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Os donos da chave da sua casa...

... e do seu escritório, de hotéis, hospitais. Eis os homens que irrigam com dinheiro o boom
do setor imobiliário - POR JOAQUIM CASTANHEIRA

fotos: Zeca Caldeira/Arte:


O paulistano Armando Montes sempre cultivou o desejo de investir em imóveis –
André Felix
herança da ascendência ibérica, brinca ele. Faltava-lhe dinheiro e, sobretudo,
segurança para escolher o investimento correto, que lhe garantisse bom retorno.
Pois anos atrás Montes descobriu uma forma de realizar seu sonho sem escapar
de suas restrições financeiras. Por cerca de R$ 20 mil comprou duas cotas do
fundo de investimento formado para a construção de um shopping center. Hoje
recebe “aluguel” do empreendimento – cerca de R$ 900 mensais. “Os lojistas são
meus inquilinos”, diverte-se ele. Na outra ponta dessa história, encontra-se Fábio
Nogueira, diretor geral da Brazilian Finance & Real State, uma empresa voltada
para investimentos no mercado imobiliário. Há oito anos, Nogueira montou um
fundo imobiliário, arrecadou R$ 40 milhões e viabilizou a construção do shopping.
Foi a primeira operação desse tipo no Brasil. Investidores como Montes e
empresários como Nogueira desenharam um novo modelo para o setor
imobiliário. Nessa nova era, esse mercado já não vive apenas de cimento, tijolo e
financiamentos oficiais. Hoje, a aplicação em imóveis vai rapidamente se
transformando em uma nova modalidade de investimento financeiro, assim como
ações, títulos públicos ou caderneta de poupança. “Fizemos a transição do mundo
do concreto para o mundo dos papéis”, afirma Nogueira. Fábio Nogueira: sua Brazil
Finance já movimentou R$ 4,5
bilhões com securitização e
fundos imobiliários
José Paim: com investimento
Zeca Caldeira Aos 46 anos, Nogueira faz parte de uma geração de de R$ 1,5 bilhão, conduz o
executivos e empreendedores que está conduzindo o maior projeto residencial em
setor nessa travessia. São sujeitos com uma larga andamento no País
experiência no setor. Possuem a cabeça voltada mais
para a engenharia financeira do que para a engenharia COMENTE ESTA
civil. Ao contrário dos antigos construtores, não têm REPORTAGEM
apego aos imóveis que ajudam a erguer e podem
vendê-los assim que o investimento for remunerado com um bom lucro. Mais e mais,
esse time terá em suas mãos as chaves de sua casa, de seu escritório, de hotéis,
hospitais e todo tipo de empreendimento destinado a abrigar pessoas. São eles os
protagonistas do boom imobiliário que agita o País neste momento. Segundo um
estudo da Merrill Lynch, somente neste ano o setor deverá receber investimento de R$
27,5 bilhões. Em algum momento, boa parte dessa dinheirama passará pelas mesas
dessa nova geração de empresários.

Nogueira dedica-se há mais de 20 anos ao setor. Seu currículo acumula passagens por
Daniel Citron: a instituições do porte do Citibank, BankBoston e BCN. “Em cada um deles, criei a área
Tishman monta um imobiliária a partir do zero”, conta. Desde então, e ainda hoje, o grande desafio é
fundo, de US$ 500 convencer o investidor a entregar seu dinheiro sem receber uma escritura de volta.
milhões, exclusivo para “Em compensação, ele tem rentabilidade e liquidez maiores do que se comprasse um
investir no Brasil imóvel diretamente”, diz ele. Com esse tipo de argumentação, a Brazilian Finance já
estruturou operações de R$ 2,5 bilhões em fundos imobiliários e outro R$ 1,5 bilhão em securitização de
recebíveis. Graças a esses instrumentos, a companhia viabilizou a construção da Torre Norte, um dos mais
modernos e vistosos edifícios de escritórios de São Paulo, e o Shopping Pátio Higienópolis. Sua mais recente
empreitada foi um fundo para financiar o projeto do Hospital Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo. Em duas
emissões, o empreendimento captou R$ 65 milhões. “Foi um sucesso”, afirma Nogueira. “Os investidores já não
torcem o nariz para esse tipo de aplicação.”

Nem sempre foi assim. Na primeira operação de securitização, a Brazilian Finance comprou Helcio Nagamine
propositadamente uma carteira de recebíveis problemática, que já havia sido renegociada
um vez e continuava apresentando níveis de inadimplência elevados. “Queríamos
demonstrar nossa capacidade no pior dos mundos possíveis”, diz Nogueira. A empresa
estabeleceu também uma regra “sossega investidor”: assumiria perdas equivalentes a 20%
dos recebíveis. Mais: conseguiu que seu primeiro cliente fosse o Banco Interamericano de
Desenvolvimento, BID, instituição que dispensa apresentações. No final das contas, o
resultado foi positivo. “Era um produto desconhecido e gerou desconfiança. Com essas
medidas construímos nossa credibilidade”, resume Nogueira.

