 não há marcas textuais no poema que possibilitem e teorizado pelos paulistas Décio Pignatari, Augus-
a identificação de gênero do objeto amoroso do eu to e Haroldo de Campos
lírico, de modo que o tema do fracasso amoroso C É um volume de poemas em que o poeta se afas-
poderia ser válido para qualquer identidade sexual ta da temática engajada dos livros anteriores,
16 como já antecipa o título do poema, em uma fo voltando-se, preferencialmente, para temas me-
tonovela, o final esperado do enredo deveria ser morialísticos e de reflexão sobre a passagem do
feliz, condição atingida ao término da história. tempo e a morte.
32 o poema apresenta um conflito entre o “eu” e o D Muitas vozes é a única incursão de Ferreira Gullar
“você”, num tempo passado, marcado pelo desejo na poesia dramática, em que cada uma das vozes
de “querer” e “não querer” do poema que dá nome ao livro representa perso-
64 por ser um poema de curta extensão, Cacaso não nagens típicas do Nordeste brasileiro: o beato, o
utiliza recursos de musicalidade. cangaceiro, o coronel, o padre etc.
Soma:  E Em Muitas vozes, Ferreira Gullar rompe definitiva-
mente com o ideário estético da Geração de 1945,
Texto para a questão 8. ao qual, de certa forma, estivera preso até então.
(...)
Para responder à questão 10, leia o trecho a seguir,
Eu tenho uma ideia.
Eu não tenho a menor ideia
de Lygia Fagundes Telles, retirado da obra Passapor-
Uma frase em cada linha. Um golpe de exercício. te para a China.
Memórias de Copacabana. Santa Clara às três da tarde. Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1960.
Autobiografia. Não, biografia. Diz o horóscopo que os do signo de Áries não devem
Mulher de modo algum se arriscar no dia de hoje Sou do signo
Papai Noel e os marcianos. de Áries e daqui a pouco, em plena noite, devo embar-
FRENTE 2

Billy the Kid versus Drácula. car num avião a jato para a China Escalas? Dacar, Paris,
Drácula versus Billy the Kid Praga, Omsk, Irkutsck e finalmente Pequim. Quer dizer,
Muito sentimental. atravessarei quatro continentes: América, África, Europa
Agora pouco sentimental. e Ásia. É continente demais, hein! Melhor tomar antes
Pensa no seu amor de hoje que sempre dura menos um chope duplo ali no bar do Lucas, defronte ao mar de
que o seu Copacabana, ficar ouvindo a voz espumejante das ondas
amor de ontem. e esquecer que passarei horas e horas “naquela coisa”

161
que às vezes a gente ouve cortar o céu tão rapidamente e 13 UFPE 2013 Somente no século XX a produção literá-
com um silvo tão desesperado que quando se olha para ria feminina passou a ser socialmente valorizada no
as nuvens não se vê mais nada Nada Brasil e reconhecida pela nossa história da literatura
oficial. Considerando a participação das mulheres nas
10 PUC-RS 2016 Com base no texto selecionado e na letras nacionais e a leitura do texto a seguir, analise as
obra de Lygia Fagundes Teles, analise as seguintes proposições que se seguem.
afirmativas:
Com licença poética
I A narradora enfrenta a ideia de voar com ex
pectativa, pois, além do país asiático, conhecerá Quando nasci um anjo esbelto,
outras cinco cidades desses que tocam trombeta, anunciou:
II O texto expressa os sentimentos de uma via vai carregar bandeira.
jante momentos antes da partida, enfrentando Cargo muito pesado pra mulher,
o pânico de cruzar o planeta para conhecer um esta espécie ainda envergonhada.
país distante. Aceito os subterfúgios que me cabem,
III O emprego reiterado de aliterações no último pa sem precisar mentir.
PRADO, Adélia
rágrafo sugere a ideia da velocidade que provoca
temor na viajante supersticiosa  A Academia Brasileira de Letras teve como primei-
A(s) armativa(s) correta(s) é/são: ra mulher a ocupar um lugar de honra, apenas na
A I, apenas. D II e III, apenas. segunda metade do século XX, a escritora Rachel
B II, apenas. E I, II e III. de Queiroz.
C I e III, apenas.  Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Adélia Pra-
do, Cecília Meireles, entre outras, são nomes que
As questões 11 e 12 referem-se à obra Bagagem, de se destacam na produção literária nacional, pela
Adélia Prado. qualidade estética de suas obras.
 Como se constata na leitura do poema em apre-
11 UFRGS 2020 Leia as seguintes afirmações sobre o ço, Adélia Prado faz opção por uma estética que
poema “Ensinamento” privilegia uma linguagem simples, sem pretensões
acadêmicas, mais próxima do falar cotidiano.
I. O sujeito lírico mostra que o sentimento é revela-  O poema em questão expressa a condição da mu-
do pelas ações das pessoas. lher em nossa sociedade e dialoga com o poema
II. A cena recuperada mostra o gesto de amor da de Carlos Drummond de Andrade, como se lê:
mãe para com o pai. “Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem
na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”.
III O ensinamento do poema é que o amor é mais
importante do que a instrução.
 No poema, fica claro que a representação da
mulher em nossa sociedade está associada a po-
Quais estão corretas? tência, dignidade e soberania nas atividades sociais
A Apenas I. D Apenas I e III. e políticas, ao contrário do que acontece com as
B Apenas II. E I, II e III. mulheres em outros contextos mundiais.
C Apenas III.
Texto para a questão 14
12 UFRGS 2020 Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) A mão no ombro
as seguintes afirmações sobre poemas da obra.
Fragmento 1
 “Com licença poética” apresenta intertextualidade
E se cheguei até aqui é porque vou morrer. Já?, hor-
com a obra de Carlos Drummond de Andrade.
rorizou-se olhando para os lados mas evitando olhar para
 “Sedução” trata do homem amado, prometido para
trás. A vertigem o fez fechar de novo os olhos. Equili-
o casamento.
brou-se tentando se agarrar ao banco, Não quero!, gritou.
 “Antes do nome” caracteriza-se como reflexão so-
Agora não, meu Deus, espera um pouco, ainda não estou
bre o fazer poético.
preparado! Calou-se, ouvindo os passos que desciam tran-
 “Páscoa” caracteriza a velhice.
quilamente a escada. Mais tênue que a brisa, um sopro
A sequência correta de preenchimento dos parênte- pareceu reavivar a alameda. Agora está nas minhas costas,
ses, de cima para baixo, é ele pensou, e sentiu o braço se estender na direção do seu
A F V F F ombro. Sentiu a mão ir baixando numa crispação de quem
B V V F V (familiar e contudo cerimonioso) dá um sinal, Sou eu. O
C V F V V toque manso. Preciso acordar, ordenou se contraindo in-
D F V V V teiro, isso é apenas um sonho! Preciso acordar!, acordar.
E V F V F Acordar, ficou repetindo e abriu os olhos. (p. 149)

162 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Fragmento 2 2decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de
ovos.
Cumpriu a rotina da manhã com uma curiosidade
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
comovida, atento aos menores gestos que sempre repetiu
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
automaticamente e que agora analisava, fragmentando-os 3A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
em câmara lenta, como se fosse a primeira vez que abria 4com sombrinha infantil e coxas à mostra.
uma torneira. Podia também ser a última. Fechou-a, mas
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
que sentimento era esse? (p. 150-151)
meu marido ficou triste até a morte,
Fragmento 3 eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove
A alegria era quase insuportável: da primeira vez, es-
PRADO, Adélia. Poesia Reunida. São Paulo:
capei acordando. Agora vou escapar dormindo. Não era Siciliano, 2005. p. 108.
simples? Recostou a cabeça no espaldar do banco, mas
não era sutil? Enganar assim essa morte saindo pela porta Analise as armativas a seguir:
do sono. Preciso dormir, murmurou fechando os olhos Por I. O eu lírico, claramente uma voz feminina, percebe
entre a sonolência verde-cinza, viu que retomava o sonho que algo em sua vida mudou. Não existe mais a
no ponto exato em que fora interrompido A escada Os mãe: “Não encontrei minha mãe.”, os filhos lhe de-
passos. Sentiu o ombro tocado de leve. Voltou-se. (p. 153) monstram vergonha: “Meus filhos me repudiaram
TELLES, Lygia Fagundes. A mão no ombro. In: TELLES, Lygia Fagundes envergonhados”. Há, para o eu lírico, apenas uma
Melhores contos de Lygia Fagundes Telles. Seleção de Eduardo Portella. 13.
ed São Paulo: Global, 2015 [Fragmentos]
certeza: a chuva lhe traz melhoras.
II O poema, escrito por Adélia Prado, trata das
inúmeras questões que compõem o mundo mas-
14 UFSC 2020 Com base na leitura de três fragmentos
culino e sua relação com o mundo feminino Não
do conto “A mão no ombro”, da coletânea Melhores
há alternativas para as mulheres numa sociedade
contos de Lygia Fagundes Telles, originalmente publi
patriarcal e opressiva, governada pelos homens.
cada em 1983, no contexto sócio-histórico e literário
Isso está claro no verso “(...) meu marido ficou tris-
da obra e, ainda, de acordo com a variedade padrão
te até a morte (...)”.
da língua escrita, é correto afirmar que:
III. Para o eu lírico, há uma relação entre o fazer coti-
01 o conto evidencia três passagens: o momento em diano e o fazer artístico. As duas ações, se feitas
que o protagonista sonha com a morte; o instante sob a égide do talento, poderão se tornar cons-
em que ele retoma a rotina da vida imbuído da cientes. Nos versos apontados pelas referências
reflexão sobre o sonho; e o momento derradeiro 1 e 2, essa afirmativa é explicitada pelo eu lírico,
em que ele se depara novamente com a morte. entretanto outras interpretações são possíveis
02 o título do conto expressa o gesto produzido pela pelo leitor.
mão que desperta o protagonista do sonho e o IV. “Dona Doida”, título do poema, faz menção a um
salva da morte. eu lírico preconceituoso. Nos versos apontados
04 o conto constrói-se em torno de uma reflexão so- pelas referências 3 e 4, ele propõe que existe
bre a vida diante da iminência da morte. oposição entre ser feliz e vestir certas roupas
08 as ocorrências sublinhadas do termo “se”, no em idade não condizente com o tipo e o modelo
Fragmento 1, integram o verbo que o segue ou o escolhidos Há claramente uma tendência pre-
antecede, denotando atitudes próprias do sujeito. conceituosa nas intenções do eu lírico.
16 as ocorrências sublinhadas da palavra “agora”, nos V A situação climática, mais precisamente a chuva e
Fragmentos 1 e 3, indicam circunstância de tempo seus desdobramentos, conduz o eu lírico a pen-
e referem-se ao momento em que o protagonista sar nas ocorrências da infância. O tempo, como
estava sonhando. elemento poético, é fundamental para a elabora-
32 no Fragmento 2, a coesão do parágrafo é esta ção das ideias que são apresentadas no poema
belecida pela manutenção do verbo na primeira “Dona Doida”.
pessoa do singular com sujeito oculto.
Estão corretas:
Soma:  A I, II e III
B I, III e V.
C II, III e IV.
15 UPE 2015
D II, III e V.
FRENTE 2

Dona Doida E III, IV e V.

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso


16 Unisc 2015 Leia atentamente o poema “Auto-retrato
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
falado”, de Manoel de Barros e, depois, analise as afir-
Quando se pôde abrir as janelas,
mativas a seguir.
as poças tremiam com os últimos pingos.
1Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
poema, Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.

163
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão, Texto para a questão 18
[aves, pessoas humildes, árvores e rios.
I
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
[entre pedras e lagartos. (...)
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto O menino tinha no olhar um silêncio de chão
e na sua voz uma candura de Fontes.
[meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
O Pai achava que a gente queria desver o mundo
[abençoado a garças.
para encontrar nas palavras novas coisas de ver
Me procurei a vida inteira e não me achei pelo que assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do
[fui salvo. rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado. de uma pedra.
Os bois me recriam. ( )
Agora eu sou tão ocaso! BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro:
Editora Objetiva, 2015. p.13
Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore 18 UFU 2016 Em Menino do mato, um eu lírico menino
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 4. ed.
tem o desejo de apreender, sem se preocupar com
Rio de Janeiro: Record, 1997 p 103 explicações, as coisas do mundo, criar novidades
por meio das palavras e de sua inocência pueril.
I Os versos de “Auto retrato falado” apontam para Essa mesma ideia perpassa o fragmento:
uma identificação profunda entre o eu lírico e a
A “Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em
natureza.
casa dizendo que vira no campo dois dragões da
II. Nos versos apresentados, observa-se a reelabo- independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
ração do espaço regional como um espaço de [...] Quando o menino voltou falando que todas as
memória afetiva borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá
III. Pode-se dizer que a voz que se manifesta em Elpídia e queriam formar um tapete voador para
“Auto-retrato falado” é de um sujeito que faz uma transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo
espécie de balanço do que viveu. ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas aba-
nou a cabeça: Não há nada a fazer, Dona Coló Este
Assinale a alternativa correta. menino é mesmo um caso de poesia. ANDRADE,
A Somente as afirmativas I e II estão corretas. Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Ja-
B Somente as afirmativas II e III estão corretas neiro: José Olympio, 1985 p 24.
C Somente as afirmativas I e III estão corretas. B “Vai embora gato/ De cima do telhado/ Senão o papai-
zinho/ Te faz desintegrado/ Dorme, filhinho, / Que esta
D Nenhuma afirmativa está correta.
vida é cômica, / Estrôncio 90/ Mentalidade atômica/ So-
E Todas as afirmativas estão corretas.
nha querido/ Enquanto sobe o jato/ Vamos pairando/
Com nosso pé-de-pato/ Bicho-papão, bicho-papão, /
17 UFSM 2014 Os versos destacados a seguir fazem Me multa esse Poláris/ Que parou na contramão/ Boi-
parte de “Uma didática da invenção” (1993), poema boi-boi, / boi da cara preta/ Liquida o homem verde/
de Manoel de Barros. Que caiu doutro planeta. ” FERNANDES, Millôr. Papá-
verum Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 142.
No tratado das grandezas do ínfimo estava escrito: C “[...] Em meus tempos de criança, era aquela en-
Poesia é quando a tarde está competente para dálias. cantação Lia-se continuamente e avidamente um
É quando mundaréu de histórias (e não estórias) principalmen-
Ao lado de um pardal o dia dorme antes te as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase
[...] após frase, do princípio ao fim. Ora, as crianças de
Poesia é voar fora da asa. hoje não se acostumam a ler correntemente, por-
que apenas olham as figuras dessas histórias em
A partir do último verso, pode se concluir que a poesia quadrinhos, cujo ‘texto’ se limita a simples frases in-
A aliena o leitor, ensina-o a fugir do real. terjetivas e assim mesmo muita vez incorretas No
B está relacionada à grandiosidade, ao inatingível, o que fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma
revela a impossibilidade de o leitor compreendê-la. subliteratura de homem das cavernas. ” QUINTANA,
C fornece ao leitor lições de resistência, ideia refor Mário 80 anos de poesia São Paulo: Globo, 2002
çada pela imagem do pardal. D “Em meio a um cristal de ecos/ O poeta vai pela rua/
Seus olhos verdes de éter/ Abrem cavernas na lua. /
D revela ao leitor a grandiosidade, uma dimensão
A lua volta de flanco/ Eriçada de luxúria/ O poeta, alou-
que transborda o cotidiano. cado e branco/ Palpa as nádegas da lua. / [ ]/ O poeta
E está ligada ao sentimento de impotência, se for todo se lava/ De palidez e doçura. / Ardente e deses-
considerada a impossibilidade de a palavra poética perada/ A lua vira em decúbito.” MORAES, Vinicius.
direcionar o leitor para além do cotidiano. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.

164 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


As questões de 19 a 21 referem-se ao texto a seguir, de 19 ITA 2015 O objetivo do autor é
Rubem Braga, publicado pela primeira vez em 1952, no
A discutir a reportagem de José Leal sobre a chega-
jornal Correio da Manhã, do Rio.
da de imigrantes ao Brasil
b apoiar a imigração europeia, independentemente
José Leal fez uma reportagem na Ilha das Flores, onde
da condição social dos imigrantes.
ficam os imigrantes logo que chegam E falou dos equívocos
de nossa política imigratória. As pessoas que ele encontrou
c mostrar que o Brasil não precisa de imigrantes sem
não eram agricultores e técnicos, gente capaz de ser útil. qualificação profissional
Viu músicos profissionais, bailarinas austríacas, cabeleireiras d defender uma política imigratória não necessaria-
5
lituanas. Paul Balt toca acordeão, Ivan Donef faz coquetéis, mente vinculada a critérios profissionais.
Galar Bedrich é vendedor, Serof Nedko é ex-oficial, Luigi E criticar a legislação brasileira sobre imigração vi-
Tonizo é jogador de futebol, Ibolya Pohl é costureira. Tudo gente na época
gente para o asfalto, “para entulhar as grandes cidades”,
10 como diz o repórter. 20 ITA 2015 O autor do texto
O repórter tem razão. Mas eu peço licença para ficar
A destaca a aparência das imigrantes como um fator
imaginando uma porção de coisas vagas, ao olhar essas
preponderante para a imigração.
belas fotografias que ilustram a reportagem. Essa linda
b reproduz os nomes dos imigrantes citados na re-
costureirinha morena de Badajoz, essa Ingeborg que faz
portagem para atribuir lhes importância social
15 fotografias e essa Irgard que não faz coisa alguma, esse
c toma como sua a expressão “para entulhar as gran-
Stefan Cromick cuja única experiência na vida parece ter
sido vender bombons – não, essa gente não vai aumentar
des cidades”
a produção de batatinhas e quiabos nem plantar cidades d desenvolve os argumentos para sustentar que “é
no Brasil Central insensato importar gente assim”
20 É insensato importar gente assim. Mas o destino das E concorda parcialmente com o repórter José Leal,
pessoas e dos países também é, muitas vezes, insensato: porém assume um ponto de vista diferente
principalmente da gente nova e países novos. A humanidade
não vive apenas de carne, alface e motores Quem eram os 21 ITA 2015 De acordo com o texto, Rubem Braga
pais de Einstein, eu pergunto; e se o jovem Chaplin quisesse
I assevera que os imigrantes qualificados teriam
25 hoje entrar no Brasil acaso poderia? Ninguém sabe que
destino promissor no Brasil
destino terão no Brasil essas mulheres louras, esses homens
II mostra otimismo em relação aos imigrantes sem
de profissões vagas. Eles estão procurando alguma coisa:
profissão definida
emigraram. Trazem pelo menos o patrimônio de sua in-
III apresenta ideias sobre imigração tanto semelhan-
quietação e de seu apetite de vida Muitos se perderão, sem
30 tes quanto avessas às de José Leal
futuro, na vagabundagem inconsequente das cidades; uma
mulher dessas talvez se suicide melancolicamente dentro IV considera que, sem imigração, não haveria algu-
de alguns anos, em algum quarto de pensão. Mas é preciso mas das grandes personalidades no Brasil
de tudo para fazer um mundo; e cada pessoa humana é um Estão corretas apenas:
mistério de heranças e de taras. Acaso importamos o pintor A I e II d II, III e IV
35 Portinari, o arquiteto Niemeyer, o físico Lattes? E os cons- b I, II e IV E III e IV
trutores de nossa indústria, como vieram eles ou seus pais? c II e III.
Quem pergunta hoje, e que interessa saber, se esses homens
ou seus pais ou seus avós vieram para o Brasil como agricul- Texto para as questões 22 e 23.
tores, comerciantes, barbeiros ou capitalistas, aventureiros
Ao crepúsculo, a mulher
40 ou vendedores de gravata? Sem o tráfico de escravos não
teríamos tido Machado de Assis, e Carlos Drummond seria Ao crepúsculo, a mulher bela estava quieta, e me
impossível sem uma gota de sangue (ou uísque) escocês nas detive a examinar sua cabeça com atenção e o extremado
veias, e quem nos garante que uma legislação exemplar de carinho de quem fixa uma flor. Sobre a haste do colo fino
imigração não teria feito Roberto Burle Marx nascer uru- estava apenas trêmula: talvez a leve brisa do mar; talvez o
45 guaio, Vila Lobos mexicano, ou Pancetti chileno, o general estremecimento de seu próprio crepúsculo. Era tão linda
Rondon canadense ou Noel Rosa em Moçambique? Seja assim, entardecendo, que me perguntei se já estávamos
mos humildes diante da pessoa humana: o grande homem preparados, nós, os rudes homens destes tempos, para
do Brasil de amanhã pode descender de um clandestino que testemunhar a sua fugaz presença sobre a terra. Foram
neste momento está saltando assustado na praça Mauá, e precisos milênios de luta contra a animalidade, milênios
FRENTE 2

50 não sabe aonde ir, nem o que fazer Façamos uma política de milênios de sonho para se obter esse desenho delicado
de imigração sábia, perfeita, materialista; mas deixemos e firme. Depois os ombros são subitamente fortes, para
uma pequena margem aos inúteis e aos vagabundos, às suster os braços longos; mas os seios são pequenos, e o
aventureiras e aos tontos porque dentro de algum deles, corpo esgalgo foge para a cintura breve; logo as ancas
como sorte grande da fantástica loteria humana, pode vir a readquirem o direito de ser graves, e as coxas são lon-
55 nossa redenção e a nossa glória. gas, as pernas desse escorço de corça, os tornozelos de
BRAGA, Rubem. “Imigração”. In: A borboleta amarela. raça, os pés repetindo em outro ritmo a exata melodia
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1963. das mãos.
165
Ela e o mar entardeciam, mas, a um leve movimento A aborda, ironicamente, a transitoriedade das coisas.
que fez, seus olhos tomaram o brilho doce da adolescên- b trata, metaforicamente, do envelhecimento da mulher.
cia, sua voz era um pouco rouca Não teve filhos Talvez c remete, liricamente, ao passado romântico das mu-
pense na filha que não teve... A forma do vaso sagrado não lheres.
se repetirá nestas gerações turbulentas e talvez desapareça d recorre, hiperbolicamente, ao poder do tempo so-
bre as pessoas.
para sempre no crepúsculo que avança. Que fizemos desse
sonho de deusa? De tudo o que lhe fizemos só lhe ficou o
24 UCS 2014 Assinale a alternativa correta a respeito de
olhar triste, como diria o pobre Antônio, poeta português.
Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga
O desejo de alguns a seguiu e a possuiu; outros ainda se
erguerão como torvas chamas rubras, e virão crestá-la, A As crônicas versam tanto sobre lembranças de in-
eis ali um homem que avança na eterna marcha banal. fância do escritor quanto sobre suas vivências em
grandes cidades, como Paris e Nova Iorque.
b Os temas das crônicas estão organizados de
Contemplo-a... Não, Deus não tem facilidade para
maneira cronológica, de modo que há uma con-
desenhar Ele faz e refaz sem cessar Suas figuras, porque tinuidade nos textos que acompanha a linearidade
o erro e a desídia dos homens entorpecem Sua mão: de da vida do escritor.
geração em geração, que longa paciência Ele não teve c Os textos de Ai de ti, Copacabana possuem um
para juntar a essa linha do queixo essa orelha breve, para tom humorístico que se revela inclusive na crônica
firmar bem a polpa da panturrilha Sim, foi a própria mão que dá título ao livro
divina em um momento difícil e feliz. Depois Ele disse: d O cronista Rubem Braga é essencialmente ligado
anda E ela começou a andar entre os humanos Agora à cidade do Rio de Janeiro; por isso, é lá que ele
está aqui entardecendo; a brisa em seus cabelos pensa
escreve todos os seus textos
E O livro Ai de ti, Copacabana de Rubem Braga inau-
melancolias. As unhas são rubras; os cabelos também ela
gura o gênero crônica no Brasil.
os pintou; é uma mulher de nosso tempo; mas neste mo-
mento, perto do mar, é menos uma pessoa que um sonho Para responder à questão 25, leia o texto a seguir.
de onda, fantasia de luz entre nuvens, avideusa trêmula, De ficção e realidade: diálogo possível
evanescente e eterna.
– Literatura é fuga do real, cara! Veja o Brasil que te-
mos: propina, tráfico de influência, delações, politicalha,
Mas para que despetalar palavras tolas sobre sua ca- trapaças...
beça? Na verdade não há o que dizer; apenas olhar, olhar Quem disse que a Literatura não tem os pés fincados
como quem reza, e depois, antes que a noite desça de na realidade? Para o momento brasileiro, valem os versos:
uma vez, partir “Começa o mundo enfim pela ignorância,/ e tem qualquer
dos bens por natureza”.
(Rubem Braga. A traição das elegantes. R.J.: Editora Sabiá, 1967, pp. 61-63.)
Que bens? A rifa das licitações? O propinoduto?
– É isso mesmo, cara! Diferente do fantasma român-
22 FCMMG 2018 A crônica de Rubem Braga, ao abordar tico, parece que o dinheiro virou uma “febre que nunca
o corpo feminino, demonstra: descansa,/ O delírio que te há de matar!...”.
O que nós temos é uma safra de corruptos e cor-
A atitude compassiva em relação às diferentes fases rompidos.
da vida. – Verdade! Sujeito assim safado mereceria “ser das
b visão crítica no confronto entre privilégios masculi gentes o espectro execrado”. O tal “Ouro branco! Ouro
nos e femininos. preto! Ouro podre” corrompeu muito político “De cada
ribeirão trepidante e de cada recosto/ de montanha, o
c perspectiva lírica na contemplação de um ser ex
metal rolou na cascalhada/ Para o fausto d’El-Rei”. Que
posto à ação do tempo. vergonha!
d viés sociológico mesclado ao lirismo na fixação de É! Mas, certamente, esse não é o “Ouro nativo que
um episódio do cotidiano. na ganga impura/ A bruta mina entre os cascalhos vela ”
– Sei lá! O que mais nos reserva a Lava-Jato?
– Veja só, cara! Ouvindo os noticiários, tenho a im-
23 FCMMG 2018 O cronista faz alusão ao poeta portu-
pressão que o assalto do vampiro tem mais equidade:
guês António Nobre (1867-1900), que escreveu os “ Cê vem com a gente É uma loja Nós roubamos e
seguintes versos: dividimos o dinheiro. Em partes iguais”.
– Então, ainda há o que cantar neste país?
“Ó grandes olhos outonais! Místicas luzes!
– Claro! Vai o legado das Olimpíadas e das Para-
Mais tristes do que o amor, solenes como as cruzes!”
limpíadas: “Entre o laboratório de erros/ e o labirinto de
O adjetivo “outonais” corresponde, na crônica, ao ter- surpresas,/ canta o conhecimento do limite,/ a madura
mo “crepúsculo” porque experiência a brotar da rota esperança”.

