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3 COMUNICACAO, TECNOLOGIA E COGNICAO: i REARTICULANDO HOMEM, MUNDO z EPENSAMENTO. Fatima Regis! José Messias? A razéo ndo é descorporificada (..) ela resulta da natureza de nossos cérebros, corpos e experiéncia corporal (..) © propria estrutura da razio advém dos detalhes de nossa corporificacéo. Os mesmos mecanismos neurais © cognitivos que nos permitem perceber o ambiente € 08 mover também criaram nosso sistema conceitual ¢ modos de razio. ‘George Lakoff e Mark Johnson ~ Philosophy inthe lsh SAR Suton 1 Introdugao Refletir sobre cognigao é discutir 0 que so e como se ariculam homem, mundo e pensamento, Instiga a comprender ‘como 0 Pensamento opera para “conhecer” o homem, o mundo ¢ St mesmo (agdo reflexiva do pensamento sobre ele ppréprio), € a indagar qual papel atribuido ao corpo e ao mundo nas operagdes mentais. Essas questdes sobre como o homem pode conhecer e Processar 0 conhecimento no sio novas, No plano cientifico, ‘mparelham-se com 0 nascimento da propria Filosofia. Apesar pomgsora Associa da Faculdade de Comunicasdo Social edo Propama de Fit GraduaeSo em Comunicasto da Universidade do Estado do Rice eek (7PG-ComVER). Bolsa do Programa Prociencia (UERJFAPER. sarap do Programa de Pés-Graduagio em Comunicago © Cutura da Dou Poste Comunicaio da Universidade Federal do Ri de lance (eCo™ POSIUFRY). 23 ta importincia ds longevidede das reflexdes sobre a mente Os achados mencionados por Lakoffe Johnson referem-se humana, 0s estudos experimentais para ancoridas so, de certo © A imestigagiestericas ¢ experiments ceridan oe Stina modo, bastante recentes. Devido as dificuldades de empreender Aécadas nos dominios das cigncias copntives ue tém redimen- Pesquisas empiric sobre o funcionamento da mente, hi até pouco tempo o tema era analisado, quast que exclusivamente, por meio de abordagens filoséficas. * A partir do final do século XIX, investigagdes de disciplinas como a Psicologia © a Neurologia adotaram abordagens expe. rimentais. No século XX, essas disciplinas receberam reforyos de areas como Neuroci ‘a2io, da consciéncia e da linguagem e sobre « hegemonia dessas Fr 05 PrOCeSsos cognitivos. Observa-se cm diversas Pesquisas (Lakoff; Johnson, 1999; Varela, 1990: Clark, 2001; Damasio, pria Filosofia Convergiram para a inaugu- , em meados‘do século passado. Os achados das fas — um campo amplo, constituido por disci nratureza da mente humana, o modo como. suas relagdes Com o mundo e, consequentemente, sobre a propria definigdo de hhomem. Para ilustrar a magnitude das questbes aqui em pauta, vejamos como o linguista George Lakoff eo filésofo Mark Johnson esumem os principais achados das pesquisas de algumas dentre as diversas abordagens das ciéncias cognitivas ara as investigacoes de Gntetenimento, agora pensados em outros termos, Para tanto, ‘A mente é inerentemente corporificada. O pensamento © texto se eompse dey & namaior parte, no consciente?. Os conccitos abstra. P nas partes. A primeira traca um breve tos slo, em grande pare, melons, Eases ate nay papbeamento sobre as reflexdes de como o pensamente opera = [Om Conhecer, com uma perspectiva eminentemente filosética. achados valtosos das ciéncias cognitivas (1999, p. 3. A {radugdo de todas as obras citadas em lingua estrangeira has referéncias bibliogrificas & nossa). sobre 0 campo da comunicasao, em, Particular 0 dos produtos de midia ¢ entretenimento hoje. * Optarnos por traduzir “unconscious” por nlo conscieate a fim de que 0 con- ‘eto no sejeconfundido com o “inconsciente” de al 25 x 2 Do pensamento contemplative ao ctiativo A Filosofia ndo apenas é a mais velha das Ciéncias Cogniivas quanto sua ranificaca epistemoligicn tem fornecido a agenda inicial ~a lista de tipicos ¢ ‘questBes ~ sobre iequal scientists cognition de. athordagem empirica esto trabalhando hoje Howard Gardner The mind's new science AS atividades cognitivas sao inerentes & prética humana ¢ 3 toda sua produgo, De modo que, certamente, podemos afirmar ue variadas priticas cognitivas e modos de conhecer tomaram lugar nas atividades sociais, culturas, politcas e econémi manas das mais diferentes culturas ¢ a0 longo de toda a h; 6 Pré-histori), A proposta aqui ndo é fazer um levantamento dessas préticas cognitivas concretas, mas, antes, resgatar vome 3 ideias sobre o que é a mente e como ela