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a Encnando a wansgredr impresséo de que, quando moter, também You mor- rer intensamente, Vou morer experimentando inten- samente comigo mesmo. Por iss, vou morter com tum anzeioimenso pela vida, pois € assim que tenho vivid. GW, Isso! Ougo voot falando essas mesmas palavras, Al- gum iltimo comentisio? ‘bh; Somente que as palavras parecem niio ser boas 0 t= ficiente para evocar tudo o que aprendi com Paulo. ‘Nosso encontro teve aquela qualidade de dogura ‘que continua, que perdura por toda a vida; mesmo que vyoct nunca mais fale com a pessoa, nunca mais Ihe veja o rosto, sempre pode volear, em seu coracio, Aquele momento em que vocts estiveram juntos € ser renovada ~ é uma solidariedade profunda. A teoria como pratica libertadora ‘Cheguei 3 teoria porque estva machucada ~ a dor den- tro de mim era tio intensa que eu nfo conseguiria conti- nuar vivendo. Cheguei 4 tzoria desesperad, querendo compreender ~ apreender o que estava acontecendo ao re- dor e dentro ce mim. Mais importante, queria fazer a dor ir embora. Vi na teoria, na época, um local de cura (Cheguei 3 teora jovem, quando ainda era crianga. Em ‘The Significance of Theory, Terry Eagleton diz: ‘As ctiangas slo os melhores teéricos, pos nfo reeeheram 2 educago que nos leva a aceitar nossas pritics ociis rote ciras como “ature”, por isso, insistem em fazer as pet- ‘guna mais constangedoramente gorse univesis,enca- rando-as com um maravilhamento que nés, adults, hi ‘muito esquecemos. Una ver que ainda nfo entender nos- «2 pritca socias como ineveiueis, nfo veem por que no poderfamos fazer as cosas de outra maneira, Sempre que, na infincia, eu tentava [evar as pessoas 20 meu redor a fazer as coisas de outra mancira, a olhar o ‘mundo de outra forma, usando a teoria como intervengio, ‘como meio de desafiar 0 starusquo, ew era castigads. Lema- “ Enanando rangredir bro-me de, ainda muito nova, tentar expicar & Mamde por que me parcia altamenteinjusto que o Papal, esse hhomem que quase nio flava comigo, tivesseo direivo de sme discplinas, de me castiga sicamente com cintadas. A resposta dla foi dizer que eu estava perdendo 0 juizo precisava ser castigada com mais frequéncia. ‘imagine, po vor, ese jovem casal negro que baalhava antes de tudo para realizar a norma pariarcal (dee mulher fica em casa tomando conta do lar e dos fils enquanto « homem trabalhava fora) embora ese arrano sgniicase ‘que, economicamente, cles sempre viveiam com menos. “Tent imaginar como era a vida para eles, cada qual traba- Ihando duto o dia ineeto, laand para sustentar 0s se fihos ¢ tendo de lidar com essa criangaincansivel que, com um brilho no olka, questionava, ouseva desafiar 2 autoridade masculina, se rebelava conua a prépria norma patria que eles tancotentavam instiucionalizar les devia tera impresséo de que um monsto havia aparecido entre cles na forma ¢ no corpo de uma crianga “uma figurinha demontaca que ameacava subverter¢ mi nar tudo o que eles uscavam constit. Néo admin, en- to, que a reagio dees fose a de eeprmir, coner, pun. [io admira que « Mame voltae meia me disses, ria: dae frustrada: “Nao sei de onde voc® velo, mas bem que cu gostaria de mandé-la de voles para li” Imagine também, por favor, minha dor de infincia. Ea ‘nfo me setia realmente lgada a esa gene estranha, a e=- ses familiares que no s6 no conseguiam entender minha visio de mundo como também sequer queriam ouvir falar dela. Na infincia, eu nfo sabia de onde tinha vindo. E, A teoria como pris libertadora « quando eu ngo estava tentando desesperadamente fazer parte dessa comunidade familiar que dava a impressio de ‘nunca me aceitar nem me querer, estava buscando deses- peradamente descobrir onde eu me encaixava. Estava bus- cando desesperadamente encontrar 0 caminho para casa ‘Como ew invejava a Dorothy de O Masico de Oz, que pode viajar entre seus piores meds pesadelos para no fim des- cobrir que “ndo hi lugar como o