166 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


25 Unioeste 2017 Com base na leitura do texto, assinale 08 O texto, curto e condensado, dificulta o reconheci-
a alternativa incorreta. mento de elementos que o configurem plenamente
como gênero narrativo. Trata-se, predominante-
A O tom paródico do texto ironiza a corrupção pre
sente na atual política brasileira. mente, de uma manifestação do “eu lírico”, apenas
B O texto ampara-se na relação existente entre litera um pretexto para a expressão do estado de aban-
tura e realidade. dono e desalento do “eu poético”, como se pode
C O “assalto do vampiro”, no texto, faz referência ao observar no trecho: “Cabeça caída no peito, um fio
conto “O grande assalto”. de baba no queixo”
D O “assalto do vampiro” remete ao escritor Dalton 16 Alguns elementos revelam-se importantes na es-
Trevisan, alcunhado, literariamente, de “O vampiro trutura narrativa por identificarem-se com o estado
de Curitiba”. emocional da personagem Na situação inicial da
E De acordo com os versos nais de Manuel Ban- narrativa, apesar do desconforto ao ser deixado
deira, o “laboratório de erros” da política impede “a no jardim (“palhinha dura”, “capa de plástico”,
rota esperança” “apesar do calor, manta xadrez sobre os joelhos”),
João mostra-se tranquilo e a natureza reflete esse
26 UEM 2015 Assinale o que for correto em relação aos sentimento: “Sozinho, regala-se com o trino da
elementos da narrativa transcrita: corruíra, um cacho dourado de giesta e, ao arrepio
da brisa, as folhinhas do chorão faiscando ver
92 de, verde!”. No final, o espaço, modificado pelo
Tarde de verão, é levado ao jardim na cadeira de bra agente transformador da situação de equilíbrio
ços – sobre a palhinha dura a capa de plástico e, apesar inicial o temporal , apresenta íntima conexão
do calor, manta xadrez no joelho Cabeça caída no peito, com o estado emocional da personagem, que,
um fio de baba no queixo. Sozinho, regala-se com o trino sentindo-se abandonada, “revira em agonia o olho
da corruíra, um cacho dourado de giesta e, ao arrepio da vermelho...”.
brisa, as folhinhas do chorão faiscando – verde, verde! pri-
meira vez depois do insulto cerebral aquela ânsia de viver. Soma: 
De novo um homem, não barata leprosa com caspa na
Leia os textos I e II para responder às questões 27 e
sobrancelha – e, a sombra das folhas na cabecinha trêmula
adormece. Gritos: Recolha a roupa Maria, feche a janela 28.
Prendeu o Nero? Rebenta com fúria o temporal. Aos trancos Texto I
João ergue o rosto, a chuva escorre na boca torta. Revira
em agonia o olho vermelho – é uma coisa, que a família es- CLIII
quece na confusão de recolher a roupa e fechar as janelas? Criou a Natureza damas belas,
TREVISAN, Dalton. In: Ah, é?. 2. ed. Rio de Janeiro:
Que foram de altos plectros celebradas;
Record, 1994. p. 67
Delas tomou as partes mais prezadas,
01 A voz narrativa é de primeira pessoa Trata-se de E a vós, Senhora, fez do melhor delas
um narrador protagonista, a personagem João, que
relata o momento em que sofre um “insulto cere Elas diante vós são as estrelas,
bral” acidente vascular cerebral , acontecimento Que ficam com vos ver logo eclipsadas.
que o impede de retornar ao interior da casa Mas se elas têm por sol essas rosadas
02 As indicações temporais cumprem importantes Luzes de sol maior, felizes elas!
funções na estrutura narrativa, especialmente a de
imprimir verossimilhança e movimento ao relato. Em perfeição, em graça e gentileza,
O conto em foco, embora sua natureza seja pre- Por um modo entre humanos peregrino,
dominantemente psicológica e os fatos estejam A todo belo excede essa beleza
intimamente ligados ao estado de espírito da perso-
nagem, apresenta marcas cronológicas da passagem Oh! Quem tivera partes de divino
do tempo, como se observa no trecho: “Primeira vez Para vos merecer! Mas se pureza
depois do insulto cerebral aquela ânsia de viver”. De amor vale ante vós, de vós sou digno.
04 Embora não existam diálogos na narrativa, o narra CAMÕES, Luís de. Rimas: Segunda parte, Sonetos. In: Obra completa.
dor, ao empregar o discurso indireto livre, permite Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003 p 529.
FRENTE 2

que a voz da personagem aflore no texto. Espécie


mista de discurso indireto e direto , o indireto Texto II
livre concilia de tal forma as falas do narrador e
34.
de João que elas se confundem na enunciação,
como se observa no excerto: “... é uma coisa, que Seu João, perdido de catarata negra nos dois olhos:
a família esquece na confusão de recolher a roupa – Meu consolo que, em vez de nhá Biela, vejo uma
e fechar as janelas?”. nuvem.

167
30 UFRGS 2015 No bloco superior a seguir, estão listados
os títulos de alguns contos de Murilo Rubião; no in-
ferior, aspectos e/ou temas relacionados aos contos.
Associe adequadamente o bloco inferior ao superior.
1. “O ex-mágico da Taberna Minhota”
2. “Bárbara”
3. “A cidade”
4. “A flor de vidro”
5. “O lodo”
J O conto está disposto de trás para a frente, apre
Trevisan, Dalton 111 ais Ilustração de Ivan Pinheiro Machado. sentando a história de Eronides e Marialice.
Porto Alegre: L&PM, 2001. p. 39. J O conto narra a viagem de Cariba, único passagei-
ro de um trem que para na penúltima estação do
27 UFJF/Pism 3 2016 Os textos I e II, ainda que muito dis- destino final.
tantes entre si do ponto de vista cronológico, tratam J Um suicida narra sua trajetória de fracassos, até
basicamente do mesmo tema, evidenciando alguns tornar-se funcionário público.
dos aspectos atemporais da existência humana. En- J O conto narra a relação de Galateu com seu médico,
quanto em Camões (texto I) a Senhora é apreciada doutor Pink da Silva, apresentado, ambiguamente,
em cada detalhe de sua composição, formando um como assustador e cômico.
todo perfeito e divino, Seu João de Dalton Trevisan
(texto II): A sequência correta de preenchimento dos parênte-
A resigna-se em apreciar sua Senhora apenas de ses, de cima para baixo, é
longe A 4 3 1 5
b idealiza platonicamente a imagem da mulher amada b 2 4 5 3
c foge ao julgamento da beleza exterior de nhá Biela c 4–3–2–5
d lamenta a cegueira que o impede de ver sua musa. d 5 2 3 1
E contenta-se com a indistinção da figura de nhá Biela. E 3–5–1–2

28 UFJF/Pism 3 2016 As referências à Senhora de Camões 31 UFG 2013 Leia o trecho apresentado a seguir.
(texto I) e à nhá Biela de Dalton Trevisan (texto II) têm A impassibilidade com que o grupo vencido recebeu
em comum: a derrota desconcertou o velho: estavam tramando alguma
A as antíteses reiteradas. coisa. Mas não o pegariam desprevenido. Conhecia de perto
b a comparação aos deuses. a astúcia dos que viviam do outro lado da montanha. […]
c a metáfora celeste. Após um mês de ausência, para desapontamento ge-
d a aliteração sibilante. ral, Roque Diadema regressou. Fazia-se acompanhar de
E a hipérbole da beleza. numerosa comitiva, onde predominavam os mecânicos
[…].
29 UFRGS 2016 Leia as seguintes afirmações sobre os […] Enquanto isso, na aldeia, o clima era de mal-estar
contos de Murilo Rubião e desconfiança. […] Pressentiam que chegara a hora de
I O conto “O edifício” é narrado em primeira pes se livrarem dos forasteiros. […]
soa pelo próprio engenheiro, João Gaspar, que é Não encontraram resistência [ ] Contudo, exigiram
contratado para a construção de um arranha-céu a imediata demolição das construções
II. O conto “O convidado”, narrado em terceira pes O ultimato não perturbou Roque Diadema Buscou a
soa, conta a história de José Alferes, que, embora pasta e dela retirou diversas escrituras
tenha recebido um convite estranho para uma Aproveitei minha viagem para adquirir os terrenos
festa à fantasia, decide ir mesmo assim. Sou hoje proprietário de dois terços da área urbana do
III. O conto “O homem do boné cinzento” é nar- povoado.
rado em primeira pessoa por Roderico, que RUBIÃO, Murilo. “A diáspora”. Obra completa. São Paulo:
responsabiliza o homem do boné cinzento pela Companhia das Letras, 2010. p. 146-8.

intranquilidade que se estabelece desde que se A relação entre o enredo do conto “A diáspora”, de Mu-
mudou para a vizinhança. rilo Rubião, e o processo brasileiro de modernização,
Qual(is) está(ão) correta(s)? impulsionado a partir do século XIX, se expressa na
A Apenas I. A localização geográfica do povoado, que determina
b Apenas II. um processo de urbanização calcado na segregação
c Apenas III. b questão da especulação imobiliária, que é visível
d Apenas II e III. na organização social do povoado antes da chega-
E I, II e III. da de Diadema e seu grupo de construtores.

168 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


c oposição entre novo e antigo, que se reflete no  alegoria de um anjo guardião das passagens se-
projeto de construção de uma ponte e na conse cretas, conhecidas apenas pelos iniciados nos
quente instabilidade social na aldeia mistérios da magia.
d estruturação do povoado em bases capitalistas, que c paráfrase do mito dos profetas messiânicos, que
reforça as ideias modernizadoras dos forasteiros conduzem os viajantes por espaços insólitos.
E destituição do líder do povoado, que se assemelha d hipérbole da capacidade imaginativa na infância,
a golpes políticos motivados por reformas urbanas que transforma estradas comuns em travessias
perigosas.
32 UFG 2014 Leia o trecho a seguir. E estilização das parábolas bíblicas, explícita nos en-
sinamentos adquiridos ao longo da existência.
Enquanto mamãe fazia os curativos eu só pensava no
cavalinho que eu ia ganhar Todos os dias quando acorda A questão 34 refere-se ao livro Morangos mofados,
va, a primeira coisa que eu fazia era olhar se o pé estava de Caio Fernando Abreu.
desinchado Seria uma maçada se vovô chegasse com o
cavalinho e eu ainda não pudesse montar […].
Mas quando a gente é menino parece que as coisas 34 UFRGS 2017 Considere as seguintes afirmações sobre o
nunca saem como a gente quer. Por isso é que eu acho livro
que a gente nunca devia querer as coisas de frente por I Os contos apresentam as características mar
mais que quisesse, e fazer de conta que só queria mais cantes da prosa de Caio Fernando Abreu: tom
ou menos. Foi de tanto querer o cavalinho, e querer com confessional, linguagem coloquial e perspectiva
força, que eu nunca cheguei a tê-lo.
intimista.
VEIGA, José J. “Os cavalinhos de Platiplanto”. In:
Melhores contos J. J Veiga Seleção de J Aderaldo Castello II. Os contos trazem referências explícitas à geração da
4 ed. São Paulo: Global, 2000. p. 30-1. década de 1970 e ao contexto histórico brasileiro
O trecho transcrito relata uma experiência vivida pelo III A estrutura do livro é dividida em duas partes, “O
protagonista do conto “Os cavalinhos de Platiplanto”, mofo” e “Os morangos”, justificando, pois, seu título.
da qual decorre um sentimento negativo que será Qual(is) está(ão) correta(s)?
superado por meio da fusão entre os planos da reali A Apenas I. d Apenas II e III.
dade e da fantasia. Considerando o trecho transcrito  Apenas III. E I, II e III.
no contexto geral do conto, responda: c Apenas I e II.
a) qual a experiência vivida pelo protagonista e o
sentimento negativo dela decorrente? Leia o texto a seguir para responder às questões 35 e 36.
b) qual a estratégia utilizada para fundir os planos
da realidade e fantasia e por que essa estratégia Terça-feira gorda
promove a superação do sentimento negativo do Para Luiz Carlos Góes
protagonista?
De repente ele começou a sambar bonito e veio vindo
para mim. Me olhava nos olhos quase sorrindo, uma ruga
33 UFG 2014 Leia o fragmento a seguir. tensa entre as sobrancelhas, pedindo confirmação. Con-
Eu era ainda muito criança, mas sabia uma infinidade firmei, quase sorrindo também, a boca gosmenta de tanta
de coisas que os adultos ignoravam. [...] cerveja morna, vodca com coca-cola, uísque nacional,
A estrada é cheia de armadilhas, de alçapões, de mun- gostos que eu nem identificava mais, passando de mão
déus perigosos, para não falar em desvios tentadores, mas em mão dentro dos copos de plástico. Usava uma tanga
eu podia percorrê-la na ida e na volta de olhos fechados vermelha e branca, Xangô, pensei, Iansã com purpurina
sem cometer o mais leve deslize. Era por isso que eu não na cara, Oxaguiã segurando a espada no braço levantado,
gostava de viajar acompanhado, a preocupação de salvar Ogum Beira-Mar sambando bonito e bandido. Um movi-
outros do desastre tirava-me o prazer da caminhada, mas mento que descia feito onda dos quadris pelas coxas, até
desde criança eu era perseguido pela insistência dos que os pés, ondulado, então olhava para baixo e o movimento
precisavam viajar e tinham medo do caminho, parecia que subia outra vez, onda ao contrário, voltando pela cintura
ninguém sabia dar um passo sem ser orientado por mim, até os ombros. Era então que sacudia a cabeça olhando
chegavam a fazer romaria lá em casa, aborreciam minha para mim, cada vez mais perto.
mãe com pedidos de interferência; e como eu não podia Eu estava todo suado Todos estavam suados, mas eu
negar nada a minha mãe eu estava sempre na estrada não via mais ninguém além dele. Eu já o tinha visto antes,
acompanhando uns e outros. [ ] não ali. Fazia tempo, não sabia onde. Eu tinha andado por
FRENTE 2

VEIGA, José J “Fronteira” In: Melhores contos J J Veiga Seleção de J muitos lugares Ele tinha um jeito de quem também tinha
Aderaldo Castello. 4. ed. São Paulo: Global, 2000. p. 37.
andado por muitos lugares. Num desses lugares, quem
No conto “Fronteira”, há a inversão dos papéis sabe. Aqui, ali. Mas não lembraríamos antes de falar, talvez
comumente atribuídos ao adulto e à criança. Nessa in- também nem depois Só que não havia palavras Havia
versão, a imagem da criança é construída por meio da o movimento, a dança, o suor, os corpos meu e dele se
A metáfora de um saber excepcional, manifesto no po- aproximando mornos, sem querer mais nada além daquele
der de ajudar os adultos a realizar suas travessias. chegar cada vez mais perto

169
Na minha frente, ficamos nos olhando Eu também C modismo
dançava agora, acompanhando o movimento dele. Assim: D preconceito.
quadris, coxas, pés, onda que desce, olhar para baixo, E conformismo.
voltando pela cintura até os ombros, onda que sobe, então
sacudir os cabelos molhados, levantar a cabeça e encarar Leia o texto a seguir para responder à questão 37.
sorrindo Ele encostou o peito suado no meu Tínhamos
Beijo sem
pelos, os dois. Os pelos molhados se misturavam. Ele es-
tendeu a mão aberta, passou no meu rosto, falou qualquer Eu não sou mais quem
coisa. O que, perguntei. Você é gostoso, ele disse. [...] Você deixou, amor
Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da mi- Vou à Lapa
nha Parecia um figo maduro quando a gente faz com a Decotada
ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e Viro todas
rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de Beijo bem
grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta, mas Madrugada
uma flor que abre para dentro. O que, ele gritou. O figo, Sou da lira
repeti, o figo é uma flor Mas não tinha importância [ ] Manhãzinha
Veados, a gente ainda ouviu, recebendo na cara o De ninguém
vento frio do mar A música era só um tumtumtum de pés Noite alta é meu dia
e tambores batendo. Eu olhei para cima e mostrei olha lá E a orgia é meu bem
as Plêiades, só o que eu sabia ver, que nem raquete de
tênis suspensa no céu. Você vai pegar um resfriado, ele Eu não sou mais quem
falou com a mão no meu ombro. Foi então que percebi Você deixou de ver
que não usávamos máscara Lembrei que tinha lido em Vou à Lapa
algum lugar que a dor é a única emoção que não usa Perfumada
máscara. Não sentíamos dor, mas aquela emoção daquela Viro outras
hora ali sobre nós, e eu nem sei se era alegria, também não Beijo sem
usava máscara. Então pensei devagar que era proibido ou Madrugada
perigoso não usar máscara, ainda mais no Carnaval [ ] Sou da lira
Mas vieram vindo, então, e eram muitos. Foge, gritei, Manhãzinha
estendendo o braço. Minha mão agarrou um espaço vazio De ninguém
O pontapé nas costas fez com que me levantasse. Ele ficou Noite alta é meu dia
no chão. Estavam todos em volta. Ai-ai, gritavam, olha as E a orgia é meu bem
loucas Olhando para baixo, vi os olhos dele muito abertos [ ]
e sem nenhuma culpa entre as outras caras dos homens. CALCANHOTO, Adriana “Beijo sem” In: O micróbio do samba
Sony Music, 2011.
A boca molhada afundando no meio duma massa escura,
o brilho de um dente caído na areia. Quis tomá-lo pela
mão, protegê-lo com meu corpo, mas sem querer estava 37 UFJF/Pism 1 2016 No poema de Adriana Calcanhoto, a
sozinho e nu correndo pela areia molhada, os outros todos personagem em primeira pessoa se compraz em re-
em volta, muito próximos. lações
Fechando os olhos então, como um filme contra as A permanentes.
pálpebras, eu conseguia ver três imagens se sobrepondo. B modelares.
Primeiro o corpo suado dele, sambando, vindo em minha C míticas.
direção. Depois as Plêiades, feito uma raquete de tênis D inventadas.
suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta E fortuitas.
de um figo muito maduro, até esborrachar-se contra o chão
em mil pedaços sangrentos. 38 UFSC 2016 Mas chovia ainda, 1meus olhos 2ardiam de
ABREU, Caio Fernando. Morangos mofados 12 ed Rio de Janeiro: frio, o nariz começava a 3escorrer, eu limpava com as
Nova Fronteira, 2015. p. 73 8.
costas das mãos e o líquido do nariz 4endurecia logo
sobre os pelos, 5eu enfiava as mãos 6avermelhadas no
35 UFJF/Pism 1 2016 No conto de Caio Fernando Abreu, fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças
as personagens centrais são d’água com as pernas 7geladas. Tão geladas as pernas e
os braços que pensei em abrir a garrafa para beber um
A aplaudidas. D ovacionadas.
gole, 8não queria que ele pensasse que eu andava be-
B consagradas. E manipuladas.
bendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui
C agredidas.
pensando também que ele ia pensar que eu andava sem
dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu anda
36 UFJF/Pism 1 2016 O desfecho do conto de Caio Fer va, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele
nando Abreu apresenta uma ação, por parte da pensasse que eu andava 9insone, e eu andava, 10roxas
maioria das personagens, que se caracteriza por olheiras, teria que cuidar com o lábio inferior ao sorrir,
A compreensão. se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontras-
B indiferença. se, para que não visse o dente quebrado e pensasse que