opera para conhecer foram teoricamente construidas e debatidas, sobremudo no campo da filosofia ocidental até os dias atuais Como se sabe, nas primeiras sociedades hurmanas vigorava © Pensamento mitico que explica a origem do mundo ¢ o funcio. ‘amento da natureza com base em uma ordem divina, misteriosa & Sobrenatural. Sendo um discurso de fundagdo, o saber mitico organiza o conhe '0.como uma verdade absoluta e inquestio- navel. A primeira cultura a se debrugar sobre as possibilidades de conhever com base em principios légicos e racionais foi a grega, Na Grécia Antiga, crengas miticas trazidas por comerciantes © viajantes de culturas diferentes se conffontam, relat oso de mito como narragio de uma verdade universal absolute A Filosofia surgiria entio dessa insatisfago com as explicagdes oucoracionais do pensamento mitico. Os primeirosfilésofos da : Com o objetivo de supetar a divida cética e elaborar um método cientifico objetivo, René Descartes segue um longo Processo dedutivo — o das ideias claras ‘e distintas — até chegar 40 cogito “Penso, logo existo”. Como ‘se sabe, 0 cogito garante apenas a existéncia da “coisa que pensa”: a alma. Para demonstrar Tacionalmente a existéncia do mundo fisico — incluindo o proprio compo ~, Descartes ird provar a existéngia de Deus, garantia il. tima de Iquer subsisténcia e, portanto, fundamento absoluto ide. Se Deus existe como farantia da objetividade, r certeza de que 0 mundo fis da certeza a respeito da exis entre duas certezas: a de que “sou uma coisa que pensa’ e a de ue tenho realmente um corpo. Embora a garantia de acesso a0 conhecimento verdadeiro sia dada pela exisiéncia do Deus, é a alma que realiza todo 0 Proceso de atividade mental e representacional. Para executar a {arefa acontento, a alma deve objetivar o corpo, ou seja,livrar-se das percepsdes e sensagdes provenientes do mundo LA mente cartesiana atua como um espelho, contendo representacoes ave podem ser estudadas por métodos puros, no empiricos (Rory, 2002, p.27). Descartes estabelece uma série de preceitos que tém Sido colocados em questo com as recentes pesquisas no ambito das ciéncias cognitivas. Dentre eles, aideia implicita no cogi«o ‘de que todo pensamento ¢ pensado (ndo ha o impensado) ¢ cons. Cieme; a nogio de que o pensamento esté sempre acompanhado 34 2.3 Empiristas ingleses: pice das vivencias Asconcepedes racional crenga em “uma realidade 80, p. 183-4). Contra essa a Tecorre a Deus para garantir que “essas mre HO Se pcm em mim elas sozinhas; pSe-nas ex min Deus, ue é puro espirito, como eu" (spad Morente, 1980, p. 135) David Hume ({1739] 1996) chama essas vivencias ia, SmPles, provenientes de impressdes de nossa vivéncig l6gica, no trazem problema algun para o conhecimento, EP Problema sio as ideias complexas, como a identidade do eu, 35 4 Gusalidade e a ideia de Deus. Estas nfo sio provenientes de odemos observar essas relag&és causais, O argumento de Hume § que essas ideins carecem de realidade: delas +6 odemos ter também ndo existe uma “impress8o” de eu, Hume descarta asubs- tincia pensante - 0 eu como espelho da mente cartesiana ~ que sobrevivera a Locke e Berkeley. 24 Kant: sintese de razioe empiria cas. Em Critica da Razdo Pura de Newton, Hume e Leibniz, K: A concepsio kantiana de que o pensamento racional,obje- tivo eautdnome avanga 0 conhecimentoe fazavangar a moral fo hhomem se estabelece no Hluminismo ¢ funda uma tradigao dificil dk ser abalada. Na Moderidade,diversos pensadores desfechars B0lPes na autonomia do sujito e da razao, Pensemos no mode Como Hegel e Marx advogam que somos determinados pela Hist. Fa, Nietzsche apresenta o modo como somos condicionades pela xperiéncia do compo; Freud desvelaoinconscfente, Mas, apesar disso, ainda permanecem os princpios de que o rigor do méeode Cientfco garantem a possibilidade de se conhecer objetivamente © mundo. 