la”. Vivendo ne inBincia sem ter sensagio de um las, encontrei um refiigio na “teo- rizagio", em entender 0 que estava acontecendo. Encon- trei um lugar onde eu podia imaginar futuros possiveis, ‘um lugar onde a vida podia ser diferente. Essa experiéncia “ivida” de pensamento cxtico, de reflexio e anise se ror- ‘ou um lugar onde eu trabalhava para explicar a mgoa € fart-a irembora. Fundamentalmente, esa experincia me ensinou que a toria pode ser um lugar de cura. Na introdugio ao livro Prisoners of Childhood, a psica- nalsta Alice Miller conta que foi sua luca pessoal para se recuperar dos ferimentos da infincia que a levou a repensar € a teorizar de novo as doutrinas prevalecentes do pensa- mento sociale ertic acerca do sentido da dor de infincia, ddos maus-tratos as ciangas. Na vida adult, por meio de sua pric, ela sent a teoria como um lugar de cur. i nifcativamente, reve de se imaginar no espago da infincia, de olhar de novo as coisas a partir dessa perspectiva, de lembrar “informagées erucias, respostas a perguntas que hhaviam continuado sem resposta 20 longo de todo [seu] estudo de Filosofia ¢ psicanilise". Quando nossa experién- cia vivida da teorizsdo estéfundamentalmente ligada a processos de autorrecuperacio, de ibertagio coletiva, nfo Ps Ersinando a transgredr existe brecha entre a teoria e a pritica, Com efeito, © que ‘esa experiéncia mais evidencia € 0 elo entre as duas— um processo que, em tikima andlise, € reefproco, onde uma ‘A teoria ndo é intrinsecamente curativa,libertadora © revolucionétia, Sé cumpre essa fungio quando lhe pedi- mos que o faga e dirigimos nossa teorizagio para esse fim, Quando era crianga, € certo que eu mio chamava de “teo- Tizagic” os processos de pensamento critica em que me cenvolvia. Mas, como afirme! em Feminist Theory: From ‘Margin to Center a posse de urn termo no dé existencia a lum processo ou pritica; do mesmo modo, uma pessoa pode praticar a teorizagso sem jamais conhecer/possuir 0 ‘termo, assim como podemos viver e atuar na resisténcia feminista sem jamais usar a palavra“feminismo”. ‘Muitas vezes, a8 pessoas que empregam livremente cer- tos termos ~ como “teoria” ou “feminismo” — nfo slo ne- ‘cessariamente praticantes cujos hibivos de ser ¢ de viver incorporem a gio, a prética de teorizar ou se engajar na lta feminista. Com efeito, 0 ato privilegiado de nomear muitas vezes abre aot poderosos 0 acesso a modos de co- rmunicasio e os habilicaa projetar uma interpretagéo, uma definigéo, uma descrigio de seu trabalho e de seus atos que pode nao ser exata, pode esconder o que realmente esté acontecendo, O ensaio “Producing Sex, Theory, and Cul- tute: Gay/Straight Re- Mappings in Contemporary Femi- nism” (ein Conflice in Feminism), de Katie King, Faz uma Aiscussio muito dil do modo pelo qual a producto acadé- ‘mica de teoria feministaformulada nur ambiente hierés- quico muitas vees habilta certs mulheres de alo satus © ‘tori come pritalbertadora o visblidade, paccularmente as brancas, a s apoiae nos ttabalhos de pensadoras minisas que podem ter menos starus ou satus nenhuo, menos visibilidade ou vsibilidade nnenhuma, sem reconhece as fonts King discuteo modo pelo qual os trabathos sto confiscados e © modo com que as letras frequentemente atribuem cers ideia « uma académica/pensadora feminista bem conhecida, mesmo aque essa pessoa tena ciado em sua obra que etd cons- cruindo em cima de idcias obtidas em fontes menos co- nhecidas. Enfocando paricularmente a obra da t CChela Sandoval, de origem mexicana, King afirma: “Os ttabalhos de Sandoval s6 foram publicados espordica © excentricamente, mas seus manuscrtor nfo publicados em circulaséo so muito mais citados efrequentemente rouba- dos, embora seu rao de inlutnciararas vnc seja compre- cendido.” Embora King coma o iso de se pdr no papel de bub quando assume retoricamente a postura de autorida- 4e feminisa, derminando o rio e amplitude da influén- cia de Sandoval, 0 ponto celtio que