170 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e comerciantes nacionais; o terreno movediço da
11tudo o que eu andava fazendo e sendo eu não queria
agiotagem; e a decadência moral da sociedade
que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso burguesa brasileira
me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro 04 O rei da vela constitui, entre outras coisas, uma pa-
da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse ródia do amor vivido pelas personagens Abelardo e
que eu era eu, e eu era. Heloísa, na Idade Média. Com cinismo e sarcasmo,
ABREU, Caio Fernando. “Além do ponto”. In: ______. a peça dessacraliza o amor ingênuo e o insere no
Além do ponto e outros contos. São Paulo: Ática, 2009 p 23 4 sistema capitalista, evidenciando a decadência da
Com base na leitura do conto “Além do ponto”, de aristocracia e do amor burguês. Este fragmento da
Caio Fernando Abreu, é correto armar que: peça demonstra essa ideia: “Heloísa será sempre
01 narrado em primeira pessoa, o texto que dá título de Abelardo. É clássico” (ANDRADE, Oswald de. O
à coletânea de Caio Fernando Abreu explora o rei da vela. São Paulo: Globo, 2003. p. 108).
ponto de vista de uma personagem marginal, isto 08 A peça O rei da vela foi encenada no Teatro
é, de um sujeito à margem do meio social, descrito Municipal de São Paulo em fevereiro de 1932,
como sem dinheiro e um tanto desleixado contribuindo para o sucesso da Semana de Arte
02 o narrador, por medo de rejeição, mostra se preo Moderna, da qual Oswald de Andrade relutou em
cupado com a apresentação de si mesmo para o participar. O texto conta a história de um triângulo
outro, algo que reflete a visão de uma sociedade amoroso composto pelas personagens Abelardo
capitalista que valoriza a aparência em detrimento I, Abelardo II e Heloísa. A peça foi montada em
da essência. um palco com três planos: o plano da realidade, o
04 apesar de o narrador ser um homem que está indo plano da alucinação e o plano da memória.
ao encontro de outro homem, este conto de Caio 16 A peça O rei da vela constitui uma representação
Fernando Abreu não versa sobre o amor ou qual da sociedade brasileira dos anos de 1930 e, se-
quer outra relação de afeto homoerótico. gundo a crítica, funda uma nova dramaturgia no
08 a linguagem empregada pelo escritor, nessa his Brasil, revolucionando técnicas teatrais Embora
tória, denota uma aproximação com a poesia, fato tenha sido montada só em 1967, a peça ainda foi
observável pelo uso da pontuação como recurso considerada, pela crítica, uma obra vanguardista
estilístico, pela repetição rítmica de termos e pela Soma: 
produção de rimas internas.
16 o personagem-narrador, em um momento de refle-
xão sobre os pensamentos que lhe ocorriam, “por 40 PUC-Rio 2016
dentro da chuva”, descobre que tem vergonha da
Texto 1
própria identidade.
Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou
32 o título do conto alude, de modo metafórico, ao fim
o gado, arrependeu se, enfim deixou a transação meio
da jornada de vida do protagonista, pois ir além do
apalavrada e foi consultar a mulher. Sinha Vitória mandou
ponto, neste caso, significou sua morte.
os meninos para o barreiro, sentou se na cozinha, concen
Soma:  trou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies,
realizou somas e diminuições No dia seguinte Fabiano
voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as
39 UEM 2016 Assinale o que for correto sobre a peça O rei operações de sinha Vitória, como de costume, diferiam
da vela e sobre a obra de seu autor, Oswald de Andrade. das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual:
01 O rei da vela é uma severa crítica à realidade brasi a diferença era proveniente de juros.
leira da década de 1930 No escritório de usura de Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto,
sim senhor, via-se perfeitamente que ele era bruto, mas a
Abelardo & Abelardo, a personagem protagonista
mulher tinha miolo Com certeza havia um erro no papel
Abelardo I, industrial no ramo de velas, orgulhoso
do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os
e desumano, deixa que seu mau caráter aflore à
estribos Passar a vida inteira assim no toco, entregando o
medida que percebe a possibilidade de inadim
que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Traba-
plência de seu cliente O protagonista ordena que
lhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!
Abelardo II fuzile o cliente, alegando que pessoas O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom
pobres devem ter muitos filhos para trabalharem, que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda
contribuindo para a renda familiar. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem,
FRENTE 2

02 Algumas características da primeira fase do Mo bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito pala-
dernismo brasileiro também estão presentes em vra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado.
O rei da vela. Com uma linguagem cênica seca e Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra.
incisiva, Oswald de Andrade continua o processo Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor,
iniciado em 1922 e inova a dramaturgia brasilei- mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da
ra. Faz uso de técnicas vanguardistas e denuncia mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher
principalmente: os problemas enfrentados pelos Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler

171
(um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha Mas pedia Higienópolis ações, automóveis Duas filhas viciadas,
desculpa e jurava não cair noutra. dois filhos tarados... Ficou morando na nossa casinha da
O amo abrandou, e Fabiano saiu de costas, o chapéu Penha e indo à missa pedir a Deus a solução que os go-
varrendo o tijolo Na porta, virando-se, enganchou as ro vernos não deram...
setas das esporas, afastou-se tropeçando, os sapatões de Abelardo I Que não deram aos que não podem viver
couro cru batendo no chão como cascos. sem empréstimos.
Foi até a esquina, parou, tomou fôlego. Não deviam Heloísa – Meus pais... meus tios... meus primos...
tratá-lo assim. Dirigiu-se ao quadro lentamente. Diante da Abelardo I Os velhos senhores da terra que tinham
bodega de seu Inácio virou o rosto e fez uma curva larga que dar lugar aos novos senhores da terra!
Depois que acontecera aquela miséria, temia passar ali. Heloísa – No entanto, todos dizem que acabou a épo-
Sentou-se numa calçada, tirou do bolso o dinheiro, exa- ca dos senhores e dos latifúndios...
minou-o, procurando adivinhar quanto lhe tinham furtado Abelardo I Você sabe que o meu caso prova o con-
Não podia dizer em voz alta que aquilo era um furto, mas trário. Ainda não tenho o número de fazendas que seu pai
era. Tomavam-lhe o gado quase de graça e ainda inventa- tinha, mas já possuo uma área cultivada maior que a que
vam juro. Que juro! O que havia era safadeza. ele teve no apogeu.
— Ladroeira. Heloísa Há dez anos A saca de café a duzentos
Nem lhe permitiam queixas Porque reclamara, achara mil-réis!
a coisa uma exorbitância, o branco se levantara furioso, Abelardo I – Estamos de fato num ponto crítico em
com quatro pedras na mão. Para que tanto espalhafato? que podem predominar, aparentemente e em número, as
Hum! hum! pequenas lavouras. Mas nunca como potência financeira.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1986. p. 92 4. Dentro do capitalismo, a pequena propriedade seguirá
o destino da ação isolada nas sociedades anônimas. O
Texto 2 possuidor de uma é um mito econômico. Senhora minha
Heloísa – Dizem tanta coisa de você, Abelardo... noiva, a concentração do capital é um fenômeno que eu
Abelardo I – Já sei... Os degraus do crime... que desci apalpo com as minhas mãos. Sob a lei da concorrência,
corajosamente. Sob o silêncio comprado dos jornais e os fortes comerão sempre os fracos. Desse modo é que
a cegueira da justiça de minha classe! Os espectros do desde já os latifúndios paulistas se reconstituem sob novos
passado... Os homens que traí e assassinei. As mulheres proprietários.
que deixei. Os suicidados... O contrabando e a pilhagem... ANDRADE, Oswald de O rei da vela. São Paulo:
Todo o arsenal do teatro moralista dos nossos avós. Nada Abril, 1976. p. 46-9.
disso me impressiona nem impressiona mais o público...
A chave milagrosa da fortuna, uma chave Yale... Jogo com
a) Compare a visão que as personagens Fabiano e
ela! Abelardo I têm em relação ao seu lugar na socie-
Heloísa – O pânico... dade, e retire dos textos 1 e 2 uma passagem que
Abelardo I Por que não? O pânico do café Com comprove a sua resposta.
dinheiro inglês comprei café na porta das fazendas de- b) Indique o gênero literário predominante no texto
sesperadas. De posse de segredos governamentais, joguei 2, justificando com aspectos que o caracterizam.
duro e certo no café-papel! Amontoei ruínas de um lado e
ouro do outro! Mas, há o trabalho construtivo, a indústria... 41 Unicamp 2018
Calculei ante a regressão parcial que a crise provocou...
Descobri e incentivei a regressão, a volta à vela sob o ODORICO
signo do capital americano.
Heloísa – Ficaste o Rei da Vela! Eu sei É um movimento subversivo procurando me
Abelardo I – Com muita honra! O Rei da Vela mise- intrigar com a opinião pública e criar problemas à minha
rável dos agonizantes. O Rei da Vela de sebo. E da vela administração. Sei, sim. É uma conspiração. Eles não que-
feudal que nos fez adormecer em criança pensando nas riam o cemitério. Desde o princípio foram contra. E agora
histórias das negras velhas... Da vela pequeno-burguesa que o cemitério está pronto caem de pau em cima de mim,
dos oratórios e das escritas em casa... As empresas elétri- me chamam de demagogo, de tudo.
cas fecharam com a crise Ninguém mais pode pagar o [...]
preço da luz... A vela voltou ao mercado pela minha mão ODORICO
previdente. Veja como eu produzo de todos os tamanhos Pois eu quero que depois o senhor soletre esta gazeta
e cores. (Indica o mostruário). Para o Mês de Maria das de ponta a ponta. Neco Pedreira o senhor conhece?
cidades caipiras, para os armazéns do interior onde se ZECA
vende e se joga à noite, para a hora de estudo das crianças, Conheço não sinhô
para os contrabandistas no mar, mas a grande vela é a vela ODORICO
da agonia, aquela pequena velinha de sebo que espalhei É o dono do jornal. Elemento perigoso. Sua primeira
pelo Brasil inteiro Num país medieval como o nosso, missão como delegado é dar uma batida na redação dessa
quem se atreve a passar os umbrais da eternidade sem uma gazeta subversiva e sacudir a marreta em nome da lei e
vela na mão? Herdo um tostão de cada morto nacional! da democracia...
Heloísa (Sonhando) – Meu pai era o Coronel Belar- GOMES, Dias O bem amado. 12 ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2014. p. 40; 68.
mino que tinha sete fazendas, aquela casa suntuosa de

172 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


A peça de Dias Gomes é uma crítica a um momento DR NOÊMIO: Por que isso é malvadez Os animais
histórico e político da sociedade brasileira Odorico foram feitos para viver em liberdade.
Paraguassu tornou se uma personagem emblemática PARAÍBA: E como que é que o Doutor está me vendo
desse período porque por meio dela aqui preso e nem se importa?
A simbolizou-se a defesa da democracia a qualquer
DR. NOÊMIO: Você é um animal?
custo Essa defesa resultou em uma sociedade cin
LINS, Osman. Lisbela e o prisioneiro.
dida entre o respeito à lei e o seu uso particular,
São Paulo: Planeta, 2003. p. 25.
temas políticos comuns aos países latino-america
nos nos anos de 1970 DR NOÊMIO: Lisbela, vamos Você é minha noiva,
B representaram-se o atropelo da lei constitucional, a não deve opor-se às minhas convicções. As convicções
relativização da liberdade de imprensa e a constru do homem devem ser, optarum causa, as de sua esposa
ção de um inimigo interno que justificasse o arbítrio
ou noiva
das decisões do Executivo, próprios aos Anos de
Ibidem.
Chumbo.
C explicitaram-se as leis que regiam a vida política e a) Nos trechos citados, estão presentes duas
social de uma nação subdesenvolvida da América
atitudes características do Dr. Noêmio com im-
Latina na década de 1970, marcada pela inércia e
pela cumplicidade dos cidadãos com a corrupção plicações morais, que são desmascaradas pelo
sistêmica do país. efeito cômico do texto Quais são essas duas ati-
D fez-se a defesa da democracia e do respeito irres tudes características com implicações morais?
trito à lei constitucional para um projeto de nação b) No segundo excerto, a expressão “minhas convic-
brasileira da década 1970, que enfrentava o espírito ções” é dita de forma solene e expressa um valor
demagógico dos políticos latino-americanos.
social. Que valor é esse e que tipo de sociedade
está sendo caracterizado por tal enunciado?
42 Unicamp 2020 No livro A cabra vadia: novas con-
fissões, Nelson Rodrigues inicia a crônica “Os dois
namorados” com a seguinte afirmação: 44 UFU 2016 DODÓ: Mas dizer tudo como, meu bem? Não
tenho um tostão meu, meu pai é contra a ideia de eu me
“há coisas que um grã-fino só confessa num terreno
baldio, à luz de archotes, e na presença apenas de uma casar sem estudar, seu pai só deixa você casar com um
cabra vadia ” homem rico... O que é que eu posso fazer contra este
inferno?
Na crônica “Terreno baldio” ele recorre ao mesmo ani-
mal para explicar a ideia que teve de criar “entrevistas MARGARIDA: Talvez se seu pai soubesse que a noiva
imaginárias”: sou eu, permitisse o casamento e lhe desse terra para você
trabalhar Ele gostou tanto de mim quando estive lá!
“Não podia ser um gabinete, nem uma sala. Lem-
brei-me, então, do terreno baldio. Eu e o entrevistado e, DODÓ: E eu mais ainda, tanto assim que abandonei
no máximo, uma cabra vadia Além do valor plástico da meu estudo e vim me meter nesse armazém por sua causa.
figura, a cabra não trai. Realmente, nunca se viu uma cabra MARGARIDA: Mas com a chegada de seu pai, tudo
sair por aí fazendo inconfidências.” se complica! Ele vai descobrir!
(Nelson Rodrigues, A cabra vadia: novas confissões Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2016, p. 52 e 160.) DODÓ: Talvez você tenha razão, é melhor confessar.
Quando ele chegar, descobrimos tudo e ficamos de joelhos
O caráter confessional associado à gura da cabra
diante dos dois, pedindo consentimento para nos casar.
nas crônicas tem relação com
A a veracidade dos depoimentos que o cronista tes CAROBA: O senhor quer um conselho?
temunha nas entrevistas. SUASSUNA, Ariano. O Santo e a Porca. Rio de Janeiro:
B a impostura dos contemporâneos que são objeto José Olympio, 2005. p. 44.

dos comentários do cronista.


Com base no texto, faça o que se pede.
C a antipatia do jornalista no que diz respeito à busca
a) Exponha, em um parágrafo, as artimanhas em-
de identidade dos artistas entrevistados.
D a sinceridade dos intelectuais que são objeto das preendidas por Dodó para se aproximar de
crônicas dos jornalistas. Margarida e se instalar no armazém.
FRENTE 2

b) A personagem Caroba é de suma importância


43 Unicamp 2017 Leia com atenção os excertos a seguir para o desenrolar das ações na peça Justifique,
de Lisbela e o prisioneiro. com exemplos da peça O Santo e a Porca, essa
LISBELA: Compre um curió para mim afirmação.
DR. NOÊMIO: Não, Lisbela, eu não gosto de ver ani-
mais presos. Para responder à questão 45, leia o excerto do texto dra-
CITONHO: Por quê, Doutor? mático O auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.

173
MANUEL Sim, é Manuel, o Leão de Judá, o Filho de gorda”, e tais comparações gastronômicas davam jus
Davi. Levantem-se todos pois vão ser julgados. ta ideia de certo encanto sensual e caseiro de dona
JOÃO GRILO – Apesar de ser um sertanejo pobre e Flor a esconder-se sob uma natureza tranquila e dócil
amarelo, sinto que estou diante de uma grande figura. Não Vadinho conhecia lhe as fraquezas e as expunha ao
quero faltar com o respeito a uma pessoa tão importante, sol, aquela ânsia controlada de tímida, aquele recatado
mas, se não me engano, aquele sujeito acaba de chamar desejo fazendo-se violência e mesmo incontinência ao
o senhor de Manuel. libertar-se na cama
MANUEL Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus AMADO, Jorge. Dona Flor e seus dois maridos.
nomes, mas você pode me chamar também de Jesus, de São Paulo: Martins, 1966.
Senhor, de Deus Ele gosta de me chamar de Manuel
ou Emanuel, porque assim quer se persuadir de que sou Texto II
somente homem Mas você, se quiser, pode me chamar As suas mãos trabalham na braguilha das calças do
de Jesus. falecido Dulcineusa me confessou mais tarde: era assim
JOÃO GRILO – Jesus? que o marido gostava de começar as intimidades Um
MANUEL – Sim. fazer de conta que era outra coisa, a exemplo do gato que
JOÃO GRILO – Mas espere, o senhor é que é Jesus? distrai o olhar enquanto segura a presa nas patas Esse o
MANUEL Sou acordo silencioso que tinham: ele chegava em casa e se
JOÃO GRILO – Aquele a quem chamavam Cristo? queixava que tinha um botão a cair Calada, Dulcineusa
JESUS A quem chamavam, não, que era Cristo Sou, se armava dos apetrechos da costura e se posicionava a
por quê? jeito dos prazeres e dos afazeres.
JOÃO GRILO – Porque... não é lhe faltando com o COUTO, Mia. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra.
respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito me- São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
nos queimado. [...] A cor pode não ser das melhores, mas
o senhor fala bem que faz gosto. [...] Tema recorrente na obra de Jorge Amado, a gura
MANUEL – Muito obrigado, João, mas agora é sua feminina aparece, no fragmento, retratada de forma se-
vez Você é cheio de preconceito de raça Vim hoje assim melhante à que se vê no texto do moçambicano Mia
de propósito, porque sabia que ia despertar comentários. Couto. Nesses dois textos, com relação ao universo
Que vergonha! Eu, Jesus, nasci branco e quis nascer ju feminino em seu contexto doméstico, observa-se que
deu, como podia ter nascido preto. Para mim tanto faz um A o desejo sexual é entendido como uma fraqueza
branco ou um preto. Você pensa que sou americano para moral, incompatível com a mulher casada.
ter preconceito de raça? B a mulher tem um comportamento marcado por con-
venções de papéis sexuais.
45 PUC-RS 2015 Com base no diálogo e na obra literária C à mulher cabe o poder da sedução, expresso pelos
de Ariano Suassuna, analise as armativas. gestos, olhares e silêncios que ensaia.
I. João Grilo mostra-se desrespeitoso diante de um D a mulher incorpora o sentimento de culpa e age
Jesus negro, que não corresponde às suas ex- com apatia, como no mito bíblico da serpente.
pectativas. E a dissimulação e a malícia fazem parte do repertó-
II Na sua fala, Manuel demonstra que o valor das rio feminino nos espaços público e íntimo.
pessoas independe da cor da pele
III O companheiro inseparável de João Grilo, Chi Leia o trecho extraído do romance Terra Sonâmbula,
có, é um contador de estórias que se caracteriza de Mia Couto, e responda à questão 47.
como uma espécie de mentiroso ingênuo.
De imediato, centenas de pessoas se lançaram em
IV. A obra dramática de Ariano Suassuna mostra-se
todo tipo de embarcações, das pequenas às mais míni
alinhada a uma tradição literária ibérica que apre-
mas, para assaltarem o navio malfragado, a fim de se
senta obras fundacionais, como o Auto da barca
servirem das ditas xicalamidades. [...] Desde então, a
do Inferno, de Gil Vicente.
situação só piorou pois, consoante o secretário do ad-
Estão corretas as armativas ministrador, a população não se comporta civilmente na
A I e II, apenas presença da fome. Muita gente insistia agora em voltar
B III e IV, apenas. ao tal navio pois lá sobrava comida que daria para sal-
C I, II e III, apenas. var filhos, mães e uma africanidade de parentes. [...]
D II, III e IV, apenas. Assame foi preso, sujado por mil bocas. Na prisão lhe
E I, II, III e IV. bateram, chambocado nas costas até que as pernas se
exilaram daquele sofrimento que lhe era infligido. Perdeu
46 Enem PPL 2015 o sentimento da cintura para baixo. Assane passou as
palmas das mãos pelas desempregadas coxas. Tinha sido
Texto I apenas há dias que lhe abriram a porta da prisão. Ainda
Quem sabe, devido às atividades culinárias da es- nem sabia bem se arrastar de mão pelo chão. Por isso as
posa, nesses idílios Vadinho dizia lhe “Meu manuê de sacudia, limpando essas mãos que ele sempre aplicara
milho verde, meu acarajé cheiroso, minha franguinha nos documentos.

174 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


47 PUC-RS 2014 Com base no trecho e em seu contexto, O exemplo em que ocorre claramente exploração da
leia as seguintes afirmativas. sonoridade das palavras é:
A Nesse entretempo, ele nos chamava para escutar
I As obras de Mia Couto exploram, de modo geral,
mos seus imprevistos improvisos. (ref. 5)
o mundo simbólico moçambicano, a guerra e as
b Não lhe deitávamos dentro da casa: ele sempre re-
tensas relações entre o africano e o europeu
cusara cama feita. (ref. 6)
II. O trabalho com a linguagem literária torna-se evi
c Ele nem sentia o corrupio do formigueiro em sua
dente a partir da criação de novos vocábulos e da
pele. (ref. 7)
utilização de outros com diferentes sentidos.
d Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos. (ref. 8)
III. Para narrar a violência sofrida pela personagem,
o autor vale-se de eufemismos como “sujado por
mil bocas”, “as pernas se exilaram daquele sofri- 49 Uerj 2014 Ao dizer que o pai sofria de sonhos (ref. 2),
mento”, “perdeu o sentimento da cintura”. e não que ele sonhava, o autor altera o significado
corrente do ato de sonhar
A(s) armativa(s) correta(s) é/são Este novo signicado sugere que o sonho tem o po-
A I, apenas. d II e III, apenas der de:
b II, apenas. E I, II e III. A distrair c informar
c I e III, apenas. b acalmar. d perturbar.
Texto para as questões de 48 a 51.
50 Uerj 2014 Este texto é uma narrativa ficcional que se
O tempo em que o mundo tinha a nossa idade refere à própria ficção, o que caracteriza uma espécie
5 Nesse
de metalinguagem.
entretempo, ele nos chamava para escu- A metalinguagem está mais bem explicitada no se-
tarmos seus imprevistos improvisos. 1As estórias dele
guinte trecho:
faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que
A As estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer
o mundo Nenhuma narração tinha fim, o sono lhe
até ficar maior que o mundo. (ref 1)
apagava a boca antes do desfecho. 9Éramos nós que
b Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos
recolhíamos seu corpo dorminhoso 6Não lhe deitáva
mos dentro da casa: ele sempre recusara cama feita. transabertos. (ref 2)
10Seu conceito era que a morte nos apanha deitados c E nos juntávamos, todos completos, para escutar
sobre a moleza de uma esteira. Leito dele era o puro as verdades que lhe tinham sido reveladas. (ref. 3)
chão, lugar onde a chuva também gosta de deitar Nós d Nesses anos ainda tudo tinha sentido. (ref. 4)
simplesmente lhe encostávamos na parede da casa. Ali
ficava até de manhã Lhe encontrávamos coberto de 51 Uerj 2014 Um elemento importante na organização do
formigas. Parece que os insectos gostavam do suor do- texto é o uso de algumas personificações.
cicado do velho Taímo. 7Ele nem sentia o corrupio do Uma dessas personicações encontra-se em:
formigueiro em sua pele. A Éramos nós que recolhíamos seu corpo dorminho-
— Chiças: transpiro mais que palmeira! so. (ref. 9)
Proferia tontices enquanto ia acordando. 8Nós lhe b Seu conceito era que a morte nos apanha deitados
sacudíamos os infatigáveis bichos. Taímo nos sacudia a sobre a moleza de uma esteira (ref 10)
nós, incomodado por lhe dedicarmos cuidados. c Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos (ref 8)
2Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos
d Os mais velhos faziam a ponte entre esses dois
transabertos. Como dormia fora, nem dávamos conta Mi
mundos. (ref. 11)
nha mãe, manhã seguinte, é que nos convocava:
Venham: papá teve um sonho! Textos para a questão 52
3E nos juntávamos, todos completos, para escutar as
Texto I
verdades que lhe tinham sido reveladas Taímo recebia
notícia do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas — Traíste-me, Sem Medo. Tu traíste-me.
previsões que nem havia tempo de provar nenhuma Eu (...)
me perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho, Sabes o que tu és afinal, Sem Medo? És um ciumento.
estorinhador como ele era. Chego a pensar se não és homossexual. Tu querias-me
— Nem duvidem, avisava mamã, suspeitando-nos. só, como tu Um solitário do Mayombe ( ) Desprezo-te
E assim seguia nossa criancice, tempos afora. 4Nesses (...) Nunca me verás atrás de uma garrafa vazia. (...) Cada
anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava sucesso que eu tiver será a paga da tua bofetada, pois não
FRENTE 2

num outro mundo inexplicável. 11Os mais velhos faziam serei um falhado camo tu.
a ponte entre esses dois mundos. [...] Pepetela, Mayombe Adaptado.
COUTO, Mia Terra sonâmbula São Paulo: Cia das Letras, 2007
Texto II
48 Uerj 2014 A escrita literária de Mia Couto explora — Peço-te perdão, Sem Medo. Não te compreendi,
diversas camadas da linguagem: vocabulário, constru- fui um imbecil E quis igualar o inigualável
ções sintáticas, sonoridade. Pepetela, Mayombe.