O que segurou a explosão do mercado imobiliário foi o longo período de inflação alta no
País. “Tratava-se de um investimento de longo prazo num cenário de curtíssimo prazo.
Acreditávamos no setor, mas nossa persistência beirava a teimosia”, afirma Carlos
Betancourt, presidente da Bracor. Depois de mais de 20 anos de atuação nesse meio,

Paulo Ximenes:
sua corretora acaba
de vender uma
cobertura, na
planta, por R$ 8,7
milhões
Betancourt fundou a Bracor em junho de 2006, em associação com o Equity International, maior grupo de
investimentos imobiliários do mundo vendido recentemente por seu fundador Sam Zell por impressionantes US$
36 bilhões. Desde que abriu as portas, a Bracor já colocou R$ 500 milhões em território brasileiro. Seu negócio é
adquirir imóveis corporativos e, em seguida, alugá-los para os antigos proprietários. Foi assim com um centro de
distribuição da Alpargatas no Nordeste. A Brascor também ergue edificações sob medida para um cliente mediante
um contrato de locação de longo prazo, a exemplo de um centro de distribuição para a AGV Logística, em Vinhedo
(SP). Em outros casos, adquire um imóvel antigo e o reforma de acordo com a necessidade de uma empresa
específica, num processo chamado de retrofit. “Há um enorme espaço de crescimento”, diz Betancourt. “As
empresas brasileiras possuem muito capital imobilizado. Se o acionista quisesse investir em prédio, colocava seu
dinheiro em uma imobiliária.” Segundo ele, as companhias americanas possuem apenas 20% de seu capital em
edifícios. No Brasil, esse índice é de 80%.

Betancourt atua na parte menos aguerrida do mercado, a de imóveis corporativos. “Num momento de expansão,
os residenciais saem na frente. Os clientes corporativos esperam mais, agem mais racionalmente”, diz José Paim
de Andrade, da MaxCap, especializada na gestão de investimentos do setor. Paim comandou a primeira abertura
de capital de uma construtora, a Rossi, da qual foi um dos fundadores. Hoje, identifica boas oportunidades, reúne
grandes investidores e viabiliza tacadas gigantescas. Um deles foi a aquisição do Edifício Esso, no Rio de Janeiro,
há três anos. Construído em 1933 como sede da Standard Oil e atualmente tombado pelo patrimônio histórico, o
local abrigará a unidade carioca do Ibmec, depois de passar, durante nove meses, por uma profunda restauração
– um contrato de locação de 15 anos. Valorizado, o prédio será colocado à venda por Paim no próximo mês de
março. “O retorno para os investidores será de 70% ao ano”, aposta ele. Mas o lance de porte conduzido por Paim
é o Campos São Paulo, um bairro residencial com oito torres de apartamentos, cujos preços começam em mais de
R$ 1,5 milhão. A empreitada total consumirá R$ 1,5 bilhão e estará concluída em cinco anos. “É o maior projeto
imobiliário em andamento no País”, afirma ele. Seu principal parceiro é a construtora Bueno Neto. Recentemente
venderam uma parcela de 25% do negócio para a Tecnisa, uma das grandes construtora do País. “Nunca imaginei
viver num momento desses. Antes tínhamos projetos, mas faltavam recursos”, afirma. “Hoje, a situação é
inversa.”

A euforia no mercado residencial é capaz de mudar até a estratégia de grandes companhias do setor. A Tishman
Speyer transformou-se na maior investidora imobiliária do mundo focada apenas para escritórios de alto padrão.
Ícones como o Rockfeller Center e o Chrysler Building, em Nova York, e o Sony Center, em Berlim, são de sua
propriedade. Em 2003, porém, diante do marasmo desse pedaço do mercado, a empresa entrou na área
residencial. “Foi um esforço danado convencer os acionistas dessa mudança”, diz Daniel Citron, presidente da filial
brasileira. “Com os resultados, porém, a Tishman levou a experiência para outros países.” Em dez anos de
presença no Brasil, a empresa já vendeu 250 mil metros quadrados de imóveis. Nesse período, investiu o
equivalente a R$ 1,5 bilhão em nove projetos de grande porte. Em algumas semanas, Citron espera uma nova
onda de recursos. A Tishman está montando um fundo de investimento no exterior para investir exclusivamente
no Brasil. A expectativa é arrecadar até US$ 500 milhões. “Até hoje, utilizávamos o dinheiro de nossos fundos
globais. Agora, teremos um exclusivo para o País”, afirma Citron.

A sofisticação dos projetos cria um efeito cascata no mercado, desde a etapa de construção à venda de escritório
e apartamentos. Paulo Cezar Ximenes, um ex-executivo da Merrill Lynch em Nova York, identificou a carência de
corretores de imóveis qualificados para atender clientes endinheirados. De volta para o Brasil, “aproveitou o DNA
da família” (o avô e o pai atuavam no ramo) e montou a Ximenes, imobiliária que só comercializa imóveis a partir
de R$ 900 mil. Os compradores são executivos e empresários, muitos deles estrangeiros. “Tenho corretores que
falam seis idiomas”, diz ele. Graças à sua formação, Ximenes utiliza também uma linguagem universal, a
financeira. “Sempre digo para eles que, quem está à procura de hedge, deve comprar imóveis.” Há pouco meses,
Ximenes vendeu a “mais cara cobertura na planta do País”, uma área de 1,2 mil metros quadrados na Barra da
Tijuca. O preço: R$ 8,7 milhões. Agora, a Ximenes fechou uma parceria com a americana Newmark Knight Frank,
com atuação em 40 países e responsável pela intermediação de negócios no setor que totalizam US$ 40 bilhões.
“Vamos trabalhar juntos principalmente na praça de São Paulo”, diz Ximenes. Enfim, o boom do mercado
imobiliário atrai cada vez mais gente que tem em suas mãos a chave de sua casa, de seu escritório, etc.

R$ 27 bilhões é o volume de investimento no setor imobiliário em 2007


A maior parte desses recursos terá como destino o mercado residencial

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