ela pretend enfaicat que produgio da tora feminisea é um fendmeno com- plexo, que raras vezes € to individual quaneo parce e ge- ralmente nasce de um envolvimenco com fontes coletivas. Ecoando tericas feminists, especialmente mulheres de cor que wabalharam com perseverang para resstir& come trugio de fonteiras criticasrestritvas dentro do pensa- ‘mento feminist, King nos encoraja a er um poato de vista expansivo sobre o proceso de torizato, ‘A reflesio critica sobre a producio contemporinea da teoria ferinisa mosca com clareza que o distanciamento em relago Bs primeiras conceicuagbes da veoria feminist ® Erarando a wansgror (que insist em que ela era mais eficaz quando esimu- lava e capacitava a prticafeminsta) comesa a ocorter ou pelo menos se tozna mais Sbvio com a segregacio € i tucionalizagio do proceso de teoriacio feminista na ace- emia, com a atibuigio de privlégio 20 pensamentolteo- tia feminista ecrvo em detsimento das naratvasorss. ‘Concomirantemente, 0 esforgos das mulheres negras ede cor pata desafiar¢ desconstruir a categoria “mulher” — a insisténcia em reconhecer que o sexo nfo €o tnico furor que determina as conserugbes de feminildade ~ foram {uma intervengfo exsca que produziu uma revolugio pro- funda no peasamenco feminist c realmente questionow € percurbou a teoriafeminsta hegemdnica produsida prin- Cipalmence por académicas, brancas em sua maioria. No astro dessa pereubardo, o ataque A supremacia bbranea manifestada na allanga entre as académicas brancas «seus colegasbrancos parce eer-s formado e cescido em tomo de esforgos comuns para formular e impor padrbes de avaiago cftica que fossem usados para definir 0 que € teotia€0 que ndo é Esespads6es frequentemente produ- ziram 0 confisco efou a desvalrizaczo dos tabalhos que fo se “enaixavam”, que de repente foram consderados no te6ricos — ou nfo suficientemente te6ricos. Em alguns ambienes, parece haver uma liga diera entre 0 fato de as académicasfeministas brancas acolherem obras e teoti crkicas de homens brancos eo faxo de desarem de resp tar evalorzar plenamente as ideas crticase a proposts teéricas de mulheres negras ou de coe. (Os tabalhos de mulheres de cor ede grupos marginali- zados de mulheres brancas (Lsbicas radials sexwals, por ‘A tworia come pritc lberadors » cxemplo), especialmente quando esctitos num estilo que ‘0s tora acessiveis a um pico leitor amplo, so frequen- tementedeslegtimizados nos erculos académicos, mesmo que esses trabalhos possbilrem e promovam a prétcafemi- nista. Embora sejam frequentemente roubadas pelos pré- ptios individuos que estabelecem os padres eriticos resr- tivos, so esestrabalhos que esses individuos mais afirmam rio serem teéricos. Claramente, um dos usos que esses individuos fazem da teoria € instrumental. Usam-na para car hicrarquias de pensamento desnecessirias e concor- rentes que endossam as politcas de dominagio na medida ‘em que designam certs obras como inferiores ou suped res, mais dignas de arengo ou menos. King sublinha que “a teoria enconera usos diferentes em lugares diferentes”. E cvidente que um dos muitos usos da teoria no ambiente académico é produgio de uma hierarquia de lasses inte- Jectusis onde a inicas obras consideradas realmente teéri- cas sfo as aleamence abseraas, escritas em jargio, dficeis de ler ¢ com referéncas obscuras. Em “A Conversation about Race and Class’, de Childers © hooks (também pu- blicada em Conflis in Feminio), a ceitca litrisia Mary ‘Childers declara ser altamente paradoral que “um certo tipo de desempenho tedrco que sé pode ser entendido por tum efrculo minimo de pessoas” tenka passado a ser visto como represcntativo de toda a producto extica passive de ser reconhecida como “teria” nos eitculos académicos. E especialmente paradoxal que isso acontega com a teoria feminist. E ¢ ficil imaginar lugares diferentes, espasos fora da toca académica, onde uma teora desse tipo seria considerada nfo somente inl como também