175
52 Fuvest 2021 Esses excertos de Mayombe referem-se ) As “makas” e os “rancores” dos angolanos repercu-
a conversas entre as personagens Comissário e Sem tem no modo como o romance é narrado? Explique
Medo em momentos distintos do romance. Em I e II, as
falas do Comissário revelam, respectivamente, 54 Fuvest 2017 Leia o excerto de Mayombe, de Pepetela,
A incompatibilidade étnica entre ele e Sem Medo, por no qual as personagens “dirigente” e Comandante
pertencerem a linhagens diferentes, e superação Sem Medo discutem o comportamento do combatente
de sua hostilidade tribal. chamado Mundo Novo. As indicações [d] e [C] identi-
cam, respectivamente, as falas iniciais do “dirigente” e
b decepção, por Sem Medo não ter intercedido a seu
do Comandante Sem Medo, que se alternam, no diálogo
favor na conversa com Ondina, e desespero diante
do companheiro baleado. [d] (...) A propósito do Mundo Novo: a que chamas
c suspeita de traição de Ondina e tomada de cons tu ser dogmático?
ciência de que isso não passara de uma crise de [C] Ser dogmático? Sabes tão bem como eu.
ciúme dele. Depende, as palavras são relativas. Sem Medo sorriu.
d forte tensão homoafetiva entre ele e Sem Medo, e Tens razão, as palavras são relativas. Ele é demasiado
aceitação da verdadeira orientação sexual do com- rígido na sua conceção da disciplina, não vê as condições
panheiro. existentes, quer aplicar o esquema tal qual o aprendeu.
E ira, diante do anticatolicismo de Sem Medo, e culpa A isso eu chamo dogmático, penso que é a verdadeira
aceção da palavra. A sua verdade é absoluta e toda feita,
que o atinge ao perceber que sua demonstração
recusa-se a pô-la em dúvida, mesmo que fosse para a
de coragem colocara o companheiro em risco.
discutir e a reforçar em seguida, com os dados da prática.
Como os católicos que recusam pôr em dúvida a existência
53 Fuvest 2018 Leia o texto e responda ao que se pede. de Deus, porque isso poderia perturbá-los.
É por isso que faço confiança nos angolanos São E tu, Sem Medo? As tuas ideias não são absolutas?
uns confusionistas, mas todos esquecem as makas e os Todo o homem tende para isso, sobretudo se teve uma
rancores para salvar um companheiro em perigo. É esse educação religiosa. Muitas vezes tenho de fazer um esfor-
o mérito do Movimento, ter conseguido o milagre de co ço para evitar de engolir como verdade universal qualquer
meçar a transformar os homens. Mais uma geração e o constatação particular.
angolano será um homem novo. O que é preciso é ação. a) Que relação se estabelece, no excerto, entre a
PEPETELA. Mayombe. forma dialogal e as ideias expressas pelo Coman-
dante Sem Medo?
Makas: questões, conflitos. ) No plano da narração de Mayombe, isto é, no seu
modo de organizar e distribuir o discurso narra-
a) A fala de Comandante Sem Medo alude a uma tivo, emprega-se algum recurso para evitar que
questão central do romance Mayombe: um ob- o próprio romance, considerado no seu conjunto,
jetivo político a ser conquistado por meio do recaia no dogmatismo criticado no excerto? Expli-
Movimento. Qual é esse objetivo? que resumidamente.

Texto complementar
Marco do teatro brasileiro, a peça do poeta modernista Oswald de An- O intervalo entre o lançamento da obra de Oswald e a
drade segue atual nos palcos devido ao vigor, perspicácia e irreverência estreia da peça é parte do segredo da montagem que foi o
das sucessivas montagens do Teatro Oficina. Leia a seguir a resenha berço da Tropicália. Em 1937, quando o texto foi publicado,
sobre a reestreia da peça O Rei da Vela, em 2017 o Modernismo já tinha desembarcado na literatura, nas artes
plásticas e na música brasileira. Mas no teatro, o movimento
Após 50 anos, Oficina volta com o ‘Rei da Vela’,
que só chegou nos anos 1940, ainda correspondia à estética
marco do teatro brasileiro
europeia de 1890. Até então, os atores em São Paulo só
Zé Celso e Renato Borghi recordam da obra de Oswald tinham duas linhas para seguir: o teatro burguês do Teatro
de Andrade que transformou o palco no berço da Tropicália Brasileiro de Comédia ou o realismo do Teatro de Arena
NUNES, Leandro. “Após 50 anos, Oficina volta com o ‘Rei da Vela’, marco No entanto, quando o ator Renato Borghi trouxe o texto
do teatro brasileiro”. O Estado de S. Paulo, 20 out. 2017.
oswaldiano a um dos ensaios do Oficina, ao lado de nomes
Para quem não viveu o fim dos anos 1960, imaginar como Etty Fraser, Dina Sfat e Othon Bastos, fez-se um novo
o teatro brasileiro como o catalisador de um movimento caminho. “Ele chegou e leu um trecho. No final, aquilo foi
artístico e estético que foi capaz de inspirar artistas como a confirmação de que seria nosso próximo trabalho e de que
Caetano Veloso, Hélio Oiticica e Glauber Rocha e ainda ele viveria o Abelardo I, com toda a ironia e intensidade”,
enfrentar a censura, é um pensamento inédito. Neste 2017, recorda Zé Celso.
a montagem do espetáculo O Rei da Vela, de Oswald de Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-
Andrade, completa 50 anos com a força e rebeldia do Teatro danca,apos 50 anos-oficina-volta-com o-rei-da vela-marco do teatro-
Oficina, neste sábado, 21, no Sesc Pinheiros. brasileiro,70002053057>. Acesso em: 27 abr. 2018.

176 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Resumindo
Neste capítulo, você viu... y Individualidade do autor
A arte engajada dos anos 1960 y Novas estruturas narrativas.
y O processo de modernização e desenvolvimento da nação brasileira Autores em destaque
a partir dos anos 1950.
y A ficção introspectiva de Lygia Fagundes Telles.
y A renovação e atualização do legado dos modernistas.
y A bagagem lírica modernista de Adélia Prado.
y O surgimento e a atuação do Centro Popular de Cultura (CPC)
y A poesia do chão e as palavras em transe de Manoel de Barros.
Ferreira Gullar e a poesia participante y As cidades e suas complexidades na crônica de Rubem Braga e nos
contos de Rubem Fonseca
y Adesão e rompimento com a poesia concreta.
y Começo e amadurecimento de uma poesia de caráter social y O fantástico e sua tangência ao real nos contos de Murilo Rubião e
J. J. Veiga
y Poema sujo: uma obra-prima.
O teatro do século XX
Tropicalismo
y Movimento de ruptura e inovação.
y Atualidade de O Rei da Vela, peça de Oswald de Andrade.
y Reflexão das aspirações de jovens. y O psicológico, o mítico e o trágico no teatro de Nelson Rodrigues.
y Caráter de resistência y O retrato da falida aristocracia rural no teatro de Jorge de Andrade
y O teatro de marcada intervenção social dos dramaturgos Gianfrancesco
A poesia marginal e a “geração mimeógrafo” Guarnieri e Augusto Boal
y Forte irreverência. y Os marginalizados do teatro de Plínio Marcos
y Exploração de detalhes modernistas y O medievalismo no teatro de Ariano Suassuna
y Descompressão do rigor concretista.
y Preocupação com a expressão e o alcance da poesia.
A Literatura africana de língua portuguesa
y O saldo literário do processo de colonização portuguesa na África.
Os diversos caminhos da invenção literária no século XX
y A prosa poética de Mia Couto
Prosa e poesia contemporânea
y O elemento africano na cultura brasileira
y Diversidades de estilos y A representação do negro na literatura brasileira

Quer saber mais?

Livro
y BARROS, Manoel de. O fazedor de amanhecer. Ziraldo (Ilust.). São Paulo: Salamandra, 2001.
O poeta conta como descobriu o amor e revela seus inventos (a manivela para pegar no sono, por exemplo), apresentando uma poesia atrelada
à inventividade do traços e desenhos de Ziraldo.

Vídeos
y Entrevista com a historiadora Marina de Mello e Souza (USP) sobre o ensino de História da África nas escolas brasileiras.
Disponível em: <https://youtu.be/q_Y_mCFvA-4>. Acesso em: 30 mar. 2021.
y Roda Viva com entrevista de Ferreira Gullar. Disponível em: <https://youtu.be/JOZIS-_Pwxo>. Acesso em: 9 abr. 2021.
y Café Filosófico CPFL especial Fronteiras do Pensamento, com Mia Couto.
Disponível em: <https://youtu.be/3BbruWdNhf8>. Acesso em: 30 mar. 2021.

Filme
FRENTE 2

y Só dez por cento é mentira. Direção: Pedro Cézar, 2009. O documentário transpõe para as telas os versos inventivos e a “biografia inventada”,
de Manoel de Barros.

177
Exercícios complementares
1 Enem Ferreira Gullar, um dos grandes poetas brasilei um tumulto de vozes sem permitir, porém,
ros da atualidade, é autor de “Bicho urbano”, poema de gozos, de espasmos, que perca a transparência
sobre a sua relação com as pequenas e grandes ci já que a coisa é fechada
vertiginoso e pleno
dades. à humana consciência.
como são os orgasmos
Bicho urbano O que o poeta faz
Se disser que prefiro morar em Pirapemas mais do que mencioná-la
No entanto, o poeta
ou em outra qualquer pequena cidade do país é torná la aparência
desafia o impossível pura – e iluminá-la.
estou mentindo
ainda que lá se possa de manhã e tenta no poema
lavar o rosto no orvalho dizer o indizível: Toda coisa tem peso:
e o pão preserve aquele branco uma noite em seu centro.
sabor de alvorada. O poema é uma coisa
subverte a sintaxe que não tem nada dentro,
A natureza me assusta. implode a fala, ousa
Com seus matos sombrios suas águas a não ser o ressoar
incutir na linguagem
suas aves que são como aparições de uma imprecisa voz
densidade de coisa que não quer se apagar
me assusta quase tanto quanto
esse abismo – essa voz somos nós.
de gases e de estrelas A Esse poema se debruça sobre um tema muito re-
aberto sob minha cabeça. corrente na poética de autor, que é a reflexão com
GULLAR, Ferreira Toda poesia Rio de Janeiro:
José Olympio, 1991.
o fazer poético.
B Esse é um dos poemas neoconcretos de Ferreira
Embora não opte por viver numa pequena cidade, Gullar, sobretudo por questionar a condição de ob-
o poeta reconhece elementos de valor no cotidiano jeto do poema.
das pequenas comunidades Para expressar a relação C Este poema, assim como os demais presentes
do homem com alguns desses elementos, ele recor nesse livro, assinala uma inflexão na poesia de
re à sinestesia, construção de linguagem em que se Gullar: um retorno às formas fixas e rejeição das
mesclam impressões sensoriais diversas. Assinale a experimentações poéticas, sobretudo de sua fase
opção em que se observa esse recurso. concreta-neoconcreta.
A “e o pão preserve aquele branco/sabor de alvorada.” D Este poema é um típico exemplo da estética da
B “ainda que lá se possa de manhã/lavar o rosto no Geração de 45, com seu apuro formal e certo viés
orvalho” neoparnasiano.
C “A natureza me assusta./Com seus matos sombrios E Nesse poema, Ferreira Gullar dialoga com as for-
suas águas” mas tradicionais da literatura de cordel para fazer
D “suas aves que são como aparições/me assusta uma reflexão metalinguística.
quase tanto quanto”
E “me assusta quase tanto quanto/esse abismo/de 3 PUC-PR 2016 Considere o seguinte fragmento do poema
gases e de estrelas” que dá nome ao livro Muitas vozes, de Ferreira Gullar:
Meu poema que nele fala
2 FPP – Medicina 2016 Leia o poema “Não-coisa”, do livro
é um tumulto: outras vozes
Muitas vozes, de Ferreira Gullar, e assinale a alternati-
a fala arrasta em alarido.
va correta a seguir.
O que o poeta quer dizer A linguagem dispõe Com base nesse excerto, pode-se armar que:
no discurso não cabe de conceitos, de nomes A com esses versos, Ferreira Gullar afirma a dimen-
e se o diz é pra saber mas o gosto da fruta são modernista de sua poética, pois seu poema,
o que ainda não sabe. só o sabes se a comes sendo um “tumulto”, afasta-se do formato organiza-
do dos poemas anteriores ao Modernismo.
Uma fruta uma flor só o sabes no corpo B o poeta é o porta-voz autorizado de uma pluralidade
um odor que relume... o sabor que assimilas de vozes
Como dizer o sabor, e que na boca é festa C sua poesia tem a capacidade de interpretar um
seu clarão seu perfume? de saliva e papilas sem-número de outras vozes
invadindo-te inteiro D esses versos estão reforçando que a poesia de
Como enfim traduzir tal do mar o marulho Ferreira Gullar é feita, sobretudo, para ser dita em
na lógica do ouvido e que a fala submerge voz alta.
o que na coisa é coisa e reduz a um barulho, E o poeta alude ao fato de que sua produção poética
e que não tem sentido? traz em seu bojo uma série de outros discursos.
178 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea
4 ITA 2018 O poema a seguir retoma, por seu turno, ima- 6 UEL 2017 A respeito das correlações entre a poesia de
gens presentes nos dois anteriores. Leminski e os poemas de outras tendências poéticas,
períodos e estilos de época, considere as afirmativas
Passeio no bosque
a seguir.
canivete na mão não deixa I. Como o Concretismo, Leminski perseguiu a re-
marcas no tronco da goiabeira presentação e a exaltação da vida material em
cicatrizes não se transferem detrimento da exposição da subjetividade.
CACASO. Beijo na boca Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000 II. Como o Simbolismo, Leminski adotou desenhos
e experiências gráficas para representar a satura-
Algumas pessoas, ao gravarem nomes, datas etc., nos
ção de significados e significantes na linguagem
troncos das árvores, buscam externar afetos ou senti
poética verbal.
mentos Esse texto, contudo, registra uma experiência
III. Com a primeira fase modernista, Leminski aderiu ao
particular de alguém que, fazendo isso,
poema-piada e aos jogos de palavras, em contraste
A se liberta das dores amorosas, pois as exterioriza
com o rigor de outras manifestações poéticas.
de alguma forma.
IV. Com a poesia marginal, Leminski compartilhou a
B percebe que provocará danos irreversíveis à inte-
espontaneidade e a irreverência como aproxima-
gridade da árvore.
ções entre a expressão poética e a vida cotidiana.
C busca refúgio na solidão do espaço natural
D se dá conta de que é impossível livrar se dos senti Assinale a alternativa correta.
mentos que o afligem A Somente as afirmativas I e II são corretas.
E encontra dificuldade em gravar o tronco com um B Somente as afirmativas I e IV são corretas.
simples canivete. C Somente as afirmativas III e IV são corretas.
D Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
5 Insper 2012 E Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

Dois e dois: quatro 7 Mackenzie 2017


Como dois e dois são quatro Acreditei que se amasse de novo
sei que a vida vale a pena esqueceria outros
embora o pão seja caro pelo menos três ou quatro rostos que amei
e a liberdade pequena. Num delírio de arquivística
Como teus olhos são claros organizei a memória em alfabetos
e a tua pele, morena como quem conta carneiros e amansa
como é azul o oceano no entanto flanco aberto não esqueço
e a lagoa, serena e amo em ti os outros rostos
como um tempo de alegria Qual tarde de maio.
por trás do terror me acena Como um trunfo escondido na manga
e a noite carrega o dia carrego comigo tua última carta
no seu colo de açucena cortada
– sei que dois e dois são quatro uma cartada
sei que a vida vale a pena Não, amor, isto não é literatura
mesmo que o pão seja caro CESAR, Ana Cristina. “Contagem regressiva”.
e a liberdade, pequena.
GULLAR, Ferreira.
Assinale a alternativa correta sobre o fragmento do
poema “Contagem regressiva”
Assinale a alternativa em que se analisa corretamente A “Contagem regressiva” é um típico poema da Ge-
o sentido dos versos de Ferreira Gullar. ração de 45, etapa do Modernismo da qual Ana
A A partir de uma visão niilista, o poeta encara as Cristina Cesar, assim como Cecília Meireles e João
dificuldades existenciais que enfrenta como inso Cabral de Melo Neto, fez parte.
lúveis B O vocabulário precioso, o hermetismo e a inven-
B A visão determinista do poeta define o seu destino tividade sintática revelam ecos neoparnasianos e
em relação à amada, tal como uma operação ma pós simbolistas no poema “Contagem regressiva”.
temática. C A temática amorosa de “Contagem regressiva” eviden-
C Trata-se de um poema com discurso panfletário cia o quanto a poesia de Ana Cristina Cesar apoia uma
FRENTE 2

contra os problemas sociais e a falta de liberdade visão conservadora da política e das relações humanas.
no país. D O verso como quem conta carneiros e amansa
D No poema, o eu lírico tem consciência dos proble (verso 06) revela a influência da vanguarda surrea-
mas, mas se norteia pela certeza da validade da lista na poesia de Ana Cristina Cesar.
vida. E “Contagem regressiva” apresenta importantes carac-
E O poeta tem convicção da validade da vida, mas he terísticas da Poesia Marginal, ou Geração Mimeógrafo,
sita diante da projeção de um ideal a ser alcançado. tais como a coloquialidade e a temática cotidiana.

179
O texto a seguir faz parte do conto “Verde Lagarto informações, considere o fragmento a seguir, retirado
Amarelo”, de Lygia Fagundes Telles O episódio a se- do conto “A estrutura da bolha de sabão” (1978), de
guir reproduz o diálogo entre dois irmãos, Rodolfo e Lygia Fagundes Telles, narrativa cujo ponto de partida
Eduardo. Leia-o, com atenção, a m de responder à é um triângulo amoroso:
questão 8
Convidaram-me e sentei, os joelhos de ambos en-
Ele entrou no seu passo macio, sem ruído, não chega- costados nos meus, a mesa pequena enfeixando copos
va a ser felino: apenas um andar discreto. Polido. e hálitos. Me refugiei nos cubos de gelo amontoados no
Rodolfo! Onde está você?... Dormindo? — pergun- fundo do copo, ele podia estudar a estrutura do gelo, não
tou quando me viu levantar da poltrona e vestir a camisa. era mais fácil? Mas ela queria fazer perguntas. Uma antiga
Baixou o tom de voz. – Está sozinho? amizade? Uma antiga amizade. Ah. Fomos colegas? Não,
Ele sabe muito bem que estou sozinho, ele sabe que
nos conhecemos numa praia, onde? Por aí, numa praia.
sempre estou sozinho.
Ah. Aos poucos o ciúme foi tomando forma e transbordan-
― Estava lendo.
do espesso como um licor azul-verde, do tom da pintura
― Dostoiévski?
dos seus olhos Escorreu pelas nossas roupas, empapou a
Fechei o livro e não pude deixar de sorrir. Nada lhe
escapava. toalha de mesa, pingou gota a gota
― Queria lembrar uma certa passagem... Só que está
quente demais, acho que este é o dia mais quente desde A partir do fragmento, pode-se dizer que, no conto, a es-
que começou o verão. tratégia utilizada para desanar o coro dos contentes é
Ele deixou a pasta na cadeira e abriu o pacote de A a exposição crítica do abismo entre as classes so-
uvas roxas. ciais, já que a narradora questiona como o amigo,
― Estavam tão maduras, olha só que beleza – disse um físico que estudava a estrutura das bolhas, podia
tirando um cacho e balançando-o no ar como um pêndulo. amar uma mulher como a rival.
– Prova! Uma delícia. b o destaque dado à rivalidade entre as mulheres, já
( )
que, de acordo com o pensamento da época, elas
― Vou fazer um café – anunciei.
deveriam se unir para combater os abusos de uma
Só se for para você, tomei há pouco na esquina Era
mentira. O bar da esquina era imundo e para ele o café
sociedade machista e excludente.
fazia parte de um ritual nobre, limpo [ ] c a ênfase dada à irrelevância da pesquisa científica
TELLES, Lygia Fagundes Melhores contos de Lygia Fagundes no âmbito social, já que a personagem masculina
Telles/Seleção de Eduardo Portella. 12. ed. Coleção estuda a estrutura da bolha de sabão.
melhores contos São Paulo: Global, 2003
d o destaque dado no conto à emergência de uma
nova masculinidade, já que a personagem masculi-
8 Uema 2015 No fragmento a seguir, há ocorrência de um
na se mostra dócil e despreocupada.
recurso linguístico que aproxima sensações de planos
E a exploração dos conflitos e das fragilidades das
sensoriais diferentes, conhecido como sinestesia.
personagens, abordagem que, ao dar relevo à vul-
Ele entrou no seu passo macio, sem ruído, não chega- nerabilidade dos sujeitos, contraria o comodismo
va a ser felino: apenas um andar discreto Polido. característico de parte da sociedade da época.
— Rodolfo! Onde está você?... Dormindo? — pergun-
tou quando me viu levantar da poltrona e vestir a camisa
Baixou o tom de voz. – Está sozinho? 10 Enem 2a aplicação 2016
O trecho que apresenta recurso sinestésico, a exem- Casamento
plo do fragmento anterior, é
A “A vaia amarela dos papagaios / rompe o silêncio Há mulheres que dizem:
da despedida ” (Carlos Drummond de Andrade). Meu marido, se quiser pescar, pesque,
b “Duro é o pão que nós comemos Dura é a cama mas que limpe os peixes.
que dormimos ” (Carolina Maria de Jesus) Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
c “O cabelo louro, a pele bronzeada de sol, as mãos
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de estátua ” (Lygia Fagundes Telles)
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
d “ Eu durmi E tive um sonho maravilhoso. Sonhei
ele fala coisas como “este foi difícil”
que eu era um anjo.” (Carolina Maria de Jesus).
“prateou no ar dando rabanadas”
E “No meio do caminho tinha uma pedra...” (Carlos
e faz o gesto com a mão.
Drummond de Andrade). O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
9 UFSM 2014 De acordo com Ítalo Moriconi, diante do Por fim, os peixes na travessa,
consumismo e da internacionalização em que mer- vamos dormir.
gulha a classe média, a arte do conto busca trazer Coisas prateadas espocam:
o outro lado [...]. O contista brasileiro dos anos 1970 somos noivo e noiva.
quer desafinar o coro dos contentes. A partir de tais PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.