7 “orocesso cognitivo, pos fica claro que “a qualidade dee nossas Sensagoes depende menos da natureza do estimulo [que é externo] = _£ mais do funcionamento do nosso aparelho sensereal™ (Crary, 2004, p. 68) Na virada do século XIX para 0 XX, as pesquisas de Niels © Bohr, Albert Einstein, Ma Planck e Wemer Heisenberg reescre- Wem as proposigaes da Matematica eda Fisica que haviam funds. ‘entado opensamentokantiano,abalando ainda mais as garantiag de objetividade cognitiva da filosofia transcendental Kantiana cias cognitivas e os estudos empiricos da mente 3.1 Cognitivismo Em meados do século XX, a fundagio filantrépica Josiah Macy Jr. organizou dez conferéncias reunindo Pesquisadores emi- 37 nentes de areas como Matemiética, Logica, Engenharia, Fisiologia, Neurologia, Psicologia, Antropologia ¢ outras dom 0 objetivo de “edificar uma ciéncia geral do funcionamento da,mente” (Dupuy, 1996, p. 9). Essas conferéncias ficaram conhecglas como conte. réncias Macy ¢ inauguram a Cibemnética, 7 tistas da Cibernética iniciaram as investigagdes: is — imensos, iméveis e excelentes ~ inspiraram uma nova disciplina, a tapdo simbélica, tomada de deciséo, e processamento de informacao, Os pensadores dessa corrente so os chamados cogniti- sua rea de estudos tem inicio com as pesquisas sobre inteligéncia artificial cujo marco ¢a maquina de Alan Turing, na década de 1930. Os cognitivistas defendem a ideia de uma teoria computacional da mente, ou seja, que a partir de um ‘conjunto de Tegras logico-formais pode-se traduzir todas as fungdes cognitivas para o formato de representagdes simbélicas. Estas representages sda base pela qual se redigea sequéncia de instrugGes elementares ~ 2algoritmo — usada pera programar o computador. O programa & feito passo apasso: o programador fornece as instrugSes para a ‘ealizagao da tarefa. Enfatiza-se assim a légica top-down quan- «do uma representagao de alto nivel da tarefa ou da subtarefa (um objetivo, regras graméticas ou expectativa) é usada para iniciar, ‘monitorar e/ou guiar as ages seguintes, detalhadamente (Boden, 1996, p. 4). 38 mal, uma vez que 0 algoritmo pode ser implementado em um panismobi u outro material. Ao priorizar o processa- es (abstrato por natureza) em detrimento dos bs “racionalistas”. Eniretanto, as teses cogni que a relacdo intrinseca entre cognigdo e co mas computacionais que processam informagdes e repre Bes simbdlicas permitem que se fale em processos cogn ‘iio em sujeito nos moldes cartesianos ou kantianos, 3.2 Conexionismo. © APbs 20 anos de hegemonia, no final da década Marcia explica que o tratamento sequencial da informacao dificulta precusdo de tarefas que requerem um grande niimero de opera- bes. Além disso, nessas tarefas, “a perda ou deterioraco de uma dos simbolos ou das regras do sistema dificulta, em muito, bom funcionamento” (1990, p. 45). A solucdo para esses blemas ¢trabalhar com um sistema de processamento paralelo istribuido, inspirado no modo de funcionamento do cérebro. Essa € a proposta da abordagem conexionista ~ também ecida como redes neurais ~ no campo da IA. O conexio- lomo inspira-se nas estratégias biologicas e pensa a copnicéo ir de uma logica bottom-up. Nesta, as agdes/instrusdes 39 simples fomecidas a unidades individuais interagem, efetuando um comportamento complex. E a légica opostaigo top-down do “ognitivisme, no qual & preciso planejar toda ‘unip esquematiza- Margareth Boden resume a questio ao afimnar que os sis. temas conexionistas: i Consistem em redes ou unidades interconcctadas de modo simples, nas qusisconceitos podem ser represen, indos como um padrio geral de excitaplo dist ibuida Savi de toda a rede, Essas redes si sistemas de pro, Conexionista de inspirar-se nos organismos bio- zada na robética para areprodugdo de um sistema para autOmatos se locomoverem, 33 Robés situados 3 robética em sua tentativa de emular o sistema sensério-motor “esbarrou” em noges preciosas da Biologia Evolutiva e da Neuro- iéncia. Cientistas destes campos Perceberam que atividades corri- 40 Pes, criando os robas Situados ou ancorados (Brooks, 1999), fou endéncia busca construr robs mais auténomos e mais Os roboticistas associaram as redes neurais a ‘modelos con- 3.4 Por uma cognicao ampliada Como vimos na Introdugio deste capitito, Pesquisadores de diversos campos das Ciéncias Cognitivas tan, defendidoa con- icas de comunicagao e entretenimento contempordneos, lar- hente ancoradas nas TIC. Pesquisadores brasileiros e estrangeiros (Aarseth, 1999; 05, 2002; Santaella, 2003; Sé, 2006; Anderson, 2006; Frago- emonstram 2008; Jenkins, 2008; para citar apenas alguns) tém debatido égico e cul ‘© modo como as TIC vém promovendo transformagSes no Corpo e suas interapdes; ma de midias. Esses autores elencam diversas caracteristicas desses pesquisad Me estariam sendo estimuladas nas préticas