reaconéria ” Eranando a wansgredr do ponto de vista politico, uma espécie de pritica narcisis- ta € autocomplacente que, em geral, procura criar uma brecha entre a teoria e a pritica para perpetuar o elitismo de classe, Existem tantos contextos neste pafs em que a ppalavra escrita tem um significado visual mfnimo, onde pessoas que no sabem ler nem escrever no encontram tilidade para nenhuma teoria publicada, seja ela hicida ‘ou opaca, Por isto, nenhuma teoria que ndo possa ser co- ‘municada numa conversa cotidiana pode ser usada pars ‘educar o piiblico. Imagine a mudanga que aconteceu dentro dos movi- _mentos feministas quando as estadantes, mulheres em sua maior, entraram nas aulas de Estudos da Mulhere leram fo que thes diziam ser teoria feminista, mas descobriram {que aquilo que liam no tinha sentido, no podia ser en- tendido ou, quando era entendido, nfo tinha ligagio ne- ‘ahuma com as realidades “vividas” fora da sala de aula. Como ativistas feminisas, podemos nos pergunar para aque serve uma teoria feminista que agride as psiques fré- ses de mulheres que lutam para sacudi 0 jugo opresivo do pattiarcado, Podemos nos perguntar para que serve ‘uma teoria feminista que literalmente as espanca, as expul- sa trépegas ede olhos vidrados do contexto da sala de aula, sentindo-se humilhadas, sentindo-se como se estivessem de pé numa sala ou num quarto em algum lugar, nua, na presenga de alguém que as seduziu ou vai seduzi-las, al- {guém que as sujeitaa tum processo de interago humilhan- ‘te, que as despoja do sentido do seu valor. Evidentemente, ‘uma teoria feminista que faz isso pode funcionar para legi- timar os Estudos da Mulher ¢ 05 Estudos Feminists aos i ‘A teori come pri lbrtadora ” cothos do paciarcado dominante, mas solap e subvert os ‘movimentos feminists. Talvex se a existéncia dessa teo- via feminist mais slramence visivel que nos compele a fx lar do abismo entre a teoria a pritica, Pois 0 objetivo dessa teria de fato,o de divi, sepaas excluit, manter A distincia, E, uma ver que casa tori continua endo ust~ da parasilenca,censurar desvaloizar virus vozes cas feminists, nfo podemossimplesmenteignori-la. Por outro lado, apesar de ser usilizada como instrumento de dlominagio, cla eambém pode conter importantes ideas, ppensamentos evisbes que, se fossem usados de modo dife- rente, poderiam ter uma funeio de cura e iberagio. En- treeanto, nfo podemos ignora os perigs que ela represen ta para a lua feminise, que deve ex suas rizes numa teotia que informe, molde e possible a pritcafeminisa, Dentro dos crculos feminists, muitas mulheres, ro indo & weoria feminisa hegeménica que mio fla clara- ‘mente conosco, pastaram a atcar toda tori ¢, em conse- quénca, « promover sinda mais a falsadicotomia enue teoria pritica. Assim, entram em conluio com aquclas quem se oper. Ineriorizando ofalso pressuposto de que 2 teoria nfo é uma pritica social, clas promovem, dentro dos ciculos feminists, formagio de uma hierarquia po- tencialmente opressora onde toda agio concreta é vista ‘como mais importante que qualquer teria esrta ou fa da, Recentement, fui a uma reunifo onde estavam pre- sentes principalmente mulheres negra. Af dscutimos se os lideres negros homens, como Martin Lather King © Malcolm X, devem ou nfo sr sujeitos a cfticas feminists aque quertionem vigororamente a posicio dele diante dos a Ensinando a rangredr assuntos de género. A discussio toda durou menos de duas horas, Quando estava terminando, uma negra que estivera ‘em siléncio disse que no estavainteressada em toda aque- la teoria ¢ retérica, toda aquela falagio; que estava mais interessada na ago, em fazer algo, e estava simplesmente “cansada” da falagio. “Avreagio dessa mulher me perturbou: é uma reaglo que -conheso muito bem. Talvez, na vida cotidiana, esa pessoa habite um mundo diferente do meu. No mundo em que vivo meu dia a dia, hd poucas ocasi6es em que pensadoras rnegras ou de cor se juntam para debater com rigor