180 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


O poema de Adélia Prado, que segue a proposta mo 12 Enem 2014 2a aplicação
derna de tematização de fatos cotidianos, apresenta
Resumo
a prosaica ação de limpar peixes na qual a voz lírica
Gerou os filhos, os netos
reconhece uma
Deu à casa o ar de sua graça
A expectativa do marido em relação à esposa.
b imposição dos afazeres conjugais. e vai morrer de câncer.
c disposição para realizar tarefas masculinas. O modo como pousa a cabeça para um retrato
d dissonância entre as vozes masculina e feminina é o da que, afinal, aceitou ser dispensável
E forma de consagração da cumplicidade no casa- Espera, sem uivos, a campa, a tampa, a inscrição:
mento 1906-1970
SAUDADE DOS SEUS, LEONORA.
11 UFRGS 2012 Leia o poema “Tabaréu”, de Adélia Prado PRADO, A. Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2007.

Vira e mexe eu penso é numa toada só. O texto de Adélia Prado apresenta uma mulher cuja
Fiz curso de filosofia pra escovar o pensamento, vida se “resume”. Sua expressão poética revela
não valeu. O mais universal que eu chego A contradições do universo feminino infeliz.
é a recepção de Nossa Senhora de Fátima b frustração relativa às obrigações cotidianas.
em Santo Antônio do Monte
c busca de identidade no universo familiar.
Duas mil pessoas com velas louvando a Maria
d subterfúgios de uma existência complexa.
num oco de escuro, pedindo bom parto,
moço de bom gênio pra casar, E resignação diante da condição social imposta
boa hora pra nascer e morrer.
O cheiro do povo espiritado, Leia o texto para responder às questões de 13 a 16
isso eu entendo sem desatino.
Canção do ver
Porque, mercê de Deus, o poder que eu tenho
é de fazer poesia, quando ela insiste feito Fomos rever o poste.
água no fundo da mina, levantando morrinho de areia. O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
É quando clareia e refresca, abre sol, chove, e de esconder.
conforme necessidades. 1Agora ele estava tão verdinho!
Às vezes dá até de escurecer de repente O corpo recoberto de limo e borboletas
com trovoada e raio Não desaponta nunca
Eu quis filmar o abandono do poste.
É feito sol
O seu estar parado.
Feito amor divino.
O seu não ter voz.
Considere as seguintes armações sobre esse poema. O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
I. O curso de filosofia tentaria organizar/escovar o as mãos
pensamento, mas a poeta reconhece que sua ca Penso que a natureza o adotara em árvore
pacidade de alcançar o “universal” é limitada: ela Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos de passarinhos
é capaz, sim, de entender uma cena de fé coleti- que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
va, com suas solicitações práticas e emocionadas Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
II. O uso do registro oral e popular (“vira e mexe”, Mas o mato era mudo.
“escovar o pensamento”, “o mais universal que Agora o poste se inclina para o chão como alguém
eu chego”) revela a perspectiva despretensiosa que procurasse o chão para repouso.
e informal da poeta, que contrasta com os versos Tivemos saudades de nós.
metrificados do poema, os quais mantêm, em sua BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
maioria, o mesmo número de sílabas.
III A capacidade de escrever poesia associa se a fe Arrulos: canto ou gemido de rolas e pombas.
nômenos naturais, como água caindo sobre areia,
variação de temperatura, sol e raio, dos quais
derivam as dúvidas sobre a existência de Deus 13 Uerj 2015 Agora ele estava tão verdinho! (ref. 1)
enunciadas no poema. De modo diferente do que ocorre em passarinhos, o
FRENTE 2

Qual(is) está(ão) correta(s)? emprego do diminutivo, no verso apresentado, contri-


A Apenas I bui para expressar um sentido de:
b Apenas II. A oposição.
c Apenas I e III. b gradação
d Apenas II e III. c proporção.
E I, II e III. d intensidade.

181
14 Uerj 2015 O título “Canção do ver” reúne duas esfe- É orreto o que se arma
ras diferentes dos sentidos humanos: audição e visão. A apenas em I.
No entanto, no decorrer do poema, a visão predomina b apenas em I e II.
sobre a audição. c apenas em I e III.
Os dois elementos que conrmam isso são: d apenas em II e III.
A o imobilismo do poste e a saudade dos tempos E em I, II e III.
passados.
b a inclinação do poste e sua adoção pela paisagem Leia o texto para responder às questões de 18 a 22.
natural.
c a aparência do poste e a suposição do arrulo dos A palavra
passarinhos Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito −
d o silêncio do poste e a impossibilidade de transcri como não imaginar que, sem querer, 4feri alguém? Às
ção musical vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma
hostilidade surda, ou uma reticência de mágoas. 1Impru-
15 Uerj 2015 A memória expressa pelo enunciador do dente 5ofício é este, de viver em voz alta
texto não pertence somente a ele. 11Às vezes, também a gente tem o 6consolo de saber

Na construção do poema, essa ideia é reforçada pelo que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém
emprego de: a se 9reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de
A tempo passado e presente. cada dia; a sonhar um pouco, a sentir uma vontade de
b linguagem visual e musical. fazer alguma coisa boa
c descrição objetiva e subjetiva. Agora sei que outro dia eu disse uma palavra que fez
d primeira pessoa do singular e do plural. bem a alguém. Nunca saberei que palavra foi; deve ter
sido alguma frase 7espontânea e distraída que eu disse com
16 Uerj 2015 No poema, o poste é associado à própria naturalidade porque senti no momento − e depois 3esqueci.
vida do eu poético Tenho uma amiga que certa vez ganhou um canário,
Nessa associação, a imagem do poste se constrói e o canário não cantava. Deram-lhe receitas para fazer o
pelo seguinte recurso da linguagem: canário cantar; que falasse com ele, cantarolasse, batesse
A Anáfora alguma coisa ao piano; que pusesse a gaiola perto quando
b Metáfora trabalhasse em sua máquina de costura; que arranjasse
c Sinonímia. para lhe fazer companhia, algum tempo, outro canário
d Hipérbole. cantador; até mesmo que ligasse o rádio um pouco alto
Texto para a questão 17. durante uma transmissão de jogo de futebol... mas o ca-
nário não cantava
Infantil Um dia a minha amiga estava sozinha em casa,
O menino ia no mato distraída, e assobiou uma pequena frase melódica de
e a onça comeu ele. Beethoven – e o canário começou a cantar alegremente.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do Haveria alguma 8secreta ligação entre a alma do velho
menino artista morto e o pequeno pássaro cor de ouro?
e ele foi contar para a mãe 2Alguma coisa que eu disse distraído – talvez palavras

A mãe disse: mas se a onça comeu você, como é que de algum poeta antigo – foi 10despertar melodias esque-
o caminhão passou por dentro do seu corpo? cidas dentro da alma de alguém. Foi como se a gente
É que o caminhão só passou renteando meu corpo soubesse que de repente, num reino muito distante, uma
e eu desviei depressa.
princesa muito triste tivesse sorrido E isso fizesse bem ao
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres
Eu não preciso de fazer razão.
choupanas e as suas remotas esperanças.
BARROS, Manoel de.
BRAGA, Rubem In: PROENÇA FILHO, Domício (Org ) Pequena antologia
do Braga. Rio de Janeiro: Record, 1997.
17 Insper 2013 Considere as seguintes afirmações sobre
o poema:
18 Uerj 2012 O final do texto expressa uma reflexão do
I Nos quatro primeiros versos, apresenta-se uma
escritor acerca do poder da sua escrita, a partir da
situação que remete ao universo de fantasia da
menção a uma princesa e a um povo Essa menção
criança
II No diálogo entre o menino e sua mãe, é flagrante sugere, principalmente, que o escritor deseja que
o contraste entre a lógica do adulto e a capacida suas palavras tenham o poder de:
de imaginativa da criança. A desfazer as ilusões antigas.
III. A fala final do menino permite associar o poder de b permear as classes sociais.
livre criação comum às crianças à liberdade criati- c ajudar as pessoas discriminadas.
va própria do discurso poético. d abolir as hierarquias tradicionais.

182 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


19 Uerj 2012 III Em “Entrevista”, dois interlocutores anônimos, um
homem e uma mulher, encontram se em uma sala
Imprudente ofício é este, de viver em voz alta (ref 1)
escura onde a mulher narra os episódios violen-
O ofício a que Rubem Braga se refere é o seu próprio, o tos em que esteve envolvida com seu marido.
de escritor. Para caracterizá-lo, além do adjetivo “impru
Qual(is) está(ão) correta(s)?
dente”, ele recorre a uma metáfora: “viver em voz alta”.
A Apenas I.
O sentido dessa metáfora, relativa ao ofício de escre
b Apenas II
ver, pode ser entendido como:
c Apenas I e III.
A superar conceitos antigos.
d Apenas II e III.
b prestar atenção aos leitores
E I, II e III.
c criticar prováveis interlocutores.
d tornar públicos seus pensamentos. Para responder à questão 24, considere o texto “Ci-
dade de Deus”, de Rubem Fonseca, no contexto de
20 Uerj 2012 O episódio do canário traz uma contribuição sua obra.
importante para o sentido do texto, ao estabelecer
O nome dele é João Romeiro, mas é conhecido como
uma analogia entre a palavra do escritor e a música Zinho na Cidade de Deus, uma favela em Jacarepaguá,
assobiada pela amiga. onde comanda o tráfico de drogas. Ela é Soraia Gonçalves,
A inserção desse episódio no texto reforça a seguinte uma mulher dócil e calada. Soraia soube que Zinho era
ideia: traficante dois meses depois de estarem morando juntos
A A intolerância leva o artista ao isolamento. num condomínio de classe média alta da Barra da Tiju-
b A arte atinge as pessoas de modo inesperado. ca Você se importa?, Zinho perguntou, e ela respondeu
c A solidão é remediada com soluções artísticas que havia tido na vida dela um homem metido a direito
d A profissão envolve o artista em conflitos desne que não passava de um canalha. No condomínio Zinho é
cessários. conhecido como vendedor de uma firma de importação.
[ ] Hoje à noite Zinho chegou em casa depois de passar
21 Uerj 2012 Alguma coisa que eu disse distraído talvez três dias distribuindo [...] cocaína.
palavras de algum poeta antigo foi despertar melodias [...]
esquecidas dentro da alma de alguém. (ref. 2) “Antes de você dormir posso te perguntar uma coisa?”
“Pergunta logo, estou cansado e quero dormir, amor-
O cronista revela que sua fala ou escrita pode conter zinho.”
algo escrito por “algum poeta antigo”. Ao fazer essa “Você seria capaz de matar uma pessoa por mim?”
“Amorzinho, eu mato um cara porque ele me roubou
revelação, o cronista se refere ao seguinte recurso:
cinco gramas, não vou matar um sujeito que você pediu?
A Polissemia.
Diz quem é o cara. É aqui do condomínio?”
b Pressuposição.
“Não”.
c Exemplificação.
“De onde é?”
d Intertextualidade. “Mora na Taquara”
“O que foi que ele te fez?”
22 Uerj 2012 Toda a indagação do cronista acerca da pa “Nada. Ele é um menino de sete anos. Você já matou
lavra se baseia na diferença entre a importância que um menino de sete anos?”
ela pode ter, por um lado, para quem a escreve e, “Já mandei furar a bala as palmas das mãos de dois
por outro, para quem a lê O par de vocábulos que merdinhas que sumiram com uns papelotes, pra servir de
melhor exemplifica essa diferença no texto é: exemplo, mas acho que eles tinham dez anos. Por que
A esqueci (ref. 3) − feri (ref. 4). você quer matar um moleque de sete anos?”
b ofício (ref 5) consolo (ref 6) “Para fazer a mãe dele sofrer Ela me humilhou Tirou o
c espontânea (ref. 7) − secreta (ref. 8). meu namorado, fez pouco de mim, dizia para todo mundo
d reconciliar (ref. 9) − despertar (ref. 10). que eu era burra. Depois casou com ele. Ela é loura, tem
olhos azuis e se acha o máximo.”
[ ]
23 UFRGS 2012 Considere as seguintes afirmações sobre
“Está bem. Você sabe onde o menino mora?”
contos de Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca.
“Sei.”
I Em “Botando pra Quebrar”, um segurança de boa “Vou mandar pegar o moleque e levar para a Cidade
FRENTE 2

te, percebendo que será demitido, provoca uma de Deus ”


briga coletiva ao agredir os clientes do estabele- “Mas não faz o garoto padecer muito.”
cimento, que fica destruído depois do incidente [...] De manhã bem cedo Zinho saiu de carro e foi
II. Em “Passeio Noturno (parte I)”, um bem pago para a Cidade de Deus. Ficou fora dois dias. Quando vol-
executivo, que perdeu a família em um acidente ro- tou, levou Soraia para a cama e ela docilmente obedeceu
doviário, percorre as ruas de São Paulo à procura a todas as suas ordens, Antes de ele dormir, ela perguntou,
de vítimas a serem atropeladas. “você fez aquilo que eu pedi?”

183
“Faço o que prometo, amorzinho Mandei meu pes  Todos apresentam uma epígrafe bíblica que está
soal pegar o menino quando ele ia para o colégio e levar relacionada às temáticas dos contos.
para a Cidade de Deus. De madrugada quebraram os bra-  Todos podem ser considerados fantásticos e não
ços e as pernas do moleque, estrangularam, cortaram ele têm relação com a realidade brasileira
todo e depois jogaram na porta da casa da mãe. Esquece  Cariba, o protagonista do conto “A cidade”, é preso
essa merda, não quero mais ouvir falar nesse assunto”, por ser a única pessoa que faz perguntas na cidade
disse Zinho. Zinho virou as costas para Soraia e dormiu.  O título do conto “O lodo” pode ser interpretado
Zinho tinha um sono pesado Soraia ficou acordada ouvin metaforicamente, já que é a forma como o psicana-
do Zinho roncar. Depois levantou-se e pegou um retrato lista descreve o inconsciente de Galateu
de Rodrigo que mantinha escondido num lugar que Zinho
nunca descobriria. Sempre que Soraia olhava o retrato do A sequência correta de preenchimento dos parênte-
antigo namorado, durante aqueles anos todos, seus olhos ses, de cima para baixo, é
se enchiam de lágrimas Mas nesse dia as lágrimas foram A F–V–V–F
mais abundantes. B V–F–V–V
“Amor da minha vida”, ela disse, apertando o retrato C F–F–F–V
de Rodrigo de encontro ao seu coração sobressaltado. D F–V–F–V
E V–V–V–F
24 PUC-RS 2013
1 O nome “Cidade de Deus” e os atos praticados 27 UFRGS 2014 Considere as seguintes afirmações sobre
nessa comunidade constituem um paradoxo. os contos de Murilo Rubião.
2 O pedido de Soraia baseia-se em uma vingança I. Nos contos “O pirotécnico Zacarias” e “O ex-
de cunho passional, relacionada a um amor do -mágico da Taberna Minhota”, a narrativa está
passado não esquecido em primeira pessoa. Os narradores relatam
3. A suavidade dos diálogos de Soraia e Zinho faz acontecimentos fantásticos – ou seja, inexplicá-
contraponto com a crueldade das ações deste. veis racionalmente – com a maior naturalidade:
4. Zinho frequenta dois mundos: o paraíso confor- Zacarias é um cadáver falante que descreve o
tável e seguro da Barra e o inferno violento e atropelamento que resultou na sua morte; o ex-
marginal da Cidade de Deus. -mágico tenta suicidar-se, mas é boicotado pela
própria magia.
Estão corretas as armativas
II. Nos contos “Os dragões” e “Teleco, o coelhi-
A 1 e 2, apenas.
nho”, os animais têm comportamentos de seres
B 1 e 3, apenas.
humanos. Os dragões bebem em botequins, en-
C 3 e 4, apenas.
volvem-se com mulheres e assistem a aulas de um
D 2, 3 e 4, apenas.
professor; Teleco fala, fuma e barbeia-se.
E 1, 2, 3 e 4.
III. Nos contos “Bárbara” e “Ofélia, meu cachimbo e o
mar”, as personagens femininas citadas nos títulos
25 UFRGS 2012 Em “Intestino grosso”, de Rubem Fonse- são, respectivamente, uma mulher que, após ca-
ca, a personagem denominada Autor sar-se, começa a emagrecer assustadoramente e
A argumenta que sua literatura tem por assunto a uma menina que só se interessa por histórias de
vida urbana e a violência, embora ele mesmo se marinheiro.
considere um seguidor de Guimarães Rosa
B alega que gostaria de escrever como Machado de Qual(is) está(ão) correta(s)?
Assis, para conquistar leitores. A Apenas I.
C sustenta que, apesar de os autores brasileiros re- B Apenas II.
velarem os detalhes da vida dos poderosos, os C Apenas I e II.
aspectos mais abstratos sobre finanças e proprie- D Apenas II e III.
dade não aparecem. E I, II e III.
D comenta a importância da literatura brasileira e sua
capacidade de diálogo com as obras da literatura 28 UFG 2014 O fato de as histórias de Melhores contos
latino-americana de tema rural. J. J. Veiga serem livremente inspiradas na realidade
E discute em que termos sua literatura pode ser con- espacial e econômica do interior de Goiás, nas déca-
siderada pornográfica, argumentando longamente das de 1960 e 1970, contribui para a naturalização dos
sobre a pornografia na arte. eventos insólitos de tais narrativas. Essa afirmativa se
comprova no conto
As questões 26 e 27 referem-se aos contos de Murilo A “A usina atrás do morro”, que aponta a construção
Rubião. de usinas na zona rural como responsável pelas
mudanças na vida dos moradores do vilarejo.
26 UFRGS 2014 Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) B “A espingarda do Rei da Síria”, que indica a presen-
as seguintes afirmações sobre os contos de Murilo ça de imigrantes na zona rural como explicação
Rubião para a capacidade imaginativa do protagonista.
184 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea
C “Na estrada do Amanhece”, que associa a chegada Continuariam até um se cansar e tapar os ouvidos
do automóvel no campo às transformações cultu para ficar com a última palavra se Diana não tivesse a
rais vividas pelos trabalhadores da fazenda. habilidade de se retirar logo que percebeu a dízima. Com
D “A viagem de dez léguas”, que apresenta o alto ín pedacinho final do marmelo entre os dedos, ela chegou-se
dice de mortalidade entre as mulheres do campo mais perto do irmão e disse:
Gi! Matando louva-deus! Olhe o castigo!
como justificativa para a tristeza das personagens.
– Eu estou matando, estou?
E “A máquina extraviada”, que relaciona a imple
– Está judiando. Ele morre.
mentação de novidades tecnológicas no campo à
Eu estou judiando?
rejeição do progresso por parte dos moradores do – Amolar um bicho tão pequenininho é o mesmo que
sertão. judiar
Doril não disse mais nada, qualquer coisa que ele
Leia o Texto 1 para responder às questões de 29 a 34.
dissesse ela aproveitaria para outra acusação. Era difícil
Texto 1 tapar a boca de Diana, ô menina renitente Ele preferiu
continuar olhando o louva-deus. Soprou-o de leve, ele
Diálogo da relativa grandeza
encolheu-se e vergou o corpo para o lado do sopro, como
Sentado no monte de lenha, as pernas abertas, os faz uma pessoa na ventania. O louva-deus estava no meio
cotovelos nos joelhos, Doril examinava um louva-deus de uma tempestade de vento, dessas que derrubam árvores
pousado nas costas da mão. Ele queria que o bichinho e arrancam telhados e podem até levantar uma pessoa do
voasse, ou pulasse, mas o bichinho estava muito à vonta- chão. Doril era a força que mandava a tempestade e que
de, vai ver que dormindo – ou pensando? Doril tocava-o podia pará-la quando quisesse. Então ele era Deus? Será
com a unha do dedo menor e ele nem nada, não dava que as nossas tempestades também são brincadeira?
confiança, parece que nem sentia; se Doril não visse o Será que quem manda elas olha para nós como Doril
leve pulsar de fole do pescoço – e só olhando bem é que estava olhando para o louva-deus? Será que somos peque-
se via – era capaz de dizer que o pobrezinho estava morto, nos para ele como um gafanhoto é pequeno para nós, ou
ou então que era um grilo de brinquedo, desses que as menores ainda? De que tamanho, comparando – do de
moças pregam no vestido para enfeitar. formiga? De piolho de galinha? Qual será o nosso tamanho
Entretido com o louva-deus Doril não viu Diana che- mesmo, verdadeiro?
gar comendo um marmelo, fruta azeda e enjoada que só Doril pensou, comparando as coisas em volta Seria
serve para ranger os dentes Ela parou perto do monte de engraçado se as pessoas fossem criaturinhas miudinhas,
lenha e ficou descascando o marmelo com os dentes mas vivendo num mundo miudinho, alumiado por um sol do
sem jogar a casca fora, não queria perder nada. Quando tamanho de uma rodela de confete.
ela já tinha comido um bom pedaço da parte de cima e Diana lambendo os dedos e enxugando no vestido.
Qual seria o tamanho certo dela? Um palmo de cabeça,
nada de Doril ligar, ela cuspiu fora um pedaço de miolo
um palmo de peito, palmo e meio de barriga, palmo e
com semente e falou:
meio até o joelho, palmo e meio até o pé... uns seis palmos
– Está direitinho um macaco em galho de pau.
e meio. Palmo de quem? Gafanhoto pode ter seis palmos
Doril olhou só com os olhos e revidou:
e meio também – mas de gafanhoto. Formiga pode ter seis
– Macaco é quem fala Está até comendo banana
palmos e meio de formiga E os bichinhos que existem
Marmelo é banana, besta?
mas a gente não vê, de tão pequenos? Se tem bichos que
Não é mais serve
a gente não vê, não pode ter bichos que esses que a gen-
Ficaram calados, cada um pensando por seu lado.
te não vê não veem? Onde é que o tamanho dos bichos
Diana cuspiu mais um caroço.
começa, e onde acaba? Qual é o maior, e qual o menor?
– Sabe aquele livro de história que o Mirto ganhou?
Bonito se nós também somos invisíveis para outros bichos
– Que Mirto, seu. É Milllton. Mania! muito grandes, tão grandes que os nossos olhos não abar-
– Mas sabe? Eu vou ganhar um igual. Tia Jura vai mindar. cam? E se a Terra é um bicho grandegrandegrandegrande
– Não é mindar É me-dar Mas não é vantagem e nós somos pulgas dele? Mas não pode! Como é que
Não é vantagem? É muita vantagem vamos ser invisíveis, se qualquer pessoa tem mais de um
Você já não leu o de Milton? metro de tamanho?
– Li mas quero ter. Pra guardar e ler de novo. Doril olhou o muro, os cafezeiros, as bananeiras, tudo
– Vantagem é ganhar outro. Diferente. bem maior do que ele, uma bananeira deve ter mais de
– Deferente eu não quero. Pode não ser bom. dois metros.
– Como foi que você disse? Diz de novo? Aí ele notou que o louva-deus não estava mais na
– Já disse uma vez, chega. mão. Procurou por perto e achou-o pousado num pau de
FRENTE 2

– Você disse deferente. lenha, numa ponta coberta de musgo. Doril levantou o
Foi não pau devagarinho, olhou-o de perto e achou que a camada
Foi Eu ouvi de musgo lembrava um matinho fechado, com certeza
– Foi não. cheio de
– Foi. – Quando é que você vai deixar esse bichinho sos-
– Foi não. segado?
– Foooi. Tamanho homem!