comunicacionais ¢ lp entretenimento. Em outro texto, Regis etal. resumiram esas teristicas em quatro topicos centrais: (1) Maior participagao construgio ientes de interagio social; 2) Aumento na quantidade de informagies distri buidas em diversas plataformas, exigindo que o usuério atue como um verdadero investigador: & necesséria ums percepedo seletiva acurada para explorar, pingare “nica, envolvendo cérebro/corpo ¢ capaiterag®es com humanos e ndo humanos (interagoes sociais € objetos téenicos) Nesse contexto, caberessaltar que os objetostéenicos tam 'vas (afetivas, sociais) irredutiveis aos processos repre. ionais ¢ conteudisticos pelos quais se costuma avaliar os percebe-se 3.5 Tecnologias de comunicacao e os modelos de cognigao: integrada, distribuida eencadeada Esse background & importante para entender como as ideias ts cognigio ampliada podem ser promissoras Para 0 estudo das "Go. Tendo em vista que, a0 colocar 0 tecnologia ¢ as interagdes sociais no interior do processo » cria-se a abertura para outras formas de aprendizado ¢ bhstrusio de conhecimento, az a Um dos estudes valiosos para esmiugar algumas destas westdes S80 os que tratam da “‘cognigdo integrada”. Os pontos de Partida dessa nogo so 0 mode como aio trabalhadas percepeao €at%o. Em sua pesquisa sobre o funcionaments f Clark afirma que: : * drseanhas de marketing que dependem da panicipagao de usu ais), Fede sociais temiticas (geralmente musicais ¢ de Sm que se pode discutir e compartilhar seu gosto e o de * (srooveshark, lastfn, instagram), ferramentas variadas Bacto imagem, audio video para confecco de montagens, ‘dias e mixagens, entre outros, que vai demandar a determinada Fear ats Sensério-motors, “mental” e cultural nsescarn para NORFG Massively Maliptayer One Rae pag Games jogs ° seu cumprimento. Isso num processo cognitive simultéineo e Faces cae de Dati (RPC) janie onlne por eh pea Lmilicado, ou sea, ntegrado | exemple sina fanguia Worldof hoo, Jé a chamada cognigo sistribuida, Conecito cunhado per ee ARGow aero Gozos, cactamnae Deas Fawin Hutchins (1995, 2000), engiobaria as cognipses integrada foe ihe un roam ein, ypu eae me “ sncadeade (Salvucei; Taaigen, 2011) ~ essa responeine elas $9+iteratives, goralment envolvendo naraivas banca 4s Um dos methores exemplos de u: ‘solado podem surgir da interagio entre individuos. Uma Pode ser encontrado nos vi vez desenvolvidos neste sistema . formar elementos de priticas culturas e assim se tornar ‘tsponiveis para apropriagio dos individuos (Hutchins, 2000, p. 7). E omnis interessante é a diversidade ira quer 10s € ao mesmo tempo apagar todos os tragos te, ela quer apagar os meios no préprio ato 4 troca de informacies quis ¥62es Ocasiona o surgimento “espontineo cognicao distribuida nao trata de de um verdadeiro rearranjo lidades cognitivas em fungao lo me lembro de algo escreve * minha meméria no foi amplificada. Antes, estou usando hitpiwrew youtube.com, a tum conjunto diferente de habilidades funcionais para realizar a ‘arefa da meméria” (2000, p. 7-8). Ou seja, nfo se deve falar em Perdas e ganhos cognitivos, mas em estimulos diférenciados que Propiciam toda uma nova gama de priticas de coftunicagao con- siderando mente, corpo e mundo mum mesmo sistema, 4 Consideragées finais Vimos como ao longo da historia os conceitos de pensa- ‘mento ¢ mente foram pensados majoritariamente por abordagens flloséficas que oscilavam entre uma perspectiva mais raciona. lista ~ entendendo 0 pensamento como inato ou intuido — ¢ uma abordagem de cunho empirico, bscando compreender o papel das ‘Sensagdes e percepedes na formacao do pensamento. No século XIX, psicologia e neurociéncias iniciam experimentos que fazem repensar diversos conceites, sobretudo legado kantiano sobre 235 possibilidades de um conhecimento verdadeiro a partir da no- ‘40 de percepeao objetiva da realidade. Porém, ¢ em meados do steulo XX que as Ciéncias Cognitivas emplacam pesquisas que ‘econfiguram diversas concepgdes sobre a relacdo corpa/mente e ‘© Papel do mundo sociotéenico nos process0s cognitivos. Diversos ci € pesquisadores fazem uso de concep- ‘es dos sistemas emergentes para defender o conceito de cogni- $30 “ampliada”, isto é, a ideia de que 0 processo cognitivo (ou o Que chamamos de mente) é uma rede constituida pela interagses

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