ques- Bes deraca, género, clase sociale sexualidade. Porisso, cu ‘no sabia qual era o ponto de partida dela quando disse que a discussfo que estévamos tendo era comum, comum ‘a ponto de ser algo que podettamos dispensar ou de que rio precisivamos. Sensi que estivamos engajadas num processo de didloga critico e de teorizagio que hd muito tempo era tabu, Logo, do meu ponto de vista nés estivar ‘mos mapeando novas jornadas, vomando posse, como mu- Theres negras, de um tertiério intelectual onde poderta- ‘mos comecar a construgio coletiva da teoria feminista. Em muitos contextos negros, assist & rejcicéo dos ince- lectuais, 0 rebaixamento da teoria,e fique calada. Acabei pereebendo que o sléncio é um ato de cumplicidade que ajuda a perpetuar a idela de que podemos nos engajar na ibertacio negra revolucionéria e na luca feminista sem a teoria, Como muitos intelectuais negros insurgentes, cujo trabalho intelectual e cujo ensino se dio num contexto ppredominantemente branco, gosto muito de me engajar ‘com um grupo coletivo de gente negra. Por isso, quando ‘A twos com pritealiberadora 2 ‘estou ali nfo quero agitar 0 ambiente nem me separar do grupo por discordar dele. Neses contextos, quando o «ra- balho dos intelectuais€ desvalorizado, no passado eu quase ‘nunca contestava os pressupostos prevalecentes nem fava afirmativamente ou entusiasmada sobre 0 processo intelec- tual, Tinha medo de que, se assumisse uma posicio que insstia no valor do erabalho intelectual, da teoria em parti- cular, oe simplesmenteafirmasse que pensava ser impor- tante ler muito, eu corres oriseo de ser vista como preten- sigsa ou mandona. Muitas vezes,fiquei em silencio. -Essesriscos ao ego hoje parecem banais quando compa- rados &s ctises que enfrentamos como affo-americanos, ‘com nossa necessidade premente de reavivar e manter ace- sa a chama da lura pela libertagéo negra. Na reunio que ‘mencionei, tive coragem de falar. Respondendo & afirmati- vva de que estévamos perdendo nosso tempo falando, cu disse que via nossas palaveas como uma ago, que nosso esforgo coletiva de discutir questoes de género e negricude sem censura era uma pritica subversiva. Muitas quesides {que continuamos confrontando como negros ~ baisa au- ‘oestima, intensificacio do nillismo ¢ do desespero, raiva.e violéncia reprimidas que destroem nosso bem-estarfisico € psicolégica ~ no podem ser resolvidas por estraégias de sobrevivéncia que deram certo no passado. Insisti em que precisivamos de novas teorias araigadas na tentativa de compreender tanco a natureza da nossa situario atual ‘quanto os meios pelos quais podemos nos engajar coletiva- mente numa resisténcia capaz de transformar nossa reali- dade, Entretanto, nio fui io rigorosae insistente quanto seria num ambiente diferente, no meu esforgo para enfati- sind a sranegreie sara importincia do wabalho intelectual, da producio te6- ‘como uma pritica social que pode ser liberadora. Embora no estivesse com medo de fala, nio quetia set vista como a “estraga-prazeres” que desfa a doce sensacio coletiva de soidariedade na negrtude. Esse medo me lem- brou de como era, mais de dez anos ars, estar nos contex- tos feminisas e fazer perguntas sobre a teoda a prétca, particularmente sobre questes de raga eracismo que cram consideradas capazes de romper a itmandade e«solidarie- dade femininas. Parecia paradoxal que, numa reunifo convocada para honear Marin Lucher King, que tanas vezes iver cor gem de flare agi resistindo a statu gua, algumes mulhe- ‘es negas ainda negasem nosso dirivo de nos engajar em didlogos « debates politics de oposigo, especialmente diane do faro de que esa ocorténcia nfo habitual nas comunidades negra. Por que aquelas mulheres negrassen- tiam a nocessidade de policiar umas is outras, de nogar is coutras um espago dentro da negritude onde pucésiemos falar de teoria sem sentir vergonh? Por que, quando u- shamos« oportunidade de celebrar juntas 0 poder de um pensadorerltico