185
Doril largou o pau devagarinho no monte, limpou as Coqueiro é pé de salsa
mãos na roupa – E eu?
Você não sabe qual é o meu tamanho – Você é formiga de dois pés.
Ela olhou-o desconfiada, com medo de dizer uma Se eu sou formiga como é que eu pulo rego d’água?
coisa e cair em alguma armadilha Doril estava sempre – Que rego d’água?
arranjando novidades para atrapalhá-la – Esse nosso aí.
Você nem sabe qual é o seu tamanho insistiu ele Doril sacudiu a cabeça, sorrindo.
Então não sei? Já medi e marquei com um carvão – Aquilo não é rego d’água. É risquinho no chão, da
atrás da porta da sala Pode olhar lá, se quiser grossura de um fio de linha
Ele sorriu da esperada ingenuidade – E... E aquele morro lá longe?
Isso não quer dizer nada Você não sabe o tamanho – Não é morro. Você pensa que é morro porque você
da marca é formiga
Sei Mamãe mediu com a fita de costura Diz que Aquilo é um montinho de terra que cabe num carri-
tem um metro e vinte e tantos
nho de mão.
– Em metro de anão Ou metro invisível
Diana olhou-se de alto a baixo, achou-se grande para
Ela olhou-o assustada, desconfiada; e não achando o
ser formiga.
que responder, desconversou:
– Onde você aprendeu isso?
– Ih, Doril! Você está bobo hoje!
Ela precisava da garantia de uma autoridade para
– Boba é você, que não sabe de nada.
aceitar a nova ideia.
Ela esperou, ele explicou:
– Em parte nenhuma. Eu descobri.
– Você não sabe que nós somos invisíveis, de tão pe-
Diana deu um riso de zombaria, como quem começa
quenos?
a entender. Tudo aquilo era invenção dele, coisa sem pé
– Sei disso não. Invisível é micuim, que a gente sente
mas não vê. nem cabeça Como a história de recado por pensamento.
– Pois é. Nós somos como micuins. A mãe chamou da janela. Doril desceu do monte
Diana olhou depressa para ela mesma, depois para de lenha, um pau resvalou e feriu-o no tornozelo. Ele ia
Doril. xingar mas lembrou que pau de fósforo não machuca A
– Como é que eu vejo eu, vejo você, vejo minha mãe? mãe chamou de novo, ele saiu correndo e gritou para trás:
– E você pensa que micuim não vê micuim? – Quem chegar por último é filho de lesma.
Diana franziu a testa, pensando. Doril tinha cada Diana correu também, mais para não ficar sozinha
ideia. [...] do que para competir. Pularam uma bacia velha, simples
– Não pode, Doril. A gente é grande. Olha aí, você é tampa de cerveja emborcada no chão. Pularam o fio de
quase da altura desse monte de lenha. linha que Diana tinha pensado que era um rego d’água
– Está vendo como você não sabe nada? Isso não é Doril tropeçou num balde furado (isto é, um dedal com
um monte de lenha. É um monte de pauzinhos menores alça), subiu de um fôlego os dentes do pente que servia
do que pau de fósforo. de escada para a varanda, e entrou no caixotinho de giz
– Ora sebo, Doril. Pau de fósforo é deste tamanho onde eles moravam. A mãe uma formiguinha severa de
– ela mostrou dois dedinhos separados, dando tamanho pano amarrado na cabeça estava esperando na porta com
que ela imaginava. uma colher e um vidro de xarope nas mãos, a colher uma
– Isso que você está mostrando não é tamanho de simples casquinha de arroz. Doril abriu a boca, fechou os
pau de fósforo. Pau de fósforo é quase do seu tamanho. olhos e engoliu, o borrifo de xarope desceu queimando a
Diana ficou pensativa, triste por ter diminuído de ta- garganta de formiga.
manho de repente. Doril aproveitou para ensinar mais. VEIGA, J. J. Melhores contos J. J. Veiga. Seleção de J. Aderaldo
– Como você é tapada, Diana. Tudo no mundo é mui- Castello. 4. ed. São Paulo: Global, 2000. p. 97-102.
to pequeno.
O mundo é muito pequeno. – Olhou em volta pro- 29 UFG 2014 Quanto ao plano da narrativa, os elementos
curando uma ilustração. – Está vendo aquela jaca? Sabe do texto demonstram que
o tamanho dela? A os limites de compreensão das personagens im-
– Sei sim. Regula com uma melancia. pedem as divagações acerca dos elementos da
– Pronto. Não sabe. É do tamanho de cajá.
natureza.
Diana olhou a jaca já madura em ponto de cair, qual-
B a mistura das vozes aproxima o narrador das expe-
quer dia caía.
riências vividas pelas personagens.
– Ah, não pode, Doril. Comparar jaca com cajá?
– Mas é porque você não sabe que cajá não é cajá. C a predominância do tempo linear confere um cará-
– O que é então? ter melancólico ao enredo.
– É bago de arroz. D os conceitos categóricos de Diana afastam o leitor
Diana olhou em volta aflita, procurando uma prova das relações estabelecidas por Doril.
de que Doril estava errado. E as personagens se desviam da trama, revelando
– E coqueiro o que é? uma visão equivocada dos acontecimentos.

186 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


30 UFG 2014 A trama do conto “Diálogo da relativa gran- 34 UFG 2014
deza”, de J J Veiga, é construída com base em
Texto 2
A mudanças do comportamento das crianças frente
às coisas do mundo
B imitações das brincadeiras de crianças campesi-
nas, mas que predominam nos meios urbanos.
C críticas à supremacia da imaginação das narrativas
fantásticas.
D comparações entre coisas de diferentes dimen-
sões, mas que apresentam alguma semelhança.
E desqualificações da utilidade atribuída aos objetos
da natureza.

31 UFG 2014 O trecho “Foi não. / Foi. Eu ouvi. / Foi não. /


Foi. / Foi não. Foooi. / Continuariam até um se cansar
e tapar os ouvidos para ficar com a última palavra se
Diana não tivesse a habilidade de se retirar logo que
percebeu a dízima” descreve uma particularidade do
diálogo infantil Nesse jogo discursivo, vence aquele
que
A constrói imagens fantasiosas e impossíveis de con-
traposição
B deixa de refutar os argumentos de seu interlocutor Disponível em: <http://gulliveresuasviagens.blogspot.com br>.
e bloqueia o canal de entendimento. Acesso em: 16 out. 2013.

C demonstra maturidade e reverte a discussão em O Texto 2 é uma cena do romance Viagens de


seu favor. Gulliver, de Jonathan Swift, com o qual o conto de J.
D aceita as evidências e reconhece a derrota de seu J. Veiga faz um intertexto ao discutir questões sobre
ponto de vista. o conhecimento humano e sua racionalidade. Consi-
E apresenta argumentos lógicos e desqualificadores derando a cena retratada e os episódios narrados no
de seu interlocutor. conto, quais trechos evocam respectivamente o para-
doxo humano entre a arrogância e a fragilidade?
32 UFG 2014 Uma das barreiras ao livre comércio está re- A “Soprou-o de leve, ele encolheu-se e vergou o cor
lacionada à falta de homogeneidade nos padrões de po para o lado do sopro, como faz uma pessoa na
medida. Em que trecho do texto, transcrito a seguir, a ventania.”/“Você é formiga de dois pés.”
relatividade da padronização é constatada? B “Ela cuspiu fora um pedaço de miolo com semen-
A “Ele queria que o bichinho voasse, ou pulasse.” te...”/“Doril largou o pau devagarinho no monte,
B “Doril tocava-o com a unha do dedo menor.” limpou as mãos na roupa ”
C “Já tinha comido um bom pedaço da parte de cima ” C “Doril desceu do monte de lenha, um pau resva-
D “Macaco é quem fala. Está até comendo banana.” lou e feriu-o no tornozelo.”/“Diana deu um riso de
E “Em metro de anão. Ou metro invisível ” zombaria, como quem começa a entender.”
D “Já medi e marquei com um carvão atrás da porta
33 UFG 2014 No texto, são apresentadas alterações lexicais da sala.”/“Você não sabe o tamanho da marca.”
como as ocorridas em Milton para Mirto, em me-dar E “Ele queria que o bichinho voasse, ou pulasse, mas
o bichinho estava muito à vontade ”/“Está direiti-
para mindar, em diferente para deferente. A passagem
nho um macaco em galho de pau.”
de diferente para deferente é marcada por
A uma variação na forma da palavra que implica mu
dança de significado. 35 Enem PPL 2019
B um mesmo tipo de processo que ocorre em Mirto A máquina extraviada
e em mindar.
Você sempre pergunta pelas novidades daqui des-
C um estranhamento dado pela inexistência da pala
FRENTE 2

te sertão, e finalmente posso lhe contar uma importante


vra deferente. Fique o compadre sabendo que agora temos aqui uma
D uma mudança na classe gramatical da palavra que máquina imponente, que está entusiasmando todo o mun-
sofre a variação do. Desde que ela chegou — não me lembro quando,
E um registro erudito que é incompatível com a cena não sou muito bom em lembrar datas — quase não temos
narrada na história falado em outra coisa; e da maneira que o povo aqui se

187
apaixona até pelos assuntos mais infantis, é de admirar Aplausos, aos quais se incorporam as personagens
que ninguém tenha brigado ainda por causa dela, a não em cena.
ser os políticos. [...] ODORICO – (Continuando o discurso:) Botando de
Já existe aqui um movimento para declarar a máquina lado os entretantos e partindo pros finalmente, é uma ale-
monumento municipal [ ] Dizem que a máquina já tem gria poder anunciar que prafrentemente vocês já poderão
feito até milagre, mas isso — aqui para nós — eu acho que morrer descansados, tranquilos e desconstrangidos, na
é exagero de gente supersticiosa, e prefiro não ficar falando certeza de que vão ser sepultados aqui mesmo, nesta terra
no assunto. Eu — e creio que também a grande maioria morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim,
dos munícipes não espero dela nada em particular; basta dizer isso ao padre na hora da extrema-unção, que
para mim basta que ela fique onde está, nos alegrando, tem enterro e cova de graça, conforme o prometido
nos inspirando, nos consolando. GOMES, D. O bem amado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012.
VEIGA, J J A máquina extraviada: contos Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1974. O gênero peça teatral tem o entretenimento como
uma de suas funções. Outra função relevante do gê-
Qual procedimento composicional caracteriza a cons- nero, explícita nesse trecho de O bem amado, é
trução do texto? A criticar satiricamente o comportamento de pessoas
A As intervenções explicativas do narrador. públicas
B A descrição de uma situação hipotética. B denunciar a escassez de recursos públicos nas
C As referências à crendice popular. prefeituras do interior.
D A objetividade irônica do relato C censurar a falta de domínio da língua-padrão em
E As marcas de interlocução. eventos sociais.
D despertar a preocupação da plateia com a expec-
36 Cefet-MG 2013 Leia o texto a seguir. tativa de vida dos cidadãos.
Abelardo I (Sentado em conversa com o Cliente
E questionar o apoio irrestrito de agentes públicos
Aperta um botão, ouve-se um forte ba- aos gestores governamentais.
rulho de campainha.) — Vamos ver...
Abelardo II (Veste botas e um completo domador de 38 UFPE 2013 Considerando os primórdios da moderni-
feras Usa pastinha e enormes bigodes dade da arte teatral no Brasil, leia os textos 1, 2 e 3 e
retorcidos. Monóculo. Um revólver à analise as proposições a seguir.
cinta.) — Pronto Seu Abelardo.
Texto 1
Abelardo I — Traga o dossier desse homem.
Abelardo II Pois não! O seu nome? Primeiro ato
Cliente (Embaraçado, o chapéu na mão, uma
(Cenário dividido em três planos – primeiro plano:
gravata de corda no pescoço magro.) —
alucinação; segundo plano: memória; terceiro plano: rea
Manoel Pitanga de Moraes.
lidade. Quatro arcos no plano da memória; duas escadas
ANDRADE, Oswald de. O rei da vela São Paulo: Globo, 1994 p. 39
laterais. Trevas.)
O fragmento organiza-se segundo o modelo do gêne- RODRIGUES, Nelson. Vestido de Noiva.
ro literário que se dene por
A ser produzido para a encenação pública. Texto 2
B narrar os fatos notáveis da história de um povo.
C expressar as emoções e estados de alma do autor.
D ridicularizar os vícios e atitudes reprováveis dos se-
res humanos.

37 Enem 2017
Segundo quadro
Uma sala da prefeitura O ambiente é modesto Du-
rante a mutação, ouve-se um dobrado e vivas a Odorico,
“viva o prefeito” etc. Estão em cena Dorotéa, Juju, Dir-
ceu, Dulcinéa, o vigário e Odorico. Este último, à janela, Vestido de noiva Encenação de Ziembinski, 1943.
discursa
ODORICO Povo sucupirano! Agoramente já in
Texto 3
vestido no cargo de Prefeito, aqui estou para receber a
confirmação, a ratificação, a autenticação e por que não Ao abrir o pano, entram todos os atores, com exceção
dizer a sagração do povo que me elegeu. do que vai representar Manuel, como se tratasse de uma tro-
Aplausos vêm de fora pa de saltimbancos, correndo, com gestos largos, exibindo-se
ODORICO – Eu prometi que o meu primeiro ato ao público. Se houver algum ator que saiba caminhar sobre
como prefeito seria ordenar a construção do cemitério. as mãos, deverá entrar assim. Outro trará uma corneta, na

188 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


qual dará um alegre toque, anunciando a entrada do grupo E “Vê-se a silhueta de Ana Maria, no frenético e inútil es-
Há de ser uma entrada festiva, na qual as mulheres dão gran- forço de libertação.” (Segundo quadro do terceiro ato)
des voltas e os atores agradecerão os aplausos, erguendo os
braços, como no circo. A atriz que for desempenhar o papel
40 Acafe 2018 Assinale a citação extraída da peça teatral
de Nossa Senhora deve vir sem caracterização, para deixar
Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.
bem claro que, no momento, é somente atriz. Imediatamente
A “Sabe, era eu e mais quatro primas, todas nós, que-
após o toque de clarim, o Palhaço anuncia o espetáculo.
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida.
ríamos porque queríamos esse broche da minha
avó Cada uma achava que merecia mais do que
 A Semana de Arte Moderna, de 1922, reuniu artistas a outra. Mas, minha vozinha deu pra mim! Pra mim!
de diversas linguagens, os quais refletiram sobre a O senhor não sabe o que eu tive que aguentar das
modernidade na arte nacional. No entanto, o teatro só minhas primas! Todas invejosas! Fui chamada de
veio a ter sua modernidade reconhecida na década mimada, puxa saco, netinha queridinha da vovó,
de 1940, com Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues protegida e até de filha da p...!”
 No Texto 1, a divisão do cenário em três planos
B “A solução é apressar a morte a que se decida e
aponta para uma perspectiva cubista da realidade,
pedir a este rio, que vem também lá de cima, que
apresentada em ângulos diferentes: alucinação,
me faça aquele enterro que o coveiro descrevia [ ] ”
memória e a própria realidade.
C “Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Naza-
 Partilhando dos princípios do Movimento Regiona-
ré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer
lista de 1926 e dialogando com a tradição do teatro
A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui
ocidental, a dramaturgia de Ariano Suassuna revela
barco, fui navio, mas hoje sou escaler Já fui meni-
uma outra faceta do teatro moderno: a busca de um
no, fui homem, só me falta ser mulher. ”
imaginário popular nacional.
 Um dos traços estilísticos desse teatro popular de D “Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser
Ariano Suassuna, como se percebe no Texto 3, é a honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o cré-
encenação de um ambiente pobre, desolado, ex dito De outra vez o santo olha, consulta lá os seus
pressando o drama do povo nordestino que tenta assentamentos e diz: – Ah, você é o Zé-do-Burro,
sobreviver à miséria. aquele que já me passou a perna! E agora vem me
 Pela leitura do Texto 1 e do Texto 2, percebe-se um fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro
ponto em comum entre a obra de Nelson Rodrigues diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E
e a de Ariano Suassuna: ambos procuram construir tem mais: santo é como gringo, passou calote num,
um universo cênico distante da realidade comum todos os outros ficam sabendo ”
dos fatos, revelando as distorções angustiantes, tão
caras à estética expressionista. 41 UFSC 2016 Acerca da peça O Santo e a Porca, de Aria-
no Suassuna, é correto afirmar que:
39 UFPR 2012 As rubricas ou indicações cênicas são “textos 01 a personagem Pinhão, representada como um tipo
que não se destinam a ser pronunciados no palco, mas comum do interior do Nordeste brasileiro, mostra-
que ajudam o leitor a compreender e a imaginar a ação -se moldada pela sabedoria popular ao resumir
e as personagens. Esses textos são igualmente úteis ao situações por meio de ditados.
diretor e aos atores durante os ensaios, mesmo que eles 02 a personagem Caroba é caracterizada como uma
não os respeitem” figura feminina tipicamente submissa ao jogo mas-
RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro.
São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 44
culino, o que bem representa os efeitos de uma
cultura machista
Entre as indicações cênicas a seguir extraídas de O Anjo 04 o bordão pronunciado por Euricão Engole-Cobra –
Negro, de Nelson Rodrigues, assinale a que se destina à “Ai a crise, ai a carestia!” reforça a característica
leitura e interpretação do texto, e não à sua encenação. cômica dessa personagem avarenta.
A “Passaram-se dezesseis anos e nunca mais fez sol. 08 a comédia de Ariano Suassuna pretende denunciar
Não há dia para Ismael e sua família.” (Primeiro qua- o caráter dos sovinas como algo ridículo e, por
dro do terceiro ato) meio do riso, educar moralmente o público
B “No andar térreo, um velório. O pequeno caixão 16 Santo Antônio é evocado como protetor dos
de ‘anjo’ de seda branca com os quatro círios,
pobres, como aquele que ajuda a encontrar os ob-
bem finos e longos acesos.” (Primeiro quadro do
jetos perdidos, mas, sobretudo, como interventor
FRENTE 2

primeiro ato)
direto das uniões matrimoniais, ao final da peça
C “Em cima, de costas para a plateia, Virgínia, a espo-
32 a personagem Euricão Engole-Cobra acaba soli-
sa branca, muito alva; veste luto fechado.” (Primeiro
tária e pobre ao final da peça porque essa seria a
quadro do primeiro ato)
justiça poética do destino contra a presença dos
D “Elias, meigo como nunca A cama atual de Virgínia
imigrantes árabes na região Nordeste
está revolvida, como a de solteira; um travesseiro no
chão; metade do lençol para fora.” (Segundo ato) Soma: 

189
42 Fatec 2015 O escritor, dramaturgo e poeta Ariano pessoa, vergonha de dizer o que minha filha fez co-
Suassuna morreu em 2014, aos 87 anos. Membro da migo?, ou da minha raiva, do meu próprio egoísmo?,
Academia Brasileira de Letras (ABL), esse autor tradu- é egoísmo querer ter minha própria vida? Diga me,
ziu em suas obras a tradição popular do Nordeste. Barbie, você que nasceu pra ser vestida e despida,
Assinale a alternativa que apresenta um trecho da manipulada, sentada, levantada, embalada, deitada
obra Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna e abandonada à vontade pelos outros, você é feliz
A “SEVERINO assim?, você não tem vergonha?, eu tenho vergo-
Não pode ser, João. Eu matei o bispo, o padre, o nha de ter cedido, estou lhe dizendo, vergonha.
sacristão, o padeiro e a mulher e eles morreram espe  As personagens principais de seus contos são
rando por você. Se eu não o matar, vêm-me perseguir quase sempre femininas. Velhas, moças, crianças.
de noite, porque será uma injustiça com eles. [...]” Negras, quase todas e quase todos. Ex-prostitutas,
Disponível em: <http://tinyurl.com/lelivros> domésticas, pedreiros, traficantes. E outros e outras.
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.).
Pobres todas e todos
B “Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e mo-  O enredo da peça é um trabalho de montagem e
desto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um moldagem baseado em uma tradição antiquíssima,
defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio que remonta aos autos medievais de Gil Vicente e
Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mais diretamente a inúmeros autores populares que
mundo era João Teodoro. [...]” se dedicaram ao gênero do cordel.
Disponível em: <http://tinyurl.com/leitura-encantada>.
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.).
 Os meninos foram crescendo, fisicamente eram
idênticos, porém suas opiniões e modo de pensar
C “Havia muito que João Romão vivia exclusivamente divergiam muito. Isso afligia Natividade, que era
para essa ideia; sonhava com ela todas as noites; com- toda dada aos filhos, esses por muitas vezes bri-
parecia a todos os leilões de materiais de construção; gavam por nada, afligindo a mãe ainda mais. Um
arrematava madeiramentos já servidos; comprava te dos motivos de tanta discórdia eram as opiniões
lha em segunda mão; fazia pechinchas de cal e tijolos; políticas que tinham
acumulados (...)” A 2 1 3 5 4
Disponível em: <http://tinyurl com/dominiopub-1>
Acesso em: 24 mar. 2018. (Adapt.). B 1-4-5-2-3
C 4-2-1-3-5
D “Aplica esta prova a todos os órgãos e compreendes D 3-5-4-1-2
o meu princípio. Enquanto a inteligência e a felici-
dade que dela se tira pela incansável acumulação de
44 UFBA 2012 Entende agora por que viemos aqui? Para
noções, só te peço que compares Renan e o Grillo...”
você ver que em Tizangara não há dois mundos.
Disponível em: <http://tinyurl.com/dominiopub-2>.
Acesso em: 24 mar 2018. (Adapt ) Ele que visse, por si, os vivos e os mortos partilharem
da mesma casa Como Hortência e seu sobrinho E pen
E “Nhá Tolentina estava ficando rica de vender no arraial sasse nisso quando procurasse os seus mortos.
pastéis de carne mexida com ossos de mão de anji- — Por isso eu lhe pergunto, Massimo: qual vila o
nho; dos vinténs enterrados juntamente com mechas senhor está visitando?
de cabelo, em frente das casas; e do João Mangolô — Como assim, qual vila?
velho de guerra, voluntário do mato nos tempos do — É porque aqui temos três vilas com seus respectivos
Paraguai ( )” nomes Tizangara-terra, Tizangara céu, Tizangara-água
Disponível em: <http://tinyurl.com/literaturapoeta-1>.
Acesso em: 24 mar 2018. (Adapt )
Eu conheço as três. E só eu amo todas elas.
Sorri. Agora, quem carecia de tradução era eu. Nun-
ca escutara Temporina tão acrescida de belezas. Ou ela
43 Acafe 2017 Associe os autores aos trechos. se enfeitava, especial, para o visitante? Desconfiado, me
1 Ariano Suassuna retirei, pé-ante-pé, escadas afora. Deixei os dois na va-
2. Machado de Assis randa e fiquei no pátio, a respeitosa distância De longe,
3. Carlos Henrique Schoereder ainda vi como Temporina se sentava no colo do italiano e
4. Conceição Evaristo como seus corpos se enleavam. De súbito, o rosto dela se
5. Maria Valéria Rezende colocou em luz e eu me espantei: em flagrante de amor
Temporina juvenescia. Toda ela era sem ruga, sem cica-
 Renê, um recepcionista noturno de hotel, tenta re- triz do tempo. E recuei meus olhos, recolhi meu enleio.
construir sua vida e encontra na amizade de Copi, O italiano havia de descer e eu retomaria meus serviços
um travesti obcecado por fotografias, uma alterna- Agora, por certo, ele não carecia de tradutor.
tiva para sua vida destruída. Renê lerá o que Copi Na espera, adormeci. No dia seguinte, quando des-
escreve e será o único que terá acesso a suas fotos pertei já o italiano se passeava pelo quintal Temporina
de surpreendente beleza falava para ele:
 [...] Vou me acalmando desse jeito. Foi bom botar — Andei olhando você. Desculpa, Massimo, mas você
pra fora essa coisa toda, dizer claramente pra mim não sabe andar
mesma o que tinha vergonha de dizer a qualquer — Como não sei andar?

