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GENTRIFICAÇÃO DOS AFETOS - BRUNA KURY E GIL PORTO PYRATA

Para a exposição Dizer Não, Bruna Kury e Gil Porto Pyrata exibiram a videoperformance
Gentrificação dos Afetos, preambular ao longa-metragem de título homônimo. No curta, entre trechos
do processo de elaboração da caixa para cabeça, por Gil, e o movimento sonorificado de transeuntes,
a recusa de inércia/subordinação às normatizações sociais eurocêntricas de perímetros urbanos é
evidente na interposição de esculturas – busto de Afonso Taunay (Claude Dunin); A Menina e o
Bezerro (Luís Christophe); herma de Luiz Gama (Yolando Mallozzi); Depois do Banho (Victor Brecheret)
– posicionadas em praça pública, com seguridade garantida pela polícia, coabitantes com corpas
abjetificadas, como o são as de gente marcada socialmente como diferente e das baratas.
Trajada com a caixa que continha as baratas, sutiã, calcinha, colar e botas, a performer
intervém, à luz do dia, caminhando e posando no Largo do Arouche, localizado na região central da
cidade de São Paulo. Suas imediações, nos últimos 50 anos, já sediaram produtoras de cinema
marginal e seguem como um conglomerado de restaurantes e boates, além do mercado de flores –
para ficar nos três pontos mais repetidos nos discursos turísticos que muitas vezes
justificam-ocasionam processos de gentrificação nas cidades do mundo
cishetero-patriarcal-capitalista.
Recentemente (2016), o Arouche foi destacado pelo governo municipal, em virtude da
frequência/presença de pessoas LGBTQIA+, por meio de bandeiras arco-íris, prometidas para longa
duração, que logo foram removidas e não mais repostas. Significativo gesto que assinala a
continuidade das condições de desigualdade radical do ecossistema social da nação, que conduzem,
sobretudo, travestis e mulheres trans negras a se prostituir noites adentro no largo.
Três sentenças instigam, junto com a ausência de discursos falados, a montagem do vídeo: “A
colonialidade sustenta-se em ficções de raça e gênero”; “Disforia de gênero humano”; “Diz-se que a
barata é o único animal que não é de deus”. Essas frases, posicionandas no sentido das construções
de afeto e relações, traduzidas também como pertencimento à fruição da cidade e à cidadania, e
levando em conta que pessoas de origem latina, nos Estados Unidos da América [do Norte], são
injuriadas como cucarachas – baratas, em espanhol –, resultam em disparadores cruciais para a
revisão da atualização das lógicas higienistas, propagadas como ciência médica no século XIX e XX,
que regem os imaginários sobre quem não está em conformidade com os roteiros da geopolítica das
explorações/opressões correntes disfarçadas de objetivos para o bem comum.

Rogério Félix

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