nego que tve coragem dese pdr parts, por que ea ansiedade de reprimie qualquer ponto de vista aque desea entender que podiamos aprender eolesvamen- te com as ideas e visdes de intelectunis/edvicas neg surgentes, que pela propria nacureza do trabalho que fa- i do 0 exteredtipo que mulher negra é sempre aquela que fala viseralmente, que prefere 0 concreto 20 abstr, material a0 eeérico? i A ceoria come pris ibereadora % Infinitas vezes, os esforgos das mulheres negras para fa- lat, quebrar 0 siléncio e engajar-se em debates politicos progresistas radicaisenfrentam oposigfo. Hum elo entre ‘aimposicio de silencio que experimentamos, acensura eo antvintelectualismo em contextos predominantemente nnegtos que deveriam ser um lugar de apoio (como um es- ppago onde sé hé mulheres negras), © aquela imposigfo de siléncio que ocorte em insttuigdes onde se diz 4s mulheres rnegras¢ de cor que elas nfo podem ser plenamente ouvi- das ou escutadas porque seus trabalhos nfo sio suficiente- ‘mente teéricos. Em “Travelling Theory: Culeual Politics of Race and Representation’, 0 critica cultural Kobena “Mercer nos lembra que a negritude & complexa e mulefi- cerada e que os negros podem ser inseridos numa politica reaciondria¢ antidemocritica. Assim como alguns acadé- rmicos de elite cujasteoras da “negritude” a eansformam. sum tezritério crtico onde s8 uns poucos escolhidos po- ‘dem entrar ~ académicos que usam os erabalhos tebricos sobre a raga como meio para afirmar sua aucoridade sobre a experiéncia dos negros, negando o acesso demoeriico 20 processo de construsio tebrica ~ ameagam a lura pela li- bertagio coletiva dos negros, aqueles entre nés que promo- ‘vem o ant-intelectualismo, declarando que toda tcoria é Indu, Fazem 2 mesma coiss. Reforcando a ideia de uma cisio entre a teori ea pritca ou criando essa cio, ambos 6s grupos negam o poder da educacio libertadora para 2 conscigncia ertica, perpetuando assim condigBes que re- forcam nossa exploracio e repressio coetivas. Hi pouco tempo, fai lembrada desse perigoso an telectualismo quando concordei em participar de um pro- 6 Ensnando rangrede sgrama de rédio com um grupo de negras e negros para discutir The Blackman: Guide to Understanding the Black- woman, de Shabrazad Ali, Todos 0s que falaram, um aps 0 outro, expressaram desprezo pelo trabalho intelectual ¢ se colocaram contra todo apelo em favor da produgéo te6- rica, Uma negra insstiu veementemente em que “nao pre- cisamos de tori nenhuma".O livro de Ali, embora escri- to em linguagem simples, num estilo que faz um uso interessante do verndculo dos negros, em uma base te6ti- ca. Estf radicado em teorias do patriarcado (a erenga es- sencialstae sexsta de que a dominagio do sexo feminino ‘pelo masculino ¢ “natural” por exemplo), teorias de que a Imisoginia é a dnica reagio possivel des homens negros diante de qualquer tentativa de plena autoatualizagéo fe- ‘minina, Muitos nacionalistas negros abragam com avidez a teoria € 0 pensamento eriticos como armas necessirias na uta contra a supremacia branca, mas de repente perdem 2 nogio de que a teoria é importante quando o assunto € snero, é a andlise do sexismo e da opressio sexista nos ‘modoe particulares ¢ especificos com que ele se manifesta na experineia dos negros. A discusslo do livo de Ali é um dos muitos exemplos possiveis que ilustram © modo pelo ‘qual o desprezo e a desconsideracio pela teoria solapam a Tuta coletiva de resisténcia A opressio e2 explorago. Dentro dos movimentos feministas revolucionérios, dentro das lus revolucionatias pela libertasio dos negros, temos de reivindicar continuamente a teoria como uma pritica necessdria denceo de uma estrucura holistica de ati vvismo liberrador. Nao basta chamar a tengo para os mo- dos pelos quais a teoria & mal usada. Nao basta crticar 0 ‘A teora como pritca Iberadora ” uso conservador,e as vezes eacionsrio, que algumas aca-

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