190 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Não sabe pisar Não sabe andar neste chão Venha 02 imagina uma possível união dos negros perten
aqui: lhe vou ensinar a caminhar centes a grupos étnicos culturais diferentes na luta
Ele riu, acreditando ser brincadeira Porém, ela, grave, pela defesa da cidadania
advertiu: 04 revê criticamente o registro oficial de um fato histó-
— Falo sério: saber pisar neste chão é assunto de vida
rico, que envolve a memória dos negros no Brasil.
ou morte. Venha, que eu lhe ensino.
08 retém imagens auditivas e visuais que recompõem
O italiano cedeu. Aproximaram-se e sustiveram-se
mãos nas mãos. [...] o passado transfigurado por meio de uma repre-
COUTO, Mia O último voo do flamingo São Paulo:
sentação linguística criativa.
Companhia das Letras, 2005. p. 67 8. 16 utiliza o verso “a luta é tramada na língua dos
Orixás” (v. 18) para ressaltar que a cultura e a religio-
O fragmento e/ou o romance revelam
sidade africanas transitam no espaço do sagrado
01 os vivos unidos aos mortos e, através desses, a
e do não sagrado.
força da tradição é transmitida.
32 apresenta imagens e pensamentos inseridos numa
02 relatos, confissões e depoimentos do narrador
trama épica em que os protagonistas lembram um
Massimo sobre o passado de Moçambique.
passado de glórias.
04 a personagem Temporina, no convívio com o tradutor
64 considera a Revolta dos Malês um momento em que
e com o italiano, ensinando-lhes os valores tradicio-
grupos negros reagem contra o sistema opressor.
nais da terra, passados pelos mortos e pelos vivos.
08 a obra inteira perpassada por elementos de uma reali- Soma: 
dade fantástica que se contrapõe ao realismo literário.
16 uma ambiguidade da narrativa no fragmento des- 46 Unicamp 2016 Leia o seguinte trecho da obra Terra So-
tacado, o que constitui uma exceção no romance nâmbula, de Mia Couto, extraído do Sexto caderno de
como um todo. Kindzu, subintitulado “O regresso a Matimati”.
32 uma visão da cultura africana, que tem em Hortên-
Lembrei meu pai, sua palavra sempre azeda: agora,
cia e Temporina duas representações.
somos um povo de mendigos, nem temos onde cair vivos.
Soma:  Era como se ainda escutasse:
– Mas você, meu filho, não se meta a mudar os destinos.
45 UFBA 2012 Afinal, eu contrariava suas mandanças. Fossem os
Mahin amanhã naparamas, fosse o filho de Farida: eu não estava a deixar
Ouve-se nos cantos a conspiração o tempo quieto. Talvez, quem sabe, cumprisse o que sem-
vozes baixas sussurram frases precisas pre fora: sonhador de lembranças, inventor de verdades
escorre nos becos a lâmina das adagas Um sonâmbulo passeando entre o fogo. Um sonâmbulo
Multidão tropeça nas pedras como a terra em que nascera. Ou como aquelas fogueiras
Revolta por entre as quais eu abria caminho no areal
há revoada de pássaros COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. São Paulo:
sussurro, sussurro: Companhia de Bolso, 2015. p. 104.
“é amanhã, é amanhã.
Na passagem citada, a personagem Kindzu recorda os
Mahin falou, é amanhã”
ensinamentos de seu pai diante do estado desolador em
A cidade toda se prepara
Malês que se encontrava sua terra, assolada pela guerra, e re-
bantus ete sobre a coerência de suas ações em relação a tais
geges ensinamentos. Levando em consideração o contexto da
nagôs narrativa do romance de Mia Couto, é correto armar que:
vestes coloridas resguardam esperanças A A demanda realizada por Kindzu e que é relatada
aguardam a luta em seus cadernos funciona como uma forma de fuga
Arma-se a grande derrubada branca para a personagem Muidinga, que se aliena da reali-
a luta é tramada na língua dos Orixás dade da guerra pela leitura dos cadernos, indicando
“é aminhã, aminhã”
de modo inequívoco a função social da literatura.
Malês
B A narrativa contida nos cadernos de Kindzu, lida
bantus
geges por Muidinga e Tuahir, representa o universo oní-
nagôs rico e se contrapõe à realidade objetiva das duas
“é aminhã, Luiza Mahin falô personagens, razão pela qual ambas as narrativas
ALVES, Miriam. “Mahin amanhã”. In: Quilombhoje (Org.). Cadernos aparecem no livro de modo intercalado, sem, ne-
FRENTE 2

negros: os melhores poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1998. p. 104. cessariamente, haver uma interseção entre elas
Tendo em vista a temática da obra Cadernos Negros – C Segundo a personagem Kindzu, a sua terra, so-
os melhores poemas, pode-se armar que, nesse texto, nâmbula como ele, seria um lugar da sobreposição
o sujeito poético entre sonho e realidade, tal como ocorre na nar
01 deixa evidenciada a ideia de que fronteiras étnicas rativa que registra em seus cadernos, em que é
e linguísticas dificultam o intercâmbio cultural entre impossível o estabelecimento de uma delimitação
africanos e afrodescendentes. entre o onírico e o real.

191
d O sonho, sugerido pelo termo “sonâmbulo”, contra 47 Fuvest 2017 Considerando-se o excerto no contexto
põe-se à realidade da guerra, sugerida pela palavra de Mayombe, os paralelos que nele são estabele-
“fogo”; terra sonâmbula seria, pois, um lugar em cidos entre aspectos da natureza e da vida humana
que os limites entre realidade e sonho aparecem podem ser interpretados como uma
bem delimitados e no qual as personagens estão A reflexão relacionada ao próprio Comandante Sem
condenadas definitivamente à miséria da guerra. Medo e a seu dilema característico entre a valoriza-
ção do indivíduo e o engajamento em um projeto
Observe a imagem e leia o texto, para responder às
eminentemente coletivo.
questões 47 e 48
b caracterização flagrante da dificuldade de aceder
ao plano do raciocínio abstrato, típica da atitude
pragmática do militante revolucionário.
c figuração da harmonia que reina no mundo natural,
em contraste com as dissensões que caracterizam
as relações humanas, notadamente nas zonas ur
banizadas.
d representação do juízo do Comissário a respeito
da manifesta incapacidade que tem o Coman-
dante Sem Medo de ultrapassar o dogmatismo
doutrinário.
E crítica esclarecida à mentalidade animista que
tende a personificar os elementos da natureza e
ao tribalismo, ainda muito difundidos entre os guer
rilheiros do Movimento Popular de Libertação de
Amoreira Africana. Angola (MPLA).

O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo


48 Fuvest 2017 Consideradas no âmbito dos valores que
transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo
são postos em jogo em Mayombe, as relações entre a
esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas
árvore e a floresta, tal como concebidas e expressas
em decomposição.
no excerto, ensejam a valorização de uma conduta
[...]
Mas o Comissário não ouviu o que o Comandante
que corresponde à da personagem
disse. Os lábios já mal se moviam. A João Romão, de O cortiço, observadas as relações
A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se que estabelece com a comunidade dos encortiçados.
do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os b Jacinto, de A cidade e as serras, tendo em vista suas
olhos o tronco para cima, a folhagem dele mistura-se à práticas de beneficência junto aos pobres de Paris.
folhagem geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se c Fabiano, de Vidas secas, na medida em que ele
destaca, se individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só se integrava na comunidade dos sertanejos, seus
o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se iguais e vizinhos.
na massa. Tal o homem. As impressões visuais são menos d Pedro Bala, de Capitães da Areia, em especial ao
nítidas e a mancha verde predominante faz esbater pro- completar sua trajetória de politização.
gressivamente a claridade do tronco da amoreira gigante. E Augusto Matraga, do conto “A hora e vez de Au-
As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, gusto Matraga”, de Sagarana, na sua fase inicial,
num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, quando era o valentão do lugar.
debatendo-se. Tal é a vida.
[...]
Os olhos de Sem Medo ficaram abertos, contem-
plando o tronco já invisível do gigante que para sempre
desaparecera no seu elemento verde.
Pepetela Mayombe.

192 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea


Gabarito
desobediência à norma é adequada, 8. “Mas aqueles pendões firmes, verticais,
Frente 1 trata-se de um efeito de realidade. beijados pelo vento do mar, vieram en-
Capítulo 17 – Concordância 11. riquecer nosso canteirinho vulgar com
uma força e uma alegria que fazem bem.”
nominal a) Ser punido, levar a pior; pagar um preço
alto pelo produto 9. E
Revisando 10. C
b) “Meias baratas só na loja x” Funciona
1. Trata-se da manchete: “Abertura política
como adjetivo. 11. C
e econômica desafiam...”. A correção
possível é: “Abertura política e econômi- 12. E
Exercícios propostos
ca desafia. ” 13 B
1. E
2. “Umas ropa tão vistosa”; erro de concor- 14. A coluna 2 deverá ser completada nesta
dância nominal. 2. C
ordem: I – I – I – I – II A coluna 3 nes-
“Eles vendia em lote”; erro de concor- 3. Soma: 01 + 02 + 04 + 08 = 15 ta ordem: 2 – 5 – 1 – 3 – 4.
dância verbal
4. E 15. C
3. No texto 2, os desvios são adequados
ao contexto e ao nível de linguagem em- 5. A 16. E
pregado (coloquial/oral). Além disso, cria 6. 17. C
efeito de realidade, pois as pessoas retra-
a) No primeiro caso, o sujeito não está de- 18. E
tadas falam dessa forma. Na reportagem,
terminado por artigo, a expressão “é bom”
o erro prejudica a imagem do enunciador, 19. C
fica invariável. A presença do artigo na se-
pois se espera a norma-padrão.
gunda frase faz a expressão ficar variável
4. Nessa posição, popular pode remeter
somente a preço ou a preço e qualida- b) A mesma explicação do item anterior
Capítulo 18 – Concordância
de, segundo a regra de concordância 7B
envolvendo dois substantivos para um verbal
8 A
adjetivo, este na função de adjunto
Revisando
adnominal (ordem direta). A concor- 9 B
dância atrativa (popular concordando 1 “Nóis ia aguentá por quanto tempo?”;
10. A “Nóis vortô atrás e topô o desconto”.
com preço, a concordância com o
mais próximo) não exclui a referência 11. C 2 “Veio os policial” Os policiais vieram
ao outro substantivo (popular referin- 3. Trata-se de uma adequação ao universo
12. E
do-se a qualidade). social das personagens; reproduz-se a
13. E sua variante linguística.
5. Compromete pelo vocabulário (“po-
pular” é inadequado, pois o contexto 14. B 4. Significa “existir”. Obedece à norma em
remete a pessoas de classes sociais “Houve guerras”, visto que ele é impessoal.
15. C
mais ricas) e pelo fato de colocar em dú O correto seria “Havia...”; “Deve haver...”.
vida o termo qualidade; se a qualidade 16. C
5 “Devem existir outras formas ”
é popular, pressupõe que não seja boa. 17. D 6. O verbo “aceitar” deveria estar no plural,
Sugestão para o término do anúncio:
18. E pois passes é o sujeito da oração
preço acessível e qualidade.
7
6. Só eu conheço os antigos elementos. Eu 19. C
a) “Mas sou eu quem pago a conta.”
conheço só os antigos elementos. 20. B
b) Obedece, pois o substantivo não está
7. Em “só eu conheço os antigos elemen- 21. E determinado; nesse caso, a sequência
tos”, o sentido agora é de que o sujeito verbo ser + adjetivo permanece no mas-
é o único conhecedor. 22. A
culino singular (há uma generalização).
8. 23. C 8
a) Porque funciona como advérbio (está 24. A a) Havendo pronome pessoal, o verbo de-
ligado a um adjetivo, reduzindo sua in- verá concordar com ele, qualquer que
25. D
tensidade), classe gramatical invariável seja a posição do pronome na frase.
b) No enunciado, o verbo andar é de liga- 26. B b) A concordância com o pronome enfatiza
ção, introduz um estado; na segunda o fato de o “eu” querer estar presente
frase, é intransitivo, pois introduz uma
Exercícios complementares na vida do “tu”.
ação (a de andar). A palavra “meia” atua 1. D 9. Tudo nos contáveis; dizíeis-nos todos os
como numeral, por isso concorda com o passos de vossa vida, e nós podíamos,
2. A
substantivo quadra. hora por hora, instante por instante, afi-
3. C nar nosso coração pelo vosso; e agora
9. Lá pros cunfim do sertão/Chorava us
campu/As foia, as ribera/Nos gaio a la- 4. A já nada nos contais do que fazeis.
ranjera/Aos pé de nosso sinhô/Nus pé
5. C Exercícios propostos
du maracujá.
6. D 1. B
10. Procura-se reproduzir a fala do ho-
mem simples do sertão; portanto, a 7. C 2. C

193
3. A para a obtenção dos créditos finais e, ser linguagem oral, mas o autor o faz
desde então, ficamos à espera dos re- para criar o efeito de humor).
4. “Conheci Marcos Rey faz mais de vinte
sultados que serão divulgados em breve
anos, quando sonhava tornar-me escritor.” 3. Pode-se pensar na ação de parar (para,
pela secretaria.”
5. D verbo) ou na ideia de finalidade
14. E (para, preposição)
6
15. B 4. Trata-se do verbo ler, na terceira pessoa
a) Os responsáveis somos nós Nós somos
a equipe de futebol da escola. 16. A do plural não há mais o acento: “Os que
leem [ ]”
b) Agora são seis horas da manhã. 17. D
18. A 5. Todas as proparoxítonas são acentuadas.
c) Hoje é dia 24 de agosto
7. 19. 6 Rima esdrúxula, com palavras proparo-
xítonas.
a) Quantos sonhos havia naquela ingênua a) Millôr Fernandes depara com um erro de
cabecinha... (haver = sentido de existir) concordância em “...contornos dos mor- 7 Bocaiuva
ros que a cerca”. O verbo “cercar” tem
b) Cheguei há dois dias e voltarei daqui 8. Quando o “u” tônico estiver precedido
como sujeito sintático o pronome relati-
a quatro meses. (há dois dias: verbo/a de ditongo decrescente, não se empre-
vo “que”; quando isso ocorre, o verbo da
quatro meses: preposição) ga o acento agudo
oração adjetiva deve concordar com o an-
8 tecedente do relativo, no caso, “morros” 9. Decassílabo heroico.
a) Há erro de concordância em “Os convê- (“...contornos dos morros que a cercam”).
10. So / nha / va-em / ser / he / roi / da / e po / pe / ia 
nios assinados traduz”. b) O texto apresenta vários trechos irônicos, Po / é / ti / ca / no / ver / so de / cas / sí / la /bo
b) Está sugerido que um representante do porém o que mais chama a atenção é o A / go / ra / tra / go pre / sos / na / i / de / ia
Ministério da Educação não poderia co- último período do penúltimo parágrafo: Os / tem / pos des / sas / sí / la / bas / do / ri / t / mo
meter um deslize desses “Berro, no português mais castiço do ma-
nual do [jornal] Globo: HELP!” O termo Exercícios propostos
9. D
“português mais castiço” não pode ser in-
10. D terpretado literalmente, pois o enunciado 1. A
utiliza o inglês: HELP.
11. B 2 E
20. A
12 C 3. A
21.
13. E 4. C
a) “Mas, se não tem Deus, há-de a gente
14. C perdidos no vaivém, e a vida é burra”. 5 A
15. B b) “ a gente perdidos ”; “ é todos contra 6. A
16. C o acaso”
7. A
17. B 22. C
8 C
18. D 23. D
9. D
19. C 24. C
10. A
20. B 25 D
11. A
21. E 26. D
12. A
22. C 27 C
28. D 13. B
23. C
24. D 29. 14. D

25 B a) “Na reunião do Colegiado, não faltaram, 15. B


no momento em que as discussões se
16 B
Exercícios complementares tornaram mais violentas, argumentos e
opiniões veementes e contraditórias.” 17. C
1. A
b) O sujeito de “faltar” é “argumentos e 18. A
2. C
opiniões”.
3 Soma: 04 + 16 = 20 19. V; F; V; F; V
30. A
4. E 31 D 20. B

5 D 32. A 21. C
33. E
6. D 22 D
7 D 23. Por que é que você disse isso?
8. C
Capítulo 19 – Acentuação Não sei bem por quê
Vou dizer-lhe a razão por que o disse.
9 A Revisando
24. D
10. D 1. Não, a reforma envolve apenas a lingua-
gem escrita Exercícios complementares
11 A
2. O implícito de que o homem estaria bur- 1. A
12. C lando a reforma por usar palavras como
2 Soma: 01 + 02 = 03
13 “Entregaram-se ao professor os relató ideia, heroica e jiboia com acento (na
rios de estágio de que precisávamos realidade, ele não cometeria o erro por 3. D

194 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


4. a) Trata-se do verbo “dizer”; a reforma 7. Na passagem “E aí eu volto [...]”, temos a
atinge apenas a língua escrita e não a ideia de tempo
a) A sinestesia ocorre no trecho “geme um ge-
falada; o correto seria “escrever”.
mido aveludado, lilás, sonorização dolente 8. Trata-se do defeito do livro, uma adver-
de saudade”. Evocam os sentidos: audição b) A ironia está presente principalmente sidade em relação à leitura; no contexto,
(gemido), tato (aveludado) e visão (lilás) em: “Eu sempre soube que a maior bar- o “senão” é a digressão narrativa; o leitor
reira para o meu sucesso em Bafatá era espera uma narrativa direta, sem digres-
b) Em “urutau”, o ditongo “au” não se acen-
o C mudo [como em facto na ortografia sões, mas o romance de Machado é
tua pela regra vigente. Também “uru”,
de Portugal] [ ]” O autor quis dizer que a todo repleto de reflexões digressivas.
pois é oxítona terminada em “u” e ono
reforma é inexpressiva, não mudará em
matopeia, porque os ditongos “ei” e “oi” 9 Trata-se de conjunção subordinativa ad-
nada o entendimento de sua obra
da sílaba tônica de palavras paroxítonas verbial condicional seguida de advérbio
perdem o acento gráfico (conforme o 19. de negação.
Acordo Ortográfico de 1990). a) Deixa implícito que a reforma não sanou 10.
5. outros problemas como o gerundismo.
a) Trata-se de adjetivo. A palavra “sozinho”
a) “[ ] os cavalos gingam bovinamente.” / b) Porque a reforma é apenas ortográfica, o substituiria, como em “Vimos, afinal, o
“[...] rebanho trovejante” não mexeu com as formas nominais do filho de Lopes sair sozinho”.
verbo e as estruturas sintáticas.
b) “[...] pata a pata, casco a casco, soca b) Vimos, afinal, só o filho de Lopes sair. (Deli-
soca [ ]” 20. A palavra “pera” perdeu o acento di- mita as pessoas.)
ferencial, por isso a imagem da pera Vimos, afinal, o filho de Lopes só sair.
c) “A boiada vai, como um navio.” colocando a mão na cabeça, como se (Delimita a ação.)
6 tivesse sentido a ausência de algo, no
caso, o circunflexo. Exercícios propostos
a) Acentuação: prémio. Grafia: facto e actual
21 A palavra “linguiça” não possui mais tre 1. D
b) As construções são: “[ ] passei a vida
ma, a imagem da linguiça é semelhante 2 C
a assinar papéis [...]” (no Brasil: passei a
à da pera; assim como esta, aquela sen-
vida assinando papéis);. “[...] a pedir um 3. C
te a falta de algo, neste caso, o trema.
Nobel [...]” (no Brasil: pedindo um Nobel
ou para pedir um Nobel). 22 4 D

c) Segundo a passagem: “[...] critério actual a) Há um debate para a formação de uma 5. C


é o dos mais traduzidos e os mais tradu- greve. 6 B
zidos são o Saramago e o Lobo Antunes” b) É ambígua, pode remeter ao debate 7. D
7. B para a formação de uma greve, ou o fato
de uma discussão interromper a greve. 8 A
8. D
23 Trata-se do monossílabo tônico “é” 9. C
9. A Acentuam-se os monossílabos tônicos 10. D
10. D terminados em a(s), e(s), o(s)
11. E
11. C 24. Rima feminina: amiga/briga; avisava/con-
12. A
versava. Rima masculina: rivais/jornais.
12 C 13. B
13. E 14. B
14. Soma: 02 + 04 = 06 Capítulo 20 – Estudo de 15. D
15. B determinadas partículas 16. B
16. Revisando 17. B
a) O primeiro contém uma definição se- 1 O autor brinca com o significado de “cor- 18. D
mântica, e o segundo contém uma regra rendo” na expressão idiomática “nariz
ortográfica. 19. E
correndo”; por analogia, emprega “nariz
b) A propaganda não se dirige, parado- andando” para indicar um estado ante- 20. D
xalmente, aos professores, mas aos rior ao “nariz correndo”
21. C
discentes ou ao público em geral. 2. Trata-se de pronome relativo; sua função
22. Em “não serás mais o que és”, a palavra
17. é anafórica, isto é, retoma a palavra an-
“que” funciona como predicativo; já em
terior, “nariz”
a) Não, a língua varia no tempo, na si “abismo que cavaste a teus pés”, a pala-
tuação, no grupo social e também no 3. Palavra denotativa de assunto ou vra “que” é objeto direto.
espaço (variante geográfica), como é situação.
23. Sim, a palavra “que” exerce a mesma
o caso das palavras citadas; de região 4 Não Em “[ ] e por baixo”, temos a adi função sintática, ou seja, é objeto direto
para região, encontraremos palavras ção; em “E aí eu volto [...]”, temos palavra dos verbos “preparei” e “amei”
diferentes para designar uma mesma denotativa de assunto ou situação.
coisa, visto se tratar de diferentes reali- Exercícios complementares
5 Na passagem “E aí eu volto da Bahia
dades geográficas. 1.
morrendo de saudades de São Paulo e
b) Não, pois trata-se de uma variação de quase morro afogado!”, temos uma opo- a) Conjunção subordinativa integrante.
léxico (vocabulário) e não de uma mu- sição de ideias.
b) Trata-se de uma crítica aos setores da
dança na maneira como as palavras são
6 Na passagem “Dá três pulos e no direita que encaram o esporte como negó-
escritas, como é o caso da nova reforma.
terceiro enfia!”, o “e” introduz uma con- cio. O processo utilizado foi a composição
18. sequência. por aglutinação (dinheiro + direita).

195
2. 3. Sim. Pelo trecho, é possível perceber o 2. D
a) quê quanto Guimarães foi inovador em vá- 3. B
rios aspectos, como na oralidade e no
b) Quê 4. C
léxico; por isso, sua obra diferenciada
c) Está correta. muito se destaca de qualquer outro mo- 5. B
3. C vimento de seu período. 6. A

4. Equivale semanticamente à conjunção ou. 4 Clarice apresenta se com uma escrita 7. C


universal, selvagem, desbravando o 8. C
5. Deve-se substituir “se não” por “senão”;
universo interior e o fluxo da consciên-
a palavra “senão” significa “a não ser”. 9 E
cia. Já João Cabral, homem da arte da
Nesse caso, escreve-se junto. 10. E
palavra, trabalha com muito cuidado e
6. B engenhosidade cada um de seus textos. 11 A
7 Em I, a palavra delimita o tipo de comida; 5 C 12 D
em II, significa sozinha; em III, delimita a 13. B
6. Embora o contexto histórico influencie a
pessoa: apenas ela. 14. Soma: 02 + 16 = 18
produção, não necessariamente as carac-
8 A terísticas dele estarão refletidas nas obras. 15 D
9 A 7 No Parnasianismo, vimos que a técnica pre 16. B
10. A valecia sobre a inspiração, o que se dava 17. D
11. E de modo oposto no Romantismo. Por isso,
18. A
é importante reconhecer que essas convic-
12. C 19. B
ções variam muito de autor para autor.
13. B 20. D
8. No trecho, Alfredo Bosi versa sobre a
14. D literatura contemporânea e sua renova- 21 Segundo Clarice Lispector, escrever é
15. B ção atrelada às mudanças na dinâmica uma “maldição” porque se confunde
16. Trata-se de um termo muito emprega- social decorrentes da modernidade. Ao com um processo de possessão, ou
do pelos hippies dos anos 1970 para dizer que “subsistem divergências sen- seja, o indivíduo que se vê assaltado
indicar uma aceitação ou admiração em síveis sobre o modo de entender as pelo desejo de transformar a própria
relação a algo, no caso, passar férias fronteiras entre poesia e não poesia”, experiência em relato perde o contro
em Trindade. Bosi refere-se às diferentes formas de le sobre o próprio desejo No entanto,
poesia que encontraremos nesse pe- durante o processo de elaboração da
17. É adequado, pois o público-alvo é jovem. ríodo (Concretismo, poema-processo, escrita, os mais diferentes aspectos
18. Na primeira ocorrência, há o sentido poesia-práxis, poesia social e contem da existência cotidiana, que parecem
de delimitação; na segunda, é sinônima porânea) e que se diferenciarão, não só periclitantes ou destituídos de sentido,
de “sozinho”. no que diz respeito à estética e finalida- passam a encontrar uma significação,
de, mas também em relação ao que é ainda que precária. Dessa forma, escre-
19. Trata-se de pronome adjetivo; intensifica ver é, paradoxalmente, uma “maldição”
inspiração e objeto de consumo. Tam-
a saudade. e uma “salvação”, tanto que a autora de-
bém devemos nos atentar ao papel dos
20 Como se trata de partícula expletiva, o meios de comunicação e das diferentes clara: “Lembro me agora com saudade
vocábulo “que” realça, enfatiza a ideia formas de expressão (como a escrita, a da dor de escrever livros”.
contida na frase. música etc.) na divulgação das obras. 22. Levando em consideração apenas o pri-
21. “... brasileiros, que provêm de quase to- meiro parágrafo do texto “Escrevendo o
Exercícios propostos roteiro”, pode-se afirmar que Syd Field
das as unidades da Federação.”
1 concorda com a proposição da escritora
a) Identifica-se, no texto, o conceito de ami- brasileira, pois, segundo ele, a experiên-
zade no sistema dos jagunços, em que o cia de escrever também se aproxima do
Frente 2 “misterioso” e do “mágico”, ou seja, tem
que vale é “o braço, e o aço”, em contras-
Capítulo 15 – Século XX: te com o conceito de amizade afetuosa, uma natureza encantatória, em que “num
sincera e desinteressada, livre das regras dia você está com as coisas sob controle,
novas identidades literárias da violência no dia seguinte sob o controle delas, per-
dido em confusão e incerteza”. Portanto,
Revisando b) O romance de Guimarães Rosa apresen-
escrever depende visceralmente de um
1. Sim. Como se pode perceber, a obra de ta diversos níveis de inovação estética. A
processo “espantoso” sobre o qual o
Guimarães Rosa pode ser considerada criação de palavras (neologismos) é sua
escritor tem pouco ou quase nenhum
regionalista na medida em que aborda o marca registrada.
controle, como afirma Clarice Lispector
sertão para discutir experiências huma- Outro aspecto de destaque é a alteração
ao dizer que “só sei escrever quando es-
nas universais, a geografia e, também, a da estrutura sintática usual, o que confere
pantosamente a ‘coisa’ vem”
oralidade ao texto, além de representar
linguagem oral típica.
mais uma marca do regionalismo. No tre- 23. O advérbio “eventualmente” enfatiza a
2 A afirmação indicia que as narrativas cho em questão, podemos destacar, por ideia da possibilidade de algo transfor-
desse autor atingem significados muito exemplo, “eu mais uns dias esperasse”. mar-se em um conto ou em um romance
mais profundos no universo da lingua- Também podemos ressaltar a reelabora- Tal advérbio deixa pressuposto que não
gem e da natureza humana. Muitos dos ção da fala do sertanejo, universalizando é toda ideia que surge que é transfor-
conflitos, amores e dilemas vividos por a temática regionalista, como no momento mada em um texto daquele gênero. Por
suas personagens nesse grande sertão em que Riobaldo descreve o que pensa isso, Clarice afirma que fica “à mercê do
podem ser ampliados e vividos por qual- sobre a amizade: sua descrição não se tempo” e que, “entre um verdadeiro es
quer pessoa: Guimarães Rosa parte do limita ao mundo do sertão, mas pode ser crever e outro, podem-se passar anos”
detalhe para construir um universo. aplicada a qualquer contexto. A criação de um conto ou romance

196 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


ocorre, portanto, casualmente, quando, sensações e conta ao leitor sobre o pe onde, quando menino, cavou, em certa
nas palavras da escritora, “espontanea- dido do cachorro e da menina de ficarem ocasião, o chão do quintal à procura de
mente a ‘coisa’ vem”. juntos um tesouro.
24. V; F; V; V; F b) O título traz uma ideia de atração calca- 57 O núcleo do poema surgiu da conjuga-
da nas semelhanças entre o cachorro e ção das frases: “A formiga trabalha na
25. Para o narrador, o emprego de “difíceis
a menina. Ambos pertencem ao universo treva a terra cega traça o mapa do ouro
termos técnicos” não é adequado para
do “vermelho”. O cão é descrito como maldita urbe”. Esse núcleo é constituído
narrar a história de Macabéa; para ele, é “ruivo”, e a menina como “ruiva” e “Os pela disposição de uma série de frases,
preciso que a forma de seu relato corres- pelos de ambos eram curtos, vermelhos”. de tal modo que as letras de certas pa
ponda ao seu conteúdo. Dessa forma, se
36. E lavras servem para formar outras, e as
a vida de Macabéa é uma “vida parca”, o
letras lembram formigas trabalhando.
texto no qual sua vida será relatada tem 37 B
de ser escrito sem técnica nem estilo, “ao 38 Exercícios complementares
deus-dará”. Palavras brilhantes ou termos
técnicos comprometeriam a fidelidade da a) O olhar-se no espelho e o surpreender-se 1 D
forma do texto à sua matéria. consigo mesmo revelam pontos-chave 2. B
A frase que melhor explicita a inconsciên- na narrativa de Clarice Lispector:
3. C
cia de Macabéa é “Nunca pensara em ‘eu • o intimismo da vivência humana, em
especial, a feminina; 4. A
sou eu’”. São apenas o questionamento
e a consciência a respeito de si que po • a epifania, isto é, a revelação ou a 5. C
dem fazer qualquer indivíduo assumir as compreensão inesperada de si mesmo
6 A
rédeas da própria vida. Evidentemente, diante de uma situação; uma obser-
vação que conduz a personagem a 7A
sem essa reflexão sobre a própria iden-
conhecer-se melhor; 8
tidade, Macabéa vivia em uma alienação
• a exploração da psicologia humana
de si mesma: cumpria religiosamente a) “A hora e a vez” do protagonista Augusto
por meio do monólogo interior, cuja
a rotina diária de trabalho, retornava ao Matraga acontecem quando ele salva uma
metáfora pode ser justamente a de
quarto onde morava, colecionava anún- família inteira de ser dizimada, no Arraial
“olhar-se no espelho”.
cios de jornal, ouvia a Rádio Relógio do Rala-Coco, ao lutar epicamente com o
– mas sem se questionar sobre as causas b) I. O “que” (ref. 1) retoma o termo “homem líder dos jagunços, Joãozinho Bem-Bem
ou as finalidades de suas ações. ou mulher”. As motivações que levaram Nhô Augusto
II. O “o” (ref. 2) retoma o trecho “a pessoa à sua redenção foram uma mistura de fé e
26. D
se via como um objeto a ser olhado”. violência, pois ele sente prazer ao derro-
27. A tar seu adversário, depois de sete anos e
39. A
28. E meio de prazeres reprimidos.
40. E
29. b) A primeira escolha consiste no fato de
41. A
a) Clarice Lispector utilizava em seus contos Augusto Matraga ter recusado o convite
42. C
a chamada epifania, ou seja, em momen- de Joãozinho Bem-Bem, logo que eles
43 F; V; V; F; V se conheceram e tiveram uma simpatia
tos simples do cotidiano, as personagens
compreendem o sentido da vida e do 44 C mútua, para fazer parte do bando de
mundo, resultando em um processo de jagunços deste, por mais que a sede
45 A
conscientização. Em “Amor”, a persona- de vingança contra seus inimigos ainda
46. C fosse forte. A segunda aponta para o
gem Ana, ao se deparar com a imagem
do cego mascando chicletes, questiona 47 C clímax da narrativa, pois o protagonis-
a rotina de mulher tradicional que até 48 B ta, ao reencontrar o líder dos jagunços,
aquele momento levava: dona de casa e resolve defender pessoas inocentes de
49. A leitura do poema de Pignatari deve um vilarejo, lutando e matando Joãozi-
esposa dedicada ao marido e aos filhos.
privilegiar a ambiguidade dos sentidos e nho Bem-Bem antes de também morrer
b) A cena do cego mascando chicletes é os recursos verbo-visuais empregados a Portanto, as escolhas que Matraga faz
tão marcante para a protagonista que, fim de envolver o leitor na construção/ constituem o seu caráter de ser humano
a partir disso, Ana passa a enxergar as interpretação do texto. Assim sendo, há permeado de bem e mal (ambiguidade),
pessoas e as coisas que estão ao seu múltiplas possibilidades de leitura. característica principal das personagens
redor de maneira profunda e filosófica. 50. C de Guimarães Rosa.
Atitudes ou gestos simples são interpre-
51. A 9. B
tados à luz do existencialismo sartreano.
O simples movimento da boca do cego 52. A 10. D
é uma metáfora da repetição da vida co- 53. C 11. Soma: 01 + 02 = 03
tidiana de Ana.
54. E 12. C
30. B
55. O poeta refere-se ao Concretismo. Na 13 A
31 C caracterização desse movimento, o au- 14. B
32. D tor defende uma sintaxe visual, em que
a materialidade da palavra escrita é uma 15. E
33. D
construção aberta, exposta e desnudada, 16. D
34. D que deixa à mostra o núcleo do silêncio, 17. A
35. representado pelo branco da página.
18. Soma: 02 + 04 = 06
a) O conto é narrado em terceira pessoa 56 A motivação poética surgiu para o autor
19. Soma: 02 + 16 = 18
a partir de um narrador onisciente. O a partir das letras, que, para ele, pare-
narrador, embora não seja personagem ciam formigas e remetiam à magia de 20. A
da história, sabe de todas as ações e sua infância em São Luís do Maranhão, 21. A

197
22. C quanto o leitor respiram, libertando-se de Exercícios propostos
23. B um cotidiano opressor. Assim, a poesia é
1 D
concebida como libertação, representada
24. D 2. A
pela imagem da cela abafada (sentimentos
25 C e fatos da vida que aprisionam o indivíduo) 3.
26 B e da janela (meio que possibilita a entrada
a) O verbo “ser”, no texto I, expressa
27. E do elemento salvador: o ar, ou seja, a poe-
ideia de desejo/vontade de que as ex-
sia). No poema “Agosto 1964”, defende-se
28. Soma: 04 + 08 = 12 periências vividas na ilha do Pacífico
que a poesia deve estar articulada com os
29. B – referência em turismo – sejam tam-
problemas do seu tempo, denunciando- bém experiências vividas por aqueles
30. E -os. Por isso, a poesia não pode ficar alheia que visitarem o Rio de Janeiro No texto
31. B à realidade contemporânea do poeta, mar- II, o verbo “ser” indica certeza/convicção
cada pela violência social e política. Em tal de que a realidade do Haiti (país cuja
32. B
contexto, a poesia se torna “arma de com- população é predominantemente preta
33. B bate” pela transformação da realidade. e pobre e 60% dela é subnutrida) está
34. E Nesse poema, encontram-se passagens também presente aqui no Brasil
35. A como “a poesia agora responde a inqué-
b) Quando os compositores afirmam “o
rito policial-militar” (a arte como vítima da
36. Soma: 02 + 16 + 32 = 50 Haiti é aqui”, eles comparam as reali-
censura) e “construímos um artefato” (a dades disfóricas presentes em ambos
37 A arte como instrumento de luta) Além dis- os países (Haiti e Brasil) sob o ponto de
38. E so, o poema é apresentado como “uma vista étnico, da fome, da pobreza e da
39. A bandeira”, ou seja, o estandarte que pode desigualdade. Em “o Haiti não é aqui”,
liderar a luta por uma causa social. Caetano e Gilberto Gil deixam claro que
40. E
3. E assumem uma posição de protesto e
41. E
combate às mazelas vividas no Brasil,
42. B 4 B além de literalmente afirmarem que são
43. D 5. Soma: 01 + 08 = 09 localizações distintas.
44. C 6. C 4. D
45. A 5. D
7. A
46. A 6. D
8 A
47. B 7. Soma: 01 + 02 + 08 + 32 = 43
9. B 8. B
48. O autor substitui as vogais “e” e “o” por
uma estrela e um círculo, respectivamente, 10. 9. C
aproveitando, assim, a temática espacial a) Muidinga, personagem que faz parte de 10. D
do “pulsar” Essa analogia se complementa um dos eixos da narrativa, contada em 11. E
com a variação do tamanho dos sinais, re- terceira pessoa, está em busca de sua
forçando a imagem visual do poema. 12. C
identidade pessoal após ter sido acome
49. Soma: 01 + 02 + 08 = 11 tido por uma enfermidade. O percurso 13. V; V; V; V; F
da personagem no espaço narrativo do 14. Soma: 01 + 04 = 05
romance remete à situação histórica de
15 B
Moçambique, destruída pela guerra e pas-
Capítulo 16 – Literatura sando por problemas de identidade social 16 E
contemporânea e cultural, devendo recuperar seu passa- 17 D
do na perspectiva da construção de um 18. A
Revisando futuro. A causa de o território ser “despido
19. D
1 Os dois primeiros versos do poema “Man- de brilho” seria justamente a situação de
dei a palavra rimar,/ela não me obedeceu.” violência e pobreza decorrentes da guer- 20 E
mostram o eu lírico em seu processo de ra civil Isso se manifesta, por exemplo, no 21. D
criação, revelando a expectativa de que local (machimbondo) onde se desenrola 22. C
a palavra rime, seguida da constatação parte desse eixo narrativo.
23. B
de que ela desobedece a essa ordem. b) Os cadernos mencionados no segun-
Ao longo do poema, quanto à forma, 24. A
do trecho haviam sido encontrados
encontram-se rimas externas (rosa/pro por Muidinga próximos do cadáver de 25. E
sa) e internas (sinto/extinto), sonoridade Kindzu e continham o relato de sua 26. Soma: 02 + 04 + 16 = 22
(“sílaba silenciosa”) e jogos de palavras, vida. Trata-se do segundo eixo narrati- 27. E
embora o eu lírico afirme que a palavra vo do romance, que aborda os anos da
não obedeceu a ele No que diz respei 28. C
Guerra Civil e as questões da tradição
to aos sentidos, o poema mantém o tom 29. D
cultural moçambicana. A descoberta
conflituoso, e até mesmo paradoxal, que
dos cadernos de Kindzu e a sua leitu- 30. A
descreve esse embate entre poeta e pala-
ra pelo protagonista sugerem o poder 31. C
vra. A ideia de liberdade e desobediência,
da ficção em reconfigurar, por meio da
exposta nos versos iniciais, confirma-se ao 32
imaginação, as identidades vulneráveis
longo do poema, em versos como “parecia
das personagens em trânsito por um a) O protagonista está machucado, com
fora de si” ou “se foi num labirinto”.
país devastado pela guerra, propiciando problemas no pé, no entanto seu avô
2. Em “Emergência”, o poema é a janela da a evasão da realidade imediata e uma lhe promete um cavalinho caso o meni-
alma, e, por meio dele, tanto o sujeito lírico breve celebração da vida. no permita que seu pé seja lancetado. O

198 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


avô morre, gerando uma frustração nas além disso, utiliza palavras e expressões espaço para a manifestação de perso-
perspectivas do menino. requintadas e de difícil compreensão nagens em focos de primeira pessoa.
(“optarum causa”) em seu discurso. Es- Sendo assim, a visão absoluta dos fatos
b) Segundo a imaginação infantil do pro-
ses dois elementos demonstram que a se desfaz, e, sobre um mesmo episódio,
tagonista, para que a frustração não se
personagem pertence à classe social há focos plurais apontando maneiras di-
transforme em um trauma pela morte
dos mais abastados do interior do Nor- ferentes de enxergar a mesma realidade
do avô e pelo não recebimento do ca-
deste em meados da década de 1960.
valinho prometido, a criança transpõe a Exercícios complementares
realidade para o sonho de onde ganha- 44.
rá vários cavalinhos coloridos. 1. A
a) Dodó não pode namorar Margarida, pois
2. A
33. A seu pai exige que ele estude. Dodó de
cide fingir estudar na capital, mas foge 3. E
34 C
e esconde-se, disfarçado de corcunda, 4 D
35. C na casa de Euricão Árabe Seu sustento
5 D
36 D vem da mesada que o pai lhe envia, e
um amigo a reenvia a seu esconderijo. 6 C
37. E 7E
b) Caroba é a empregada de Euricão, in-
38 Soma: 01 + 02 + 08 + 16 = 27 teressada em um pedaço de terra onde 8. A
39. Soma: 01 + 02 + 04 + 16 = 23 possa viver com Pinhão. Ela organiza 9. E
situações para unir Dodó e Margarida,
40. 10. E
principalmente evitando que Eudoro, um
a) Fabiano representa as camadas velho fazendeiro, consiga se casar com a 11. A
populares, o sertanejo pobre, margina- jovem: para tanto, chega a trancar Dodó 12. E
lizado e explorado: “Era bruto, não fora e Margarida em um quarto, e Eudoro e
13. D
ensinado Atrevimento não tinha, co Benona, tia de Margarida, no outro; dessa
forma, Euricão será obrigado a defender a 14. D
nhecia o seu lugar”/“Bruto, sim senhor,
mas sabia respeitar os homens”/“O amo honra das mulheres de sua família com 15. D
abrandou, e Fabiano saiu de costas, o a celebração dos casamentos 16. B
chapéu varrendo o tijolo”). Abelardo I 45. D 17 E
ocupa o lugar oposto ao de Fabiano na 46. B
sociedade brasileira. Ele faz parte da bur- 18. B
guesia emergente, apresenta-se como 47. E 19. D
um empresário oportunista, explorador 48. A 20 B
e inescrupuloso: “Nada disso me impres 49. D
siona nem impressiona mais o público. 21. D
50. A 22. A
A chave milagrosa da fortuna, uma chave
Yale. Jogo com ela!”/“Ainda não tenho o 51. B 23. C
número de fazendas que seu pai tinha, 52. B 24. E
mas já possuo uma área cultivada maior
53. 25. E
que a que ele teve no apogeu”/“Senhora
minha noiva, a concentração do capital é a) O objetivo político a ser alcançado pelo 26. B
um fenômeno que eu apalpo com as mi- MPLA era dar fim ao tribalismo, fazer
27. C
nhas mãos. Sob a lei da concorrência, os florescer em Angola um projeto social,
fortes comerão sempre os fracos” político e econômico multiétnico, nacio- 28. A
nalista. Uma tribo não pode ver a outra 29. B
b) O gênero predominante é o dramático,
como inimiga De inimigo, basta o tuga 30. D
caracterizado pela presença do diálogo
e do uso da rubrica para indicar ação ou b) As “makas” e os “rancores” dos angolanos 31 B
estado de espírito das personagens. repercutem no modo como o romance é
32 E
narrado em virtude da polifonia. O narra-
41 B 33. A
dor permite que algumas personagens
42. B tomem a voz para si e emitam sua opinião 34. A
43. diante dos acontecimentos, além da pre- 35. E
sença do discurso indireto livre, recurso
a) A peça de Osman Lins Lisbela e o prisio- esse que permite a manifestação do pen- 36. A
neiro é uma comédia de costumes, pois há samento da personagem. 37. A
crítica social por meio da sátira. Em outras
54. 38. V; V; V; F; F
palavras, algumas personagens são carac
terizadas como hipócritas e têm seus atos a) A forma de diálogo entre o dirigente e 39. A
questionados É o caso da personagem Sem Medo é altamente reflexiva. A con- 40. C
Dr. Noêmio, na cena mencionada, pois versa entre eles faz com que Sem Medo 41. Soma: 01 + 04 + 08 = 13
defende veementemente a liberdade de reflita sobre sua própria postura e, a par-
um pássaro preso, porém desdenha da tir de uma autoanálise, perceba que ele 42 A
situação do prisioneiro Paraíba. Além dis- pode ter os defeitos que vê nos outros. 43 D
so, tem atitudes autoritárias com relação à Mais tarde, Sem Medo afirma ser Mundo 44 Soma: 01 + 04 + 08 + 32 = 45
noiva Lisbela, deixando demonstrar todo o Novo um nome viável para ocupar o car-
45. Soma: 02 + 04 + 08 + 16 + 64 = 94
machismo contra as mulheres. go de André, retificando-se
46. C
b) A expressão “minhas convicções” sim- b) Sim. No plano da narração de Mayom-
boliza todo o machismo que permeia be, temos a polifonia, ou seja, além do 47. A
Dr. Noêmio com relação à noiva Lisbela; foco de terceira pessoa, o narrador dá 48. D

199
Anotações

200 LÍNGUA PORTUGUESA Anotações

You might also like